Embora se contraia ao nascimento, em geral o canal arterial permanece patente por 2 ou 3 meses. O fechamento dos vasos fetais e do orifício oval é, inicialmente, uma alteração funcional; mais tarde há o fechamento anatômico resultante da proliferação dos tecidos endotelial e fibroso. As estruturas que mantinham em perfeito funcionamento a circulação fetal gradualmente se transformam, após o nascimento, em estruturas anatômicas: ■■ Artérias umbilicais: contraem-se logo após o início da respiração; transformam-se nos ligamentos umbilicais medianos. ■■ Veia umbilical: em sua porção infra-abdominal, transforma-se no ligamento redondo do fígado. ■■ Ducto venoso: transforma-se no ligamento venoso. ■■ Canal arterial: inicialmente, com o aumento da pressão sanguínea na aorta, o fluxo sanguíneo se faz no sentido da artéria pulmonar, provocando o fechamento funcional do canal. Somente após várias semanas ocorre o fechamento anatômico, e o canal passa a constituir uma estrutura fibrosa denominada ligamento arterioso. ■■ Forame oval: com o seu fechamento anatômico, formam-se a fossa oval e o limbo da fossa oval.
Aparelho pulmonar In utero, o aumento da vasculatura pulmonar e do fluxo sanguíneo é parte de um processo contínuo de maturação fetal. Outros fenômenos, como reversão pulmonar da capacidade de secretar fluido para a capacidade de absorver fluido, e a secreção de surfactante pulmonar, estão associados ao ambiente hormonal presente quando o trabalho espontâneo é iminente. Intervenções ao nascimento, como cesariana eletiva ou indução do trabalho de parto, podem interferir nessa preparação para o nascimento. Interferências pós-natais, como clampeamento imediato do cordão umbilical e aspiração na orofaringe, também podem comprometer o processo normal de transição do RN. Existe uma relação significativa entre as condições anatômicas e fisiológicas pulmonares do feto e a sua viabilidade pós-natal. A adaptação do RN ao ambiente extrauterino é facilitada pela presença de um pulmão capaz de efetuar trocas gasosas com eficiência, aumentando sua sobrevida.
Desenvolvimento do pulmão fetal Durante seu desenvolvimento, o pulmão fetal pode dividir-se em quatro períodos: embrionário, pseudoglandular, canalicular e sacular. No período embrionário, já a partir da sexta semana de gestação, todos os segmentos broncopulmonares tornam-se identificáveis e, por volta da 10a semana, resultando da ramificação contínua da árvore traqueobrônquica, adquirem aspecto histológico de glândula exócrina – é o período pseudoglandular. Nesse período, somente as estruturas relacionadas com o bronquíolo terminal ainda não estão desenvolvidas. Com o progredir do seu desenvolvimento, entre a 17a e a 24a semana, o pulmão fetal promove várias gerações de bronquíolos respiratórios – é o período canalicular; por volta da 22a semana, dois tipos de células especiais que revestem os ácinos diferenciam-se: os pneumócitos tipos I e II. Estes últimos são ricos em corpos lamelares, estruturas que contêm substâncias surfactantes. Em seguida, entre a 24a e a 37a semana, as vias respiratórias terminam em estruturas saculares, que se diferenciam em ductos alveolares e alvéolos, promovendo importante expansão do espaço respiratório – é o período sacular.
06 - Medicina Neonatal.indd 38
Adaptações ao início da respiração Com o início da respiração, ocorrem diminuição da pressão vascular pulmonar e elevação da pressão vascular sistêmica; a pressão intratorácica cai, atingindo pressões inferiores a –5cm de H2O. O aumento de pressão inspiratória expande o ar nos espaços alveolares e estabelece capacidade residual funcional (CRF). A expansão pulmonar também estimula a liberação do surfactante alveolar, reduzindo a tensão superficial, aumentando a complacência e estabilizando a CRF. A diminuição da pressão vascular pulmonar depende da adaptação estrutural vascular e de mediadores capazes de influenciar tal transição. A disfunção causada pela persistência da elevada pressão em nível vascular pulmonar provoca o quadro conhecido como hipertensão pulmonar do RN (HPRN). O endotélio vascular é uma importante fonte de ativação de mediadores que contribuem para o controle do tono vasomotor. O balanço na produção ou no metabolismo de vários mediadores vasoativos produzidos no pulmão pode contribuir para a adaptação respiratória extrauterina do feto. Diversos mediadores parecem ter função na transição normal respiratória ao nascimento e na fisiopatologia da HPRN, entre eles os lipídicos, o peptídio endotelina e o radical oxidante óxido nítrico. Além destes, diversos outros fatores neuro-humorais influem na transição pulmonar do feto e no seu tono vascular. Metabólitos do ácido araquidônico parecem ter função reguladora na modificação do tono vascular que ocorre na transição para a vida extrauterina. A prostaciclina (PGI2) atua modulando e mantendo constante a resistência vascular pulmonar, e produz outras substâncias vasodilatadoras, entre elas o fator relaxante de endotélio (óxido nítrico). Os leucotrienos, também metabólitos do ácido araquidônico e potentes constritores da musculatura lisa vascular, parecem ter a função de normalmente manter uma alta resistência vascular pulmonar. Eicosanoides vasoativos, tais como prostaglandinas e leucotrienos, são formados em vários locais dos pulmões e exercem diversos efeitos sobre a circulação pulmonar perinatal. Tanto diretamente como indiretamente, por meio da interação com outros sistemas, os eicosanoides parecem ter a função de rearranjar a circulação ao nascimento. Nesse momento, prostaglandina E-1, acetilcolina, bradicinina e endotelina parecem causar vasodilatação nos pulmões do feto por meio da liberação de óxido nítrico. A adrenomedulina e a calcitonina são substâncias vasoativas que têm profundo e prolongado efeito na circulação pulmonar fetal. O óxido nítrico é produzido por muitas células, incluindo células endoteliais, e suas funções variam de neurotransmissor a vasodilatador. Como vasodilatador, exerce efeito significativo sobre a pressão arterial pulmonar sem influenciar a pressão arterial sistêmica (ver também Capítulo 83, Óxido Nítrico). O surfactante pulmonar é uma lipoproteína sintetizada e secretada pelas células chamadas pneumócitos do tipo II, do alvéolo pulmonar, composto principalmente de fosfatidilcolina e proteínas (proteína A [SP-A], proteína B [SP-B], proteína C [SP-C] e proteína D [SP-D]. Atua reduzindo a tensão superficial na interface alveolar líquido-ar, por volta da 24a semana de gestação. A diminuição de sua disponibilidade para manter as trocas gasosas tem extrema importância no desenvolvimento da síndrome de membrana hialina (ver Capítulo 84, Surfactante Exógeno).
C o p y r i g h t ©2 0 1 6E d i t o r aR u b i oL t d a . D u t r a . Me d i c i n aNe o n a t a l . A l g u ma sp á g i n a s , n ã os e q u e n c i a i s , ee mb a i x ar e s o l u ç ã o .
38 MEDICINA NEONATAL
06/09/2016 09:59:15