Milagre na cela

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EXT. GUARITA - NOITE SOM OSCILANDO DE UM GERADOR. Silhueta do SENTINELA, 40 anos, rosto magro, com um cigarro de palha na boca e empunhando uma espingarda antiga. Ao fundo, as LUZES OSCILAM junto com o som do GERADOR. O Sentinela puxa a fumaça, iluminando parcialmente seu rosto. PORTA ABRE.

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EXT. EM FRENTE A CASA DAS CELAS - NOITE POV DE JUPIRA: A luz oscilante na entrada da Casa das Celas, ilumina a porta entreaberta. CÍCERO, 35 anos, baixo e magro, e, DANIEL, 43 anos, saem carregando o corpo de um HOMEM. Daniel pelas pernas e Cícero pelos braços. Devido a iluminação oscilante, suas fisionomias mal se distinguem. Eles largam o corpo no chão, levantando poeira. Cícero enxuga o suor da testa. AS LUZES SE APAGAM.

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EXT. SERTÃO PERTO DA PRISÃO - DIA Cícero, suado, pele calejada do sol, usando camisa e calça surradas, termina de enterrar alguma coisa com uma pá. CARRO LIGA. Cícero se vira em direção ao carro (veraneio) em frente à entrada da prisão. Em cima do carro há dois galões de 40 litros amarrados. Um cheio e outro vazio. A entrada é uma passagem larga sem porteira, entre as cercas baixas que rodeiam a prisão. A cerca é feita de pedras, madeira, troncos podres e secos fincados no chão. Ao lado da entrada, a guarita. Cícero acena de forma preguiçosa para o carro. Daniel, sério, machucado no rosto, acelera em direção ao sertão. Cícero atira a pá na chão e corre em direção à prisão. Uma folha com escritos a mão passa ao lado da pá.

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INT. QUARTO DE JOANA - DIA JOANA, 37 anos, está deitada enrolada em lençóis. Ela geme e se vira de um lado para outro. Entre uma virada e outra percebe-se que Joana veste uma camisola e sua mão está entre as pernas. De repente, Joana acorda num susto, elevando-se para frente. CORTA PARA


2. Joana, de habito, ajoelhada, reza ajoelhada em frente à uma Bíblia em cima de uma cômoda. O quarto é pequeno: uma cama, um armário, uma pia e um box com chuveiro. Um crucifixo imponente está pendurado na parede em cima da cama. JOANA (baixo) Bendito sejais, meu Deus, porque ainda me conservais a vida! Fazei, Senhor, que seja só para Vos servir. Não permitais, Senhor, que eu tenha menos cuidado da minha alma que do meu corpo, nem que ela seja despojada da preciosa vestidura da graça divina. AdoroVos, ó meu Deus, e vos agradeço os muitos benefícios que me tendes feito na alma e no corpo, especialmente o de me tendes guardado esta noite e conservado a vida até este dia. Ó meu Deus, concedei-me a graça de cumprir este propósito e de viver até à morte na Vossa Graça e no Vosso Santo Amor. Bendito e louvado seja o Santíssimo Sacramento do altar e a puríssima Conceição da bem-aventurada Virgem maria, concebida em graça e sem mácula do pecado original, desde o primeiro instante do seu ser. Amém. Joana faz o sinal da cruz e se levanta. 5

EXT. CORREDOR 2 DO CONVENTO - DIA Joana caminha observando uma roda de FREIRAS que costuram roupas. O convento é rodeado por muros altos. Joana avista D. VIRGÍNIA, 56 anos, ao fundo, ajoelhada no pequeno e rústico cemitério, com pequenas cruzes de madeira fincadas no chão de terra.

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EXT. CEMITÉRIO - DIA Joana se aproxima do cemitério e para, observando D. Virgínia. D. Virgínia, ajoelhada, usa uma tesoura de cozinha para cortar a grama que invade uma sepultura a sua frente. JOANA (O.S) “Por causa da esperança que vos está reservada nos céus, da qual antes ouvistes pela palavra da verdade do evangelho.”


3. D. VIRGÍNIA (desanimada) Não estou preocupada com o céu, só com a terra. Joana se aproxima de D. Virgínia e se ajoelha ao seu lado. D. Virgínia não olha para ela e segue cortando a grama. D. VIRGÍNIA (CONT’D) Já faz duas semanas que não venho aqui, irmã Joana. Duas semanas... Se não viesse, esse mato já teria escondido o único conforto que tenho. Pelo menos tenho esse conforto. O conforto de visitar o túmulo de meu marido. Já o de meu filho... JOANA Calma, Dona Virgínia, não perca a fé, seu filho ainda pode estar vivo. D. Virgínia se vira para a cruz de madeira. Ela olha, desanimada, para Joana. D. VIRGÍNIA Era... (pausa) É minha única família. Todo dia que eu peço... pela alma do falecido... que um dia meu filho apareça... todo sorrindo, serelepe, daquele jeitão dele de ser. JOANA Eu rezo todos os dias pedindo para seu filho aparecer. D. Virgínia de uma forma seca volta a cortar o mato em volta da lápide. D. VIRGÍNIA E rezar vai trazer meu menino de volta? Vai? Se não vai, só rezar não tem proveito nenhum. Uma lágrima escorre do rosto de D. Virgínia. Joana a abraça e a levanta. 7

INT. JANELA DA SALA DO BISPO - DIA O BISPO, 65 anos, observa Joana e D. Virgínia conversarem.


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EXT. PÁTIO DO CONVENTO - DIA Joana e D. Virgínia caminham lentamente perto da roda das freiras costurando. JOANA Por que a senhora não vem mais na missa? D. VIRGÍNIA Ah... minha filha. Pra quê? O senhor Bispo que me perdoe mas já orei, fiz todos os tipos de promessas, já supliquei por toda a ajuda e ninguém pode me ajudar. Na delegacia só querem que eu espere. Aqui, o Bispo só quer que eu reze. E você parece ser a única a querer me ajudar de verdade, mas não tem como. De uma janela no alto, o BISPO, 65 anos, observa Joana e D. Virgínia conversarem. JOANA (olhando para as freiras costurando) Estou fazendo o que posso para lhe ajudar. As freiras continuam costurando.

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INT. REFEITÓRIO - DIA O refeitório é uma sala grande com mesas compridas. Todas as FREIRAS rezam em silêncio com a cabeça baixa. Joana, que está em uma das mesas, termina de rezar ao mesmo tempo que as outras freiras. Todas fazem sinal da cruz e, imediatamente, começam a comer e a conversar. Ao lado de Joana está IRMÃ GENI, 22 anos. Em frente a Irmã Geni está IRMÃ TEREZA, 52 anos. IRMÃ GENI O Bispo tava te procurando. Joana, pensativa, continua comendo. IRMÃ GENI (CONT’D) Irmã Joana?! Estou falando com você. JOANA Desculpa, Geni.


5. IRMÃ GENI Eu disse que o Bispo estava te procurando. JOANA (impaciente, seco) Eu sei. IRMÃ GENI Eu hein! Que grosseria. Joana larga os talheres e se vira para Irmã Geni. JOANA Desculpa Geni, eu não queria fazer grosseria. Irmã Geni segue comendo fingindo que não está prestando atenção em Joana. JOANA (CONT’D) Irmã Geni? Me desculpa? IRMÃ GENI (infantil) Só desculpo se você parar de se meter em problemas que não são seus. JOANA Irmã Geni! Você sabe o que você está me pedindo? IRMÃ GENI Estou pedindo pra você esquecer a ideia de ser a “salvadora do mundo” e voltar a ser a Irmã Joana que conheci quando entrei aqui. Joana olha com ternura para Irmã Geni. Irmã Tereza presta atenção na conversa de Joana e Irmã Geni enquanto come. JOANA Irmã Geni, agradeço a sua preocupação, mas não estou interessada em ser a “salvadora do mundo” e sim em ajudar quem eu posso ajudar. D. Virgínia, como você bem sabe, é uma “devota” que frequenta há anos a nossa Igreja. IRMÃ GENI Mas nunca, em todos esses anos, alguém a viu acompanhada de seu filho. Esse menino deve ter se metido em confusão, irmã Joana.


6. JOANA Todos nós merecemos o perdão. Se ele fez algo de errado eu não sei, mas sei que uma mãe não merece viver na angústia de ter um filho desaparecido. IRMÃ TEREZA (amargurada) Enquanto isso a reforma e as paredes caem. JOANA Irmã Tereza, o Bispo me designou para tal trabalho e é para ele que devo satisfação. 10

INT. SALA DO BISPO - DIA Bispo olha firme para Joana. BISPO Não quero saber de desculpas, irmã Joana. Você prometeu achar quem fizesse o serviço até o dia de hoje. Joana está sentada em frente ao Bispo. Entre eles uma mesa de madeira nobre. JOANA O senhor, me desculpe. BISPO Irmã Joana, me espanta esse seu descaso com o lugar onde você cresceu. (subitamente) Aii! Bispo sente dor em sua mão e olha para FREIRA 1, 22 anos, ao seu lado, fazendo sua mão. A sala tem móveis bem lustrados, quadros e objetos religiosos luxuosos. BISPO (CONT’D) (para Freira 1) Já mandei tomar cuidado com essa unha! Bispo estende novamente a mão para Freira 1. JOANA O que o senhor tá dizendo não é verdade. (MORE)


7. JOANA (CONT'D) Eu nunca fiz descaso do nosso convento. É pelo bem dele que eu... BISPO O que você sabe sobre o bem do convento, irmã Joana? O bom para o convento é que as paredes sejam reformadas para que a gente possa receber as pessoas com dignidade. JOANA Existem outras coisas também. Bispo tira a mão das mãos da Freira 1 e se levanta. Ele olha Joana nos olhos. BISPO (nervoso) Irmã Joana! Esse lugar a acolheu quando você precisava! Esse lugar foi a sua família quando você não tinha família! Agora trate de fazer o que você tem que fazer! 11

INT. QUARTO DE JOANA - NOITE Joana, sentada em sua cama, escreve uma carta. Ao lado, uma FOTOGRAFIA de uma MULHER, 30 anos, parecida com Joana, com uma criança no colo.

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INT. CORREDOR DOS QUARTOS - NOITE Bispo, vestindo roupas caseiras e confortáveis, caminha pelo corredor apagando as luzes. Ao apagar a última luz ele percebe um feixe de luz vindo de baixo de um dos quartos. Bispo se aproxima do quarto, se abaixa, olha para os lados e espia pelo buraco da fechadura.

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INT. QUARTO DE JOANA - NOITE Joana escreve a carta quando, por um momento, ela hesita, olha para a imagem de Jesus, olha para fotografia e amassa a carta.

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INT. QUARTO DE MARINA E DANIEL - NOITE Daniel e MARINA, 30 anos, grávida, cabelo curto, transam. Vira.

DANIEL

Daniel tenta mudar a posição de Marina. Um pouco de sangue escorre do seu machucado no rosto.


8. DANIEL (CONT’D) (impaciente) Vira um pouco, Marina. MARINA Não dá, Daniel! Não dá! Daniel insiste em mudar Marina de posição. MARINA (CONT’D) Ai! Para Daniel. Daniel, imediatamente, para de transar e se deita de barriga pra cima. O sangue escorre por seu rosto. DANIEL Porra, Marina, o doutor disse que não tem problema nenhum. MARINA Mas eu não quero. Eu sinto dor. Não quero. Daniel pega um maço de cigarro na cômoda. Marina vê o sangue na cama. MARINA (CONT’D) Que sangue é esse, Daniel? Ela vê que o sangue vem do machucado de Daniel. MARINA (CONT’D) Você tá sujando todo o lençol, Daniel! Daniel passa a mão no sangue e acende o cigarro. DANIEL Sente dor nada, Marina. Se sentisse eu ia saber, também. Você tá fazendo isso de propósito. MARINA Não fala isso, Daniel! Se eu tô falando isso é porque é verdade! Apaga esse cigarro, por favor! 15

EXT. EM FRENTE À CASA DE D. VIRGÍNIA - DIA POV DO POLICIAL 1: Joana caminha até parar em frente a casa de D. Virgínia. Ela olha para um papel em sua mão. POV DE JOANA: Ela confere um endereço escrito a mão no papel: “Dante Machado, 123”. Ela olha para a fachada e confere o número da casa: “123”.


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INT. CASA DE D. VIRGÍNIA - DIA D. Virgínia dorme num velho sofá. Ela segura uma carta. No fundo, junto à parede, sobre uma mesinha, uma imagem de Nossa Senhora divide espaço com uma vela apagada já quase toda derretida. BATIDAS NA PORTA. D. Virgínia acorda assustada. Ela fecha a carta colocando-a dentro de uma caixa onde há outras cartas. D. Virgínia esconde a caixa de baixo do sofá e caminha até a porta. Ela abre a porta e vê Joana na soleira da porta. D. VIRGÍNIA (surpresa) Irmã Joana! Entre, entre. Não repare na bagunça. JOANA Não estou incomodando? D. VIRGÍNIA Que nada minha filha, faz favor. D. Virgínia, de forma carinhosa, deixa Joana entrar enquanto discretamente dá uma olhada para os dois lados da rua. Joana tira um santinho do bolso. JOANA Desculpa vir até a sua casa, mas como você não tem frequentado a missa... resolvi vir aqui pra ver como está. D. Virgínia fica em silêncio. JOANA (CONT’D) Trouxe pra senhora. Ela entrega o santinho à D. Virgínia que coloca os óculos e o lê. D. VIRGÍNIA Santa Bibiana. Obrigado minha filha. Senta ali, vou esquentar um cafezinho. Joana se senta no sofá, de onde vê a pequena cozinha no fundo da sala. Ela vê a imagem de Nossa Senhora e o cotoco de vela. D. Virgínia acende o fogão com um fósforo e coloca um bule no fogo. JOANA A senhora precisa de uma vela nova! Lá no convento tem de sobra. Trago uma pra senhora.


10. D. VIRGÍNIA (de costas para Joana) Não carece filha... logo mais vou no armazém. D. Virgínia pega duas xícaras. D. VIRGÍNIA (CONT’D) Foi uma grande mulher... Quem?

JOANA

D. VIRGÍNIA A Santa Bibiana. Diz que antes de virar santa ela era prostituta. D. Virgínia se vira para Joana. Vê que ela esta olhando para a parede onde um retrato grande de Pedrinho, 4 anos, está pendurado. Um cordão está preso sobre a moldura do retrato e uma medalha pende sobre a foto. D. VIRGÍNIA (CONT’D) Bonito ele, não é minha filha? JOANA É sim... e a medalha, o que é? D. VIRGÍNIA Pedrinho ganhou quando tava no colégio. Foi uma poesia que ele escreveu há uns três ou quatro anos... quando tinha quinze anos. Joana se surpreende. D. VIRGÍNIA (CONT’D) Eu acho que ainda lembro da história... BULE APITANDO. D. VIRGÍNIA (CONT’D) Ai meu Deus! O café! D. Virgínia desliga o fogo, serve café e entrega uma xícara para Joana, sentando-se logo em seguida. D. VIRGÍNIA (CONT’D) Era sobre um menino que vivia no interior do sertão e adorava brincar perto de um umbuzeiro. Subia nos galhos e gostava de mascar as folhinhas... sentir aquele azedinho na boca. Joana bebe um gole enquanto presta atenção na história.


11. D. VIRGÍNIA (CONT’D) Sentava na sombra dele e ficava horas ali. Foi o único amigo de verdade que ele teve na vida toda. D. VIRGÍNIA (CONT’D) Não me lembro direito como é que termina, mas era de uma beleza... falava de solidão, sabe? Quero ler.

JOANA

D. VIRGÍNIA Você não sabe como fiquei orgulhosa. Sei que você optou por uma vida dedicada a religião, mas sentir orgulho de um filho é muito mais que uma simples vaidade, irmã Joana. É a comprovação de uma vida... D. Virgínia repara que Joana abaixa a cabeça. D. VIRGÍNIA (CONT’D) Tudo bem, irmã Joana? Desculpa... eu não queria... JOANA Não é isso... É que... tenho que ir... Nem reparei na hora... Queria só ver como a senhora estava. Eu volto assim que eu tiver alguma notícia, D. Virgínia. D. Virgínia se levanta. Joana entrega a xícara para ela. D. VIRGÍNIA Volte com ou sem notícia, minha filha. Volte sempre que me dá muito gosto. 17

EXT. RUA - DIA POV DO POLICIAL 1: Joana se despede de D. Virgínia, que fecha a porta e entra. Joana segue pela rua, afastando-se. O POLICIAL 1, 30 anos, vestido à paisana, dentro de um carro, observa Joana a distância.

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INT. SALA DE AULA - DIA Joana dá aula para um grupo de 10 CRIANÇAS, de aproximadamente 8 anos, numa pequena sala. As crianças e Joana estão sentadas no chão formando uma roda.


12. Eles brincam de “lenço atrás”. Um MENINO anda ao redor do lado de fora da roda com um pequeno lenço nas mãos. TODOS Corre, cutia, Na casa da tia, Corre cipó, Na casa da avó, Lencinho na mão, Caiu no chão, Moça bonita, Do meu coração... O Menino deixa o lenço cair atrás de Joana e sai correndo dando a volta na roda. As crianças ficam exaltadas. Joana pega o lenço, se levanta e corre atrás do Menino. O Menino é mais rápido e consegue sentar no lugar deixado por Joana. Joana cai na risada quando, de repente, ela olha para a porta e vê POLICIAL 2, 40 anos, vestido a paisana, ao lado do Bispo. Joana abaixa o olhar. Eles, ao repararem que Joana os olhou, saem de perto da porta. 19

INT. CORREDOR DO CONVENTO - DIA GRITOS DE CRIANÇAS e RISADAS ao longo da cena. O Bispo e o POLICIAL 2, 40 anos, caminham pelo corredor. POLICIAL 2 É ela mesmo. BISPO Irmã Joana... POLICIAL 2 O senhor sabe que contamos com a sua ajuda. BISPO Meu filho... eu já tenho preocupação demais aqui da igreja... não posso ficar tomando conta da vida dos outros. POLICIAL 2 Mas o senhor conhece bem a sua paróquia. Os dois caminham em silêncio.


13. POLICIAL 2 (CONT’D) Acho que senhor precisa cuidar melhor das suas mulheres. O Bispo, surpreso, se vira sério para Policial 2. BISPO Se o senhor não se importa, tenho muito o que fazer. O Policial 2 concorda com a cabeça. POLICIAL 2 Eu volto uma outra hora. Obrigado pela sua atenção. Você sabe que a sua gratidão sempre será recompensada. Sua benção. BISPO (contrariado) Deus te abençoe... O Policial 2 caminha em direção à saída. 20

INT. CORREDOR DA CASA DAS CELAS - DIA GEMIDOS E GRITOS INCOMPREENSÍVEIS. JUPIRA (O.S.) (excitada) Vamo! Vamo! Mais forte! É um corredor escuro, úmido, sujo com portas de celas dos dois lados. De costas e em pé, Cícero se masturba, olhando através da portinhola da porta de uma cela. POV DE CÍCERO ATRAVÉS DA PORTINHOLA: JUPIRA, 30 anos, loira, transa com NEGRÃO, 35 anos, um negro grande que, de costas, sustenta Jupira com as mãos. Jupira, de frente para Cícero, deixa ele observá-la.

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INT. CELA DO NEGRÃO - DIA Jupira e Negrão transam até ele gozar. Negrão solta os braços e Jupira se pendura em seu pescoço. JUPIRA Já? Capeta! Eu quero mais! Mais!! Jupira tenta continuar a transa, mas o Negrão, exausto, cambaleia para a escuridão. Jupira se solta. Ela veste um vestido simples e curto e tem os seios a mostra.


14. JUPIRA (CONT’D) Uma coisa desse tamanho! E não sabe aproveitar! Deus meu! Jupira se vira para a porta e vê os olhos de Cícero através da portinhola. JUPIRA (CONT’D) E você? Já acabou também? Jupira mostra a bunda para Cícero e ri, relevando um dente de ouro. 22

INT. CORREDOR DA CASA DAS CELAS - DIA Cícero se masturba olhando pela portinhola. POV DE CÍCERO ATRAVÉS DA PORTINHOLA: Jupira mostra a bunda para Cícero e vai em direção à porta. Ela ainda dá uma última olhada para trás e vê o Negrão estirado no chão. JUPIRA Abre Cícero! Esse aí já tá mansinho! Cícero, atrapalhado, cai para trás enquanto tenta fechar as calças. BATIDAS NA PORTA. JUPIRA (O.S.) (CONT’D) Vai diabo, abre essa porta!!! Cícero procura a chave em seu bolso. Ele acha a chave, põe na fechadura, destranca a porta e a abre. Jupira sai de dentro da cela terminando de colocar o vestido. Cícero fecha a porta e a tranca em seguida. Jupira vê que as calças de Cícero ainda estão abertas. JUPIRA (CONT’D) Êita homem... guarda essa miséria pra dentro das calças... Cícero ajeita as calças e sobe o zíper. CÍCERO Jupira, num começa, não!! Jupira o ignora e segue andando pelo corredor. Cícero ainda fica diante da porta tentando fechar as calças.


15. 23

INT. SALA DA CASA DE DANIEL - DIA Daniel, sentado em uma poltrona, pega um maço de Marlboro e acende um cigarro. Marina, sorridente, entra em casa carregado um envelope grande. MARINA Oi, amor. Já chegou do trabalho? Não. Não?

DANIEL MARINA

DANIEL Sim, Marina. Sim. Eu já cheguei. Marina sorri inocentemente. MARINA Adivinha o que o médico disse? DANIEL Prefiro não. MARINA Ai Daniel! É notícia boa. Marina se aproxima de Daniel abrindo o envelope. MARINA (CONT’D) O médico disse que está tudo bem com nosso bebê. Ele tá muito bem nutrido e vai ser muito saudável. Marina senta no colo de Daniel, que a beija. DANIEL Médicos e advogados são todos iguais: falam só o que lhes garantem o dinheiro. Você sabe que o que eles dizem não adianta em nada. Marina se levanta. MARINA Pra mim vale! DANIEL Porque você é burra de acreditar neles de novo, mesmo sabendo que o pior ainda pode acontecer.


16. Marina põe a mão sobre a barriga e sente um mal estar. Ela se escora na parede, respirando fundo. 24

EXT. EM FRENTE DA IGREJA - DIA Joana varre a escadaria em frente da igreja. Ela vê uma MULHER, 19 anos, vestida de forma simples, com uma CRIANÇA, 1 ano, no colo. Ao seu lado uma mala velha e um MENINO, 4 anos, magro e usando roupas surradas, agachado brincando com um pião velho de metal. Joana vê que a Mulher está olhando para ela. Joana termina de varrer e se aproxima da Mulher. Boa tarde.

JOANA

A Mulher cumprimenta Joana com a cabeça enquanto ajeita a criança no colo. JOANA (CONT’D) Posso ajudar? MULHER Irmã Joana... num é? Joana, intrigada, balança a cabeça confirmando. MULHER (CONT’D) Vim de muito longe só pra falar com a senhora e pedir sua benção. JOANA Como sabe meu nome? A Mulher sorri, humilde. MULHER A senhora é muito falada... ajuda a encontrar os parentes sumido. JOANA Mas quem te disse isso? MULHER O povo é que diz... diz até que a senhora é santa. Joana se irrita um pouco. JOANA Mas que bobagem! Santa... essa é boa! A Mulher baixa a cabeça envergonhada. Seu rosto mostra seu cansaço. A criança volta a chorar.


17. JOANA (CONT’D) Vem! Elas devem tá morrendo de fome. E você também. 25

INT. REFEITÓRIO - DIA Joana está sentada numa mesa grande diante da Mulher e do Menino. Ele come a comida como se foses a primeira vez. A Mulher, apesar de faminta, come mais devagar, como se estivesse agradecendo a cada colherada pelo alimento que está comendo. Joana segura a criança no colo e dá uma mamadeira com leite para ela. MULHER A senhora me desculpe... mas é que sou sozinha com minhas crianças. Já faz mais de mês que meu marido sumiu. JOANA Sumiu? Foi embora? A Mulher olha séria para Joana. MULHER Não, senhora! Sumiu mesmo! Num sou mulher de homem fugi não! Pra mim foi os homem que levou ele embora. JOANA Que homens? MULHER Os homem que trabalha pra polícia. Joana parece não entender. MULHER (CONT’D) Ele num é bandido não senhora, viu? É homem trabalhador! JOANA Mas então... por quê... A Mulher deixa a colher no prato e se aproxima de Joana, falando baixinho. MULHER Ele viu coisa que num era pra vê. O quê?

JOANA


18. MULHER Ele num disse não senhora... mas ficou muito assustado depois desse dia. Chegou até a botar bala no revólver. Joana, intrigada, repara que ao fundo, duas freiras comentam algo entre si olhando para ela, a Mulher e as crianças. 26

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA GRITOS DE CRIANÇAS BRINCANDO. Um ponto de reflexo do sol segue uma formiga. MENINA (O.S.) Ali tia! Mata ela, tia! JUPIRA (O.S.) Calma, menina. Agora vai! A formiga para e morre queimada. Em baixo de uma árvore seca, estão sentadas Jupira e uma MENINA, 9 ANOS, vestida com roupas surradas. Jupira segura um pequeno espelho. MENINA Conseguiu, tia! Morreu! Jupira começa a rir. A Menina olha para o dente dourado. MENINA (CONT’D) Tia, me diz o que aconteceu com seu dente? Jupira se levanta e deixa cair o espelho no chão. JUPIRA (gritando) O que aconteceu com meu dente?! Vou dizer o que aconteceu com meu dente! Jupira pega a Menina pelo braço e a levanta. A Menina se espanta. Jupira a olha nos olhos. JUPIRA (CONT’D) (gritando) Aconteceu que eu dei uma lição num filho da puta! Um filho da puta! Cícero aparece na janela de sua casa.


19. CÍCERO (gritando) Jupira!! Para de gritar essas coisa, mulher! JUPIRA Menina! Esses homem não presta, não! Cícero sai da sua casa. CÍCERO Cala boca, Jupira! Depois sou eu que tem que aguentar o mãe deles! Jupira larga Menina que começa a chorar. Jupira pega seu espalho no chão e sai, limpando-o. JUPIRA Os sobrinhos são seus mesmo. Aguenta você! Cícero pega a menina no colo. CÍCERO Já falei que não é pra perguntar essas coisa pra tia Jupira! MENINO 2, 8 anos, e MENINO 3, 10 anos, aparecem na janela. MENINO 1 E MENINO 2 ( em coro para Jupira) “Tia Jupira, doida de pia.” ”Tia Jupira doida de pia.” JUPIRA Calem a boca! 27

INT. SALA DO BISPO - DIA O Bispo, carregando uma expressão de preocupação, olha pela janela. BATIDAS NA PORTA. BISPO Entre e feche a porta, por favor. Joana entra na sala. Pois não.

JOANA

O Bispo se vira. Ele está com um curativo no dedo. Joana se senta.


20. BISPO Irmã Joana, sabemos que você está envolvida em assuntos que não lhe diz respeita. JOANA Mas Bispo... BISPO Irmã Joana! Por favor, um mínimo de respeito! Joana abaixa a cabeça por um instante. O Bispo se senta. BISPO (CONT’D) Esses dias recebi uma visita inesperada. Um policial, irmã Joana. Um policial em nosso convento. A situação está ficando insustentável. JOANA Realmente, Bispo, está ficando insustentável. As pessoas estão desaparecendo e ninguém faz nada! BISPO Isso não é problema nosso! Isso é problema da polícia, irmã Joana. Me diga o que você... o que nós podemos fazer?! Joana fica em silêncio. BISPO (CONT’D) Dona Virgínia não é a dona da razão. Ela é uma pessoa que sofreu muito e por isso deveria aumentar sua fé, ao invés de perdê-la. O que nós podemos fazer é dar apoio aos familiares, rezar pelos desaparecidos e isso nós estamos fazendo. Deus é testemunha disso! JOANA (exaltada) Deus irá provar que podemos fazer mais do que isso! BISPO Irmã Joana! Você está se colocando acima de Deus! Você tem deveres a cumprir aqui no convento e Deus sabe que você está passando noites em claro. Joana, surpresa, se levanta indignada.


21. JOANA (convicta) Não estou me colocando acima de Deus. Estou me colocando a serviço de Deus. E Ele irá provar que podemos fazer mais do que isso! Joana dá as costas para o Bispo se dirigindo à porta. BISPO Irmã Joana, não esqueça que Deus age por modos estranhos! Ouviu?! Joana abre a porta e sai deixando a porta aberta. 29

INT. QUARTO DE JOANA - NOITE Joana, sentada diante da cômoda, escreve uma carta. JOANA (V.O.) Prezado Cardeal Arce-bispo. Venho por meio desta solicitar seu auxílio em uma missão difícil e de grande importância. Jamais questionei minhas obrigações perante Deus e a santa igreja. Por isso escrevo humildemente para o senhor. Há algum tempo um fato curioso vem acontecendo aqui nas redondezas do convento. No início era apenas um jovem de vinte e poucos anos. Ele desapareceu sem dar notícias deixando uma mãe desesperada. Dizem que outras pessoas começaram a desaparecer também de forma estranha. Alguns fiéis, tementes a Deus, chegam a acreditar que haja envolvimento da polícia nos desaparecimentos, o que entendo ser apenas um boato. Joana para de escrever e levanta a cabeça como se estivesse lembrando de algo. Logo em seguida ela volta a escrever. JOANA (V.O.) (CONT’D) Um fato acontecido recentemente com uma jovem mãe com filho ainda no colo me sensibilizou e é por isso que peço sua ajuda. Me parece que o marido dela foi sequestrado. O Bispo a quem devo lealdade me aconselha a não me envolver neste caso mas, como já disse, já estou sensibilizada demais e portanto envolvida nessa missão que acredito ser uma provação da minha fé. (MORE)


22. JOANA (V.O.) (CONT’D) Peço seu auxílio para dar consolo a todas essas almas que estão aflitas com o desaparecimento dos seus entes queridos. Tenho certeza que com sua ajuda conseguiremos resolver essas questões. Peço sua benção para que eu tenha força e caminhe sempre ao lado de Deus, e para que minha fé não se abale. DETALHE DA CARTA: Joana escreve as últimas palavras. JOANA (V.O.) (CONT’D) Atenciosamente, Irmã Joana. 30

EXT. PÁTIO DO CONVENTO - DIA Joana e algumas freiras, entre elas irmã Tereza, costuram roupas usadas. Elas sentam em cadeiras de madeira formando um semi-círculo. No centro estão algumas sacolas abertas com roupas amontoadas. Joana vê que D. Virgínia se aproxima pelo corredor carregando uma sacola com roupas e um pequeno embrulho. Joana olha ao redor e vê que as mulheres continuam costurando em silêncio, concentradas. Joana se levanta, coloca a roupa que estava costurando sob a cadeira e caminha em direção ao corredor de onde vem D. Virgínia.

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INT. CORREDOR 2 - DIA Joana se aproxima de D. Virgínia. Ao fundo, no pátio, as mulheres continuam costurando. D. Virgínia está séria e parece preocupada. JOANA D. Virgínia! Que bom ver a senhora. Trouxe roupas pra doação? D. Virgínia olha na direção das mulheres costurando e depois para Joana. D. VIRGÍNIA (nervosa) Sim, minha filha, trouxe umas roupas do falecido. D. Virgínia entrega a sacola de roupas para Joana. Ela olha para o corredor, para os lados. Joana percebe o nervosismo de D. Virgínia. JOANA Tá tudo bem?


23. D. VIRGÍNIA Não, minha filha... acho que tem gente me seguindo. Joana sorri e tenta acalmar D. Virgínia. JOANA Que é isso D. Virgínia? Por quê alguém iria seguir a senhora? D. Virgínia continua séria. O sorriso de Joana se desfaz aos poucos. D. VIRGÍNIA Tome cuidado, filha! D. Virgínia olha mais uma vez através do corredor e entrega a mão com o embrulho para Joana. D. VIRGÍNIA (CONT’D) Guarde isso aqui muito bem! Abra quando estiver sozinha. Joana, confusa, pega o embrulho. D. VIRGÍNIA (CONT’D) Irmã Joana, a coisa toda é muito pior do que eu imaginava. JOANA O quê D. Virgínia? D. Virgínia segura forte o braço de Joana que segura o embrulho. D. VIRGÍNIA Não esqueça! Abra somente quando estiver sozinha! D. Virgínia encara Joana, coloca as mãos no rosto dela carinhosamente. D. VIRGÍNIA (CONT'D) Eu tenho que ir, minha filha. Viajo hoje mesmo pra casa de minha irmã. Ao fundo, irmã Tereza se levanta. IRMÃ TEREZA Joana! Deixa de prosa! Tem muito serviço pra fazer! D. VIRGÍNIA Vai minha filha.


24. JOANA Boa viagem pra senhora. Vou fazer de tudo para ajudar a encontrar Pedrinho. D. VIRGÍNIA Se cuide, filha, por favor. Você merece muita coisa boa. Elas ainda se olham por alguns instantes. D. Virgínia abraça forte Joana, se vira e caminha pelo corredor apressando os passos. 32

EXT. PÁTIO DO CONVENTO - DIA Joana volta para junto das mulheres, coloca a sacola de roupa junto com as outras no centro e cuidadosamente coloca o embrulho debaixo da cadeira, sentando-se em seguida. Ela segura a roupa que estava costurando e a agulha com linha. Permanece assim por alguns segundos.

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INT. COZINHA DE DANIEL - NOITE Daniel e Marina estão na mesa de jantar. Marina ainda come enquanto Daniel fuma e bebe uísque. MARINA Amor, você já foi ver o berço que eu te falei? Não.

DANIEL

MARINA Daniel, o bêbe vai nascer e não vai ter onde ficar! DANIEL Claro que vai, Marina! Deixa de fazer rebuliço à toa. MARINA Não sei... Não entendo... Marina olha para Daniel esperando atenção dele. MARINA (CONT’D) Não entendo mesmo... Cada vez que você viaja a trabalho volta mais estranho. 34

INT. CORREDOR - NOITE O Bispo caminha pelo corredor apagando as luzes.


25. Ele para diante do quarto de Joana e vê pela fresta da porta que as luzes de dentro estão apagadas. Ele se aproxima da porta tentando ouvir algo. SILÊNCIO. Ele recua e volta a caminhar pelo corredor apagando as luzes. 35

INT. QUARTO DE JOANA - NOITE PASSOS SE DISTANCIANDO. A luz que entra pela janela permite que Joana caminhe até a porta sem se preocupar. Ela encosta o ouvido na porta. Joana se volta, caminha em direção a cômoda e acende uma vela que está em cima. Joana pega o embrulho e o abre. Dentro do embrulho há várias cartas. Ela examina a primeira carta e confirma seu nome como destinatário. Ela olha o endereço: “Dante Machado, 123”. Joana, assustada, verifica outras cartas constatando que o destinatário é ela e o endereço é o de D. Virgínia. Joana abre uma carta e começa a ler. JOANA Irmã Joana, meu desespero é enorme. Já faz três semanas que não vejo meu marido. Nós a recém nos casamos. Essa é a última foto dele. Por favor, me ajude. Assinado: Nádia. INSERT DA FOTO DO DESAPARECIDO. A LUZ SE APAGA. Joana com a foto na mão, fecha a janela e acende, novamente, a vela. Ela pega outra carta e começa a ler. MONTAGEM ENTRE A VOZ DE JOANA LENDO E A VOZ DOS REMETENTES (sempre voz feminina): JOANA (CONT’D) Caríssima irmã Joana, peço que ajude a cessar o meu... VOZ DO REMETENTE 1 ... desespero. Meu filho saiu para a faculdade há seis dias e não voltou. Acho que pode ter acontecido com ele o que já dizem ter acontecido com outros. Joana pega outra carta e a lê.


26. VOZ DO REMETENTE 2 ... já vendi tudo o que tinha, irmã. Tudo pra tentar achar uma pista... MONTAGEM DE CLOSES DAS CARTAS, CLOSES DAS MÃOS TREMULAS DE JOANA LENDO, CLOSES DE SEUS OLHOS E DE SUA BOCA. JOANA ... Sou uma pobre mãe de família do interior do Paraná. Por favor, me ajude. As mãos de Joana tremem segurando as cartas. Ela pega algumas cartas e confere que foram mandadas de várias partes do Brasil. VOZ DO REMETENTE 3 ... já fui na delegacia e ninguém sabe me dizer nada. Irmã Joana, dizem que você já ajudou outras mães, eu suplico: me ajude! VOZ DO REMETENTE 4 ... desde que meu marido sumiu não tenho dinheiro pra comida das crianças... BATIDAS NA PORTA. 36

EXT. ENTRADA DO CONVENTO - NOITE Um carro estaciona.

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INT. CORREDOR DO CONVENTO - NOITE BATIDAS NA PORTA. O Bispo, vestindo roupas caseiras e confortáveis, anda apressado pelo corredor escuro.

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EXT. ENTRADA DO CONVENTO - NOITE As portas do carro se abrem e vemos as pernas de TRÊS HOMENS saindo.

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INT. CORREDOR - NOITE O Bispo, assustado, caminha rápido em direção à porta de entrada. BATIDAS FORTE NA PORTA. O Bispo abre a porta e toma um susto.


27. BISPO Mas o que é isso?! 40

INT. CASA DE CÍCERO - DIA Cícero brinca com as crianças. CÍCERO Cuidem pra não deixar nada atirado por aí! RÁDIO AMADOR CHAMA. CÍCERO (CONT’D) (para as crianças) Vão lá pra fora que o tio Cícero tem que trabalhar! Vão logo! As crianças saem. Cícero caminha até o rádio amador. CÍCERO (AO RÁDIO AMADOR) (CONT’D) (animado) Diga dotô! Tudo certinho?

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EXT. GUARITA - DIA Sentinela, vestido como um cangaceiro, fuma um cigarro de palha enquanto observa um fusca saindo em direção ao sertão.

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INT. FUSCA - DIA Cícero, mal humorado, dirige com as crianças. FADE OUT.

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INT. CASA DE CÍCERO - DIA TELA PRETA. RESPIRAÇÃO. FADE IN: POV DE JOANA: Ela tem a cabeça coberta por um saco de juta com minúsculas perfurações que não permitem identificar nada em sua volta. DURANTE TODO O POV DE JOANA, ELA FECHA A ABRE OS OLHOS LENTAMENTE, COMO SE ESTIVESSE QUASE DESMAIANDO A TODO MOMENTO. CÍCERO (O.S.) Cadê essa porcaria! O meu Deus!


28. GAVETAS ABRINDO E FECHANDO. CÍCERO (O.S.) (CONT’D) (projetando) Jupira. Jupira! Jupira!! JUPIRA (O.S.) (gritando de longe) Que é miséria? CÍCERO (O.S.) Cuidado com a boca, mulher. Cadê a câmera? Andou pegando ela de novo?! JUPIRA (O.S.) Eu não peguei porra nenhuma! Aposto que ela tá no mesmo lugar de sempre. Onde?

CÍCERO

JUPIRA Dentro da gaveta das ferramentas. FERRAMENTAS SENDO REVIRADAS. CÍCERO (O.S.) Onde diabo? Ah! Achei! Não quero que você mexa nas minhas coisas, ouviu?! JUPIRA (O.S.) (distante) Ah! Vá encher o saco de outro, miséria! PASSOS SE APROXIMAM DE JOANA. POV DE JOANA: UM ÚLTIMO FECHAR DE OLHOS. CÍCERO Acorda mulher! POV DE JOANA: Cícero tira o saco da cabeça de Joana. Ele segura uma câmera polaroid na mão, olha com espanto para o rosto de Joana e depois para o corpo dela. CÍCERO (CONT’D) Pra uma freira, até que é bem apanhada! POV DE JOANA: Ela fecha os olhos vagarosamente. Joana, muito suada, com os cabelos grudados no rosto e no pescoço, está sentada numa cadeira em frente à uma mesa. Ela veste uma camisola folgada; tem uma expressão muito sofrida e cansada. Sua boca está extremamente seca.


29. Cícero abre os olhos dela, esticando suas pálpebras. CÍCERO (CONT’D) Acorda, mulher! Isso é hora de dormir?! Cícero tira uma foto de Joana. Ela, assustada, abre os olhos e os fecha e, imediatamente, leva mão à um crucifixo no pescoço. CÍCERO (CONT’D) Agora acordou, né! JOANA (sofregamente) Quem é você? Joana se esforça para tentar olhar para os lados, porém tem dificuldade em manter os olhos abertos. Cícero tira a foto da polaroid, sacode e coloca em cima da mesa. CÍCERO O freirinha curiosa! Mal chegou e já tá cheia de pergunta. Cícero tira outra foto de Joana. Ela vira o rosto reagindo ao flash da câmera como se fosse um tapa. JOANA O que é isso? Onde é que eu... Joana se engasga e começa a tossir. CÍCERO Nunca viu uma câmera na vida? Cícero tira a foto da polaroid, sacode e joga em cima da mesa. CÍCERO (CONT’D) Tá com sede freirinha?! Tá com a boca que parece pescoço de calango! Cícero pega um copo com um pouco de café e joga o conteúdo pela janela. Ele caminha até uma pia. CÍCERO (CONT’D) Onde já se viu! Uma moça bem apanhada... nesse estado... freira é tudo mal cuidada mesmo... não deve nem tomar banho direito... Joana, cabisbaixa, com dificuldade em abrir os olhos, observa o lugar. O ambiente, sujo e bagunçado, não tem repartições, exceto um pequeno quarto fechado; uma cama no canto oposto da pia, uma janela em cima desta, e, carnes secas penduradas pelas paredes.


30. Cícero serve água da torneira. De repente, ele começa a rir infantilmente. Ele volta com o copo em direção à Joana. CÍCERO (CONT’D) Você já ouviu aquela da freira que tava costurando e se furou com a agulha e gritou “Droga me furei! Depois disse “Merda eu disse droga” Depois “Porra eu disse Merda! Depois “Puta que pariu!! Eu não queria ser freira mesmo”! Cícero cai na gargalhada e dá o copo para Joana. A água do copo é turva. Ela pega o copo e bebe desesperadamente. CÍCERO (CONT’D) (rindo) Essa foi boa! Cícero olha as fotos em cima da mesa. Joana parece estar pior do que está. CÍCERO (CONT’D) Acho melhor tirar outra. Escute, freirinha, eu sei que você não é uma modelo, mas você podia ao menos se arrumar um pouquinho pra foto, né?! JOANA Onde é que eu tô? Que lugar é esse? CÍCERO Não te interessa! JOANA Por que eu estou aqui? CÍCERO Se você não sabe como é que eu vou saber?! Agora trate de tirar esse cabelo da cara que eu tenho que tirar uma foto decente senão o dotô vai brigar comigo. JOANA Tem mais água? CÍCERO Tem, se você tirar esse cabelo todo pra eu tirar a foto. Vamo! Vamo! Tira logo! Joana tira com dificuldade o cabelo do rosto. Cícero tira uma foto de Joana, tira a foto da polaroid e a sacode. JOANA Um pouco de água moço, por favor.


31. CÍCERO (apreensivo) Só um momentinho. Ele olha para a foto revelada. CÍCERO (CONT’D) (orgulhoso) Ficou ótima! JOANA Uma água, moço. Pelo amor de Deus! CÍCERO Que água o quê! Você tá pensando que isso aqui é um convento! Vai já lá pra fora! JOANA Mas o que eu fiz? Meu Deus! Cícero pega Joana pelo braço e a conduz para o lado de fora. CÍCERO Deus esqueceu esse lugar faz tempo moça. Vamo logo! Saindo! Sai! Cícero empurra Joana para fora e dá as costas para ela. 44

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Joana é empurrada por Cícero para fora e, instantaneamente, protege seus olhos da claridade do sol. JOANA Por que, meu Deus?! Eu que foi que eu fiz?! Joana chora enfraquecida. JUPIRA (cantando) “Quero acordar bem cedinho. Fazer um lanchinho. Laranja, café, leite e pão”. Aos poucos, ela consegue abrir os olhos e enxerga Jupira sentada em cima da grande pedra em baixo da árvore. JUPIRA (CONT’D) (cantando) “Quero também chocolate, Iogurte, abacate, biscoito, presunto e melão”. Joana se aproxima de Jupira. Ela parece uma miragem, veste um vestido simples e sujo, e canta sossegada.


32. JUPIRA (CONT’D) “Eu gosto mais de torrada e uma baita fritada de carne, de cobra e tatu”. Finalmente Joana consegue abrir os olhos e enxergar Jupira ralando mandioca com um balde entre as pernas. Jupira olha para Joana e interrompe a cantiga. Águ...

JOANA

Joana se engasga. JOANA (CONT’D) Água... me dê água, por favor. Joana estica as mãos. Jupira imita um cachorro rosnando. Joana para. Jupira olha em direção à entrada da prisão. JUPIRA “Comer comer, comer comer. É o melhor para poder crescer”. Joana olha para onde Jupira olhou e vê, na guarita, o Sentinela tirando um pedaço de uma corda de fumo. Joana olha para o Sentinela que também olha para ela. Joana desvia o olhar para Jupira ralando a mandioca. JUPIRA PARA DE CANTAR. Joana caminha em direção ao Sentinela. JUPIRA (CONT’D) “Comer comer, comer comer É o melhor para poder crescer Comer comer, comer comer É o melhor para poder crescer” 45

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - DIA Joana, fraca, caminha com esforço. Ela olha para as duas grades abertas do buraco. Tenta molhar os lábios passando a língua, mas não adianta.

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EXT. ENTRADA DA PRISÃO - DIA Joana olha para o Sentinela, na guarita, que enrola um cigarro de palha. Por estar dentro da guarita, o Sentinela está contra o sol. Joana usa as mãos para tentar tapar o sol e olhar o Sentinela. JOANA (fraca) O que tá acontecendo?


33. Sentinela termina de enrolar o cigarro. Joana pisca os olhos, perdendo os sentidos. Sentinela acende o cigarro. De repente, Joana desmaia. 47

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - NOITE GERADOR. Joana acorda deitada no chão, de costas para a entrada da casa do Cícero e com a cabeça escorada numa pedra. Ao fundo, Jupira está na porta da casa de Cícero. Joana olha para uma cabaça de água a poucos centímetros de sua boca. CÍCERO (O.S.) Não vem, não, Jupira! Não fala o que você não sabe. JUPIRA Não sei e não quero saber! Cícero sai de casa carregando um lampião aceso. CÍCERO Acho bom mesmo. Ele caminha em direção aos fundos da casa. Jupira o acompanha. JUPIRA Só o que faltava agora querer cantar de galo! Sempre que aquele diabo vem você vira cabra. CÍCERO Vou te mostrar cabra. JUPIRA Mostra então! Mostra essa miséria! Jupira começa a rir.

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EXT. EM FRENTE AO PUXADINHO DE JUPIRA - NOITE Cícero caminha para o gerador. Jupira para em seu puxadinho feito de pedaços de paus, pedras, lonas, aberto na frente e cuja única parede é a da casa de Cícero. O puxadinho tem um colchão elevado do chão, um espelho pequeno e uma prateleira com uma vela. Jupira procura alguma coisa. Um papel passa rente aos pés dela, sem ela notar. CÍCERO (O.S.) Miséria é esse seu peitinho!


34. JUPIRA (indignada) Não fala do meu peitinho! É pequenininho, mas é bonito! Jupira pega um isqueiro. CÍCERO (O.S.) Até essa freirinha é mais servida! JUPIRA (surpresa) Freirinha?! Freirinha?! Eu vou ter que aguentar uma freira?! (gritando) Eu quero o meu Negrão agora! Eu quero agora! 49

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - NOITE Joana se espanta. Ela olha para a cabaça com água e continua imóvel. Ao fundo, Jupira escova os cabelos em seu puxadinho. GERADOR DESLIGA. A LUZ SE APAGA.

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EXT. EM FRENTE AO PUXADINHO - NOITE Jupira acende a vela e volta a escovar os cabeos em frente ao espelho. CÍCERO (O.S.) Agora você vai é se aquietar! Senão vai acordar a outra e aí já viu... vai ser choradeira a noite toda. Ah vá...

JUPIRA

Jupira olha para Cícero passando no reflexo e começa a escovar seus cabelos. PORTA FECHA. Jupira escova os cabelos. ÁGUA SENDO SUGADA DA CABAÇA. Jupira para de escovar os cabelos por alguns segundos. Olha para por trás do ombro e volta a se escovar. Joana aparece no reflexo. JOANA (receosa) Você pode me ajudar? Jupira fica aborrecida e para de escovar os cabelos.


35. JUPIRA (rápico e seco) Aproveita a noite pra dormir. Jupira volta a escovar os cabelos. Joana dá as costas para ela. 51

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - NOITE Joana se aproxima da árvore. Ela olha para o Sentinela, distante, fumando seu cigarro no breu. Joana olha para os lados, percebe que a escuridão toma conta, apenas a vela de Jupira e a luz do lampião de dentro da casa de Cícero iluminam o ambiente. Uma lágrima escorre no rosto de Joana. Ela segura forte o crucifixo pendurado no peito e se ajoelha ao pé da árvore. JOANA Pai Nosso que estais no... Shiiii!!

JUPIRA (O.S.)

Joana olha para Jupira, ao fundo, escovando os cabelos. JOANA Pai Nosso que estais no céu, santificado... JUPIRA (ríspido) Shiiiiii!!! JOANA Pai Nosso que estais no... JUPIRA (mais ríspido e alto) Shiiiiii!!!!!!! Joana olha novamente para Jupira escovando os cabelos. JOANA Perdão, meu Pai. Amém. Joana faz sinal da cruz e senta encolhida. GRITOS INCOMPREENSÍVEIS ABAFADOS. Joana chora encolhida. 52

EXT. PUXADINHO - NOITE Jupira termina de escovar os cabelos e apaga a vela.


36. 53

EXT. QUARTO DE MARINA E DANIEL - MANHÃ Marina dorme. Ao fundo, Daniel, sentado, vestido para trabalhar, fuma um cigarro. Ele apaga o cigarro, se levanta, pega a carteira do bolso, tira um maço de notas e põe sobre a cômoda. Daniel pega seu revólver de dentro da cômoda e sai do quarto.

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EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - MANHÃ Joana acorda sob o forte sol. Ela olha Jupira mijando numas pedras perto dos BURACOS. JUPIRA (para Cícero) Quero uma despedida! Quero! CÍCERO (O.S.) Que despedida o quê! O dotô pode chegar logo, logo. Joana percebe que Cícero está perto. Ela levanta e procura por Cícero. ÁGUA ESCORRENDO. Jupira termina de mijar e caminha em direção à Cícero. JUPIRA Eu quero o Negrão! CÍCERO (O.S.) Já amansou o Negrão esses dias! Não enche o saco. Joana se aproxima dos fundos da casa e o BARULHO DE ÁGUA aumenta.

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EXT. FUNDOS DA CASA DE CÍCERO - MANHÃ Joana observa o GERADOR velho e desligado, vê Cícero tirar água de uma grande CISTERNA com um balde e encher outros baldes. São quatro baldes, a cada dois presos por um pedaço de madeira. CÍCERO Jupira, você tem que... Cícero percebe que é Joana e vira o rosto, continuando a encher os balde. Joana olha para ele e para a cisterna com desejo. JUPIRA (O.S.) Quero o Negrão senão eu vou contar sobre os meninos.


37. CÍCERO Não se atreva, mulher! Cícero fecha a abertura da cisterna e põe um cadeado. Jupira aparece, olha para Joana, vira o rosto e caminha até Cícero. JUPIRA (para Cícero) Conto, sim! Acha que é só quando você quer?! Eu quero agora! Antes que o cabra chegue! Ela pega um par de balde, levanta e põe sobre os ombros. Cícero pega o outro par. Eles se aproximam de Joana. JOANA Um pouco de água, por favor? CÍCERO Já vai! Ô freirinha chata. Jupira e Cícero passam por Joana. Ela caminha até a cisterna, vê a calha que vem do telhado. Joana olha o cadeado, dá uma BATIDA na portinhola de metal e encosta o ouvido. CÍCERO (O.S.) (CONT’D) Quer água ou não quer, freirinha?! Joana se vira e caminha apressada. 56

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - MANHÃ Joana bebe água na cabaça. CÍCERO Aproveita bem. Jupira serve a sua cabaça, toma um gole e caminha para seu puxadinho. Joana termina de tomar a água e vai em direção ao balde. CÍCERO (CONT’D) Nem pense nisso! Eu falei pra aproveitar. Cícero carrega dois baldes nos ombros e mais algumas cabaças nas mãos. CÍCERO (CONT’D) Jupira! Jupira! Põe a água pra dentro que a freirinha tá de olho aqui. Jupira volta sem a cabaça. JUPIRA Eu quero meu Negrão!


38. Jupira pega os baldes e põe sobre o ombro, olha pra Joana e rosna. Jupira entra na casa do Cícero. CÍCERO Entra e sai rapidinho. O dotô já vai chegar. Ouviu, mulher?! Cícero entra na casa das celas. 57

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Jupira, Cícero e Joana almoçam numas cabaças. Joana, esfomeada, termina de comer e bebe sua água. CÍCERO Do jeito que entrar... vai sair, freirinha! Jupira olha para o corpo de Joana. JUPIRA De freira não tem nada. Só essa coisa pendurada no pescoço. Joana se levanta e caminha rápido em direção às pedras onde Jupira mijou.

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EXT. EM VOLTA DOS BURACOS - DIA Joana chega com as mãos entre as pernas. Ela olha para o Sentinela em sua guarita almoçando. Ele retribui o olhar. Joana se aproxima das pedras que formam uma espécie de vaso. Ela levanta a saia e olha para o Sentinela que vira o olhar. JUPIRA (O.S.) (gritando) Não é pra mijar aí!! Aí não! Sai! Joana sobe a saia e se levanta para procupar outro lugar.

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EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Jupira termina de comer e vai em direção à casa de Cícero. CÍCERO (para Jupira) Não é pra entrar. Jupira! Jupira entra na casa de Cícero levando sua cabaça. CÍCERO (CONT’D) Entra e sai rapidinho! O dotô deve tá chegando!


39. 60

EXT. EM VOLTA DOS BURACOS - DIA Joana olha para o Buraco 1 e Buraco 2 com as grades levantadas. Ela olha para dentro do buraco e vê uma mistura de barro seco com dejetos. Sente asco. Joana levanta a saia e abaixa a calçinha.

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EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Cícero olha para Joana, em volta dos buracos, se arrumando para mijar. CÍCERO (projetando) Jupira! Jupira! Vem olhar onde a freirinha tá indo mijar! Jupira aparece na janela de frente para a entrada da prisão. Ela olha para Joana mijando nos buracos e cai na gargalhada. Cícero também gargalha.

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EXT. EM VOLTA DOS BURACOS - DIA Joana mija. Ela olha para Cícero e Jupira rindo e fecha os olhos. JOANA (para ela mesma) Meu Deus me dê força pra sobreviver a isso. Joana termina de mijar, sobe a calçinha e ajeita a saia. ASSOVIO ALTO. Joana olha para o Sentinela de pé com a arma empunhada. Ele ASSOVIA novamente. CÍCERO (O.S.) Chegou o dotô!! (imponente, para Joana) Freirinha, vem logo pra cá! Agora!

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EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Cícero recolhe as cabaças. Joana chega. CÍCERO Senta aí e fica quieta! JUPIRA Fudeu a tabaca da xola! Jupira vai para o seu puxadinho.


40. 64

EXT. ENTRADA DA PRISÃO - DIA O carro (veraneio) se aproxima deixando um rastro de poeira para trás. Em cima, amarrados, os dois galões de gasolina. Um cheio e outro vazio. Na guarita, o Sentinela mantém a postura com a arma empunhada. De repente, ele tira para fora da camisa uma CHAVE que está pendurada em seu pescoço e volta a manter a postura. O carro para na entrada. Daniel olha para o Sentinela e para a chave pendurada em seu pescoço, faz um gesto para ele que responde com outro gesto. O carro entra na prisão.

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EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - DIA Daniel manobra o carro e olha para Joana sentada ao pé da árvore. Joana retribui o olhar. Ele estaciona o carro ao lado do Fusca e sai carregando uma pasta de couro. Cícero vai ao seu encontro. CÍCERO Bom dia dotô! Foi tudo certinho na viagem? Cícero olha para o machucado, praticamente curado, no rosto de Daniel. CÍCERO (CONT’D) O machucado sarou direitinho, né, dotô? DANIEL Pega as coisas no carro e tráz pra dentro. Daniel entra na casa de Cícero sem olhar para Joana.

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INT. SALA DA CASA DE CÍCERO - DIA Daniel entra, vai até a mesa e deixa sua pasta em cima. Ele olha a bagunça e balança a cabeça negativamente. Daniel acha as fotos de Joana sobre a mesa. Ele as olha e deixa sobre a mesa. Daniel caminha até a porta. DANIEL (para Joana) Já terminou de comer? Joana, em baixo da árvore, olha para os lados, surpresa pelo interesse de Daniel. Sim.

JOANA

DANIEL Então venha.


41. Joana se levanta. Daniel caminha até a mesa e senta. DANIEL (CONT’D) Pode se sentar. Joana senta. DANIEL (CONT’D) Qual é o seu nome? JOANA (desabafando) Moço, o que eu tô fazendo aqui? DANIEL Calma. É por isso que eu tô aqui. Responda o que eu tô perguntando. Todos queremos resolver essa situação o mais rápido possível. Nome?

DANIEL (CONT’D)

JOANA Joana Catarina Albuquerque. Idade?

DANIEL

JOANA Trinta e cinco. Profissão?

DANIEL

JOANA Freira e professora. Freira?

DANIEL

Joana olha para ele. DANIEL (CONT’D) Professora. Estado civil? JOANA Sou freira. Daniel olha para ela. Solteira. Filhos?

JOANA (CONT’D) DANIEL


42. JOANA Sou freira. Fiz voto de castidade. DANIEL Você sabe... imagina, por que está aqui? JOANA Não! Eu não fiz nada! Não mesmo?

DANIEL

JOANA Não! Nada. Eu juro pro senhor perante a Deus! Joana se desespera. DANIEL Ok. Tente se acalmar. Houve uma denúncia contra você. Nós vamos averiguar os fatos e resolver isso da melhor maneira possível. Agora se acalme. CÍCERO (O.S.) (projetando) Jupira, leva o lixo pra fora! Vamos Jupira! Cícero entra carregando carnes secas e outros alimentos. CÍCERO (CONT’D) Já tá com a mão na obra, dotô? Daniel olha severamente para Cícero. DANIEL Cala boca e faz seu trabalho direito. (para Joana) Bom... eu vou organizar as coisas por aqui e mais tarde a gente resolve tudo. Por enquanto é isso. Daniel se levanta. Joana olha com compaixão para ele. JOANA Você é dá polícia? DANIEL Eu sou quem pode te tirar daqui. Joana se levanta, olha rapidamente para Cícero e sai. CÍCERO Tá servido, dotô?


43. DANIEL Servido?! Tô há seis horas dirigindo no meio dessa poeirada toda. Você tá brincando comigo? É que...

CÍCERO

DANIEL (irritado) E que bagunça é essa na minha mesa? Tá achando o quê? Traz as coisas logo do carro e arruma tudo direito. Daniel tira uma chave do bolso, abre a porta do quarto e entra. 67

EXT. ENTRADA DA PRISÃO - DIA Jupira puxa um rústico carrinho de mão carregado de lixo. Joana se aproxima. JOANA Quer ajuda? JUPIRA Tô acostumada. Jupira seca o suor do rosto. JOANA Você tá há muito tempo aqui, Jupira? Jupira puxa o carrinho. JOANA (CONT’D) Seu nome é Jupira , né? JUPIRA Desde que eu arranquei o cajo daquele delegado filho da puta! Cajo?

JOANA

Jupira ri forçado e alto. JUPIRA Cajo, sim! Pica! Caralho! Mandioca! Pau! Elas passam pelo Sentinela tirando fumo da corda de fumo. Joana olha para ele.


44. 68

EXT. EM VOLTA DA PRISÃO - DIA Jupira segue empurrando o carinho e Joana acompanha. JUPIRA Piroca! Testa furada! Peru! Cacete! A freirinha não deve conhecer. Não sabe o que tá perdendo! JOANA (surpresa) Dá pra sair daqui?! Sim.

JUPIRA

JOANA Por que você não foge? JUPIRA Por que VOCÊ não foge? Jupira para perto do LIXÃO (num buraco). Ela pega uma cabaça escondida entre o lixo do carrinho de mão põe no chão com cuidado. Depois joga o lixo de uma vez no lixão. JOANA Eu não fiz nada. Não tenho nada pra esconder e esse homem que chegou diz que vai resolver tudo pra mim. Mas você pode fugir e não foge? JUPIRA Escuta freirinha! Você tá vendo esse lixo aqui? Joana olha para o lixo, a maioria resto de comida podre e alguns papeis. JUPIRA (CONT’D) Agora olhe para o céu. Joana olha para o céu azul e para o sol escaldante. Eu só...

JOANA

JUPIRA Shhhh! Escute! Escute! Um silêncio absoluto toma conta do ambiente. Joana presta atenção no céu. CARRINHO. JOANA Não escutei nada. Jupira puxa o carrinho em direção à entrada da prisão.


45. JUPIRA Então! Por isso mesmo, freirinha. Não tem nada em volta. Nem urubu pra comer o lixo! JOANA Mas por quê? Jupira já está na entrada da prisão. JUPIRA Quem pergunta demais e responde de menos... O quê?

JOANA

Joana, novamente, olha pra o céu. Olha para a imensidão em volta. De repente, sente algo em sua perna. Ela olha uma folha de papel. Joana se abaixa e pega a folha. Ela vê que é um poema. Joana se assusta, olha para a prisão e, imediatamente, esconde o poema no sutiã. 69

INT. SALA DA CASA DE CÍCERO - NOITE Daniel come um prato de comida. Cícero está com as cabaças na mão e um balde de comida pronta na outra. CÍCERO Pra freirinha também? Não.

DANIEL

Cícero abre a porta e sai. 70

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - NOITE Cícero dá uma cabaça com comida para Jupira. Ela vai para seu puxadinho. Joana está sentada em baixo da árvore. Cícero caminha em direção à casa das celas. Joana se levanta. JOANA E pra mim? Eu preciso comer, moço. CÍCERO Tá pensando que isso aqui é um convento, freirinha?! Cícero entra na casa das celas. Joana caminha até a porta entre aberta da casa de Cícero. Ela espia Daniel comendo num prato. Daniel a vê e faz um sinal para ela ir até a janela que dá de frente para a entrada da prisão. Joana olha para a porta fechada da casa das celas e caminha até a janela. Daniel está esperando ela.


46. DANIEL (baixo) Toma. Come rápido antes que alguém veja! Daniel entrega um pedaço de carne seca. Joana, imediatamente, come a carne. Daniel volta para dentro. Cícero sai da casa das celas. GRITOS INCOMPREENSÍVEIS VINDO DA CASA DAS CELAS. CÍCERO Bando de animal! Cícero olha para Joana perto da janela. CÍCERO (CONT’D) Sai já daí! Saí! Vai incomodar o dotô! Joana sai em direção à árvore. 71

INT. SALA DA CASA DE CÍCERO - NOITE Cícero e Daniel comem. Cícero bebe cachaça. CÍCERO O dotô sabe se deu alguma merda por causa do... DANIEL Cala boca! Não quero mais saber desse assunto. Isso é passado. Os dois voltam a comer em silêncio. E o outro?

DANIEL (CONT’D)

CÍCERO Nada... Nadinha de nada. Esse já deve ter virado paisagem. Ração de calando. Cícero ri. Daniel permanece sério. A LUZ OSCILA. 72

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - NOITE A LUZ OSCILA. Joana olha para os lados e pega o poema do sutiã.


47. JOANA (V.O.) “Por ti eles passam sem olhar. Por ti eles passam sem pisar. Sua escaldante calmaria agita o dia, ou a solidão do luar.” Um lágrima escorre no rosto de Joana. Ela sorri e, instantaneamente, olha pra Jupira, em seu puxadinho, espiando dentro da casa de Cícero. 73

EXT. PUXADINHO - NOITE Jupira espia por um buraco. POV DE JUPIRA: Daniel e Cícero sentados à mesa. DANIEL Para de encher a cara e vai dormir! A LUZ OSCILA. DANIEL (CONT’D) Por que essa merda já tá assim? Eu falei pra você economizar a gasolina do gerador! CÍCERO Eu economizo dotô! Eu juro! DANIEL Vai logo desligar! POV DE JUPIRA: Cícero acende um lampião. Daniel caminha para seu quarto. Jupira tapa o buraco com o espelho. Ela acende a vela e começa a escovar seus cabelos em frente ao espelho.

74

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - NOITE Joana olha para Jupira escovando seus cabelos e, imediatamente, esconde o poema. Cícero sai de sua casa carregando um lampião. Ele olha pra Joana e ela devolve o olhar. Cícero caminha até o gerador. GERADOR DESLIGA. Joana olha Cícero entrar em sua casa. Joana pressiona a mão contra o peito e chora. JOANA “Pai nosso que estas no...” Shiiiii!

JUPIRA


48. Joana chora baixo. Jupira termina de escovar os cabelos e apaga a vela. JOANA (baixo) Pai nosso que estais no Céu, santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade, assim na terra como céu... GRITOS ABAFADOS INCOMPREENSÍVEIS. 75

EXT. GUARITA - DIA Sentinela aponta a arma para o sertão. POV DA MIRA: Procurando algo.

76

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Jupira rala mandioca. Joana está ao seu lado. JOANA Posso te ajudar?

Não!

JUPIRA (ríspida)

Joana olha Daniel, dentro da casa do Cícero, arrumando alguns papeis e fazendo anotações. JOANA Esse Cícero tem a alma muito miserável. Jupira ri. JOANA (CONT’D) Por que você tá rindo? JUPIRA (rindo) Miserável é outra coisa dele! Ah...

JOANA

Joana esboça um sorriso forçado. JOANA (CONT’D) Já o outro parece ser uma boa pessoa. Você não acha?


49. JUPIRA Você quer saber o que eu acho dele? Pois tape o nariz porque o tipo fede! Joana olha para ela. JUPIRA (CONT’D) Não quer?! Então não falo. JOANA Quero, sim. JUPIRA Então tape o nariz! Joana fica sem reação. JUPIRA (CONT’D) Vamos! Tape! Joana tapa o nariz como se fosse mergulhar. Jupira explode numa risada escandalosa. Joana percebe que esta fazendo papel de boba e tira o mão do nariz. JUPIRA (CONT’D) Ah freirinha! Você me mata! O tipo é tão fedido que não adianta tapar o nariz, não! Joana se cala. JOANA E as pessoas que tão lá dentro? Jupira volta a ralar mandioca. JUPIRA (cantando) “O diabo já comprou. O diabo já pagou. Já pagou muito dinheiro pela alma do ferreiro”. Cícero sai de sua casa e caminha em direção a Joana. CÍCERO Vamo que o dotô quer falar com você lá dentro. Joana olha para a casa das celas. Vamo!

CÍCERO (CONT’D)

Joana se levanta e caminha até a entrada da casa das celas. Antes de entrar, Joana olha para Jupira que desvia o olhar e volta a cantar a cantiga.


50. JUPIRA (cantando) “Mas o diabo há de voltar quando o tempo se passar. Quer a alma que comprou.E com ouro já pagou” 77

INT. CORREDOR DA CASA DAS CELAS - DIA A porta abre iluminando parcialmente o breu do corredor. Joana entra e no mesmo instante sente uma nausea repulsiva que a faz recuar. Cícero a empurra. CÍCERO Vamo freirinha! Entra. BATIDAS E GRITOS INCOMPREENSÍVEIS VINDO DAS CELAS. O corredor é muito úmido e sujo. Joana, temerosa, tapa o nariz e caminha até o fim. CÍCERO (CONT’D) (gritando para os presos) Vamo cala a boca! Senão Jupira num vem mais! Cícero abre a porta no fim do corredor. Eles entram.

78

INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - DIA Joana respira fundo. Cícero liga a luz. CÍCERO Espera aí que o dotô já vai chegar. Cícero sai e fecha a porta. Na sala, há apenas uma mesa, duas cadeiras e num canto um balde com uma vassora. Joana fecha os olhos. JOANA (para si, sussurrando) Deus age por modos estranhos. Deus age por modos estranhos. Deus age por modos estranhos. De repente, a porta abre e Daniel entra carregando uma pasta de couro. DANIEL Pode se sentar. Joana senta. Daniel, calmamente, se senta na cadeira atrás da mesa.


51. JOANA Moço, me tira daqui. Eu não fiz nada. DANIEL Calma... Em breve, tudo estará resolvido. Daniel tira uns papeis de sua pasta. Nome?

DANIEL (CONT’D)

JOANA Mas eu já respondi isso. DANIEL Por favor, colabore. Nome? JOANA Joana Catarina Alburqueque. Idade?

DANIEL

JOANA Trinta e cinco. Profissão?

DANIEL

JOANA Já disse... Sou freira e professora. DANIEL Como é o seu dia a dia no convento? Joana fica um pouco mais nervosa. JOANA Meu dia a dia? É igual ao das outras freiras. Daniel apenas olha para Joana. JOANA (CONT’D) Nós ajudamos o Bispo nas missas e a cuidar do convento. E damos aulas para crianças. DANIEL E o que você ensina para seus alunos? JOANA As mesmas coisas que ensinam na escola dos seus filhos.


52. Daniel desvia o olhar e remexe os papeis. Joana olha para as mãos de Daniel remexendo os papeis. DANIEL E o que a escola do meu filho ensina? JOANA O senhor deve saber... matérias... português... matemática... são crianças carentes que não como ir à escola. Nem todo mundo tem dinheiro como o senhor pra colocar seus filhos numa escola. DANIEL Eu quero saber o que você, Joana... JOANA (interrompendo) Irmã Joana, por favor. DANIEL (irritado) O que você, Joana, ensina? JOANA Eu... eu cuido das crianças menores que ainda... Daniel procura algo entre os papeis. Percebe-se que entre os papeis há algumas fotografias. DANIEL E o que mais? JOANA Ajudo o Bispo a cuidar do convento. DANIEL Mas você não tem se dedicado muito ao convento, né? Joana, surpresa, olha para Daniel. JOANA Tenho, sim. DANIEL Não é o que parece. Daniel empurra uma foto em direção à Joana. Joana olha a foto do convento com as paredes desgastadas. Daniel procura outra foto. JOANA Isso já... eu já tinha...


53. Daniel empurra mais uma foto do convento onde aparece Joana e outras freiras costurando. JOANA (CONT’D) Mas por que isso? Daniel empurra outra foto. Joana pega a foto e se assusta. DANIEL O que foi? Tem algo estranho nessa foto? INSERT DA FOTO: Joana e D. Virgínia estão na canto da foto ajoelhadas no cemitério. JOANA É Dona Virgínia... DANIEL Quem é Dona Virgínia? JOANA É uma senhora muito boa que... Joana olha para baixo e depois olha nos olhos de Daniel. JOANA (CONT’D) ...perdeu seu filho. DANIEL Qual a sua ligação com essa senhora? JOANA Como minha ligação? Não sou telefone! Não tenho ligação nenhuma! DANIEL (gritando) Me respeite! Daniel, nervoso, procura uma fotografia e a joga em cima da mesa. DANIEL (CONT’D) Então o que vocês estão fazendo nessa foto?! Daniel cruza os braços. Joana olha para foto de D. Virgínia entregando o pacote para Joana. Joana fica nervosa. JOANA D. Virgínia é uma pessoa muito boa e que está perdendo a fé por causa dos homens! (MORE)


54. JOANA (CONT'D) Eu apenas me sensibilizei com a perda de seu filho! Daniel, irritado, se levanta derrubando a cadeira e olha firme para joana. DANIEL Você se sensibiliza pra caralho hein! Daniel pega várias cartas que estão dentro de sua pasta e joga em cima da mesa. DANIEL (CONT’D) Nunca vi tanta sensibilidade! Joana se intimida com a agressividade de Daniel quando, de repente, se levanta e o encara. JOANA Sim! Me sensibilizei! E não vou sossegar enquanto essas família não tomarem conhecimento do paradeiro de seus filhos! Os dois se encaram. JOANA (CONT’D) O senhor tem filhos! O senhor sabe o que é ter um filho desaparecido?! Não! Daniel dá um tapa no rosto de Joana. Ela se senta e chora com a mão no rosto. DANIEL Cícero?! Cícero?! Daniel abre a porta. DANIEL (CONT’D) Cícero?! Vem cá imbecíl! BATIDAS E GRITOS INCOMPREENSÍVEIS VINDO DAS CELAS. Cícero chega. CÍCERO Já deu, dotô?! Foi rapidinho. DANIEL Tira ela daqui. CÍCERO Pra onde? Pro buraco? Daniel fica pensativo.


55. DANIEL Não. Só tira ela daqui. Daniel sai da sala. Cícero pega Joana pelos braços. 79

INT. CORREDOR DA CASA DAS CELAS - DIA BATIDAS E GRITOS INCOMPREENSÍVEIS VINDO DAS CELAS. Cícero arrasta Joana pelo corredor. JOANA (desesperada) Pedrinho?! Pedrinho?! Você tá aqui, Pedrinho? Pedrinho?!!

80

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Cícero arrasta Joana para fora da casa das celas. Joana cai no chão desamparada. Jupira rala mandioca. JUPIRA Eu te falei! Quem pergunta demais e fala de menos...

Joana chora copiosamente. 81

INT. CASA DE CÍCERO - NOITE Cícero toma um copo de cachaça e gargalha. Daniel come seu jantar. CÍCERO Por que trouxeram a freirinha pra cá, dotô? DANIEL Não interessa. CÍCERO Mas ela sabe que aquele poetinha tava aqui? DANIEL Não interessa. Mas é bom ela achar que ele ainda tá aqui. E não tá?

CÍCERO

Cícero ri. Daniel come. Cícero serve outro copo de cachaça.


56. CÍCERO (CONT’D) O dotô tem que ir devagar com a freirinha senão vai acontecer igual ao... De repente, Daniel se levanta e dá um forte tapa em Cícero, fazendo cair o copo de cachaça no chão. DANIEL (irritado) Cala a boca, seu merda! Você sabe que a culpa foi toda sua! Você está me fazendo perder a paciência! Daniel sai da mesa em direção ao seu quarto. DANIEL (CONT’D) Acho melhor você falar menos senão daqui a pouco vai acordar sem a língua! CÍCERO Tá bem, dotô. Tá bem... Daniel olha para o copo no chão perto de uma folha de papel. Ele se abaixa, pega a folha e vê que está desenhada. DANIEL Que merda é essa?! Você andou trazendo seus sobrinhos de novo? Cícero se levanta e pega o copo e o desenho. CÍCERO Não dotô... eu não... isso é meu. Fui eu quem fiz. Gostou? Daniel encara Cícero. DANIEL Arrume essa bagunça logo e vá dormir. E desliga o gerador. 82

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - NOITE Joana olha Jupira, ao fundo, em seu puxadinho, espiando Daniel e Cícero. Ela olha para a poesia em suas mãos e aperta contra o peito e balbucia uma reza.

83

INT. QUARTO DE DANIEL - NOITE O quarto é constituido de uma cama, uma cômoda, um lampião e um pequeno banheiro. Daniel tira um maço de cigarro do bolso e vê que está vázio. Ele procura em baixo da cama e acha um pacote de Marlboro.


57. 84

EXT. PUXADINHO - NOITE POV DE JUPIRA: Jupira espia Cícero virar duas doses de cachaça seguidas e sair com o lampião. Jupira tapa o buraco com o espelho. Cícero passa com o lampião em direção ao gerador. JUPIRA Já vai desligar? (pausa) Capacho! Lambe cú. CÍCERO Num enche o saco, Jupira. JUPIRA A freirinha ainda vai ficar muito tempo? CÍCERO Depende do dotô. Jupira acende a vela e começa a escovar os cabelos. Joana aparece no reflexo do espelho. GERADOR DESLIGA. Cícero passa por Jupira e Joana. JOANA Moço, eu preci... JUPIRA E CÍCERO Shiiiiiii!!! Cícero entra em sua casa. Joana observa Jupira escovar os cabelos. Jupira escova os cabelos de olhos fechados, sentindo um prazer plácido. Joana continua a observar Jupira pelo reflexo do espelho quando Jupira abre os olhos e larga a escova na prateleira improvisada. JUPIRA Fala freirinha. O que você quer? Joana desvia o olhar. JOANA Eu... eu preciso de água. Não tem.

JUPIRA

Jupira olha pelo reflexo os lábios secos de Joana.


58. JUPIRA (CONT’D) Escute... eu não tenho água. E não tem como arrombar o poço. Ouviu freirinha? JOANA Meu nome é Joana e você sabe disso. Tá bom...

JUPIRA

Jupira se vira para Joana. JUPIRA (CONT’D) Por que você não fala logo o que eles querem? JOANA Mas eu não tenho nada a falar. Deus é testemunha disso. JUPIRA (desdenhando) Deus!? Jupira dá as costas para Joana e arruma as suas coisas. JUPIRA (CONT’D) Esse eu nunca vi. JOANA Você não precisa ver. Basta acreditar que Ele vai ajudar você. Deus é grande e vai nos ajudar. JUPIRA Se Deus é grande então Ele deve ter uma piroca enorrrrme! Jupira cai na risada. JUPIRA (CONT’D) Uma pica divina! JOANA Você não deveria falar assim. Você pode ofender os outros. JUPIRA E você não deveria incomodar os OUTROS enquanto estão escovando os cabelos! JOANA Você também incomoda a minha reza. E eu não incomodo... você escova os cabelos... Ah... entendi... eu não posso falar enquanto você escova.


59. Jupira estufa o peito e imita outra pessoa. JUPIRA (imitando um homem) Tráz o leite de cabra, mulher! Agora! Vamo! Deixa essa menina e tráz meu leite! Agora! Jupira anda de um lado para outro. Joana observa. JUPIRA (CONT’D) (imitando um homem) A bóia já tá pronta?! Eu quero agora! Põe essa menina pra dormir que e vem pra cama. Agora! Jupira imita um homem se masturbando. JUPIRA (CONT’D) (imitando um homem) Mulher, vem que eu quero gozar! (imitando uma mulher) Mas já? Joana sorri e sente um pouco de dor. JUPIRA (CONT’D) (imitando um homem) Agora! (imitando uma mulher) Cuida que a menina pode ouvir. Jupira, ainda imitando, simula um tapa violento. JUPIRA (CONT’D) (imitando um homem) Cala boca! Eu quero agora! Jupira imita alguém chorando. Joana para de sorrir. As duas ficam em silêncio. JUPIRA (CONT’D) Minha mãe trabalhava o dia inteiro. O único momento que a gente tinha junto era quando ela escovava meus cabelos. Isso até o filho da puta do meu pai... aquele cabra chegar. Desculpa.

JOANA

Jupira se prepara para domir. JOANA (CONT’D) Você pode me emprestar um cobertor? Eu fico morrendo de frio durante a noite.


60. JUPIRA Achei que não ia perguntar... não sou de oferecer nada a mulher alguma. 85

EXT. GUARITA - DIA Sentinela se protege do vento forte. Ele tenta acender um cigarro de palha.

86

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Cícero sai de dentro da casa das celas carregando as cabaças e um balde. Ele serve uma cabaça com água para Jupira. CÍCERO (para Jupira) E nada e dar água dá pra freirinha! Joana permanece sentada na pedra em baixo da árvore. Jupira caminha até seu puxadinho.

87

EXT. PUXADINHO - DIA Jupira toma um gole de água e põe a cabaça em cima da prateleira. Ela pega uma escova de dente, molha na água e escova seus dentes em frente ao espelho. JOANA (O.S.) Jupira, eu preciso de um gole. Só um gole. JUPIRA Não posso. Não ouviu o que o miséria disse. Joana se aproxima. Jupira escova os dentes dando uma atenção especial para o dente de ouro. JOANA Como você pode desperdiçar água? E se ele não quiser te dar mais depois? E se faltar? JUPIRA Você já vai ver água. Joana olha para o céu sem uma única nuvem. JANELA BATE.


61. 88

INT. SALA DA CASA DE CÍCERO - DIA Cícero fecha a janela. Daniel está em sua mesa fazendo anotações e fumando. DANIEL Carne, sal... acho que é isso. Então são dois galões pra chegar, dois pra voltar mais um pra gasolina do gerador e resto dos mantimentos. E não vá encher a cara por lá! CÍCERO Claro dotô! Vou e volto num pé só. DANIEL Vá pegar a chave com o cabra e vê se ele quer alguma coisa.

89

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Joana se aproxima da porta da casa de cícero e olha Daniel, sentado, fumando e escrevendo. Daniel olha para ela, se levanta e fecha a porta.

90

EXT. GUARITA - DIA POV DA MIRA: procura algo na imensidão do sertão. CÍCERO (O.S.) Ei! Vira-pau?! Ô picolé de jabá?! POV DA MIRA: a mira treme. Sentinela olha para Cícero. CÍCERO (CONT’D) Me dá a chave do auto que eu tenho que ir à cidade fazer compras. Sentinela apenas olha para Cícero. CÍCERO (CONT’D) Vamo cabra! Cícero assovia e olha para sua casa. Sentinela também olha e vê Daniel fazendo sinal de positivo. Sentinela tira a chave pendurada em volta do pescoço e joga para Cícero. CÍCERO (CONT’D) Vai querer alguma coisa? Sentinela olha para o toco de corda de fumo pendurada.


62. 91

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Joana e Jupira olham Cícero pegar a chave com Sentinela. JOANA Agora entendi porque não se foge com o carro. JUPIRA O cabra não confia em ninguém. Só no “pele e osso” ali. Daniel, na janela, olha Cícero caminhar em sua direção. JUPIRA (CONT’D) E o míseria só sabe lamber o saco dele. Jupira ri. Joana esboça um sorriso.

92

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - DIA Cícero caminha em direção a Daniel que está na janela. CÍCERO (rindo) Dotô, esse picolé de jaba tá cada vez mais chato. Até o.... TIRO. CÍCERO (CONT’D) Ai, meu Deus!! Desculpa homem. Eu não quis ofender! Dotô o cabra quer me matar! Cícero sai correndo e se esconde atrás do carro.

93

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Jupira e Joana se assustam e correm para trás da casa das celas. Daniel corre em direção a entrada da prisão.

94

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - DIA Daniel, sorrindo, corre. Cícero vê Daniel e se acalma. DANIEL (para Sentinela) Achou o desgraçado?! Achou? Não mata! Não mata!


63. 95

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Joana, espantada e com uma curiosidade esperansosa, se vira para Jupira. JOANA Quem é? Quem é, Jupira? JUPIRA Deve ser o cabra que fugiu. JOANA Quem? Como ele fugiu? Quer dizer... Como ele conseguiu sobreviver? JUPIRA Sei lá... o freirinha curiosa! Joana aperta a mão contra o peito.

96

EXT. GUARITA - DIA POV DA MIRA: A mira aponta para a cabeça de MIGUEL, 35 anos, grande e forte, cambaleando em direção à prisão. A mira aponta para as pernas de Miguel e ATIRA no chão.

97

EXT. ENTRADA DA PRISÃO - DIA Daniel chega excitado. DANIEL Não mata! Não mata! Eu quero ele vivo! Sentinela desce da guarita apontando a arma para Miguel, que cambaleia. Cícero chega ofegante. CÍCERO Como que esse cabra ainda tá vivo? Miguel cai no chão. Os três correm até Miguel.

98

EXT. EM VOLTA DA PRISÃO - DIA Sentinela aponta a arma para a cabeça de Miguel, que está desnutrido. DANIEL Levanta ele e leva lá pra dentro. Vamos! Antes que ele morra! Sentinela e Cícero levantam Miguel com dificuldade.


64. 99

EXT. EM VOLTA DOS BURACOS - DIA Miguel, desmaiado, é jogado em cima da grade de um do Buraco 1. Daniel joga água nele. DANIEL Alguém dê água pra ele não morrer! Sentinela e Cícero dão água para Miguel. Miguel se engasga com a água quando, de repente, acorda e estrangula Cícero. Cícero tenta se desvencilhar em vão. Daniel tenta soltar a mão de Miguel, mas não consegue. Sentinela ATIRA para o céu. Sentinela aponta para a cabeça de Miguel.

100

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA TIRO. Joana se vira para não ver o tiro. Jupira olha a confusão com Miguel. JOANA Não! Meu Deus, faça com que eles não o machuquem! JUPIRA Calma freirinha, calma. JOANA Ele tá bem?! JUPIRA Pouco me importa. Esse aí o que tem que grande é só o que se vê. Porque a pica ó... Jupira mostra o dedo mínimo e ri. Joana olha para Miguel vivo, deitado no chão e começa a rezar.

101

EXT. EM VOLTA DOS BURACOS - DIA Sentinela imobiliza Miguel colocando o pé em sua garganta enquanto aponta a arma para cabeça. Cícero se recupera buscando ar. Daniel se aproxima do rosto de Miguel. DANIEL Achou que ia escapar, filho da puta?! Hein?! CÍCERO Acaba com ele dotô! DANIEL Fala seu merda! Quem te ajudou?! Tá vendo isso aqui?


65. Daniel mostra o machucado em sua testa. CÍCERO Mata dotô! Mata! DANIEL Eu vou retalhar a sua cara! Retardado de merda! Daniel cospe em Miguel e se levanta. CÍCERO Corta ele todinho, dotô! Acaba com ele logo! Vamo! DANIEL Cala a boca, Cícero! Cala a boca! Coloquem ele no buraco que depois eu dou um jeito nele. CÍCERO Isso dotô! Coloca ele no buraco! DANIEL Cala a boca, Cícero! Dá comida pra esse animal senão ele vai morrer antes da hora. Daniel se vira para Joana e Jupira que estão em volta da árvore. 102

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Jupira vê Daniel caminhando em sua direção e dá as costas cantando uma cantiga. Joana se encosta contra a árvore, segura firme seu crucifixo. JOANA (sussurrando) Obrigado, Senhor. Agora entendi a razão por estar aqui. Obrigado, Senhor. Farei de tudo para ajudar Pedrinho... Joana abre os olhos e vê que Daniel está cada vez mais perto. Ela fecha os olhos e reza intensamente. DANIEL Agora é sua vez freirinha. Vem comigo! Daniel agarra Joana pelo braço e a leva para dentro da casa das celas.


66. 103

INT. CORREDOR DA CASA DAS CELAS - DIA BARULHOS E GRITOS INCOMPREENSÍVEIS VINDO DAS CELAS. Daniel força Joana caminhar até o fim do corredor e entrar na sala de interrogatório.

104

INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - DIA Daniel joga Joana contra a cadeira. Em cima da mesa, as cartas continuam jogadas. DANIEL Agora você vai falar tudo! Não quero saber de enrolação, porra! JOANA Não tenho nada pra falar! DANIEL E essas cartas?! JOANA Já disse: Dona Virgínia me deu... DANIEL Mas tem o teu nome em quase todas as cartas! Não brinca comigo, freirinha! Daniel se aproxima, intimidando Joana. DANIEL (CONT’D) Fala logo antes que eu tome uma atitude mais drástica! Fala desgraça! Não quero perder mais meu tempo com você! JOANA Não tenho nada pra falar! Deus está de prova!

105

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Jupira olha Cícero caminhar em sua direção. Ao fundo, Sentinela caminha para a guarita. JUPIRA Ei miséria?! Tu ainda vai pra cidade? CÍCERO Acho que sim. (impaciente) Por quê?


67. GRITOS DE MIGUEL. JUPIRA É que... eu queria umas pilhas pro rádio... CÍCERO Sem rádio enquanto o dotô tiver aqui. Tu sabe! JUPIRA Mas tráz mesmo assim. Ah! Traz esmalte vermelho. Vermelho! CÍCERO Que esmalte o quê! Não vou ficar comprando coisa de mulher! JUPIRA E tráz uma escova de dente pra freirinha. Não aguento mais o bafo dela! Cícero entra em sua casa. 106

INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - DIA Daniel está enfurecido em frente a Joana. DANIEL Já te falei que Deus esqueceu esse lugar há muito tempo! JOANA Pois eu não acho! Acho que Ele está cada vez mais presente! Daniel pega Joana pelo pescoço. DANIEL Escute uma coisa, freirinha: deus aqui sou eu! Sou eu quem faço as leis! Ele a solta e dá as costas. Joana buscar ar. JOANA Meu deus! Você não pode ser tão mau assim! Você não tem família?! É assim que você trata a sua mulher?! Daniel se vira bruscamente. DANIEL Quem é você pra falar de mulher?! Nem mulher você é! Não cumpri suas funções de mulher! (MORE)


68. DANIEL (CONT'D) O que você pode falar sobre família?! Entrou num convento pra quê? Cadê a sua família? Joana abaixa a cabeça. DANIEL (CONT’D) Você não tem a mínima propriedade pra falar de família! Freirinha de merda! Os dois ficam em silêncio por um momento. DANIEL (CONT’D) Fique pensando em quem tem o direito de falar sobre família que eu vou almoçar um bom prato de comida. Daniel sai da sala. JOANA Deus é justo com quem é justo! Joana chora desolada. JOANA (CONT’D) Meu Pai, ajude os que merecem ser ajudados. Faça com que esse monstro não maltrate mais o filho de Dona Virgínia, por favor. Eu te suplico. 107

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Jupira se aproxima da entrada da casa de cícero e vê Daniel almoçando. Ventos fortes levantam poeira. JUPIRA (acanhada) E o almoço? DANIEL Tá bom. Por quê? JUPIRA O meu... o almoço do resto? DANIEL Só quando Cícero chegar. Baitola... Daniel se levanta.

JUPIRA


69. DANIEL (gritando) O que você disse? Baitola? Baitola foi aquele que deixou tu arrancar o pau dele! Jupira sai acuada. 108

EXT. EM VOLTA DOS BURACOS - DIA Entre as grades do Buraco 1, as mãos de Miguel fazem esforço em vão para tentar abrir. Jupira se aproxima e olha Miguel. JUPIRA Eita homem... tu conseguiu mesmo hein! ASSOVIO. Jupira olha para Sentinela apontando a arma em sua direção. Ela rosna para ele, mostrando seu dente de ouro. JUPIRA (CONT’D) Tá bom... Tá bom...

109

INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - DIA Joana anda de um lado para outro. Daniel entra na sala. Senta aí.

DANIEL

Joana continua andando de uma lado para outro. DANIEL (CONT’D) Eu mandei você sentar! Senta! JOANA Não vou sentar! Joana se aproxima de Daniel. JOANA (CONT’D) (intimidando) Quero lhe falar na altura dos seus olhos. Quero que você olhe para mim perante a Deus e diga se você pensa em sua família quando acorda?! DANIEL Fique quieta! Freira de merda! Só o que me falta, uma freira querendo me dizer como cuidar da minha família! Por que você foi virar freira se preza tanto a família?!


70. Joana olha com ódio para Daniel. JOANA Entrei para convento por causa de homens como você! DANIEL Até onde eu sei no convento não tem nenhum homem como eu. Só homem de saia! Agora senta aí antes que eu arrebente a sua cara! 110

EXT. PUXADINHO - DIA VENTA FORTE. TROVOADA. Jupira eleva suas coisas e proteje as laterais do puxadinho com pedaços de madeira, pedras e panos.

111

INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - DIA Joana está sentada exausta, fraca, suada e com a boca extremamente seca. DANIEL Por que você escreveu essa carta pra diocese? Joana olha a carta em cima da mesa. JOANA Pra tentar ajudar essas mães a acharem seus filhos. Deus fez o homem e a mulher pra procriarem e cuidarem de sua família. DANIEL De novo esse papo! Porra já te disse que você não tem a mínima propriedade pra falar da família! JOANA Deus quis assim. Quis que eu me dedicasse à sua Santidade. DANIEL Bla, bla, bla, santidade... deus... bla, bla, bla... JOANA Não use o nome do Senhor em vão! DANIEL Eu quero de deus se foda! Ele já me fudeu! Agora quero que ele se foda! Tá bom assim?!


71. JOANA Tenho pena de você. DANIEL Olhe seu estado! (irônico) Você tem pena de mim? Olha freirinha... vou te dar uma última oportunidade de confessar. JOANA Não tenho nada a confessar... Daniel pega Joana pelo braço e a arrasta para fora da sala. DANIEL (raivoso) Então você vai passar uma noite na suite de luxo, sua filho da puta! 112

INT. CORREDOR - FIM DE TARDE GRITOS INCOPREENSÍVEIS VINDO DAS CELAS. Daniel arrasta pelo corredor. JOANA Não se preocupem! Não se preocupem! Logo vocês estarão fora daqui! Daniel destranca a porta e ela abre instantaneamente com as rajadas de vento e chuva.

113

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - FIM DE TARDE Daniel arrasta Joana até os Buracos. VENTOS FORTES.

114

EXT. EM VOLTA DOS BURACOS - FIM DE TARDE Daniel atira Joana no chão e abre a grade do Buraco 2, ao lado do de Miguel. GRITOS INCOMPREENSÍVEIS DE MIGUEL. OS VENTOS AUMENTAM E A CHUVA COMEÇA A CAIR. Daniel joga Joana no Buraco 2. Joana chora copiosamente. JOANA Meu Deus! Me ajude! Meu Deus!


72. DANIEL Seu Deus... (olha para o céu) Parece não estar te ajudando! 115

EXT. GUARITA - FIM DE TARDE Sentinela mira em direção ao Buraco. INSERT: Mira da espingarda mira Joana e depois a cabeça de Daniel.

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INT. PUXADINHO - NOITE O puxadinho de Jupira está todo fechado improvisado com madeiras, panos e pedras. Jupira procura algo nas prateleiras. JUPIRA Tu vai ver se eu não vou comer... Cabra desgraçado... Merece morrrer! Jupira acha um pedaço de carne seca e come.

117

INT. CASA DE CÍCERO - NOITE Daniel, nervoso, tenta fazer o rádio amador funcionar. DANIEL Tem alguém na escuta? Daniel bebe uma copo de cachaça e mexe no rádio. DANIEL (CONT’D) Alô? Tem alguém na escuta, porra? Irritado, Daniel joga o fone no chão. DANIEL (CONT’D) Cadê aquele filho da puta que já deveria ter voltado!

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INT. BURACO 2 - NOITE Joana, de pé e com lama até os joelhos, está em estado deplorável. Ela soluça. A CHUVA DIMINUI. MIGUEL CHORA. Joana prende o choro.


73. JOANA Fique calmo... Eu tô aqui pra te ajudar. Nós vamos sair daqui. MIGUEL CHORA. JOANA (CONT’D) Eu tô aqui pra te tirar daqui. Eu vim parar aqui porque Deus quis. Você tem que ter fé! MIGUEL CHORA E TENTA ABRIR A GRADE. JOANA (CONT’D) Calma! Pedrinho! Você está me escutando? Pedrinho? Fala comigo! Eu conversei com sua mãe... Dona Virgínia... ela tá bem... Tá esperando a gente voltar! Deus queira! Vai dar tudo certo. 119

INT. BURACO 1 - NOITE Miguel agarrado a grade grita, revelando que tem sua língua cortada. FADE OUT.

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INT. CASA DE CÍCERO - MANHÃ TELA PRETA. CARRO CHEGANDO. FADE IN: POV DE DANIEL: O chão da Casa de Cícero está todo encharcado. A cadeira está caída ao lado da garrafa vázia de cachaça. A porta abre e Cícero entra. CÍCERO Dotô?! Se passou na cachaça ontem, dotô? Cícero ri. CÍCERO (CONT’D) Não se preocupe que trouxe mais. E trouxe da boa! Daniel se levanta com dificuldade. Cícero leva sacolas até a pia. CÍCERO (CONT’D) Pelo jeito a freirinha ainda não confessou nada.


74. Daniel caminha até Cícero. CÍCERO (CONT’D) Essa freirinha tá dando trabalho, (se virando para Daniel) Tá perdendo a prática em dotô! Daniel pega Cícero pelo pescoço e o enforça contra parede. DANIEL Cala essa boca, seu filho de uma puta! Eu falei pra você voltar ontem! Por que você não voltou?! CÍCERO Dotô... a chuva... DANIEL Foda-se a chuva! Eu mandei voltar ontem! Quer voltar pra cadeia?! Quer? Acha que eu tô de brincadeira?! CÍCERO Calma dotô... Daniel estrangula mais forte Cícero, que já tem o sangue todo no rosto. DANIEL Eu te tirei de lá e posso te colocar lá a hora que eu quiser! Seu merda! Daniel sente uma forte dor de cabeça, solta Cícero e imediatamente põe a mão nas têmporas. Cícero se recupera aspirando a maior quantidade de ar possível. CÍCERO Calma... calma, dotô... calma... Não tinha como vir. Eu juro! Calma... Eu tenho boas notícias pro senhor. Calma... Sua filha nasceu. Daniel se espanta. O quê?!

DANIEL

CÍCERO Sua mulher pariu. DANIEL Quê?!!! Puta que pariu! Daniel dá as costas para Cícero e põe as mão no rosto.


75. DANIEL (CONT’D) Merda... Merda! De repente, Daniel se vira para Cícero. DANIEL (CONT’D) (decidido) Tira a freira do buraco e dá um banho nela que ela deve tá fedendo a merda. E depois arruma essa bagunça toda! 121

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - MANHÃ Jupira, sentada numa pedra, está se preparando para passar esmalte vermelho. Cícero sai de sua casa. CÍCERO Jupira, vem cá. Cícero caminha em direção aos Buracos. JUPIRA Mas agora eu vou começar a passar o esmalte. Jupira!

CÍCERO

Jupira se levanta e vai até os Buracos. 122

EXT. BURACOS - DIA Cícero abre a grade do Buraco 1 e vê Miguel de cócoras com lama até o peito. Jupira se aproxima do Buraco 2. Cícero empurra com o pé um pouco de terra para dentro do Buraco 1. CÍCERO Cabra safado! Vai ficar o resto da vida dentro desse buraco. Jupira, receosa, se aproxima lentamente da grade do Buraco 2. Ela olha e não vê ninguém. Se aproxima mais um pouco e vê Joana deitada apenas com a cabeça para fora da lama, com a boca aberta e os olhos fechados. Jupira se assusta. JUPIRA Cícero! Cícero! Rápido! Acho que ela tá morta! Abre logo isso! Cícero se apressa em abrir a grade do Buraco 2. CÍCERO Merda! O dotô vai ficar louco se ela morrer! Vai diacho! Abre...


76. JUPIRA Vamo homem! Cícero abre o cadeado. Jupira levanta a grade. JUPIRA (CONT’D) Joana! Joana! MIGUEL FICA AGITADO. Cícero pega Joana por um braço e Jupira pelo outro. Eles puxam Joana para fora do Buraco 2 e a deitam. Jupira dá tapas no rosto de Joana. JUPIRA (CONT’D) Acorda freirinha, filha da puta! Acorda! Joana! Joana! Acorda! Joana! Joana abre os olhos e vomita. JUPIRA (CONT’D) Calma... calma... respira fundo, mulher! Jupira limpa o rosto de Joana e a ajuda se recuperar. CÍCERO Não deixa ela morrer, Jupira! JUPIRA Cala boca, miséria! E tráz água e um pouco de comida pra ela! Agora! 123

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - DIA Joana recebe um balde de água no corpo. Ela está muito frágil, tem o corpo retraido e tenta se manter em pé. Ao seu lado, Jupira molha um pano num balde e passa no corpo de Joana.

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INT. CASA DE CÍCERO - DIA Da janela, Daniel observa Jupira e Joana. Cícero chega com um copo de café para Daniel. CÍCERO Essa freirinha é porreta, dotô! Daniel não lhe dá atenção. Cícero, também, observa Jupira e Joana.


77. 125

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - DIA Jupira passa o pano molhado nos seios de Joana, que fica mais retraida ainda. JOANA Como está o homem que chegou? JUPIRA Vivo. No meio da merda. Jupira olha os seios de Joana. JUPIRA (CONT’D) Bonitos... Os seus peitos... são muitos bonitos. Joana olha para ela. JUPIRA (CONT’D) Mas eu gosto é de piroca!! Esse negócio de colar velcro não é comigo!! Jupira começa a rir. Ela entrega um vestido velho e curto para Joana. JUPIRA (CONT’D) Vai... toma esse vestido pra você que esse não vai sair o cheiro de cocô.

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INT. CASA DE CÍCERO - DIA Daniel fuma e observa Joana se trocar. Cícero, também observa. CÍCERO (O.S.) Bem apanhada, né, dotô? Dava pra dar bom trato ali... Daniel fuma. CÍCERO (CONT’D) Além de bem apanhada também é duro na queda! Cícero ri. CÍCERO (CONT’D) Acho que essa história de filho tá te amolecendo, dotô... Daniel dá uma última tragada e joga o cigarro fora.


78. 127

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - DIA Daniel caminha em direção à Joana e Jupira. Jupira olha com espanto para ele. JUPIRA (para Joana) Aguenta firme, Joana. Daniel pega Joana pelo braço e a leva até a Casa das Celas. Joana não resiste.

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INT. CORREDOR DA CASA DAS CELAS - DIA GRITOS INCOMPREENSíVEIS VINDO DAS CELAS. Daniel e Joana entram na Sala de de Interrogátio.

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INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - DIA Daniel joga Joana contra a cadeira. Joana cai no chão. DANIEL Agora eu perdi a paciência, freirinha, filha da puta!! É melhor você falar logo de uma vez! Quem é o contato fora do convento? Quem mais tá envolvido nisso? Fala! Joana permanece sentada no chão. JOANA (para ela mesma) Meu Deus, ajude essa alma doente. Peço que ilumine o meu caminho e o dessa alma pecadora. Daniel levanta Joana e a senta na cadeira. Joana evita olhar nos olhos de Daniel. JOANA (CONT’D) E que Deus seja missericordioso com sua alma pecadora. DANIEL Deus... Deus... Deus... Olha o seu estado! Tá mais pra puta do que pra freira! Joana olha para a alça do vestido e o arruma. DANIEL (CONT’D) Fica andando com puta e já tá pegando o jeito. Pra uma freira até que você se adaptou muito bem por aqui. (MORE)


79. DANIEL (CONT’D) Quer ficar o resto da vida aqui? É isso? Quer viver no meio da merda? Como aquela puta? Joana olha nos olhos de Daniel. JOANA Se ela aguenta eu também posso! Se outros aguentaram, eu também posso! Se aquele homem que tá ali naquele buraco aguentou tudo, eu também posso! DANIEL Tu chama aquilo de homem?! Tá mais pra animal! Aquilo ali não fica vivo nem mais um dia! JOANA É mais homem que tu! Eu sei! Eu sei quem ele é! DANIEL Sabe é... Acha que é o filho dessa Dona Virgínia? Joana encara Daniel JOANA Sim. Você sabe que é! E sabe que é por isso que eu tô aqui! Daniel ri. DANIEL Você acha que aquele animal é o filho daquela velha? O filho dela não teria como resistir o que aquele animal resistiu! JOANA Mentiroso! Eu sei que é ele! Deus fez com que eu achasse as poesias dele e agora ele apareceu! DANIEL Aquele animal... débil mental... não sabe nem escrever o próprio nome! Daniel se aproxima de Joana. Olha para seu corpo. DANIEL (CONT’D) Escuta uma coisa sua putinha, aquele poetinha de merda não resistiu nem a metade do que você resistiu! Era um frouxo. Morreu aí mesmo... no lugar que você está.


80. Joana abaixa a cabeça. JOANA Não é verdade... Não pode ser... Daniel ri e olha para o corpo de Joana. DANIEL Ah... freirinha... quanta inocência... JOANA Tenho pena de você. Pena... Você é um covarde... matou um inocente... Matou um homem de verdade... DANIEL Homem de verdade?! O que você sabe sobre homens de verdade? Daniel caminha até a vassoura apoiada dentro de um balde. DANIEL (CONT’D) Vou te mostrar quem é homem de verdade! Daniel pega a vassoura e quebra ao meio. Joana se levanta, desafiando-o. JOANA Vai me bater como bateu naquele inocente? Vai me matar, também? Daniel se aproxima olhando para o corpo de Joana. DANIEL Não... vou te mostrar quem é homem de verdade... Daniel joga uma metade da vassou e fica com outra. DANIEL (CONT’D) Vou te dar a prova da sua fé... Daniel segura o pedaço da vassoura como se fosse seu sexo. DANIEL (CONT’D) A escolha de ser mulher de verdade ou uma frerinha de merda! JOANA (desafiadora) Se vai fazer isso, faz como um homem de verdade!!! Seu covarde, filho da puta!!! Daniel, surpreso, joga o pedaço da vassoura fora. Ele pega Joana pelos braços e a põe sobre a mesa. Ela tenta resistir.


81. Daniel puxa o cordão do crucifixo que aperta contra seu pescoço e quase estrangula Joana. Ele abre as pernas dela, levanta seu vestido e a estupra. O cordão com o crucifixo arrebenta. 130

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - NOITE Joana está sentada na pedra de baixo da árvore. Atônita, descabelada, com as roupas rasgadas, ela tem o olhar fixo no chão. Ao lado de Joana, uma cabaça com mandioca ralada. Jupira rala mandioca lançando olhares para Joana. Joana, de cabeça baixa, esconde o rosto com os cabelos. Jupira se aproxima e tira o cabelo de Joana de seu rosto. Joana olha para Jupira com um bigode de mandioca ralada. JUPIRA (imitando um homem) Mulher para de chorar! Agora! Olha o estado do meu bigode! Já três dias que eu tô mandando você cortar pra mim! Joana olha para Jupira que olha para a cabaça intocada de Joana. JUPIRA (CONT’D) Mulher, tu andou cortando o meu bigode pra comer?! E nem me ofereceu um pouquinho! O bigode de mandioca de Jupira cai. Ela pega a mandicoca na cabaça de Joana e começa a comer feito um animal. JUPIRA (CONT’D) Eu quero comer, agora! Agora mulher! Hmmm que bigode bom... Hmmmm... Joana olha Jupira com complacência e sorri discretamente. Jupira também sorri. JUPIRA (CONT’D) Joana, tu tem que comer, mulher... Senão você vai acabar perdendo... Joana olha com carinho para Jupira e come aos poucos a mandioca ralada.

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INT. CASA DE CÍCERO - DIA Daniel arruma sua pasta diante da mesa. Cícero entra com as cabaças vazias, ele evita olhar para Daniel e caminha até a pia.


82. DANIEL Por que esse silêncio todo? Desde ontem que não fala nada. Aconteceu alguma coisa? CÍCERO Nada não, dotô. Nada, não. Daniel fecha a pasta. DANIEL Bom... eu tenho que ir... Preste atenção: você vai tirar Miguel do buraco e colocar em alguma cela. A freirinha fica solta. Cícero olha para Daniel. DANIEL (CONT’D) Ela não trará problema. CÍCERO O dotô é quem sabe. DANIEL Cícero, presta atenção! Não quero saber de trazer seus sobrinhos aqui! Ouviu? Sim, dotô.

CÍCERO

DANIEL E atenção no horário do gerador! Não vai gastar gasolina à toa. Eu volto em três meses. 132

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Joana e Jupira observam Daniel sair da Casa de Cícero e caminhar até seu carro.

133

INT. CASA DE CÍCERO - DIA Cícero observa Daniel sair com seu carro. O carro para ao lado da Guarita.

134

EXT. CARRO DE DANIEL - DIA Daniel abre a janela. Sentinela se aproxima do carro. DANIEL Não quero saber de mais ninguém aqui. Confio em você.


83. Sentinela mostra a chave do carro pendurada no pescoço. DANIEL (CONT’D) Agora fique de olho que Cícero vai levar aquele animal pra dentro das celas. Daniel acelera o carro. 135

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Jupira e Joana olham o carro de Daniel partir. JUPIRA Já vai tarde... Joana abaixa a cabeça. Cícero sai de dentro de sua casa. CÍCERO A freira emputeceu e a puta quer virar santa. Deus meu, onde isso vai parar.

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EXT. EM VOLTA DOS BURACOS - DIA Cícero chuta terra para dentro do Buraco 1. Miguel acorda. CÍCERO Vamo sair. Vamo! Cícero abre a grade. CÍCERO (CONT’D) Sai abestado! Miguel range os dentes. Ele sai do buraco com lama seca grudada pelo corpo. CÍCERO (CONT’D) E não tente fazer nada senão o lombriga ali vai fazer um buraco na tua testa. Miguel olha para Sentinela que, na guarita, aponta a arma para ele.

137

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - DIA Cícero e Miguel caminham em direção à Casa das Celas. CÍCERO É bom você se comportar, Miguel. Se você quiser ficar vivo, é bom se comportar.


84. Cícero chuta Miguel por trás. Miguel olha para Cícero e continua andando. CÍCERO (CONT’D) Quem sabe se você se comportar eu deixo tu dar um trato na Jupira. Ela é louquinha pra dar pra tu. Eles se aproximam da Casa das Celas e da Árvore, onde estão Jupira e Joana. CÍCERO (CONT’D) Ou quem sabe a freirinha! Ela é bem servida, também. Miguel fica agitado. CÍCERO (CONT’D) O dotô já experimentou... Miguel fica possuído de raiva. Ele olha para Joana sentada e frágil e com as roupas rasgadas. CÍCERO (CONT’D) Agora que ela pegou gosto pra coisa vai querer mais. De repente, Miguel, enfurecido, se vira e agarra Cícero e o arremessa para perto da árvore. 138

INT. GUARITA - DIA Sentinela aponta a arma para Cícero e Miguel. POV - Mira aponta para Miguel e Cícero.

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EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - DIA Cícero cai no chão e se esborracha. Jupira e Joana se assustam e saem de perto de Miguel e Cícero. Miguel bufa de raiva. Ele pega a grande pedra que está escorada na árvore e a levanta. Cícero se vira e olha para Miguel com a pedra pronto para matar-lhe. Não!!!

JOANA

Um TIRO acerta a pedra e Miguel a deixa cair no chão. Sentinela corre empunhando a arma em direção à Miguel. Miguel avança sobre Cícero. Miguel se abaixa e pega Cícero. GATILHO. Sentinela encosta a ponta do cano da arma em Miguel.


85. JOANA (CONT’D) Não!!! Não mata ele! Não mata! Por favor!!! Chega! Chega! Miguel olha para Joana desesperada e solta Cícero. Cícero cai ao lado da árvore que agora tem um buraco que a grande pedra estava tapando. Do buraco, algumas folhas começam a sair voando. Aos poucos mais fohas saem. Joana pega uma das folhas e confere. É uma poesia com a mesma letra de Pedrinho. As folhas se espalham pelo pátio da prisão. 140

INT. QUARTO DE HOSPITAL - NOITE Marina segura o bebê recém nascido. Daniel está ao seu lado. MARINA Ela tem os teus olhos, Daniel. DANIEL Acho que parecem mais com os teus. Daniel se afasta um pouco. O que foi? Nada.

MARINA DANIEL

Daniel se levanta. DANIEL (CONT’D) Preciso fumar um cigarro. Só isso. Daniel caminha para a porta. Daniel?

MARINA

Ele se vira. Te amo. Eu também.

MARINA (CONT’D) DANIEL

Daniel sai do quarto. Marina faz carinho no bebê. 141

INT. SALA DA CASA DE DANIEL - DIA Daniel fuma e bebe uísque. Marina entra na sala.


86. MARINA Pronto, amor. Renatinnha já tá dormindo. Bebendo de manhã, Daniel? E fumando dentro de casa. Tu não disse que ia parar de fumar dentro de casa? DANIEL O que que foi? Não posso nem beber a hora que eu quiser... não posso nem fumar onde eu quiser! MARINA Só falo isso para o seu bem e pelo bem da nossa filhinha. DANIEL Eu só quero ficar um pouco sozinho. MARINA Já fazem duas semanas que você chegou e só fala que quer ficar sozinho! 142

INT. COZINHA DE DANIEL - DIA Marina e Daniel almoçam. MARINA A tia Tânia deu um conjuntinho lindo pra bebê. Tá um pouquinho grande mas logo vai entrar direitinho nela. TELEFONE. MARINA (CONT’D) Atende pra mim? DANIEL Deixa tocar. Marina se arruma para levantar. MARINA Por que você não faz nada que eu peço. DANIEL Senta, Marina. MARINA Vou atender o telefone. DANIEL Senta, Marina. Não precisa atender o telefone. (MORE)


87. DANIEL (CONT'D) Nós estamos almoçando, Marina! Você não consegue ficar quieta e comer como uma pessoa normal?! Marina olha pra Daniel e volta a comer. O TELEFONE para. DANIEL (CONT’D) Você nem engordou muito, né. Marina, surpresa, sorri. MARINA Você acha, amor?! Eu fiz uma dieta que a Roberta me ensinou que era... DANIEL Você já viu alguma freira sem as roupas de habito? MARINA (confusa) Hã? Quê? DANIEL Freiras sem habito... Com roupas normais... Você já viu? MARINA Não sei... sim... acho que sim... COmo vou saber? Se ela tá sem o habito não tem como saber se ela é freira! Marina ri. Daniel não. DANIEL Por que você não deixa o cabelo crescer? MARINA Daniel?! Bom... Nunca deixei porque você sempre disse que gostava do meu cabelo. Pelo jeito não gosta mais. DANIEL Só perguntei... às vezes é bom mudar um pouco. 143

INT. QUARTO DO BEBÊ - NOITE Daniel fuma e pinta com um rolo a parede do quarto. Marina entra. MARINA Daniel, tem um barulho vindo do seu escritório. Acho que é o rádio.


88. DANIEL Você não tem que achar nada, Marina. Não se meta no meu trabalho. MARINA Mas na nossa casa eu me meto. Você disse que ia comprar o berço essa semana. Daniel, já faz dois meses que a bebê tá dormindo domigo na cama. E dois meses que você não dorme na cama! DANIEL Não exagera, Marina. 144

INT. ESCRITÓRIO DE DANIEL - NOITE RÁDIO AMADOR CHAMA. Daniel atende o chamado. DANIEL Que que é Cícero? Já falei pra não ficar usando o rádio! CÍCERO (V.O.) É que achei melhor falar logo, dotô. Daniel olha as fotos de Joana na parede. DANIEL Falar o quê? Vamos desenbucha! Aconteceu alguma coisa com a freira? Ela não pode morrer, Cícero! Senão eu tô fudido e tu também! CÍCERO (V.O.) É que... Dotô, não isso. Ela tá bem. Quer dizer... Tá mal... DANIEL Tá bem ou tá mal, porra?! CÍCERO (V.O.) Tá bem... tá viva... mas tá passando mal... Vomitando... DANIEL Porra, Cícero! É só não deixar ela desidratar. Dê água pra ela... só isso.


89. CÍCERO (V.O.) Não isso, dotô. Ela tá embuchada... Tá grávida... DANIEL (surpreso) Quê?!! (desesperado) Como grávida?!! CÍCERO (V.O.) Não sei, dotô... Acho que essa freirinha é safada mesmo. Deve ter embuchado de algum padre antes de vir pra cá. DANIEL Não fala besteira, Cícero! 145

INT. SALA DA CORREGEDORIA - DIA Daniel, de terno, gravata e calça jeans, está sendo interrogado por SEIS HOMENS de terno e gravata. A sala é escura e pequena. HOMEM 1 Desde que você assumiu essa responsabilidade a corporação acreditou no seu potencial. HOMEM 2 Você foi designado para tal tarefa sigilosa e de caráter único e não soube conduzir com as condições impostas pela corporação. Daniel, nervoso, fuma. HOMEM 1 Teremos que abrir uma investigação paralela. HOMEM 3 Há desconfiança na imprensa sobre o desaparecimento do tal poeta e agora da freira. HOMEM 4 A corporação não irá se prejudicar por causa de erros humanos. HOMEM 2 Os métodos usados, a qual a corporação deu total apoio e confiança, se mostraram ineficiêntes.


90. HOMEM 5 O programa terá que ser reajustado. HOMEM 6 A prisão será desativada e os presos transferidos para outro local de total sigilo. Daniel fica atordoado. DANIEL Mas vocês não podem fazer isso comigo! HOMEM 5 Não podemos? HOMEM 6 Você perdeu a noção do respeito?! Daniel abaixa a cabeça. DANIEL Me dêem uma semana! Uma semana, senhores, e vou resolver a situação lá. Depois... vai ser melhor pra corporação. 146

INT. QUARTO DE MARINA E DANIEL - NOITE Daniel e Marina transam. Ele a pega com violência. Põe Marina de quatro, tenta puxar seus cabelos mas sua mão escapa. Ele pega os cabelos de Marina e agarra com violência. MARINA Calma, Daniel. Calma! Daniel puxa os cabelos de Marina com mais força. MARINA (CONT’D) Ai!!! Para Daniel! Sai! Daniel força mais um vez. MARINA (CONT’D) Para Daniel! Tá me machucando! Daniel deixa Marina e se joga na cama. Marina chora. DANIEL Para de chorar, Marina! Para! Marina se acalma. Ela se vira, encolhida, de costas para Daniel. Ele estica sua mão e pega um cigarro e põe na boca. Estica, novamente, para pega o isqueiro e acaba derrubando o abajur no chão. O abajur quebra. O Bebê CHORA.


91. MARINA Olha o que você fez! Você tá me enlouquecendo, Daniel! Tá com a cabeça onde? Hein? Marina sai do quarto. Daniel traga a fumaça o cigarro e o apaga. Ele se levanta, coloca as roupas, tira uam maço de dinheiro de sua carteira e deixa sobre a cômoda. Marina retorna com o Bebê no colo. Ela olha para ele com lágrimas nos olhos. 147

EXT. EM VOLTA DOS BURACOS - DIA Joana está sentada de pernas abertas ao lado do Buraco 1. Sua barriga está um pouco saliente. Seu cabelo está bem penteado, as unhas bem feitas, porém as roupas rasgadas e sujas. JOANA “Em ti vejo o que é impossível esquecer: a vida, as árvores, o concreto, o rosto escarrado que agita em circulos. Já não importa se é solar ou luar. Por ti, poça minha, passo todos os dias. Em ti, poça minha, passei a acreditar.” Joana se movimenta rapidamente e olha para dentro do Buraco 1. JOANA (CONT’D) Gostou desse, Miguel?

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INT. BURACO 1 - DIA Miguel, alegre, faz sinal de positivo com a cabeça.

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INT. FUSCA - DIA Cícero dirige e bebe um gole de cerveja direto da garrafa. No banco de trás, os seus sobrinhos fazem bagunça.

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EXT. GUARITA - DIA Sentinela acompanha o fusca entrar na prisão. Ele sai da guarita a caminha até o carro.

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EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - DIA Cícero estaciona o carro. Ele desamarra as coisas de cima do carro: galão de gasolina, caixas de cervejas, grelha. As crianças estão agitadas em volta do carro.


92. CÍCERO Vamo se acalmar aí! Vamo se acalmar! Alguém pega essa caixa e leva pra dentro. Cícero entrega uma caixa de cerveja para Menino 2. Cícero olha Sentinela parado e joga a chave do carro para ele. CÍCERO (CONT’D) Não me olha assim! Hoje é dia de festa! Deixa de ser abestado! Sentinela volta para Guarita. CÍCERO (CONT’D) (projetando) Jupira! Jupira! Joana! Joana! Jupira

e Joana chegam. CÍCERO (CONT’D) Ajuda a pegar essas coisas. Vamo logo que é pra começar cedo! Hoje é dia de festa!

Cícero entrega a grelha para Jupira e uma caixa de cerveja para Joana. As duas saem em direção à Casa de Cícero quando Joana deixa cair a caixa no chão. CÍCERO (CONT’D) Porra, freirinha! Cuida! Jupira se vira e vai contra Cícero. JUPIRA Cala boca, miséria! Não tá vendo que ela tem que se cuidar! Jupira ajuda Joana. 153

EXT. PUXADINHO - DIA O Puxadinho agora tem dois espelhos e duas prateleiras. Um de cada lado. Joana, sentada, sente enjôos. Jupira aparece com uma xícara. JUPIRA Toma isso que vai te fazer bem. JOANA O que é isso? JUPIRA Toma, mulher! Joana olha para Jupira e toma um gole. Ela faz cara feia.


93. JUPIRA (CONT’D) Haha! É ruim, mas tudo que é ruim faz bem pra alma ou pro corpo. JOANA Obrigado, Jupira. 154

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - DIA RÁDIO TOCA FORRÓ. Cícero põe fogo numa churrasqueira improvisada. As crianças vibram. Jupira e Joana estão sentadas em volta e temperam a carne. Cícero pega uma cerveja e serve os copos de Jupira e Joana. CÍCERO Vamo bebe que hoje é dia de festa! JOANA Você me desculpe, Cícero, mas não vou poder acompanhar vocês. CÍCERO Mas é só uma cervejinha... não vai acontecer nada. Joana olha para Jupira. JUPIRA É... só uma cervejinha... Tá bom!

JOANA

CÍCERO Um brinde ao meu aniversário! JUPIRA E ao futuro cabra mais cabra desse sertão! Os três brindam e sorvem seus copos até o final. Joana faz cara feia. JOANA Que coisa horrível! Os três dão risadas. 155

INT. CASA DE CÍCERO - DIA As crianças mexem nas cervejas que estão dentro da pia com gelo. Uma delas pega uma cerveja, abre e passa para os outros.


94. 156

EXT. GUARITA - DIA Sentinela fuma um palheiro e observa a movimentação do churrasco. Cícero ASSOVIA. CÍCERO Vem cabra! A carne tá quase pronta!

157

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - FIM DE TARDE Cícero vira um copo de cachaça. CÍCERO Coisa boa! Cachaça boa, cerveja gelada, carne boa... Pelo uma vez por ano a gente tem que viver como gente de verdade! Joana e Jupira comem nas suas cabaças. Jupira bebe cerveja. Um pouco mais longe, Sentinela come com as crianças em volta dele. Elas brincam com os apetrechos de cangaceiro. De repente, Sentinela assusta as crinças. Eles riem e ele também. CORTA PARA: Jupira e Cícero dançam colados. Eles estão bêbados. Jupira se esfrega em Cícero olhando para Joana que sorri para ela. Jupira se esfrega, provovando mais inda Cícero. Ela põe a mão dentro das calças de Cícero. JUPIRA Isso não fica duro, não?! Cícero fica envergonhado. CÍCERO Para Jupira! Não quero mais dança, não! JUPIRA Só fica duro olhando! Na hora do “vamo vê” não serve pra nada! Cícero bebe um copo de cachaça. CÍCERO Num começa Jupira! Jupira ri.

158

EXT. EM VOLTA DOS BURACOS - FIM DE TARDE As crianças bebem cervejas.


95. CRIANÇA 1 Nem parece gente.

Hei! 159

CRIANÇA 2 (para Miguel)

INT. BURACO 1 - FIM DE TARDE Miguel olha para cima e recebe uma cusparada de cerveja no rosto. Ele fica agitado e balança a grade. Ele olha pela grade as crianças provocarem ele. CRIANÇA 2 Acho que ele tá com fome. CRIANÇA 3 Joga um pedaço de carne pra ele. CRIANÇA 1 É joga carne pro animal! Elas jogam pedaços de carne e Miguel se esforça para pegar antes que caia no chão.

160

EXT. EM VOLTA DOS BURACOS - FIM DE TARDE As crianças jogam carnes e cervejas em Miguel e dão risadas.

161

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - NOITE SOM DE MÚSICA ROMÂNTICA. Cícero dorme bêbado atirado num canto. Jupira e Joana dançam coladas. O fogo da churrasqueira está em brasas.

162

EXT. GUARITA - NOITE Sentinela dorme escorado. SOM DE CARRO. Sentinela acorda aos poucos. De repente, percebe um carro se aproximar da prisão. Ele se assusta e empunha a arma. Olha pela mira. POV DA MIRA - O carro que se aproxima é a Veraneio de Daniel. Sentinela se arruma. Confuso, ele olha para prisão e vê Jupira e Joana dançando, e Cícero atirado no chão. O carro se aproxima cada vez mais até parar ao lado da Guarita.


96. 163

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - NOITE Joana percebe o carro chegando e se assusta. Ela agarra Jupira pelos braços. JOANA Jupira! Jupira! É o Daniel! E agora? Ele vai nos matar! Hã?

JUPIRA

Jupira olha o carro de Daniel. JUPIRA (CONT’D) Acha as crianças e se esconde com elas! Rápido! 164

INT. CARRO DE DANIEL - NOITE Daniel está nervoso. Ele abaixa a janela para falar com Sentinela. DANIEL Que porra é essa?!! Não posso confiar em ninguém aqui! Puta que pariu! Daniel acelera o carro. Ele olha Joana entrando dentro da Casa de Cícero. Olha Jupira tentando arrumar algumas coisas. Olha Cícero, bêbado, atirado no chão. Daniel para o carro e desce.

165

INT. CASA DE CÍCERO - NOITE Joana agrupa as crianças. JOANA Vocês fiquem quietas! Vamos lá pra fora... lá pra trás... Vamos! Vamos!

166

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - NOITE Daniel, enfurecido, sai do carro em direção à Cícero. Daniel chuta Cícero e o acorda. DANIEL Filho da puta! Filho da puta! Eu vou acabar contigo, seu merda! Daniel pega Cícero e o levanta.


97. DANIEL (CONT’D) Que porra tá acontecendo aqui? Fala! CÍCERO Dotô... Calma, dotô... é meu aniversário... DANIEL Filho da puta! O que você andou falando? Hein?!! Vai voltar de onde veio! Acabou! Acabou! JUPIRA (gritando) Deixa ele!! Deixa ele!! Daniel dá uma cabeçada em Cícero que cai no chão desorientado. MIGUEL FIGA AGITADO. ELE FORÇA A GRADE. Daniel ASSOVIA para Sentinela. DANIEL (para Jupira) Fica quieta senão vai sobrar pra ti! Ele caminha em direção à Casa de Cícero. Jupira se põe na frente e Daniel a empurra. 167

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - NOITE Daniel vê Joana sentada em baixo da árvore. Ele passa por ela e entra na Casa de Cícero. Jupira corre em direção à Joana. JUPIRA E as crianças? JOANA Escondidas. DANIEL QUEBRA TUDO DENTRO DA CASA. MIGUEL SE AGITA CADA VEZ MAIS. Joana e Jupira se assustam. JUPIRA Você tem que se esconder, também! Ele vai te matar! JOANA Não vou! Vou ficar aqui!


98. Daniel sai da Casa de Cícero e vai para cima de Joana. Jupira intervém. Daniel dá um soco em Jupira que cai desmaiada. Joana se desespera. JOANA (CONT’D) (desesperada) Jupira! Jupira! Você matou ela!!! Matou!! Daniel pega Joana pelo braço. Sentinela aparece. DANIEL Atira em qualquer um que tentar sair daqui! Ouviu?! É melhor você cumprir isso! A GRADE ARREBENTA E MIGUEL GRITA. DANIEL (CONT’D) Ele arrebentou! Arrebentou a grade! Leva ele até uma cela e tranca. Eu vou dar um jeito nele depois. Vamo homem! Sentinela sai em direção aos Buracos. Daniel leva Joana para a Casa das Celas. Ao longe, Cícero observa. 168

EXT. EM VOLTA DOS BURACOS - NOITE A grade do Buraco 1 está arrebentada. Miguel sai do Buraco 1. Ao sair, Miguel se depara com a espingarda do Sentinela. Miguel tenta investir para cima, mas o Sentinela ATIRA perto de sua perna. MIGUEL Ahhhhh!!!!! Sentinela faz um sinal para Miguel caminhar.

169

INT. CORREDOR DA CASA DAS CELAS - NOITE GRITOS IMCOMPREENSÍVEIS E BARULHOS VINDO DAS CELAS. Daniel empurra Joana até entrar na Sala de Interrogatório.

170

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - NOITE Cícero vê Sentinela levando Miguel para a Casa das Celas. Ele pega a faca que está ao lado da churrasqueira e sai correndo para sua casa.


99. 171

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - NOITE Cícero está quase entrando em sua casa quando ouve um barulho e olha para o lado. CRIANÇA 1 Tio Cícero! Cícero sente um alívio e corre em direção às crianças que também correm até ele. Ele abraça elas. CÍCERO Se acalmem. Se acalmem. Sentinela passa com Miguel sob sua mira e entra na Casa das Celas.

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INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - NOITE Joana está sentada na cadeira. Daniel, muito nervoso, caminha ao redor dela. DANIEL Você me custou o meu emprego! Você me custou a minha família! Se você ainda tem um mínimo de coerência... de dignidade... Me diz! Logo! Por que você estava metida com aquelas pessoas?! Hein?! JOANA Você não sabe o que tá dizendo! DANIEL Por que você não confessou logo! Nada disso teria acontecido. É tudo culpa sua!

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INT. CORREDOR DA CASA DAS CELAS - NOITE GRITOS IMCOMPREENSÍVEIS E BARLHOS VINDO DAS CELAS. Sentinela empurra Miguel para dentro de uma cela e a tranca. Miguel grita e soca a porta com força.

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EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - NOITE As crianças correm e entram no Fusca. Sentinela sai de dentro da Casa das Celas e caminha em direção ao Fusca. Cícero se aproxima por trás e o esfaqueia. Sentinela cai morto no chão.


100. 175

INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - NOITE Daniel se aproxima de Joana e a segura pelo rosto. DANIEL Fala Joana! Fala logo! Eles vão desativar essa prisão e você vai ser transferida... pode ser que seja pra um lugar pior ainda! JOANA Me larga! Eu tenho nojo de você! Eu odeio você! Eu prefiro morrer que ver você novamente! Joana se levanta. JOANA (CONT’D) Eu odeio você!!! Odeio!!!

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INT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - NOITE Cícero pega o galão de gasolina e espalha em volta da sua casa.

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INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - NOITE Daniel se agarra nas pernas de Joana. DANIEL Pelo amor de Deus, Joana!! Você tá carregando um filho meu! Pelo amor de Deus!! Joana olha para a vassoura quebrada e o balde no chão. JOANA (confiante, serena) Quem disse que o filho é seu.

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INT. CORREDOR DA CASA DAS CELAS - NOITE Cícero abre a portinhola da porta da cela de Miguel. CÍCERO Hei! Miguel! O homem vai matar a freirinha! Vai matar! Cícero abre a porta e corre para fora. OS PRESOS SE AGITAM MAIS AINDA. GRITOS E BARULHOS DE SOCOS NAS PORTAS DE METAL.


101. 179

INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - NOITE Daniel percebe estar se rebaixando. Ele larga as pernas de Joana. DANIEL Como não é meu?!! Eu tirei sua virgindade! Como o filho não é meu?! JOANA Quem disse que você foi o único que eu trepei aqui?

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INT. CORREDOR DA CASA DAS CELAS - NOITE Miguel sai da cela furioso. Ele vê pela fresta da porta, Daniel e Joana discutindo.

181

INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - NOITE Daniel parte para cima de Joana DANIEL Vagabunda! Vádia! Desgraçada! Sua puta sem vergonha!!! Daniel percebe que Joana olha para alguém atrás de dele. Daniel se vira, vê Miguel e saca uma arma. Joana segura o braço de Daniel. Daniel se desvincilia e derruba Joana no chão. Miguel aproveita e parte para cima de Daniel, estrangulando-o.

182

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - NOITE Cícero olha pra Jupira caída e a deixa. Ele derruba a churrasqueira e entra no Fusca. O fogo se alastra aos poucos. O Fusca parte para imensidão do sertão. TIRO.

183

INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - NOITE Miguel derruba Daniel. Os olhos de Miguel estão esbugalhados, cheio de raiva e dor. Miguel estrangula Daniel que está em baixo. JOANA Não!! Para Miguel! Para!! Começa a escorrer sangue da boca e do nariz de Miguel. Daniel morre. Miguel cai or cima dele. Joana se desespera. Ela vira o corpo de Miguel e põe sobre seu colo.


102. Joana chora desesperada. Passa a mão pelo rosto e cabelos de Miguel. Miguel está morto. 184

INT. CORREDOR DA CASA DAS CELAS - NOITE Joana puxa o corpo de Miguel até sair do corredor.

185

EXT. PÁTIO CENTRAL DA PRISÃO - NOITE Joana sai da Casa das Celas e se depara com a Casa de Cícero pegando fogo. Ela vê Jupira atirada inconsciente no chão. JOANA Jupira! Jupira!! Joana deixa o corpo de Miguel. Joana pega Jupira no colo e a leva para entrada da prisão.

186

EXT. ENTRADA DA PRISÃO - NOITE Joana deixa Jupira no chão e dá tapas para tentar acordá-la. Jupira acorda. O fogo se alastra. JOANA Jupira!!! Jupira!!! Ainda bem!! Respira fundo!!! Jupira se recupera aos poucos. JUPIRA O que aconteceu? Joana olha para a casa pegando fogo. Jupira se vira e também vê o fogo. JOANA Você tá bem? Sim...

JUPIRA

JOANA Vou pegar o corpo de Miguel! Jupira agarra forte Joana. JUPIRA Não!!!! Por favor! Não!!! Não me deixe!! Joana abraça Jupira. Ao fundo, a Casa de Cícero arde em chamas. FADE OUT.


103. 187

EXT. EM VOLTA DA ÁRVORE - AMANHECENDO Jupira chuta os destroços da Casa de Cícero. Joana está sentada em baixo da árvore. Apenas a Casa de Cícero ficou totalmente queimada. Jupira se abaixa e acha sua escova de cabelo. SOM DE CARROS. Joana se levanta. JOANA Jupira! Tá vindo gente! JUPIRA Acabou... agora já era... Uma nuvem de poeira se aproxima da entrada da prisão.

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EXT. ENTRADA DA PRISÃO - DIA Vários carros estão estacionados. Entre eles um camburão. Joana está ao lado do Policial 2 que entrega um documento para Joana. POLICIAL 2 Dona Joana, você só precisa assinar este documento e tudo estará acabado. Como tudo?

JOANA

POLICIAL 2 Tudo... as acusações... e... tudo o que aconteceu aqui... Joana olha para a prisão. A casa em brasa. Olha para Jupira que conversa sorrindo para um POLICIAL 3. E ela?

JOANA

POLICIAL 2 Vai ser solta também. Joana abaixa a cabeça e assina o documento. 189

INT. CARRO DA POLÍCIA - DIA Joana e Jupira estão sentadas no banco de trás. O carro acelera. Através do vidro de trás do carro, os escombros da Casa de Cícero ainda soltam uma densa fumaça. Joana olha para sua barriga e depois para frente. FIM.


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