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Da aldeia, à universidade
by eba_pucpr
Índios paranaenses possuem reserva de vagas em universidades públicas do estado, mas ainda têm dificudade para se formar
Texto: Everton Lima e Franceslly Catozzo Fotos: Victor Waiss
vistamos homens que andavam pela praia (…) Pardos, nus, sem coisa alguma que cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos e suas setas. (...) Mas não pude deles, saber fala nem entendimento que aproveitasse.” Este é um trecho da carta que Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei Manuel de Portugal, para descrever suas percepções sobre a recém-descoberta terra, que, mais tarde, viria a se tornar o Brasil. Tantos séculos depois, fica claro que, quando o assunto é a população indígena, grande parte das pessoas sabe tão pouco quanto Caminha. Por algum motivo, o brasileiro não estuda, ou
“A não se interessa, pela cultura dos índios. Os mais de 800 mil indígenas brasileiros e 26 mil índios paranaenses passam despercebido pelos olhos da maioria das pessoas, mas já estão ocupando outros espaços além das aldeias. As terras do Paraná abrigam indígenas das etnias guarani, caingangue e xetá, com 40% deles vivendo em aldeias ou terras demarcadas. Alguns desses indivíduos resolveram enfrentar as dificuldades e ingressar no ensino superior, principalmente com o objetivo de ajudar suas comunidades e famílias, além de aumentar o nível intelectual e ingressar no mercado de trabalho. Professora dá aula do idioma caingangue para crianças da aldeia Kakané Porã.
No ano de 2001, a Câmara Legislativa do Paraná definiu a Lei 13.134, que garante ao estudante indígena o acesso ao ensino superior em todas as universidades estaduais, mais a Universidade Federal do Paraná (UFPR). O estado foi o primeiro no Brasil a instituir políticas afirmativas étnico-raciais na legislação, exigindo que vagas suplementares fossem reservadas para indígenas de comunidades paranaenses, assim surgindo o Vestibular Indígena do Paraná. Entretanto, o ingresso ao ensino superior não é o único problema enfrentado pelos indígenas. A evasão dos indígenas é considerada alta, já que, das pessoas que ocuparam as 460 vagas oferecidas desde o primeiro Vestibular Indígena, em 2002, somente 38 se formaram. Isso trouxe a necessidade de um acompanhamento que só se firmou em 2006, com a criação da Comissão Universidade para os Índios (CUIA), composta por professores que auxiliam esses estudantes. O vice-presidente estadual da CUIA e coordenador da comissão na Universidade Estadual de Londrina, Wagner Amaral, fez uma pesquisa e aponta algumas dificuldades que levam ao abandono do curso, entre elas, a discriminação. “Existe um preconceito de outros para com eles e também um autopreconceito. Muito se sentem inferiorizados, invisíveis e que não são percebidos dentro da universidade.” Caciporé Jorge Correia de Lima, 65 anos, é pajé da aldeia Kakané Porã, em Curitiba, pertencente a etnia caingangue. Ele conseguiu
uma vaga na Faculdade de Artes do Paraná (FAP), no curso de Teatro, por meio do vestibular comum. Ele conta que sofre por ser indígena. “Estou tendo muita discriminação dentro da faculdade. Quando eu vou fazer alguma performance no teatro, sempre valorizo a minha cultura e eles não deixam. Querem fazer a cultura dos gregos e dos romanos, mas quando se fala na cultura indígena, ela é afastada.” Vinda de um povo considerado guerreiro, Sandra Terena, 30 anos, se formou com auxílio de uma bolsa da Fundação Nacional do Índio (Funai). Possui graduação em Jornalismo pela “Quando eu vou fazer alguma performance no teatro, sempre valorizo a minha cultura e eles não deixam”. Universidade Positivo e pós em Comunicação Audiovisual pela PUCPR, em Curitiba, sendo autora de um premiado documentário sobre os povos indígenas. Ela defende a escolaridade a nível superior dos índios e diz que isso ajuda a garantir mais direitos. “O indígena usava muito a ferramenta de guerra. Hoje em dia, a luta é com a caneta. Se vocêwnão souber falar, escrever um bom texto ou articular um bom discurso, como você vai reivindicar o que você precisa?”. Sandra também enfrentou problemas financeiros e dificuldades com o deslocamento, já que pegava cinco ônibus para chegar até a universidade. Atualmente, o enfrentamento de tudo isso valeu a pena. “Hoje me sinto realizada.”




Onde estão os estudantes indígenas
Distribuídos em oito universidades no Paraná, os alunos precisaram comprovar a sua origem indígena para se matricularem, mas inicar o curso não significa que ele será concluído. O mapa revela a proporção de estudantes que ingressaram no curso em 2013, por meio do Vestibular Indígena, mostrando os que evadiram e concluíram a graduação no mesmo ano.
* Dados do Relatório Estudantes Indígenas IES Públicas Paraná 2010-2014 e da coordenação das universidades. *UNESPAR não possui dados, pois seu primeiro vestibular será em 2014.
Concluintes
Evadidos
Outros (Ainda matriculados ou trancados) Única universidade do estado a oferecer um ano de preparação antes dos indígenas começarem o curso superior.
4
UEM
33 1
3
Unioeste
1
11 28
1
Unicentro
20
6
UEL
33 1
26
UENP
28
13
UEPG
15 4
1
Os cursos mais procurados na universidade são Pedagogia, Educação Física e Administração.
UFPR
51
w A UFPR oferece vagas pelo Vestibular Indígena e pelas cotas federais. No ano de 2014, 51 alunos estavam matriculados, mas a instituição não oferece números de evasão ou ingresso.
As principais dificuldades do indígena na universidade, segundo o professor Wagner Amaral
1. Limite da escolarização básica: muitos desses indígenas vêm de escolas públicas ou escolas da própria aldeia, que não preparam os estudantes para o ensino superior. Em nível nacional, as escolas indígenas mostraram baixo aproveitamento, de acordo com o Ministério da Educação (MEC).
2. Deslocamento: a distância entre a aldeia e as universidades é também um empecilho na hora de cursar o ensino superior. Muitos se deslocam de cidades vizinhas para assistir às aulas. 3. Timidez: como não se sentem tão à vontade, alguns indígenas podem se tornar mais tímidos, o que atrapalha na retirada de dúvidas com o professor e na apresentação de trabalhos e seminários. Informática: apesar de muitos jovens indígenas se comunicarem de maneira virtual, isso não significa que dominem ferramentas tecnológicas. Eles podem ter dificuldades com o word e power point, por exemplo.
4. Língua portuguesa: as etnias presentes no Paraná podem se comunicar com as línguas guarani, caingangue e xetá, mas o que prevalece nas aulas é o português. Se o indígena não conhece a língua, ele não acompanha as aula.
5.
Preconceito: pode vir dos outros ou dele próprio.
7. Financeiro: indígenas têm direito a bolsa de R$ 633 para continuar na universidade e R$ 949, caso tenham a guarda de um filho, mas a CUIA entende que essa quantia é ainda insuficiente, já que muitos têm família e acabam ajudando na aldeia.
6.
8. Descoberta da juventude: para algumas comunidades indígenas, não existe o jovem, mas a criança e o adulto. Os indígenas começam a ir para a universidade novos e já com filhos e descobrem a balada, as grifes, o shopping e o boteco. Acontece uma crise, porque ele é jovem na cidade, mas tem uma família constituída na aldeia.


Ajudando na aldeia
Muitos dos indígenas que ingressam no ensino superior escolhem os cursos pensando no que podem ajudar dentro da aldeia. Sandra Terena usou seu conhecimento para ajudar na comunidade, e hoje é presidente da ONG Aldeia Brasil, que luta pelo direito dos indígenas e dá mais voz a seu povo. Já o pajé Caciporé tem o objetivo de levar o teatro até a aldeia, valorizando mais a sua cultura.
A estudante do ensino médio Fernanda Vargas Lima, 16 anos, é caingangue e já pensa em seu futuro e no das pessoas que vivem ao seu redor. A jovem quer fazer o curso de Agronomia para ajudar seu povo e, este ano, fará o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para treinar para o vestibular. A maior parte dos matriculados na universidade, que hoje somam 196 estudantes, prefere a área da educação ou da saúde, onde podem trabalhar em conjunto com a comunidade em escolas indígenas e unidades de saúde próximas às aldeias.
