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Olhar as voltas da cabeça de negrx

Ao Negro, O Pulsar De um Corpo Nego

Ao Negro, O colorir Do Mar Azul:

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Azul Da Cor Do Mar; O Mar É Negro-Azul

Orum!

A pele Do Mar É Negro-Azul

Olhar?

Olhar; não é mais como há 10 anos; seja de mim para fora; ou de mim para dentro; de mim para a minha Cor; olhar, abriu-se; navegando de um roteiro distante, ao tempo; e desse tempo, a aproximação; e dessa aproximação, o reflexo; e nesse reflexo, a consideração de imagens; e suas refletidas voltas; na (des)construção de uma cabeça posta entre o espaço e o tempo; a dignificação da própria identidade negra.

Olhar a referência

Olhar; que antes, significava uma via de encaixe social; nos moldes de como ter uma boa aparência; ou de como conquistar um emprego? Sempre no esforço de me enquadrar a normativa; que ressignificando, hoje; jamais me levaria a esses lugares — muito menos, dignamente.

MARCELA BONFIM OLHAR AS VOLTAS DA CABEÇA DE NEGRX

Olhar ilusório

A meritocracia; ainda é; a ilusão mais nociva a cabeça de negro; antes, presente em todos os meus discursos; feito uma logística sistemática. E eu reproduzindo sem notar; e falando pela cabeça de branco; o tempo todo; preenchida de parâmetros e regras; sem perceber a profundidade; assim, perseguia; exaustivamente; feito uma religião; que quando se apresentava; aparentemente; me fornecia a sensação de proximidade; mas quando eu chegava perto; sempre se mostrava outra coisa; isso, fisicamente, me abalava; inclusive a cabeça; me afastando cada vez mais da pele; e dividindo meu corpo; que buscava espaço, instintivamente; mas com a cabeça errada; era a cabeça de branco que governava; inclusive as limitações sentidas por mim.

Olhar distante

A sensação de exílio; inundou por muitas vezes a minha mente; distanciava ainda mais de tudo. Inclusive, da ideia de eficiência do diploma expedido pela PUC-SP; agora, nas mãos de uma mulher negra; Bacharel em Economia; e não absorvida pelo mercado de trabalho.

No entanto; finalmente, abria-se também dessa frustração, novas questões; sobretudo, em relação as minhas referências; até ali; não se mostrando tão ao meu favor; inclusive, apontando outra ideia entre distância-proximidade; era uma nova realidade.

Olhar as sobras

Dar nomes às coisas; foi um meio de encurtar as distâncias internas; como um exercício de sobrevivência, aos poucos; eu enxergava a raiva; e nela, seus aspectos de insatisfação; todos, impedindo a compreensão do que havia a minha volta; persistindo na fixação.

Olhar o primeiro estalo das voltas

Um primeiro estalo! E totalmente fora da caixinha das

ideias; entregue a mim; a princípio, numa representação apenas falada; mas; logo, potente ao imaginário; era uma representatividade positiva. Eu já me enxergava barbadiana; E que imagens eram aquelas?

Sem dúvida o primeiro clique; quem deu foi a cidade — à minha imagem. Penso, hoje; que esse clique foi minha primeira imagem enegrecida. E a cidade quem clicou. Em seguida, recebia um presente da amiga artista plástica, Margot Paiva; era retratada numa pintura à óleo, como a Moça do Bonfim; agora, atravessada na imagem barbadiana. Pescoço longo, não? Ressalvei; e Margot, devolveu: é para você andar assim; de cabeça erguida; como uma barbadiana!

Olhar a cabeça de negra

Olhar a presença da Cor

Finalmente; o encontro com os primeiros barbadianos; os irmãos, Norman e Jesuá Johnson; ali, naquele instante; ocorreu um deslocamento físico da ideia; um outro estalo; e quem clicava, agora, era eu; uma potência de imagem; foi um passo a frente; e as voltas se completavam; e dali mesmo, surgiam outras questões; outras voltas; e presenças; havia outras imagens da negritude; alertava Ana Aranda, jornalista, e grande amiga; enquanto os irmãos me apresentavam ao reduto da música na cidade; onde Norman com seu sete cordas, criava espaços a Jesuá; que assim, entre espaços, cantava a cidade e o Mocambo; e eu já (re)conhecendo parte significativa de uma presença visível; falada; e também tocada pelos arredores da cidade; era o tempo de considerar essas pulsantes presenças negras.

Olhar e considerar a Cor

Os barbadianos deram o primeiro estalo; uma quebra visível na minha cabeça; e dessa quebra; outras sucessivas quebras; ou estalos; ou cliques; que cada vez mais; me abriam as voltas; e dessas voltas, os olhares; que também se abriam; atentando-me ao considerar. Eram corpos-identidades; sem contar os tantos costumes que já eram parte da cidade; e eu usufruindo.

Olhar as voltas dessa Cor

Passei a viajar; a insatisfação havia voltado; o trabalho até então; fixado na cabeça como objetivo; agora, me pressionava; tinha que ser proativa; tinha que produzir; e me mostrar disponível; o tempo todo; o cargo de assessora me esgotava; não havia reposição de energias ali; era uma verdadeira máquina de minar aspirações; as concorrências desleais; e a minha Cor, sempre chegando antes; e eu depois; juntando o que restava da fé naquele espaço; mas apostando, principalmente, na sanidade da cabeça; os encontros fora daquele ambiente.

Olhar os movimentos ((in)visíveis) das voltas dessa Cor

A fé; era um processo urgente; eu já pensava em desistir daquele trabalho; e daquele salário, que me possibilitava viajar na companhia da câmera; eu sentia a pressão dos dois lados; e no meio, a pergunta: quanto tempo demora, o negro, para se firmar nesse mundo (in)visível?

Eu já me sentia um pouco mais consciente no ambiente de trabalho; oras, me percebendo visível; oras, invisível; era um movimento que me despertava a sensação de uma conveniência; não transferida a mim; mas apontada a mim, o tempo todo, criando dificuldades na minha pele; e ignorando os potenciais da minha cabeça, até um ponto; perceber imersa àquele movimento, me fez mal, por mais de cinco anos.

Olhar o sentido do jogo nas voltas da Cor

Virar o jogo; era ter encontros mais saudáveis; já havia comprado a câmera; e já me encantava com as imagens; principalmente, com os encontros destas imagens. Dali, o tempo e o espaço; e da Cor, a vivência; o retorno; ou o tombo. Tudo, me abrangia como uma roda; girando para dentro e para fora; ao mesmo tempo; uma energia pulsante, era quando eu sentia dignidade.

Olhar a sensação das voltas da minha Cor

Resolvi descrever os círculos da cabeça a uma amiga, Cintia; havia a conhecido na Bolívia; numa viagem feita com minha mãe, Marta; fomos a Ilha do Sol; estávamos cercadas pelo lago Titicaca; eu pensando em tatuar a minha pele; Cintia me contava sobre os símbolos Adinkras; vendia tecidos; então, busquei as imagens. Entre as diversas informações que encontrei sobre os diferentes símbolos Adinkras, fiquei com o retornar; queria pregar em mim esse movimento; precisava ter comigo sempre, aquela sensação pulsante e circular; me lembrava dos momentos quando eu sentia tudo junto: a força, a firmeza, e a dignidade que os encontros me causavam.

Olhar o Adinkra; à flor da pele

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Olhar as prisões internas

O presídio foi um lugar de força; outra quebra na cabeça; e mais um clique. Passei a ser voluntária de um projeto de reinserção de apenados; e caia junto no teatro inter-1 of 1 21/09/2020 13:01

no; me (re)conhecendo nas estórias desse teatro; eram narrativas de homens; em diferentes papeis; mas sempre partindo das suas crianças feridas; como no instante do tapa na cara; dado pelo pai, em repreensão ao filho que apanhou na escola; até o momento do crime; e da crítica social; no julgo desses filhos do pai; agora, apenados pelo próprio mundo patriarcal.

Olhar os códigos X as potências dessas prisões

Ali; persegui, de forma segura; já decodificava alguns símbolos; e representações sutis; principalmente as que me aprisionavam; normatizadas, absorvidas e reproduzidas por eles — e por mim. Agora, ecoadas nas constelações; abrangendo a todos nós; tanto, na perspectiva da observação; quanto na roda entre os corpos; sentindo o desdobrar dos movimentos; que devolvia a nós, todos, as nuances não percebidas pela cabeça; a sensação era que estávamos vivos; e livres; eu vi a potência desses julgados-homens, agora, atores e potentes, internamente.

Olhar o lugar

O encontro com Marcelo Felice, e os meninos do regime fechado; foi o lugar onde pude libertar as energias; da mesma forma, a culpa; a raiva; a insatisfação; tudo, dentro de uma sensação real de prisão; que aos poucos, escorria. Era aberto a mim, um caminho de refletir a consciência corporal; era hora pensar o meu lugar.

Olhar as voltas do lugar

Eu buscava; internamente; a forma mais próxima de me sentir uma mulher negra; e ali estavam todas as referências; e a palavra (re)conhecimento vindo de cada uma; dentro e fora do presídio; no meio; ou no canto da Rua; longe ou perto da cidade; mas dentro de um quilombo; de uma aldeia; e de uma comunidade ribeirinha; minha cabeça já compreendia; era o enegrecimento.

Olhar, desde a cultura, ao sabor

A presença negra já brotava aos meus olhos; e eu de cada cultura vivida; de cada beleza vista; de cada estória apreendida; e de cada sabor experimentado, a maniçoba; que gosto de infinito; não há outra expressão; é afinidade; o corpo chegava antes; era um pedaço saboroso do Pará; uma comunicação; como os temperos baianos; e quanta gente do Bonfim por aqui; a moqueca e o acarajé são pedaços vindos de lá; muitas presenças do Mar; como do Rio de Janeiro; o samba é uma tradição em Porto Velho; costume que vem desde as primeiras programações televisivas; formando até torcidas, todas, difundidas pelas mãos dos comerciantes do Ceará; o nordeste tá todo aqui; presente desde a formação econômica do estado; era revelado a mim, fluxos e diásporas negras inteiras; do Brasil à fora; todas presentes nos mencionados ciclos econômicos; mas invisibilizadas nas suas cores; como as mais recentes diásporas; a haitiana, e a venezuelana; logo, enraizadas, rondonianas.

Olhar para trás e ressignificar; retornar para seguir

Olhar para trás; hoje, é viver com mais proximidade da mulher negra que venho construindo nesse novo tempo; sendo essa mulher, mais possível; mais real; e (re)nascida de quebras; todas, ocorridas no encontro de imagens não imaginadas; atravessadas de reflexos da minha história; e percebidas em locais ignorados; realidades invisibilizadas; legados abandonados; e culturas não ditas; retornadas em pontos comuns; de afinidade entre mim, e essa Amazônia Negra, que se apresenta, agora; em visíveis identidades.

Olhar a primeira quebra visível provocada pela cabeça de negrx na Amazônia

Ao olhar a imagem Cabeça de Negro, de Jesuá Johnson, mais conhecido como Bubu; filho de pais afro-antilhanos, nascido em 1951, na cidade de Porto Velho, em Rondônia; onde enraizaram seus avôs, no início do Século XX, colaboradores da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré {EFMM}; resinificamos; em movimento Adinkra; os impactos causados a partir das imagens desta diáspora, na quebra de um imaginário local — irradiado, a princípio, por fissuras surgidas na dinâmica do pensar as imagens dessa presença, apropriada na Amazônia — num período em que o território era ressaltado, exclusivamente, por estímulos oficiais às diversas ocupações e aos predatórios investimentos estrangeiros.

Lugar esse, onde as imagens dos corpos negros, ainda suportavam as violentas pressões da sua Cor; da mesma forma, que tantos outros sobreviventes ao período (rígido) da escravatura, agora, espalhados por todo o Brasil.

Olhar os impactos das quebras no fluxo das imagens coloniais

Os impactos da chegada das populações afro-antilhanas, em Porto Velho, provocaram de imediato, significativas rupturas no fluxo das imagens (sujeitas), apregoadas ao corpo escuro; agora, sugeridas à perspectiva de outras imagens que se apresentavam por si mesmas: mais autônomas, vindas de outras experiências; e visivelmente alinhadas em seus percursos; principalmente na exposição de suas potencialidades; trazendo ao centro das necessidades da localidade; a cabeça de negro; apropriada ao empreendimento da Madeira- Mamoré; na educação, na saúde; e aos poucos, encaixadas na métrica e nos espaços daquele tempo, em que a Amazônia ouvia blues.