Graciliano Nº7

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Já em “Salteador”, derradeiro segmento de Curral de peixe, a deriva epigramática se manifesta na quase totalidade dos 35 poemas. Verdadeiros exercícios de escárnio e mal-dizer, os textos fustigam a cupidez, a inveja, a gula e o adultério, dentre outras marcas humanas, brandindo ainda as armas do cinismo no “politicamente incorreto” “Um desafio litorâneo”: Uma baleia ferida na praia de Saquarema A terra já problemática enfrentava mais um problema Como salvá-la da morte ou convertê-la em poema Nada disso, no entanto, se compara à modernidade (elevada até o sarcasmo) dos versos dedicados à confraria literária. Leiamse, a esse (des)respeito, “A morte de um estilista”:

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no recinto acadêmico Foi comparado a Camilo. E seus pares derramaram lágrimas de crocodilo. E “Um inimigo supérfluo”: Era um poeta muito conciso ..................................... Só e sumário agora o esconde o excesso póstumo de um epitáfio No último poema do livro — “O poeta e os críticos”, Lêdo Ivo ironiza a flutuação dos traços com que os exegetas procuraram classificar (isto é, reduzir) sua obra: poesia da claridade. Da escuridão, do amor, da infância, da morte, do tempo, do laconismo, do excesso. Imerso em meio a tantas polarizações, indaga: “Onde começo e termino?”. Simulando não saber o que de si existe naquilo que de alheio lhe é atribuído, o poeta, afinal, parece dialogar com o também crítico e memorialista Lêdo Ivo, que em suas Confissões (1979) , anotara: “Desconfiai dos que tudo aceitam, explicam e compreendem. A Incompreensão é um dos ingredientes da inteligência”. **Poeta, ensaísta e crítico literário brasileiro

*Publicado originalmente no Caderno Ideias do Jornal do Brasil, em 07/10/1995. ¹ IVO, Lêdo. Curral de peixe. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.

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CEPAL / Imprensa Oficial Graciliano Ramos


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