Acaso

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Acaso Por Fabricio Cantanhede

Baseado em dois contos do livro "Iniciantes" de R. Carver

Email: costa077@hotmail.com cantanhedefabricio@gmail.com Tel: (51) 99965833


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INT. SALA DA CASA DE ANA - DIA ANA, 39 anos, agitada, leva o almoço para a mesa. Na DIEGO, 9 anos, come assistindo desenho na televisão. levar o garfo até a boca, ele deixa a comida cair em camisa. Ele tenta disfarçar, mas Ana chega à sala no momento.

mesa Ao sua mesmo

ANA Pô, Diego, a camisa tava limpinha. Já terminou de comer? Você tá atrasado. Tira a camisa que eu vou pegar outra pra você. Diego tira a camisa e entrega para Ana. ANA Quando eu voltar quero ver você com os dentes escovados, pronto para sair senão não vai ganhar presente amanhã. Ana caminha até a escada e acha um colete de pesca. ANA Seu pai esqueceu o colete de pesca dele? Ana deixa o colete no mesmo lugar. Diego assiste televisão. No seu prato ainda resta um pouco de comida. Ana chega com a camisa. ANA Vamos Diego! Vá escovar os dentes. Você vai se atrasar para escola. Ana desliga a televisão. Diego veste a camisa e sai correndo para o banheiro. Ana pega o telefone e faz uma ligação. ANA (ao telefone) Alô, eu fiz um pedido de um bolo ontem e vocês ficaram de me avisar quando ele estaria pronto. (pausa) Tá bom, lá pelas 16 horas. Ok. Ana desliga o telefone. Diego sai do banheiro. ANA Vamos Dieguinho.


2.

DIEGO Mãe, o bolo vai ser de chocolate? ANA Não sei, se eu não receber nenhum aviso de atraso hoje quando você voltar da escola, talvez seja de chocolate. Diego sorri para a mãe. DIEGO Tá bom. Já tô indo. Diego pega a mochila, beija sua mãe e sai de casa. 2

INT. CARRO DE JULIO - FIM DE TARDE JULIO, RENATO e JORGE, todos com 40 e poucos anos, estão dentro de uma caminhonete. Julio dirige. Eles riem, bebem e fumam. JULIO (para Jorge) Você prefere beber skol porque você não tem mais paladar. Qualquer coisa que seja amarelo e tiver espuma você toma. JORGE Amarelo com espuma pra mim é mijo. E quem toma mijo todo dia é você. Sua mulher tá sempre dando mijada em você. Julio apenas olha para Jorge e toma um gole de cerveja. Renato e Jorge riem. Julio encosta o carro em um mirante. RENATO Já chegamos? Cadê o rio? Por que a gente não vai de caminhonete até a beira?

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EXT. REGIÃO MOTANHOSA - FIM DE TARDE Eles saem do carro. JULIO Não tem como. A gente tá indo pegar as maiores traíras da região. Se você quer chegar de caminhonete até (MAIS...)


3.

JULIO (...cont.) a beirada do rio vá pescar lambari no Taquari. JORGE (para Renato) Não esperava ter que dar conselhos para um velho, mas tudo na vida tem seu preço. RENATO Que velho! Quem é velho aqui? É melhor ficar bêbado logo pra aguentar essa caminhada fudida nesse sol. Jorge pega uma cerveja sem Renato ver e a sacode. Julio acende um cigarro olhando Jorge sacudir a cerveja. Jorge faz um sinal para Julio, como que pedindo para ele ficar na dele. Jorge joga a cerveja para Renato. JORGE Pega uma gelada aí, campeão. Renato pega cerveja. Ao abrir a lata, ela espirra cerveja nele. Jorge ri de Renato. JORGE Viu, tudo tem seu preço, até uma boa cerveja gelada. Renato joga a cerveja em Jorge. Julio é o único que não ri. Ele pega sua mochila e bate a porta do carro. 4

EXT. RUA - DIA Diego e GUILHERME, 10 anos, caminham chutando uma bola um para outro. Diego pisa fora do meio-fio numa esquina e é atropelado por um carro. O carro o bate de leve, apenas derrubando Diego. Ao cair, ele bate a cabeça no meio-fio. Diego desmaia. Suas pernas começam a sofrer espasmos. Guilherme olha para o carro. O MOTORISTA, irreconhecível, olha para trás. Diego levanta, balança a cabeça e demonstra estar bem. GUILHERME Cara, você tá bem? (pausa) Diego!


4.

DIEGO Tô bem, sim. Não foi nada. GUILHERME Tem certeza? DIEGO Sim, sim. (pausa) Acho que vou pra casa. Me lembrei que esqueci o meu caderno. Diego vira as costas e sai caminhando rápido. GUILHERME Diego? 5

EXT. ACAMPAMENTO - DIA Julio e Renato montam acampamento numa área aberta entre as árvores. Eles bebem e fumam. JORGE (O.S) Caralho! Puta que pariu! Porra, venham ver isso. Os dois se assustam e correm em direção à Jorge.

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EXT. BEIRA DO RIO - DIA O CORPO DE UMA GAROTA bóia de costas na beira do rio. JORGE Puta que pariu. Julio e Renato chegam e se assustam com o corpo nu e retalhado da Garota. JULIO Merda. RENATO Meu Deus, coitada. Deve ter morrido afogada. JORGE Pelada assim? RENATO Claro, nunca tomou banho pelado com uma mulher no rio?


5. Renato pega um galho e cutuca o corpo. Julio, com um olhar, desaprova o que Renato faz. JULIO Vamos tentar ligar para a polícia. RENATO Acho difícil pegar celular aqui no meio das montanhas. JULIO Eu também, mas vamos tentar. Julio sai caminhando em direção ao acampamento. 7

INT. SALA DA CASA DE ANA - DIA Diego entra em casa, caminha até o sofá e senta. ANA (O.S) Jorge é você? O colete de pesca tá em cima da mesa. (pausa) Jorge? DIEGO Mãe, fui atropelado. ANA (O.S) (nervosa) Diego? O quê?! Tá tudo bem? Ana chega à sala e encontra Diego sentado com um pequeno corte na cabeça. Ela se abaixa para falar com ele. ANA (desesperada) Meu amor, tá tudo bem com você? Você tá bem? Não tá com dor? DIEGO Sim, mãe. Tô bem. Diego levanta devagar. ANA Fica sentado, Diego. DIEGO Tô com sede. Diego desmaia. Ana tenta acordá-lo desesperadamente.


6.

ANA Diego! Diego! Acorda Dieguinho. Ana, tremendo, pega o celular e liga. ANA (desesperada) Atende, Jorge. Atende! Ana chora. 8

EXT. ACAMPAMENTO - DIA Renato e Jorge mexem no corpo da garota com galhos. RENATO Pode ter outro corpo por aqui então? JORGE De homem é melhor nem achar! Eles riem forçado. RENATO Parecia ter um belo corpo. JORGE Vamos tentar virar ela. Renato olha surpreso para Jorge. RENATO Se morreu afogada deve tá com o corpo inteiro ainda. JORGE Que tal uns ver um belo par de peitos no meio desse nada, hein? Quando Jorge termina de falar eles se assustam e não aguentam ver o corpo de frente. O corpo está todo cortado com uma parte da barriga aberta.

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INT. SALA DA CASA DE CLARA - DIA CLARA, 44 anos, sentada em um sofá, fuma uma cigarro e assiste televisão fazendo carinho em um GATO. Ela ouve uma SIRENE de ambulância. Clara caminha até a janela, procura a ambulância e não a acha.


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INT. LEITO HOSPITALAR - DIA Diego está na cama de um hospital. Na sala há mais duas camas com PACIENTES e seus FAMILIARES. Ele dorme e tem um curativo na cabeça. Ana está em volta da cama. DOUTOR LÁZARO, 56 anos, entra na sala. ANA (intimando uma resposta) Doutor? Doutor Lázaro a cumprimenta. DOUTOR LÁZARO Meu nome é Doutor Lázaro, muito prazer. ANA Ele tá bem doutor? DOUTOR LÁZARO Bom primeiramente quero tranquilizar você porque o estado de Diego é estável. Ele está bem... (pausa) ... mas podia tá melhor. E pelos exames até agora, ele parece ser um menino bem saudável. Parabéns. ANA Mas por que ele não acorda doutor? DOUTOR LÁZARO Ele está em estado de choque, mas está... ANA (exaltada) Mas me disseram que ele não tava em coma! O senhor não chamaria isso de coma, doutor? DOUTOR LÁZARO Não, eu não chamo isso de coma. Está só num sono profundo. É um sono restaurador, uma medida que o corpo toma por conta própria. Ele não corre nenhum perigo mais sério, posso afirmar isso com segurança, mas vamos saber melhor quando ele acordar e os outros exames ficarem prontos. Não se preocupe.


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ANA É um estado de coma. DOUTOR LÁZARO O coma é uma inconsciência profunda e prolongada. Diego não está nesse estado. Ainda não é um coma, exatamente. Em casos de choque, esse tipo de reação é muito comum. Uma ENFERMEIRA, 28 anos, entra para coletar sangue de Diego. DOUTOR LÁZARO Vamos saber melhor depois que ele acordar pela manhã. ANA Pelo menos, ele não tá sofrendo. Enquanto a enfermeira coleta o sangue. Doutor Lázaro se despede. DOUTOR LÁZARO Bom, tenho que ir. Assim que souber alguma novidade eu aviso você. O Doutor Lázaro sai. Ana olha para ele que conversa com outra ENFERMEIRA 2, 35 anos, do lado de fora da sala. O Doutor Lázaro vai embora e a ENFERMEIRA 2 entra. ENFERMEIRA 2 (para Ana) Olá, eu preciso que a senhora assine uma autorização para alguns exames. Ana, muito nervosa, assina. 11

EXT. ACAMPAMENTO - FIM DE TARDE A fogueira está acessa e em volta os três homens bebem uísque e jogam poker. RENATO Aposto vinte. Que coisa Julio, a gente jurava que tava cheio de traíra aqui e por enquanto nada. JULIO Deve ser essa coisa boiando aí. Deve tá espantando os peixes.


9.

JORGE Vamos soltar ela dos galhos e deixar que parta sozinha, boiando. Ninguém vai saber que a gente encontrou ela. RENATO Pode ser uma boa ideia. E podemos continuar ou começar nossa pescaria, finalmente. JULIO Não sei, não. Talvez isso possa nos complicar mais ainda. Mas vamos dar uma olhada para ver se ainda tá lá. Eles bebem e servem mais uísque em seus copos. 12

INT. SALA DA CASA DE CLARA - NOITE Clara dorme no sofá. Guilherme chega em casa. Ele deixa a mochila em cima de uma mesa e tenta acordar sua mãe. GUILHERME Mãe, acorda. Mãe. CLARA O que Guilherme? GUILHERME O Diego foi atropelado hoje quando a gente tava indo pra escola. CLARA Ele tá bem? GUILHERME Não sei. Ele foi pra casa. Clara se levanta e olha no relógio. CLARA Então deve tá tudo bem. Guilherme, sua avó já deve estar chegando pra te pegar. Arruma já as suas coisa.


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EXT. BEIRA DO RIO - NOITE Julio, Renato e Jorge chegam até a beira do rio. Apontam as lanternas para o corpo. Barulhos de PEIXES se debatendo na água. JULIO Ei, vocês ouviram? RENATO O quê? JULIO Apaguem as lanternas. JORGE Por quê? JULIO Apaguem! Eles apagam as lanternas. Julio acende um isqueiro e se aproxima do corpo. JORGE O que é? JULIO Shh! Espera... Olha. O corpo da mulher está boiando no mesmo lugar de antes. RENATO Não tem nada de diferente aí. Onde você quer chegar? JULIO Espera. Não falem nada. RENATO Eu não vou cair nessa. JULIO Olha! Em volta do corpo começam a aparecer centenas de peixes grandes e pequenos. Eles comem as vísceras que saem da barriga da mulher. JORGE Bom, agora sabemos onde estão os peixes.


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Renato pega uma linha com um anzol na ponta e joga no rio. Julio olha para ele. Eles ficam no escuro. Barulhos de PEIXES se debatendo. RENATO (O.S) Peguei! Peguei e é dos grandes! Julio acende o isqueiro e ilumina Renato, segurando a linha com um peixe grande. RENATO Senhoras e senhores... peguem suas varas de pesca porque hoje vai dá peixe aos montes. JORGE Vamos amarrar logo uma linha nela pra não descer rio abaixo. JULIO Vamos preparar umas tochas. Não quero nenhuma lanterna apontada para o corpo. Vamos. 14

INT. LEITO HOSPITALAR - DIA Ana acorda assustada, se levanta, olha para a cama onde Diego segue dormindo. Ela se decepciona e passa a mão nos cabelos do filho. ANA Ah meu amor. Vai dar tudo certo.

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EXT. ACAMPAMENTO - DIA Julio e Jorge desarmam o acampamento. Ao lado de uma barraca, uma caixa de isopor cheia de peixes. Renato refresca-se na beira do rio. RENATO Nunca peguei tanto peixe em uma única noite! Tô com o braço doendo de tanto tirar anzol de peixe. JORGE Vai guardando forças porque pelo jeito é você quem vai levar eles até o carro.


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RENATO Eu? Por que eu? JULIO Porra Renato, vem ajudar a desarmar tudo. Vamos embora. Temos que passar na polícia ainda. 16

INT. COZINHA DA CASA DE CLARA - DIA Clara lava a louça. NOTICIÁRIO DA TELEVISÃO. APRESENTADOR (O.S) E agora uma última noticia: três pescadores acharam um corpo, ainda não identificado, no rio Guaratiba. Sabe-se que se trata de uma garota de mais ou menos vinte e cinco anos. A polícia ainda não divulgou mais informações. Mais notícias no jornal da noite. Clara deixa cair um prato no chão. Ele quebra. Ela se abaixa para juntar os pedaços. JULIO (O.S) Clara. Clara se assusta com Julio. Ele segura um saco cheio de peixes.

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INT. CORREDOR DO HOSPITAL - DIA Ana, nervosa, faz uma ligação do celular. ANA (ao celular) Amor? Ah, finalmente, meu amor, o Dieguinho sofreu um acidente. (pausa) No hospital Santo Antonio. Tá bom. Tô esperando.


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INT. COZINHA DA CASA DE CLARA - DIA Julio está de pé com o saco cheio de peixes. Clara, que estava no chão, recolhendo os pedaços do prato, se levanta. JULIO Peixe pro resto do ano! CLARA Chega assim, sem avisar. JULIO Com a televisão nesse volume fica difícil de ouvir outra coisa mesmo. CLARA Isso que eu ouvi na televisão agora, foram vocês? JULIO O que você ouviu? CLARA Que acharam um corpo de uma garota no rio. Julio muda de expressão. JULIO Já saiu no jornal? Eles não perdem tempo para fazer sensacionalismo. Clara se aproxima de Julio. CLARA Como foi isso? Onde ela tava? Julio passa por Clara e coloca o saco com os peixes em cima da pia. JULIO No rio boiando. Porque você quer saber essas coisas. A gente chegou lá e ela tava morta. CLARA Como assim a gente chegou lá e ela tava morta? Vocês encontraram ela no dia que chegaram? JULIO Sim, a gente teve que andar cinco...


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CLARA (revoltada) Vocês acharam ela e continnuaram pescando?! Com um defunto na mesma água? JULIO Ela tava morta, Clara! CLARA Por isso mesmo! Julio abre a geladeira e pega um cerveja. JULIO Já avisamos a polícia. Se você quiser falar sobre outra coisa... vou estar ali fora. Julio abre a lata de cerveja e sai para o quintal. 19

INT. LEITO HOSPITALAR - DIA Diego está deitado sendo alimentado por soro. Jorge beija Diego na testa. Ana está um pouco atrás. Jorge olha para os tubos e aparelhos hospitalares. JORGE O que é tudo isso? ANA Ordens do doutor Lázaro. Diego precisa de nutrição. Ana caminha até a cama. JORGE Por que ele não acorda? Não entendo, se afinal ele está bem. Ana põe a mão na testa de Diego. ANA Ele tá frio. JORGE Deve ser normal em estado de choque. Os dois ficam em silêncio.


15. ANA Eu tava rezando. Quase achei que tinha esquecido como era, mas lembrei. Bastou eu fechar os olhos e dizer: Por favor, Deus, nos ajude... ajude o nosso filho; e depois o resto foi fácil. Enfermeira 1 entra para tomar o pulso. Junto com ela entra também um ENFERMEIRO. ENFERMEIRO Vamos ter que levar ele para mais exames. O Enfermeiro empurra a cama em direção à porta. Ana e Jorge acompanham. O Enfermeiro barra eles. ENFERMEIRO Infelizmente, os senhores vão ter que esperar aqui. É o procedimento para esses exames. ANA Não vou deixar o meu filho sozinho! JORGE Calma, meu bem. Ele vai ficar bem. Jorge abraça Ana e faz um sinal de afirmativo para o Enfermeiro levar Diego. ANA Meu bem é tudo culpa minha. Se eu não tivesse apressado o Dieguinho, mas não, eu falei pra ele sair e ir rápido para a escola. JORGE Calma, meu amor. Não foi culpa de ninguém. Aliás, se alguém tem culpa, esse alguém é quem o atropelou. O filho da puta nem parou para prestar socorro. ANA Não é isso... Algo fez com que eu apressasse ele... algo fez com que ele quisesse, especialmente ontem, ficar vendo televisão. Jorge, o Diego nunca gostou de se atrasar para escola! Por que, justamente, ontem, ele quis se atrasar?


16.

JORGE Calma, Ana, vai dar tudo certo. Você apenas está cansada. Vá para casa descançar um pouco. Ana fica nervosa com Jorge. Ela se afasta dos seus braços. ANA (gritando) Quer que eu vá para casa enquanto Diego está aqui nesse hospital doente? Eu tava aqui com ele enquanto você tava pescando com seus amigos! Egoista! Ana se arrepende do que disse no mesmo momento e começa a chorar. ANA Deculpa. Desculpa, não foi sua culpa. Jorge a abraça. ANA Desculpa. Foi eu quem errei. JORGE Tudo bem, meu amor. Você só está cansada. Ana se acalma. ANA Foi aquela promessa. Foi aquela promessa que eu fiz há uns anos atrás. JORGE Calma. Vá para casa tomar um banho e volte. O Dieguinho tá fazendo os exames e não podemos fazer nada, mesmo. ANA Eu vou. É... acho que é melhor sair um pouco mesmo. (decidida) Onde tá o carro?


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EXT. QUINTAL DA CASA DE CLARA - DIA Julio está deitado na grama de barriga para cima. Ele segura uma cerveja na mão e tem o jornal ao lado. POV DE JULIO: olha contra o sol quando Clara aparece entre os raios. CLARA Julio podemos dar uma volta de carro? Julio tenta olhar para ela entre os raios de sol. JULIO Pra onde? CLARA Pra qualquer lugar. JULIO Ok. Vamos comprar cerveja. (se levantando) Espero que você esteja mais calma sobre aquele assunto. Tente compreender, é só isso o que estou pedindo. Julio agarra Clara pela cintura e a puxa contra o seu peito. JULIO Vou ficar pronto num minuto.

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INT. CARRO DE JULIO - DIA Julio, suado, dirige olhando as ruas e as pessoas. Clara, sentada no banco ao lado, observa as pessoas nas ruas, principalmente os casais de meia idade. De vez quando, ela olha para Julio. Os dois estão em silêncio. JULIO Por que você tá olhando assim pra mim? CLARA Eu tava olhando? JULIO O que que é, hein?! Julio fica nervoso e consequentemente acelera o carro.


18. JULIO Me diga o que foi que eu fiz de errado? Eu quero saber! Isso não é justo. Ela estava morta, não estava? CLARA Vocês poderiam ter voltado, pegado o carro e dirigido até a próxima delegacia. JULIO Era o primeiro dia... Clara olha impaciente para ele. JULIO Sabe quantas espécies de cobras venenosas existem por lá? Se a gente tivesse voltado para o carro naquela noite escura provavelmente um de nós estaria morto também. CLARA Grandes homens... medo cobra! JULIO Quer saber... Desisto! CLARA Olha o sinal fechado! Julio freia bruscamente o carro, mas ele derrapa e bate, muito de leve, em outro carro. Julio e Clara se olham. CLARA Olha a merda que você fez! Julio apenas olha para Clara e sai do carro. 22

EXT. RUA - DIA Julio caminha até o carro batido. Ele olha a traseira do carro um pouco amassada. Ele se aproxima da janela do carro e vê Ana chorando desesperada no volante. Ele se assusta e olha para Clara dentro do seu carro. JULIO (para Ana) A senhora está bem? Ana não responde e continua chorando.


19.

JULIO Senhora? Você está bem? ANA Desculpa. É tudo culpa minha. Desculpa moço. Julio fica confuso. O sinal abre e alguns carros começam a BUZINAR. JULIO Não foi culpa da senhora. Foi eu que bati na senhora. ANA Tudo culpa minha. JULIO Espere aqui que vou manobrar o carro até a calçada. Julio caminha até seu carro. Clara permanece dentro do automovel. CLARA (nervosa) O que aconteceu? Alguém se machucou? JULIO Acho que a dona ali do carro não está bem. CLARA Ela se machucou? Pelo menos dessa vez faça alguma coisa! JULIO Ela tá bem. Acho que já tava chorando antes do acidente. Eu vou manobrar o carro até a calçada. Vá até o carro dela enquanto isso. CLARA É melhor eu ir mesmo. Só não vai fugir... JULIO Cala boca, Clara! E vai logo. Clara sai do carro. Ela caminha até o carro de Ana e se depara com ela muito frágil e chorando.


20. ANA Por favor, alguém me ajuda! CLARA Moça, tá tudo bem? ANA Eu não aguento mais essa espera... essa agonia. É tudo culpa minha. CLARA Calma moça. Como é seu nome? Ana levanta o rosto pela primeira vez. Ela olha nos olhos de Clara. Os carros BUZINAM. ANA Ana. CLARA Ana, deixa eu entrar e manobrar o carro pra você. Vamos tirar ele do meio da rua. Clara abre a porta e ajuda Ana a dar a volta no carro e entrar pela outra porta. CLARA Não foi nada. Foi só uma batidinha de leve. 23

INT. CARRO DE ANA - DIA Clara entra no carro de Ana e manobra o carro. CLARA Não precisa ficar nervosa. A gente vai pagar tudo. ANA É tudo culpa minha. Se eu não tivesse prometido a Ele que mudaria. CLARA Moça, não estou entendendo. Acho que você pode ter batido a cabeça. ANA (nervosa) Como você sabe ele bateu a cabeça? Clara olha confusa para Ana.


21.

CLARA Deixa eu ver a sua testa. ANA Eu estou bem! Julio aparece na janela do carro. CLARA (para Julio) Espera um pouco Julio. JULIO Tá tudo bem. CLARA Espera um pouco Julio. Julio sai e volta para o seu carro. ANA É tudo culpa minha. Ele salvou Diego e eu fiz uma promessa. E não cumpri. CLARA (surpresa) Você é mãe do Diego?! Do colégio São Pedro? Meu filho, Guilherme, é amigo dele. Ele tá bem? ANA Ele tá dormindo. CLARA Que bom. Guilherme me disse que ele sofreu um acidente. ANA Ele tá dormindo, mas não acorda. E a culpa é toda minha. Eu fiz uma promessa há dois anos para Deus. Ele salvou a vida de meu filho e eu prometi mudar de vida. Mas eu não mudei. Ana chora. CLARA Onde ele tá? Em casa?


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ANA No hospital. Ele tá morrendo. Eu deveria ter cumprido a promessa! CLARA Calma, Ana. Deus não iria tirar a vida de uma criança para castigar seus pais. Iria castigar de outra maneira. ANA Então porque as crianças morrem! Uma criança não sabe o que é certo... ela não sabe o que é ruim ou bom. Por que elas morrem? Se não for para castigar seus pais? CLARA Não sei, mas se ele tá dormindo daqui a pouco deve acordar. Vamos até o hospital. A gente leva você. Vamos. Clara e Ana saem do carro. 24

INT. CARRO DE JULIO - DIA Julio olha para Clara abraçada em Clara. Elas caminham em sua direção. JULIO (para ele mesmo) Ah mulher! Só me faltava essa! Elas chegam na janela. CLARA Vamos para para o hospital Santo Antonio. JULIO Ela se machucou? CLARA Não, mas o filho dela está lá.


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INT. LEITO HOSPITALAR - DIA Ana, Clara e Julio chegam à sala onde Diego está. Encontram Jorge em pé ao lado de Diego deitado na cama. JORGE Julio? O que você tá fazendo aqui? (para Ana) Ana, tá tudo bem? Ana se inclina para abraçar Diego. ANA Meu amor, você tá bem. Vai dar tudo certo. Você vai sair dessa. Jorge abraça Ana puxando-a para perto de seu peito, afastando ela de Diego. JULIO Desculpa, Jorge. Eu não sabia de nada. CLARA A gente encontrou sua esposa no transito. Aconteceu um acidente... nada grave. E trouxemos ela para cá. Vocês se conhecem? JULIO (olhando nos olhos de Clara) Sim, a gente tava pescando junto ontem. JORGE Ana, o Doutor Lázaro esteve aqui há pouco. Veio um médico com ele. Um neurologista. ANA Um neurologista? Jorge olha nos olhos de Ana. ANA O que foi que eles disseram, Jorge? Pelo amor de Deus. O que eles disseram? O que é? JORGE Disseram que vão ter que levar o Diego para baixo e fazer mais (MAIS...)


24.

JORGE (...cont.) exames. Acham que vão ter que operar, meu amor. Eles vão ter que... Os olhos de Jorge se enchem de lágrimas. JORGE Eles não conseguem entender por que ele não acorda. É mais do que choque ou concussão, agora eles já sabem disso. Está dentro do crânio, a fratura, tem alguma coisa, alguma coisa a ver com isso, eles acham. Então vão operar. Ana segura o marido forte e o abraça. ANA Por favor, Jorge. Julio e Clara se olham nos olhos. JULIO (espantado) Olha Jorge! Seu filho acordou! Jorge e Ana se viram para cama. Diego abre os olhos e depois fecha. Ana aproxima-se rápido até a cama. Diego abre os olhos de novo e olha para os pais. Os olhos caem para o outro lado. ANA Diego? Diego? Olha pra mamãe. JORGE Diego! Jorge pega a mão de Diego. Diego abre os olhos que miram o vázio. Seus olhos fecham com força, sua boca abre e ele solta um gemido longo, até não ter mais ar nos pulmões. Então o rosto relaxa enquanto ele inspira. Com os dentes cerrados, Diego solta o ar até seu corpo parecer imóvel. Julio abraça forte Clara. 26

INT. CORREDOR DO HOSPITAL - DIA Doutor Lázaro, abalado, caminha junto com Jorge e Ana. Julio e Clara caminham atrás deles.


25. DOUTOR LÁZARO Chamamos isso de oclusão oculta. É um caso raro, um em um milhão. Caso tivesse sido detectado mais cedo e a cirurgia fosse feita imediatamente, quem sabe ele se salvasse, porém o mais provável, é que não. Nos fizemos tudo o que podia ser feito. Jorge e Ana estão abraçados e permanecem calados. DOUTOR LÁZARO Há mais alguma coisa que eu possa fazer por vocês? O casal se olha. Ana chora. ANA Não... Não acredito... JORGE Acho que não. Agora é com a gente. DOUTOR LÁZARO Volto a falar com vocês mais tarde, ainda hoje. Precisamos fazer uma autópsia. 27

INT. SALA DA CASA DE ANA - FIM DE DIA Ana e Jorge estão sentados no sofá. O telefone toca. Ana atende. ANA (ao telefone) Sim, ele tá aqui. Quem deseja falar? Tá só um pouco. ANA (para Jorge) É de um jornal. Será que é sobre o Diego? Sobre o acidente? Jorge atende o telefone. JORGE Alô, sim. (nervoso) Não tenho mas nada a dizer. Tudo foi dito a polícia. Jorge desliga o telefone.


26.

ANA O que foi? JORGE Nada, meu amor. É uma longa história que não deve ser contada agora. 28

INT. CARRO DE JULIO - FIM DE TARDE Julio dirige bebendo uma cerveja. Clara está ao seu lado. Ela enxuga as lágrimas. Clara olha para o marido e esboça um pequeno sorriso. Julio abraça Clara e toma um gole de cerveja e a beija na testa. FIM


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