Gurgel, um visionário

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“Gurgel, um visionário” Argumento escrito por Fabricio Cantanhede

Cartela inicial: Em 1987, na data da independência nacional, 7 de setembro, o Brasil foi apresentado para o seu novo presidente: José Sarney. Com a morte de Tancredo Neves, o último presidente eleito de forma indireta no Brasil e o primeiro sem a influência do regime militar; José Sarney assumiu a presidência para trazer de volta a independência e maioridade para o país. Mas para um brasileiro esse dia representava mais que a independência política do país. Para esse brasileiro, o Brasil que estava na avenida da capital brasileira, estava se tornando independente sobre rodas. Esse brasileiro se chama: João do Amaral Gurgel. Cartela: 7 de setembro, 1987. João Gurgel, 61 anos, sentado no palanque, ao lado de autoridades governamentais, parece ser o único que está nervoso na ocasião. Todos os outros - políticos, na sua maioria; estão sorridentes e acenam para a imensa multidão que presencia o desfile de 7 de setembro na capital brasileira, Brasília. De repente, Gurgel avista um velhinho subir o palanque. Gurgel é chamado para ser homenageado. Ele se levanta. Os caças da força aérea brasileira passam fazendo um ruído enorme. Cartela: 1931, São Paulo Alguns caças da força aérea brasileira passam no céu. Gurgel, 5 anos, está maravilhado com o desfile de 7 de setembro. Seu pai, Romeu Amaral, tenta conter sua agitação ao mesmo tempo que alimenta a curiosidade do filho, narrando detalhes da evolução das alegorias militares de quando ele era criança até o momento. Gurgel, impressionado, questiona, às vezes sem entender, como as pessoas viviam sem a tecnologia de agora. Seu pai lhe explica que uma das coisas mais lindas da vida é acompanhar a evolução da nossa espécie ou a regressão. Romeu Amaral, sempre


2 quando podia criticava a ascensão de Getúlio Vargas, considerava o autoritarismo do gaúcho uma regressão política, social e econômica para o Brasil.

Cartela: 1926, Franca. Gurgel nasce no dia 26 de março de 1926. Um dia de lua cheia e fortes chuvas que anunciavam a chegada do verão. Romeu Amaral, impaciente, caminha de um lado para outro até que chegam quatro parteiras. Romeu diz que sua mulher está no quarto e que o bebê está quase nascendo. Engano seu. As horas passam, a chuva oscila, as parteiras se revezam entre o parto e a reza do terço; e, Romeu caminha de um lado para outro até se escorar e adormecer. O choro do bebê recém nascido acorda o pai num susto. Romeu entra correndo no quarto e vê que seu bebê, o seu primeiro filho é homem; e, saudável, repousa no colo de Maria Escolástica, também conhecida como Colaca, sua mulher. Romeu pergunta por que demorou tanto para o filho nascer e a resposta veio de uma parteira bem humorada “O porquê da demora eu não sei, mas sei que quando resolveu sair, veio a mil por hora!”. Gurgel, 2 anos, está agitado. As pessoas em sua volta caminham alegres e terminam os preparativos para o seu aniversário. Ele engatinha de um lado para outro até entrar na despensa e ver Romeu escondendo um saco de batatas. Romeu se assusta e pede para o filho guardar segredo – como se ele soubesse falar. Colaca, nervosa, pergunta a todo momento onde estão as batatas que ela tinha comprado para fazer a comida. Romeu diz que vai tentar comprar mais batatas. Colaca diz que é impossível que as batatas tenham sumido sem explicação. Pelo menos, sem explicações para ela: Romeu, que nunca gostou muito de batata deu um jeito de mudar o cardápio. Nervosa, a matriarca da família não para de falar em batatas quando Romeu chega com um presente grande embalado. Colaca pergunta se são batatas e Romeu diz que não encontrou nenhum mercado aberto. Ela fica possessa e não para de falar em “batatas”. Romeu a tranquiliza dizendo que o importante é o bolo de aniversário. Eles cantam parabéns e Romeu entrega o presente para o filho: um mini-carrinho de pedalar da fiat. Gurgel olha para o presente e diz a sua primeira palavra: “batata”. Ninguém entende, mas ele passa a repetir a palavra “batata” incansavelmente. Gurgel fica fascinado pelo presente. Colaca não entende o presente, já que o filho ainda não sabe nem caminhar. Mas, ele que mal consegue andar, agora dirige de uma lado para outro


3 pedalando seu carrinho de quatro rodas. E foi assim que Gurgel começou a sua paixão por “batatas” ou melhor, por carros. Nos passeios dominicais pela capital paulista, Gurgel só quer saber de uma coisa: batatas. Aponta para os carros e diz “batata!”. Seu primeiro desenho: “batata”, um quadrado e quatro rodas. Era batata pra cá, batata pra lá. Romeu se diverte com a situação e Colaca tenta corrigir o filho sem sucesso. Até que um dia o próprio Romeu aparece com um automóvel. Gurgel grita “batata!”. Romeu pega seu filho mais velho e o põe no colo com as mãos no volante. Romeu pede para seu filho escutar e acelera o carro duas vezes. O pai ensina que o automóvel não é “batata” e sim “vrum-vrum” como o motor do carro faz. Gurgel dirige um novo carrinho gritando “vrum-vrum”. A família Gurgel aumenta com a chegada de outros filhos. A casa onde moram em Franca, interior de São Paulo, é uma típica casa de classe média interiorana, com quintal e árvores frutíferas. Ao redor do bairro, entre as andanças arteiras, Gurgel, 5 anos, descobre um velho negro chamado Velho Foster, dono de uma marcenaria. Um velho hostil, principalmente, com as crianças do bairro. Os tradicionais jantares em família aconteciam quase que diariamente. Às vezes com a presença de Zezinho melhor amigo de Gurgel durante toda sua infância. Foi durante um inverno, num desses jantares com a presença de Zezinho que Colaca aparece com uma caixa de papelão. Romeu ainda não havia chegado em casa. De dentro da caixa, as crianças ouvem pios. Colaca se aproxima das crianças e abre a caixa mostrando pequenos pintos para criação. As crianças se agitam e Romeu chega em casa. Ele reclama dos pintos, mas admite estar cansado e revoltado com a ascensão de Getúlio Vargas como líder. Gurgel, Zezinho e Mario (irmão de Gurgel) ficam preocupados com os pintos. Mario percebe que os pintos estão com frio. Colaca diz que eles vão usar um cobertor. Gurgel revela ter uma ideia melhor. No outro dia, Gurgel aparece com um emaranhado de fios elétricos e algumas lâmpadas. Mario e Zezinho perguntam como ele conseguiu tudo aquilo, mas são ignorados pelo jovem que está concentrado em construir uma rede elétrica. Zezinho, Mario e Gurgel se dividem – sempre sob o comando de Gurgel – entre os fios, os alicates e os remendos; até que, com a chegada da noite, exaustos, Zezinho e Mario resolvem descansar. Gurgel, concentradíssimo, insiste em dar continuidade. Colaca os chama para jantar. Zezinho e Mario entram em casa e dizem que Gurgel está trabalhando. Gurgel, no galinheiro improvisado para os pintos, termina de montar a rede elétrica. Ele se prepara para ligar a rede na energia, pega duas pontas de fio


4 elétrico e os liga. Um estouro ressoa por toda a vizinhança e a luz da bairro inteiro se apaga. Colaca grita o nome de Gurgel. A família Gurgel janta a luz de velas. O silêncio impera. Gurgel está cabisbaixo e faz manha para comer. Colaca, irritada, diz que ele tem que comer tudo. A mesa de jantar está desnivelada e Colaca se estressa com isso. Gurgel sai correndo da mesa. Romeu fala para Colaca que ela pegou pesado com o menino. Gurgel volta imediatamente com alguns pedaços de madeira na mão. Ele põe um pedaço de baixo do pé da mesa e não consegue resolver o desnível; tenta outro e a mesa fica nivelada. Colaca sorri e o convence que se ele comer direito hoje, amanhã estará saudável e disposto a melhorar o seu erro. No mesmo momento, Gurgel resolve comer como se nunca tivesse comido na vida. Antes de dormir, ele faz questão de aquecer os pinto com cobertor e dizerlhes que dará um jeito de melhorar o aquecimento do galinheiro. No outro dia, Gurgel e seus dois ajudantes – Mario e Zezinho – voltam a trabalhar na rede elétrica do galinheiro. Gurgel analisa e refaz tudo de novo, no intuito de descobrir o erro. Apesar da pouca idade, ele parece um construtor/eletricista nato, com seus desenhos, anotações, lápis e sua dedicação ferrenha no trabalho. Enquanto se dedica, correndo com fios e ferramentas de um lado para outro, o velho Foster caminha pelas ruas com sua expressão de rancor. Ele parece procurar algo e olha com uma curiosidade invasiva para a casa dos Gurgel. Anoitece e Gurgel, usando uma lanterna, dá os últimos ajustes antes de ligar a rede. Zezinho e Mario, exaustos, dormem ao lado dos pintos. Gurgel parece ter chegado ao fim de seu trabalho. Colaca cozinha o jantar quando a campainha toca. Ela abre a porta e se depara com o velho Foster e sua hostilidade. Ele acusa Gurgel de ter roubado seus fios de cobre. Colaca enrubesce, diz que pode ter sido seu filho. Com uma mistura de vergonha e raiva, Colaca se dirige, junto com o velho Foster, ao escuro galinheiro. O velho Foster reclama quase ofensivamente das crianças e da educação dada a elas. Colaca ouve tudo sem questionar. Diz não ter questionado onde o filho teria arranjado tanto fio de cobre e se arrepende disso. Eles se aproximam da entrada do galinheiro. Colaca chama por Gurgel. Ele responde que não pode abrir a porta agora, que está quase terminando. Colaca diz que ele tem que parar tudo. No mesmo instante, Gurgel grita para ela entrar. Colaca olha para o velho Foster e eles entram. Houve-se os piados dos pintos. Tudo está no breu total. De repente, as luzes começam a acender. A iluminação do teto acende, depois a das laterais até chegar numa espécie de moradia aconchegante e estrategicamente iluminada; onde estão os pintos e Mario e Zezinho


5 dormindo. Colaca, numa primeira reação, fica impressionada com o trabalho do filho. Depois, lembrando-se que o material usado é do velho Foster que está ao seu lado, ela pergunta se ele roubou o material do velho Foster. Gurgel diz que pegou só o que não estava sendo usado. Colaca fica irritada e diz que ele não tem o direito de pegar as coisas dos outros. Ela dá um sermão para o filho, mas, ao virar-se para o velho Foster, ela o enxerga como nunca o viu: sorrindo. Um sorriso de admiração. Colaca segue pedindo desculpas para o velho Foster e diz que seu filho irá devolver tudo o que pegou. O velho Foster, boquiaberto, diz que não precisa devolver nada e pede para Gurgel ir a sua marcenaria no outro dia. O velho Foster trabalha em sua marcenaria e ensina a Gurgel alguns macetes da profissão. Gurgel escuta tudo atentamente e, às vezes, surpreende o seu tutor com novas soluções. Em casa, Gurgel é só dedicação para com Colaca. Tudo o que sua mãe precisa para facilitar sua vida, Gurgel dá um jeito de arrumar, construir ou inventar. Ouvindo no rádio que o exército brasileiro estava precisando de mica, um minério usado como isolante térmico, Gurgel e Zezinho começaram a cavar desesperadamente buracos na região até encontrar mica. Concluindo que não conseguiriam achar o minério apenas usando as mãos, Gurgel resolveu fazer uma dinamite caseira. Leu tudo sobre o assunto, mas ao tentar comprar os ingredientes necessários, foi descoberto. Gurgel já estava conhecido na região como um jovem de grande talento porém sem noção do perigo. Um dia, voltando da escola, Zezinho e Gurgel se deparam com alguns meninos distribuindo um papel convocando para um corrida de rolimã. Zezinho, que estava apaixonado por uma menina, vê na corrida uma oportunidade de conquistar a menina, mas sabe que um carrinho de rolimã é muito caro. Gurgel, com a maior calma do mundo, diz que ele pode construir um para Zezinho. Zezinho não quer que o amigo gaste o seu dinheiro conquistado na marcenaria com ele. Gurgel, decidido, responde que o dinheiro vai ser usado para construir o melhor carro de rolimã da região e isso é o desafio que ele precisava. Com ajuda do velho Foster, Gurgel se empenha dia e noite no projeto. O projeto é apresentado à Zezinho. O carro de rolimã impressiona, tem direção, freios, banco com espuma e uma anatomia criativa. Zezinho acha que o carro é feio, pois não está pintado, que assim não irá conquistar sua paixão. Gurgel fica irado com o amigo, diz que fez o melhor carro de todos e que ele irá ganhar a corrida e conquistar sua amada. O dia da corrida chega, todos, inclusive a menina que Zezinho está apaixonado, olham para o misterioso carro coberto por uma capa. Os carros de posicionam e Gurgel


6 mantém a capa até que Zezinho o convence a tirar pois ele precisa entrar na carro. A atenção geral é atraída para Gurgel, ele tira a capa e todos se impressionam. O único carro com direção, entretanto o único sem pintura. Zezinho procura pela ama e vê que ela olha para o carro de outro, pintado. A corrida começa e depois de uma difícil disputa, Zezinho vence. Ele levanta o troféu e ganha um beijo se sua amada. Gurgel também comemora. Colaca ouve atentamente Gurgel contar sobre os detalhes da corrida quando Romeu chega em casa, abatido. Foi afastado do seu cargo público por se aliar as forças contra de Getúlio Vargas. Gurgel chega a marcenaria do velho Foster que o espera ansioso pelo resultado da corrida. Percebendo que o menino está desanimado, Foster nem pergunta sobre o assunto. É Gurgel que dá a boa notícia. Foster pergunta por que ele está cabisbaixo e Gurgel desabafa sua raiva contra o Brasil, contra Getúlio Vargas e diz que gostaria de ser dono do país para poder ajudar as pessoas como seu pai. Gurgel chora de raiva. Foster tenta acalma-lo e explica que o problema não é o Brasil, são os outros países que são culpados pela situação do país, que ele para ser presidente terá que abdicar de seu talento e pessoa nenhuma no mundo deveria fazer isso. O velho Foster convence Gurgel que ele tem que seguir o seu coração, não desperdiçar seu talento e que ele não precisa ser dono do país, mas pode ser dono de uma parte dele, e que deve ama-lo num todo como ama a sua parte. Cartela: 1949, São Paulo. Gurgel, 23 anos, está num quarto desenvolvendo seu projeto de conclusão do curso de Engenharia Mecânica na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, a POLI. As paredes estão cheias de projetos e pôsteres de carros, uma grande bandeira do Brasil e um quadro de Henry Ford. Um colega bate na porta e diz que todos já estão indo para o auditório para apresentar seus projetos. Gurgel, transpirando concentração, apenas responde que está revisando. O colega o provoca dizendo que ele está revisando o projeto a uma semana. Gurgel não se dá o trabalho de responder. No auditório da POLI, os alunos estão nervosos, cada um com seu projeto de baixo do braço. Alguns comentam que Gurgel vai aprontar alguma. Sua fama de aluno diferenciado já se espalhou. Ele chega apressado e todos olham para ele. As apresentações começam. Gurgel, confiante, segura seu projeto com um sorriso malicioso no rosto. Todos os alunos apresentam um projeto de guindaste – como foi


7 solicitado aos alunos. É chegado o momento de Gurgel apresentar seu projeto. O caminho até a bancada parece interminável. Todos olham para Gurgel esperando o inesperado. Ele respira fundo, tira o projeto do tubo e o estende lentamente no quadro. Aos poucos, os alunos e os professores vão descobrindo o que é o projeto – alguma coisa que não é um guindaste. Todos ficam confusos. Finalmente, ele termina de estender o projeto no quadro, quando um professor – com sotaque de americano questiona o que é afinal o projeto. Gurgel, convicto, esboçando um sorriso responde: “É o Tião! O primeiro automóvel genuinamente brasileiro!”. Pronto, todos caem na gargalhada. O professor, irritado, ameaça reprova-lo e manda Gurgel apresentar um novo projeto, conforme foi solicitado igualmente a todos os alunos, até o outro dia de manhã. Gurgel vira as costas insatisfeito e caminha para a saída. Antes de Gurgel sair, o professor grita com seu sotaque carregado “Gurgel, neste país, automóvel não se fabrica, se compra! Deixe isso com as multinacionais”. Gurgel, que não é de perder a elegância, deixa o recinto batendo a porta. Cartela: 1951, Michigan. EUA. Uma família branca americana está apreensiva, discutindo sobre o convidado que eles esperam. Eles questionam a cor do convidado. O homem diz que vindo de onde vem, provavelmente é negro e diz que para ele todos abaixo do México são “chicanos”. A campainha toca. Eles abrem a porta e se deparam com Gurgel e sua mala e ficam aliviados. Gurgel não entende, mas logo se apresenta como o brasileiro que está fazendo intercâmbio. Numa sala da GM, onde se encontram outros estagiários, Gurgel ouve o supervisor falando sobre o sistema dos carros e sobre os bônus oferecidos para quem apresentasse novas ideias que agregassem valores à tecnologia dos veículos. No mesmo momento, Gurgel se levanta e vai até o supervisor questionar sobre as condições dos bônus. No quarto em que está hospedado, Gurgel se debruça entre papeis, lápis, borrachas e compassos; ele ouve uma batida na porta. O pai da família americana pergunta se Gurgel não vai jantar. Ele pede desculpa, mas está muito ocupado agora. Gurgel entrega um projeto para seu supervisor. Durante vários dias Gurgel se empenha em apresentar novas ideias e acumular bônus. A mãe da família que o hospeda leva comida para ele no quarto. Ao voltar para sala ouve o marido dizer que “esse chicano trabalha feito negro! Achei que esses brasileiros fossem preguiçosos e só quisessem samba e caipirinha!”. Gurgel entra na sala do supervisor que já adianta perguntando e


8 respondendo ele mesmo que é um novo projeto de Gurgel. Gurgel confirma. O supervisor brinca questionando se ele está juntando o dinheiro dos bônus para realizar algum sonho como salvar seu país. Gurgel responde esse não é exatamente o sonho dele no momento. Em pleno inverno, Gurgel (todo encasacado) dirige um Ford conversível pelas estradas do interior dos Estados Unidos. Ele chega até a frente da casa que está hospedado e buzina. As crianças saem de casa e correm até o carro; depois, a mãe e o pai da família também saem, ela muito contente e preocupada com o frio. O pai com um pouco de ciúmes diz “Chicano filha da puta...”. O pai tira uma foto de Gurgel em seu Ford conversível. Colaca se emociona vendo a foto de Gurgel no Ford. Os irmãos de Gurgel se agitam em volta dela. Romeu entra em casa junto com Maria José, sua única filha, dizendo que a parte dele para o casamento já está feita. Ele estranha a agitação na casa e logo fica sabendo da carta de Gurgel. Maria José insiste para Colaca, ao responder a carta, convidar seu irmão mais velho para seu casamento. Gurgel, sentado na sala com a família americana, assiste televisão. Uma propaganda de um novo “bambolê” de plástico ultra-resistente chama atenção de Gurgel. No mesmo instante, uma carta chega por de baixo da porta. O pai da família levanta, as crianças insistem para ganhar um “bambolê”, e Gurgel se esforça para ver a propaganda. A carta é para Gurgel. Ele termina de ver a propaganda e vai para seu quarto ler a carta. Gurgel lê a carta e se emociona com as notícias, principalmente com o convite de casamento de sua irmã. Gurgel, sentado no seu Ford conversível, fala para ele mesmo “Meu amigo, antes de nos despedirmos, vamos ver até aonde nós podemos ir!”. Numa estrada, Gurgel acelera o carro a toda velocidade até passar por um carro da polícia. Ouve-se uma sirene. Cartela: 1953, Porto de Santos. O som da sirene da polícia se transforma num apito de navio. Um navio ancora no porto de Santos. Ouve-se uma campainha. Cartela: 1953, Franca.


9 Gurgel está parado em frente à uma porta. Colaca abre a porta e, surpresa, recepciona o filho com muito amor, assim como o resto da família. Gurgel entra no seu quarto na casa dos seus pais e se depara com o projeto do Tião (projeto de conclusão rejeitado na faculdade); ele analisa o projeto e balança a cabeça negativamente. Durante o jantar, Gurgel e Romeu discordam sobre o governo de Getúlio Vargas, Gurgel acha que a criação da Companhia Siderúrgica Nacional e a recente Petrobras vão impulsionar a economia, já Romeu não concorda; porém ambos discordam da maneira autoritária de seu governo. Colaca interrompe os dois e pede para Gurgel contar da sua vida nos EUA. Gurgel visita a sede da GM e entrega uma carta de recomendação, mas é tratado com indiferença. Ele se senta numa praça e observa as pessoas em seus carros. Começa a fazer algumas anotações, concluídas através da relação entre as pessoas e os carros. Gurgel chega na casa de seus pais e Colaca diz que um homem da GM ligou diversas vezes. Gurgel começa a trabalhar na GM e passa os dias entre a montadora e passeios para observar e analisar as pessoas em seus carros. Ele convence os diretores da GM a começar a produzir as peças dos caminhões no Brasil. Em outra reunião, Gurgel convence os diretores que é a pessoa mais capaz de escolher o terreno para a construção

da nova fábrica. Gurgel sobrevoa algumas regiões de São José dos

Campos e chega a conclusão de que há dois lugares propícios para a construção, sendo que ele se inclina para um deles. Os diretores dizem que o lugar que ele prefere é muito mais caro, Gurgel argumenta que a fábrica irá gastar menos com publicidade pois o lugar de sua preferência fica entre duas rodovias muito movimentadas. Dessa vez, Gurgel não consegue aliciar os diretores e a escolha é contrária a sua. Em decorrência a sua ideia de nacionalizar boa parte da produção dos caminhões da GM, Gurgel recebe uma oferta irrecusável para trabalhar na Ford. A oferta vem em boa hora, quando Gurgel já estava cansado da mesma rotina, e, também, de bom tamanho: Gurgel foi contratado como o engenheiro mais bem pago na empresa. A comemoração foi a própria Ford que providenciou. No Jóquei Club de São Paulo, Gurgel, sua família e seu amigo de infância Zezinho com sua namorada, esperam a chegada do anúncio da contratação. Gurgel percebe que a namorada de Zezinho está inquieta. Zezinho diz que ela convidou sua irmã que está atrasada. Gurgel faz questão de acalma-la dizendo que hoje nada irá atrapalhar a festa. Ele faz seu discurso de tom nacionalista, se comprometendo nacionalizar o máxima possível da produção da Ford.


10 Todos aplaudem com empolgação. Gurgel vai até o banheiro e esbarra em Carolina. Ela pede desculpa e tenta esconder algo em seu vestido, mas Gurgel percebe uma mancha de graxa. Ela se desculpa pela mancha, dizendo que o manobrista que sujou quando deu uma ré. Gurgel diz que é impossível ela ter se sujado daquele jeito com uma ré. Carolina, esnobando, diz que foi isso que aconteceu e que só porque ele tá num encontro da Ford acha que sabe muito de carro, e dá as costas. Gurgel ri e quase entra no banheiro feminino. Carolina, também erra, e quase entra no banheiro masculino. Os dois acabam se conhecendo ao se encontrarem na mesa da família Gurgel, Carolina é a amiga perdida da namorada de Zezinho. Gurgel pede para dançar com Carolina. Ela aceita. Durante a dança, ele se diz apaixonado por ela e a pede em noivado. Ela acha loucura e diz que vai pensar. Gurgel e Carolina se casam na igreja. Na saída, uma belo Ford os espera para lua de mel. Cartela: 1958, São Paulo. Em sua nova e imponente residência, Carolina atende o telefone com um bebê (Fernando) no colo. Ela chama Gurgel e diz que é o pessoal do GEIA. Gurgel, que está trabalhando junto com mais dois amigos/funcionários num protótipo de carro, diz que está ocupado. Os dois companheiros de trabalho olham espantados para Gurgel, que explica suas prioridades, causando risos geral. Gurgel, Carolina e Fernando, o primeiro filho; jantam descontraídos. Gurgel brinca com Fernando quando olha para o relógio, corre até o rádio e aumenta o volume. Começa uma notícia sobre a inauguração de uma fábrica com a presença de Juscelino Kubitschek e João Amaral Gurgel. Gurgel se exibe para o filho que de tão pequeno não entende nada. No final do jantar, Carolina reclama de estar cansada e pergunta se Gurgel vai voltar a dormir com ela. Gurgel entende a ironia, mas diz que precisa continuar o trabalho durante a madrugada. Carolina diz se sentir solitária. Gurgel, inquieto e distraído, participa de uma reunião da diretoria da Ford. No final da reunião, ele pede para todos descerem junto com ele. Ninguém entende, mas vindo de Gurgel a recusa é impossível. Eles descem e se deparam com um protótipo de carro feito por Gurgel. Ele faz questão de dar uma volta com cada diretor da montadora. Eles se divertem e dão risadas. De volta à sala de reuniões, Gurgel os provoca para começarem a produzir carros no Brasil. Todos caem na risada. Um dos diretores toma a posição de representar a todos: “Gurgel, ponha uma coisa na sua cabeça: a Ford


11 nunca irá produzir carros nesse país! Apenas caminhões!”. O diretor argumenta que uma pesquisa mostrou que os brasileiros não tem renda per capita para comprar carros. Gurgel, muito irritado, responde: “Se vocês não confiam no Brasil, eu também não confio nesta empresa!”. Gurgel pede demissão da Ford. Ao ficar sabendo da demissão, Carolina fica chocada com a decisão do marido. Gurgel tenta acalma-la dizendo que já está pensando num novo negócio de luminosos para paralelamente ter liberdade para construir seus carros. Carolina questiona se vale a pena o sonho de Gurgel de construir carros. Ele, institivamente, se vira para ela e, com uma seriedade nunca vista por ela, responde que para ele não é um sonho e sim uma realidade. Gurgel vai a várias entrevistas com diretores das grandes montadoras pedir para eles cederem o motor. Mas o esforço é em vão. Na nova fábrica de luminosos, Gurgel descobre através de um funcionário que pode fabricar motores de karts para competições. A alegria volta a estampar o rosto de Gurgel e, imediatamente, ele começa a fabricar karts e minicarros. Gurgel aperta a mão de um cliente e fecha um bom negócio na fábrica de luminosos. Nos fundos, na fábrica de karts, um funcionário fala para Gurgel que a compra dos equipamentos para os novos karts sairão num valor mais alto que o negócio que Gurgel acabou de fechar na loja de luminosos. No hospital, Carolina segura sua mais nova filha. Gurgel chega de macacão e sujo de graxa para vê-la. Um funcionário da fábrica de karts passa o telefone para Gurgel dizendo que tem um gringo querendo falar com ele. Gurgel fecha um pacote de vendas de minicarros para os EUA e para Alemanha. À noite, sozinho no escritório, Gurgel faz cálculos e anotações. No máquina de calcular aparece um déficit, fazendo Gurgel ficar cabisbaixo. A família Gurgel está num kartódromo torcendo. Todos comemoram a vitória de um de seus karts. Cartela: 1964, São Paulo. Gurgel entra numa sala de imprensa pedindo para falar com o editor chefe. Sabendo que ele não tinha hora marcada, a secretária pede para ele marcar um horário. Gurgel diz que vai esperar até ele poder ser atendido. As horas passam e ele consegue interceptar o editor chefe e lhe entrega alguns papeis. Perguntado sobre o que se tratava, Gurgel explica que leu no jornal dele, uma crítica contra popularização dos carros e seus malefícios. Portanto chegou a conclusão de um projeto de transporte urbano que poderia ajudar a solucionar o problema. O editor pergunta como é o seu


12 nome. Gurgel responde quem é e, imediatamente, o editor diz que vai ler e se desculpa por não tê-lo atendido. No café da manhã, Carolina abre o jornal e vê o artigo do marido. Muito orgulhosa, ela o parabeniza. Gurgel, de terno e gravata, segurando um tubo de projeto, espera num corredor imponente. Ele entra e é recebido por uma autoridade. Gurgel apresenta seu projeto para transporte público. No final da apresentação, a autoridade que o atendeu pergunta se ele lê jornais. Gurgel diz que sim e que inclusive escreveu um artigo com esse projeto. A autoridade pergunta se ele lê a sessão de política, pois o país está sendo ameaçado de um golpe de estado. Gurgel chega arrasado em casa e recebe outra notícia ruim: eles estão recebendo um processo de despejo por causa das dívidas. Carolina tenta de tudo para diminuir a tristeza de Gurgel. No outro dia de manhã, Gurgel acorda e vai tomar café da manhã. Carolina que já estava acordada diz que conversou com seu pai e ele irá quitar a dívida. Ele, à princípio fica receoso e constrangido, mas depois resolve conversar com o sogro. Durante a conversa, o sogro, preocupado com o futuro da filha e da família que ela formou, convence Gurgel a procurar um novo negócio e largar o ramo dos luminosos. Gurgel chega na fábrica de luminosos e os poucos funcionários o esperam ansiosos. Ele anuncia o fim da fábrica. Todos perguntam o que será do futuro deles e Gurgel diz que abrirá uma concessionária de carros. Perguntado sobre o prosseguimento da fabricação dos karts e minicarros, Gurgel é enfático: “Eu disse que fecharemos a fábrica de luminosos!”. Todos comemoram. Carolina e Gurgel saem do hospital. Ela carregando um bebê recém nascido no colo. Ele diz para ela esperar e vai buscar o carro. Gurgel chega com o carro, Carolina entra com o bebê e vê que dentro está lotado de caixas de garrafas de refrigerante e achocolatados. Ela pergunta o motivo de tanto achocolatado e refrigerante. Gurgel pede para ela olhar as embalagens. Carolina pega uma garrafa e uma lata de achocolatado e olha uma promoção onde serão distribuídos minicarros feitos por Gurgel. Cartela: 1966, São Paulo. Gurgel entra numa sala da diretoria da Volkswagen e é recebido com elogios. Ele tenta convencer a Volkswagen a ceder chassis para ele poder fabricar seus próprios carros. O diretor acha muito difícil isso acontecer, mas diz que eles não tem nenhum projeto para o salão do automóvel e pede um projeto. Gurgel abre sua pasta e tira um projeto de dentro. O diretor pede algumas mudanças e, achando que Gurgel não


13 concordaria, diz querer ver o protótipo pronto em 90 dias. Gurgel concorda, surpreendendo o diretor. Os funcionários não acreditam que Gurgel concordou em fazer um carro em 90 dias; entretanto, é claro, eles topam a empreitada. Eles conseguem fabricar o carro e Gurgel o batiza com um nome bem brasileiro e popular: Ipanema. O carro faz sucesso no salão do automóvel e lhe são encomendados outras unidades, só que para o exército. Gurgel manda colocar pás nas laterais e pintar de verde, mas ao pedir para a Volkswagen os chassis, ele é negado. Gurgel fica enraivecido e diz saber de muitas irregularidades dentro da empresa. A Volkswagen volta atrás e eles negociam: Gurgel deixará a concessionária de lado e ganhará os chassis para fazer os seus “carrinhos”. Gurgel chega em casa muito feliz; encontra Carolina e com um sorriso estampado no rosto diz que perdeu a concessionária. Na concessionária, todos ficam desesperados. Conhecendo Gurgel, Carolina nem se desespera e pergunta qual a outra notícia. Ele fala que em troca conseguiu os chassis para fabricar seus próprios carros. Ela vibra e abraça ele. Na concessionária, todos comemoram e abrem espumantes. O telefone toca e a secretaria diz que tem alguém querendo falar com Gurgel. Ele pergunta quem. Ela responde que é o Silvio Santos. Todos ficam em silêncio. Gurgel vende a concessionária para Silvio Santos. Todos voltam a comemorar. Cartela: 1969, São Paulo. Gurgel, sua família e seus funcionários veem os seus carros desfilando para o exército. Ele se reúne com seu sogro e o convence a entrar no negócio rapidamente dizendo ser a primeira empresa do mundo a usar um chassi Volkswagen sem ser uma multinacional. A primeira reunião com os principais funcionários foi marcada pela apresentação de uma das invenções mais importantes na vida de Gurgel: o plasteel, uma resistente estrutura que não enferruja. Gurgel explica que com o plasteel e um chassi resistente, eles poderão conquistar o nicho de mercado que eles precisam: o de “qualquer terreno”. Ninguém entende e depois alguns funcionários começam a rir. Gurgel manda todos se calarem e explica os motivos para a fabricação do carro que ele nomeou de Xavante com o qual irá confrontar o jipe da Ford no mercado. Um funcionário diz que isso é como a briga entre David e Golias. Gurgel responde perguntando quem ganhou a batalha: David ou Golias?. A fabricação dos carros começa com alguns poucos funcionários num galpão em São Paulo. Gurgel faz questão de participar de todas as etapas. Inclusive sendo “garoto


14 propaganda” da própria marca. Numa visitação aberta a imprensa, ele entra carregando grande porrete de madeira e pede para todos olharem. Ele levanta o porrete e bate com toda força numa carroceria. A carroceria fica intacta e o porrete também. Gurgel estampa diversas pequenas notas de revistas, jornais e outros tipos de imprensa. Ele chega com vários presentes dentro de um Xavante e entrega para seus filhos e um especial para Carolina. A produção aumenta e o número de funcionários também. Ele sobrevoa uma área perto de duas rodovias e aponta para um terreno. Cartela: 1973, Rio Claro. Dia da inauguração para imprensa. Um grupo grande de jornalistas, empresários, pessoas públicas e populares prestigiam o evento enquanto Gurgel discursa em prol da “independência do Brasil sobre rodas”. A família Gurgel aplaude orgulhosa de seu patriarca. Gurgel faz um tour pela fábrica com a imprensa. Cartela: 1973, Rio Claro. Dia da inauguração oficial. Gurgel está sozinho olhando para o relógio. Um silêncio absoluto toma conta da fábrica. O ponteiro marca oito horas da manhã e Gurgel sai para fora. Apenas cinco funcionários estão entrando na fábrica. Entre os cinco, estão dois que o acompanham desde o início. Ele fica sabendo que os funcionários não quiseram se mudar para o interior. Gurgel fica nervoso e os chama de traíras. Ele pede para os cinco funcionários esperarem que ele vai até a prefeitura de Rio Claro. Gurgel volta com um caminhão cheio de desempregados. Ele reúne todos no pátio e pergunta se eles sabem o que é uma transmissão. Todos se olham e logo percebe-se que ninguém sabe de nada. Gurgel começa a ensinar as etapas da fabricação dos carros. Cartela: 1973, Rio Claro. Dia da inauguração oficial, 2ª tentativa. Gurgel observa as máquinas e os funcionários trabalhando exaustivamente. Os carros pronto são alinhados no pátio externo da fábrica. Gurgel brinca com seus filhos numa tarde ensolarada. Ele escuta no rádio que o governo fechou o acordo para a construção da hidrelétrica de Itaipu. Na fábrica, ele é cobrado por modelos diferentes de carros. Gurgel aparece com um projeto de um


15 carro elétrico. Todos se impressionam até descobrirem que é inviável a bateria do carro durar mais de alguns minutos. Gurgel diz que eles fabricarão mesmo assim, que é um projeto revolucionário. A imprensa está em peso acompanhando um discurso do presidente Geisel sobre o lançamento do Proálcool. Cartela: 1976, São Paulo. O presidente Geisel termina o discurso dizendo que está começando a Caravana de Integração Nacional Combustível Exclusivo, que será apoiada pelo tripé: petróleo, álcool e eletricidade. Gurgel e alguns membros do governo dão a partida num carro da Gurgel. Ele chega à fábrica para trabalhar e é recebido com aplausos. Gurgel diz que foi um passo importante e que eles têm que produzir uma boa quantidade de carros para o exército e manda todos voltarem ao trabalho. Na saída da fábrica, um carro produzido para o exército sai pronto e entra numa carreta. Gurgel apresenta novos projetos de carros elétricos e todos se olham desconfiados. Ele percebe a desconfiança e justifica o investimento. Outros diretores da fábrica dizem que precisam de modelos diferentes, mas movidos a combustível tradicional. Gurgel diz que no momento é impossível fabricar uma nova carroceria completamente diferente, quando um dos antigos diretores fala que eles podem modificar o Xavante e transformar em variações do modelo. Gurgel aceita a ideia e manda todos começarem a desenvolver projetos para os “novos” Xavantes. No mesmo momento, um funcionário chega com uma carta do exército onde diz que o carro encomendado foi aprovado, porém não poderá ser usado pois em caso de explosão os estilhaços não poderão ser vistos no raio x. Gurgel pede para ficar sozinho. Os funcionários observam ele fazer várias ligações. Ele descobre um material que pode ser usado na composição do carroceria e negocia com seu fornecedor a mistura. A fábrica esvazia e apenas os funcionários mais antigos permanecem. Gurgel bate o telefone com força e sai da sala. Todos ficam apreensivos e Gurgel anuncia o acerto. Questionado sobre o acordo, ele diz que fez um bom acordo e que eles terão que produzir oitenta carros no primeiro lote. Um funcionário pergunta o que acontece caso o exército não aceite os carros e Gurgel diz que eles irão aceitar. A produção dos carros aumentam e Gurgel tem que contratar mais funcionários. Uma fila se forma em frente à fábrica. Os carros militares se acumulam no pátio e os funcionários antigos, desconfiados, comentam se Gurgel fez o certo ao aceitar a proposta do exército.


16 Gurgel aparece em várias capas de revistas, jornais, televisão e outros meio da imprensa especializada ou não; sendo exaltado como um empresário sonhador que não desiste de seus sonhos. Durante um almoço comemorativo da fábrica, Gurgel recebe um telefonema do exército. Enquanto ele conversa pelo telefone, todos ficam otimistas e apreensivos. Gurgel sai do escritório cabisbaixo, ele pega uma cadeira e quebra o vidro. O exército aprovou a novo composição, porém só compraram quarenta veículos. Sem saber o que fazer com o resto da frota encomendada pelo exército, Gurgel reúne a família e diz que vai fazer uma viagem para o interior e passar uns dias solitário. Enquanto viaja com seu X-12, Gurgel observa as estradas. Ele passa por muitas queimadas e grupos de cortadores de cana. Ele para o carro, desce e conversa com famílias inteiras que cortam cana por muito pouco dinheiro. Gurgel fica sabendo que a cana cortada é para a produção de biocombustível. Ao chegar no sítio, ele recebe a ligação de Carolina dizendo que tem um monte de estrangeiros ligando atrás dele. É segunda-feira e a fábrica está parada. Os funcionários espalhados esperam chegada de Gurgel. Ao longe, um X-12 se aproxima a toda velocidade. Ele estaciona o carro, sai e pergunta por que todos estão parados. Eles dizem que não sabem o que fazer, pois o pátio está cheio carros militares parados. Gurgel diz que isso é muito bom e que a meta agora é encher o pátio com mais carros militares. Ninguém entende nada. Gurgel explica que mais de quinze países diferentes encomendaram os veículos que o exército brasileiro não quis. Os funcionários comemoram e se viram para voltar a trabalhar quando Gurgel os interrompe, novamente, dizendo que eles vão produzir o mínimo possível de veículos à álcool e se concentrar nos projetos de carros elétricos. Propagandas em diversos idiomas dos veículos da Gurgel. Ele aperta a mão de um sheik, de um boliviano e de outros governantes estrangeiros. Cartela: 1980, São Paulo. Gurgel começa sua guerra contra o Proálcool tentando comprar espaço num jornal, mas nenhum órgão da imprensa quer contrariar o governo militar. Ele aparece em diversas entrevista falando sobre os malefícios do Proálcool. Os jornalistas tentam contornar a situação, mas Gurgel os rebate e insiste em criticar o governo. Em outra entrevista, ele justifica sua mudança de opinião quanto ao uso de biocombustível. Gurgel inaugura uma fábrica de veículos elétricos e discursa contra o Proálcool.


17 Carolina fica preocupada com a posição do marido, mas ele a tranquiliza dizendo que o governo militar não deve durar muito tempo. Gurgel inaugura a Gurgel Tec, uma subsidiária voltada para pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias; e anuncia que irá lançar em breve, um projeto revolucionário. Mais uma vez, todos são pegos de surpresa. Ninguém sabe que projeto é esse. Gurgel pede para seu filho mais velho, Fernando, tomar conta das empresas e diz que vai para o sítio com seus funcionários de confiança. Fernando, que recém tinha entrado para o negócio, se espanta, no entanto, não ousa retrucar o seu pai. Cartela: 1984, Sítio em Franca. Gurgel e mais três funcionários desenvolvem projetos. Ao fundo, uma televisão, sem som, transmite o movimento das Diretas Já. Exaustos, suados e sujos, eles terminam o projeto. Um dos funcionários diz que o projeto precisa de um nome forte. Gurgel diz que o nome é Tião. Todos dão risadas, menos Gurgel. Eles convencem Gurgel a trocar de nome. Gurgel diz que irá pensar no caso. Cartela: 1984, São Paulo. Gurgel se encontra com representantes do governo e apresenta o projeto do CENA – Carro Econômico Nacional, também conhecido como Tião. Os representantes do governo perguntam se Gurgel não lê o noticiário, pois o país está à beira de um golpe. Ele responde dizendo que já ouviu isso antes e que com golpe ou sem golpe o Brasil precisa de um carro popular barato e econômico. Gurgel é irredutível e obtém, através da insistência, um apoio para desenvolver seu projeto. Gurgel começa a tirar do papel o projeto que tinha idealizado há trinta e cinco anos atrás. Ele recebe uma ligação anônima falando sobre informações sigilosas do projeto do CENA. Gurgel reúne seus funcionários que estão envolvidos no projeto para uma conversa. Carolina assiste na televisão uma reportagem sobre o novo projeto da Gurgel – agora publicamente intitulado CENA. Ela fica espantada, pega o telefone e liga para Gurgel. Gurgel e seus funcionários estão no sítio trabalhando no projeto do CENA, ele atende o telefone e cai na risada, explicando a sua mulher que o verdadeiro projeto está sendo desenvolvido no sítio. Gurgel se reúne com os principais diretores das multinacionais e é pressionado para não continuar com o projeto. Ele se defende dizendo que dessa vez ganhou apoio do


18 governo e do povo e que a ditadura das multinacionais chegou ao fim e a independência do Brasil sobre rodas recém começou. Ao chegar em casa, Gurgel recebe uma intimação judicial por parte da família Senna do piloto Ayrton Senna, exigindo que ele mudasse o nome do carro. Gurgel fica arrasado, não entende como até quem deveria estar do seu lado cria barreiras para impedir seu trabalho. Carolina o conforta e ele decide que a essa altura o nome do veículo é o menos importante. E decide colocar o nome de BR-800. Gurgel se reúne com membros do governo e é decidido que ele irá apresentar o BR800 no desfile de 7 de setembro, na posse oficial do presidente Sarney. Um assessor pergunta quantas pessoas da família, Gurgel vai querer que o acompanhe. Gurgel diz que ninguém, apenas vai querer a presença de uma pessoa. Ele escreve o nome da pessoa num papel e entrega ao assessor. O assessor olha e comenta que é um nome estrangeiro. Gurgel diz que essa pessoa mora no Brasil. Cartela: 7 de setembro, 1987. João Gurgel, sentado no palanque, ao lado de autoridades governamentais, parece ser o único que está nervoso na ocasião. Todos os outros - políticos, na sua maioria; estão sorridentes e acenam para a imensa multidão que presencia o desfile de 7 de setembro na capital brasileira, Brasília. De repente, Gurgel avista um velhinho subir o palanque. Gurgel é chamado para ser homenageado. Ele se levanta. Os caças da força aérea brasileira passam fazendo um ruído enorme. Gurgel caminha até o representante que anuncia a passagem dos carros BR-800, o primeiro carro genuinamente brasileiro; e entrega uma placa comemorativa para Gurgel. Ele se vira e caminha até o velhinho sentado e entrega a placa para ele. O velhinho não entende. Gurgel aperta a mão dele e agradece. Ainda sem entender, o velhinho ouve Gurgel dizer: “Obrigado professor, se você não tivesse duvidado de meu projeto há quase cinquenta anos atrás, eu não estaria aqui. Muito obrigado.” FIM


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