20 minute read

INVESTIGAÇÕES ARTÍSTICAS

Advertisement

ADRIANO MACHADO

Essa obra investiga a dinâmica de corpos racializados diante das políticas de segurança e visibilidade, construindo um arquivo que descreve rotas e trânsitos afro-diaspóricos, a partir do acervo da Casa do Benin, em Salvador, Brasil. Como um dos resultados da investigação, Machado compõe uma coleção de Instrumentos para construção e desconstrução de utopias, incorporando fragmentos e refugos de marcenarias da Rua da Ladeira do Bonde (região histórica da cidade de Salvador) e do ferreiro José Grande.

This work investigates the dynamics of racialized bodies in the face of security and visibility policies, building an archive that describes afro-diasporic routes and transits, from the collection of Casa do Benin, in Salvador, Brazil. As one of the results of the investigation, Machado composes a collection of “Instruments for the construction and deconstruction of utopias”, incorporating fragments and scrap from carpenters on Rua da Ladeira do Bonde (historic region of the city of Salvador) and the blacksmith José Grande.

Instrumentos para construção e desconstrução de utopias Adriano Machado

Instalação Dimensões variáveis Fragmentos e refugos de marcenarias da Rua da Ladeira do Bonde e do ferreiro José Grande. Salvador, 2019

Instruments for construction and deconstruction of utopias Adriano Machado

Installation Variable dimensions Fragments and scrap from carpenters on Rua da Ladeira do Bonde and blacksmith José Grande. Salvador, 2019

E PEDRO SILVEIRA AISLANE NOBRE

Diáspora Sagrada investiga a presença de entidades africanas no Brasil, especialmente no território da Baía de Todos os Santos (Salvador, Brasil). A obra propõe uma reflexão, por meio de operações de apagamento em fotografias de peças da “coleção Estácio de Lima”*, que se mostram tanto estéticos quanto conceituais. As intervenções com cores e desenhos tentam reanimar as peças que foram fotografadas e retirá-las da sombra em que se encontram há décadas nestes acervos.

* A origem desta colecao remonta à extinta Delegacia de Jogos e Costumes, conhecida por promover violência institucional de Estado contra territórios e comunidades de culto.

** Projeto viabilizado com apoio da Magnum Foundation e Henry Luce Foundation.

Diaspora Sagrada investigates the presence of African entities in Brazil, especially in the territory of Baía de Todos os Santos (Salvador, Brazil). The work proposes a reflection, by means of erasing operations in photographs of pieces from the “Estácio de Lima collection”*, which are both aesthetic and conceptual. The interventions with colors and drawings try to revive the pieces that were photographed and remove them from the shadow in which they are found for decades in these collections.

* the origin of this collection goes back to the extinct „Police Department for Games and Customs“, known for promoting institutional violence in territories and communities of religious cult.

** Project made possible with support from Magnum Foundation and Henry Luce Foundation.

Diáspora Sagrada Aislane Nobre e Pedro Silveira

Intervenções manuais sobre fotografia. 21 x 29,7 cm e 20 x 20 cm Salvador, 2019

Sacred Diaspora Aislane Nobre e Pedro Silveira

Interventions on photography. Prints: 21 x 29.7cm and 20 x 20cm Salvador, 2019

INES LINKE

mover | transportar | traduzir | negociar | jogar | semear | plantar | distribuir | colher | trocar | negociar | colecionar | depositar | possuir | dominar | capturar | retirar | acabar | perder

move | carry | translate | negotiate | play | sow | plant | distribute | spoon | exchange | negotiate | collect | deposit | own | dominate | capture | withdraw | end | lose

Um objeto que chamou a atenção de Linke na Casa do Benin foi o jogo Mancala. O termo “mancala” derivado da palavra árabe “naqala” que significa “mover”, “transportar” e “traduzir”, designa uma família de jogos de tabuleiro praticados ao redor do mundo. No Brasil, este jogo, recentemente reconhecido enquanto patrimônio da cultura afro-descendente, foi promovido no contexto da (re)valorização da cultura negra.

One object that caught my attention at Casa do Benin was the Mancala game. The term “mancala” derived from the Arabic word “naqala” which means “to move”, “to transport” and “to translate”, designates a family of board games practiced around the world. In Brazil, this game, recently recognized as a heritage of Afro-descendent culture, was promoted in the context of the (re) appreciation of black culture.

RI Ines Linke

Instalação interativa | ambiente interativo 250 x 250 x 250 cm Lambe-lambe, mobiliário e sementes. Salvador, 2019

IR Ines Linke

Interactive installation 250 x 250 x 250 cm Street posters, furniture and seeds. Salvador, 2019

ISABELA SEIFARTH

A palavra ‘totem’ define o símbolo de um determinado agrupamento. Composta por figuras que se empilham, essa obra propõe uma continuação sem fim. As principais referências estéticas são máscaras africanas, como as Geledés e suas super-estruturas, e painéis de madeira entalhados dos artistas brasileiros Manoel do Bonfim e Carybé. Ao transformar essas referências tridimensionais em obras bidimensionais, Seifarth faz uso de uma pigmentação que gera dúvidas sobre a sua materialidade.

The word ‘totem’ defines the symbol for a particular group. Composed of piling figures, this work proposes an endless continuation. The main aesthetic references are African masks, such as Geledés and their superstructures, and carved wooden panels by Brazilian artists Manoel do Bonfim or Carybé. When transforming these three-dimensional references into two-dimensional works, Seifarth makes use of a pigmentation that creates doubts about its materiality.

Totem a um museu afro-brasileiro I, II e III Isabela Seifarth

Pintura 72 x 250 cm Acrílica sobre tela Salvador, 2019

Totem to an Afro-Brazilian museum I, II and III Isabela Seifarth

Acrylic on canvas 72 x 250 cm Salvador, 2019

LIA KRUCKEN

Quais são as histórias que os objetos contam? A partir do encontro com um recadé em uma loja de objetos usados, se inicia uma investigação que atravessa espaços geográficos, simbólicos e temporais. O recadé, ou recado, é um objeto africano que constitui uma mensagem em si mesmo e só pode ser lido por quem souber ler seus símbolos ancestrais. Objetos com raízes resistem ao tempo e à leitura e nos falam do intraduzível, ou do que não se pode alcançar por meio da lógica ocidental. Assim, esses objetos transcendem ao que se pode ver, guardando em si diversas possibilidades interpretativas.

What are the stories that the objects tell? From the encounter with a recadé in a used-goods store, an investigation begins that crosses geographical, symbolic and temporal spaces. The recadé (or recado in Portuguese) is an African object that constitutes a message in itself and can only be read by those who know how to read its ancestral symbols. Objects with roots resist time and reading and tell us about the untranslatable, or what we cannot achieve by means of the occidental logic. Thus, these objects transcend what can be seen, retaining several interpretive possibilities.

Objetos com raízes Lia Krucken

Objetos com raízes Instalação Dimensões variáveis Gravura e desenho sobre papel de arquivo Salvador, 2019

Objects with roots Lia Krucken

Installation Variable dimensions Engraving and drawing on archive paper Salvador, 2019

LUCAS LAGO LUCAS FERES E

Esta obra é um monumento erguido aos coqueiros que existiram na Casa do Benin entre 1988 e 2014. Símbolo da tropicalidade, as palmáceas ressaltavam as proximidades existentes entre as paisagens do Brasil e da África. Espécie exótica, foi introduzida na Bahia e no Benin pelos colonizadores europeus no século XVI, impondo novos imaginários às paisagens locais.

This work is a monument honoring coconut trees that existed at Casa do Benin between 1988 and 2014. Symbol of tropicality, the palm trees highlighted the proximity between the landscapes of Brazil and Africa. This exotic species was introduced in Bahia and Benin by European colonists in the 16th century, imposing new imagery on local landscapes.

Monumento aos coqueiros Lucas Feres e Lucas Lago

Instalação site-specific 20 x 20 x 110 cm Salvador, 2019

Monument to coconut trees Lucas Feres and Lucas Lago

Site-specific installation 20 x 20 x 110 cm Salvador, 2019

E LUCIANO ALMEIDA LUCAS FERES, LUCAS LAGO

O vídeo Caminho de Maní aborda os fluxos entre Bahia e Benin a partir dos trânsitos alimentares e as suas implicações estético-políticas. Por meio de uma parceria entre os artistas Lucas Feres e Lucas Lago e o músico e cozinheiro Luciano Almeida, o vídeo aborda e recria narrativas históricas sobre a mandioca, raiz nativa do território brasileiro, sua implicações mitológicas e as utilizações culinárias establecidas a partir das relações luso-afro-ameríndias. O vídeo também aborda a inserção do cultivo e utilização da mandioca no território africano por meio dos portos beninenses, implicando em uma significativa assimilação gastronômica, cultural e religiosa no continente africano.

The video “Paths of Mani“ addresses flows between Bahia and Benin, based on food transits and their aesthetic-political implications. Filmed by means of a collaboration between the artists and the musician and chef Luciano Almeida, the video addresses and recreates historical narratives about cassava, a native root of Brazilian territory, its mythological implications and the gastronomic uses established from the relationships Portuguese-Afro-Amerindians. The video also addresses the insertion of the cultivation and use of cassava in African territory through the Beninese ports, implying a significant gastronomic, cultural and religious assimilation in the African continent.

Caminhos de Maní Lucas Feres, Lucas Lago e Luciano Almeida

vídeo 13’10’’ Salvador, 2019

Caminhos de Maní Lucas Feres, Lucas Lago e Luciano Almeida

vídeo 13’10’’ Salvador, 2019

CAFEZEIRO SARAH MARQUES E YAN GRACO LUCAS FERES, LUCAS LAGO,

A Oficina-mutirão de arquiteturas impossíveis propõe um espaço relacional a partir de um diálogo prático em torno à uma forma arquitetônica em escala reduzida: módulos em argamassa armada pré-fabricada, projetados em Salvador por Lina Bo Bardi em parceria com o arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé), nos anos 80. O referido modelo mostra-se como uma reinterpretação dos Tata Sombas, construções vernaculares do noroeste do Benin. Esta ocupação propõe um espaço de diálogos acerca dos fluxos arquitetônicos entre Bahia e Benin, tomando a ideia de “canteiro de obras” como mote para pensar um espaço de troca de saberes e formação. Propõe a coletivização tanto da fabricação em miniatura do módulo pré- moldado que constitui o Tata Somba da Casa do Benin, como a manipulação dessas peças para criação de arquiteturas imaginadas e impossíveis.

The “Workshop-task force” of impossible architectures proposes a relational space based on a practical dialogue around a small scale architectural form: prestressed concrete elements,designed in Salvador by Lina Bo Bardi in partnership with the architect João Filgueiras Lima (Lelé), in the 1980s. These elements are shown as a reinterpretation of Tata Sombas, vernacular constructions in northwest Benin. This occupation proposes a space for dialogues about the architectural flows between Bahia and Benin, taking the idea of “construction site” as a motto to think about a space for the exchange of knowledge. It proposes to collectivize both the miniature manufacturing of the precast modules that constitutes the Tata Somba of Casa do Benin, as well as the manipulation of these pieces to create imagined and impossible architectures.

Lucas Feres, Lucas Lago, Sarah Marques e Yan Graco Cafezeiro

Oficina-mutirão de arquiteturas impossíveis Ocupação do terraço da Casa do Benin dimensões variáveis. Salvador, 2019

Lucas Feres, Lucas Lago, Sarah Marques e Yan Graco Cafezeiro

“Workshop-task force” of impossible architectures Occupation of the terrace of Casa do Benin variable dimensions. Salvador, 2019

LUISA MAGALY

Contrafluxos reúne vestígios investigativos acerca dos afro-brasileiros que foram deportados ou retornaram à África entre meados do século 18 e início do século 20, após uma série de revoltas populares, destacando a Revolta dos Malês, na Bahia, em 1835. O retorno aponta para uma outra diáspora, onde as manifestações culturais brasileiras existentes no Benin, Togo, Nigéria e Gana são os principais indícios da presença das comunidades Agudás, Brésiliens, Amarôs ou Tabons — variações de denominações dadas aos retornados nesses territórios.

“Counterflows” gathers investigative evidence about Afro-Brazilians who were deported or returned to Africa between the middle of the 18th century and the beginning of the 20th century, after a series of popular revolts, highlighting the Malês Revolution, in Bahia, in 1835. The return points to another diaspora, where the Brazilian cultural manifestations existing in Benin, Togo, Nigeria and Ghana are the main indications of the presence of the Agudás, Brésiliens, Amarôs or Tabons communities — variations of denominations given to returnees in these territories.

Contrafluxos Luisa Magaly

Série Brésiliens Agudás Instalação 80 x 80 cm Farinha de mandioca, papel vegetal, grafite, carbono e marrom Van Dyck Salvador, 2019

Counterflows Luisa Magaly

Brésiliens Agudás Series Installation 80 x 80 cm Cassava flour, tracing paper, graphite, carbon and brown Van Dyck. Salvador, 2019

MARCOS SÁ

Vestíveis da Memória são uma espécie de penetráveis vestíveis: objetos para vestir feitos a partir da combinação de materiais precários ou ordinários (papelão, sacos de lixo etc.). Esses materiais se reorganizam em torno de elementos da religiosidade afro-brasileira, e resultam em experiências sensoriais, que podem ser pensadas tanto como performances, como quanto rituais espontâneos e efêmeros.

“Memory Wearables” are a kind of wearable penetrables: objects to wear made from a combination of precarious or ordinary materials (cardboard, garbage bags, etc.). These materials are reorganized around elements of Afro-Brazilian religiosity, and result in sensory experiences, which can be thought of as performances, as well as spontaneous and ephemeral rituals.

Vestíveis de memória Marcos Rocha Sá

Objeto interativo Dimensões variáveis Materiais diversos Salvador, 2019

Memory wearables Marcos Rocha Sá

Interactive object Variable dimensions Various materials Salvador, 2019

MARIO VASCONCELOS

Mitos, ritos, contos, cantigas e costumes sempre fizeram parte do universo afro-diaspórico. Essa obra-oficina ativou relatos, que, ora velados, ora expostos, expressam-se oralmente e visualmente por meio de pequenas estatuetas de barro, que os participantes vestem ao contar suas histórias. As pequenas esculturas remetem às bonecas Akuabas e o tema das oficinas, que constroem a obra final, é a fertilidade feminina.

Myths, rites, tales, songs and customs have always been part of the afro-diasporic universe. This work-workshop activated reports, which, sometimes veiled, now exposed, express themselves orally and visually through small clay figurines, which the participants wear when telling their stories. The small sculptures refer to Akuabas dolls and the theme of the workshops, which build the final work, is female fertility.

Incorporações afetivas Mário Vasconcelos

Instalação Esculturas: 15 x 04 x 04 cm Esculturas em cerâmica confeccionadas coletivamente Salvador, 2019

Affective incorporations Mario Vasconcelos

Installation Sculptures: 15 x 04 x 04 cm Collectively made ceramic sculptures. Salvador, 2019

YOHANNA MARIE

Na obra Espíritos d’água da artista convidada Yohanna Marie, algumas mulheres da Região Ashanti foram convidadas a recriar, a partir de seus próprios corpos, imagens de espíritos da água com os quais tiveram contato. Para a artista “Os espíritos d’água querem falar. E eles falam através das vozes das mulheres”, o que provocou a construção de imagens que envolvem a fotografia digital e materiais diversos.

In the work Spirits of water by invited artist Yohanna Marie, some women from the Ashanti Region were invited to recreate images of water spirits with whom they had contact from their own bodies. For the artist “The water spirits want to speak. And they speak through the voices of women”, which caused the construction of images involving digital photography and different materials.

Espíritos d’água Yohanna Marie

Criação e imagens: Yohanna Marie Materiais: impressão artesanal em papel conqueror, Anil e Conchas. Dimensões: variáveis Co-criadoras: Charity, Abena, Letícia, Comfort, Doreen, Theresa, Blue. Gana / Brasil, 2019

Palavras para atravessar o mar Livro de artista Impressão em papel vegetal e transparência. Papel: 15 x 20 cm Gana / Brasil, 2019

Water spirits Yohanna Marie

Creation and images: Yohanna Marie Materials: handmade printing on conqueror paper, indigo and shells. Dimensions: variable Co-creators: Charity, Abena, Letícia, Comfort, Doreen, Theresa, Blue. Ghana / Brazil, 2019

Words to cross the sea Artist book Printing on tracing paper and transparency. Paper: 15 x 20 cm Ghana / Brazil, 2019

TIAGO SANT’ANA

Na carta intitulada O sol nasce por Guiné, Tiago Sant’Ana, interlocutor e artista convidado para exposição, escreve impressões sobre duas margens do Atlântico - a da Bahia e a da antiga região intitulada de Costa da Mina. A carta, com sua natureza de endereçamento tendo uma origem e um destino, serve como ponto de partida para tratar paradoxalmente sobre as incertezas das travessias e diáspora das pessoas negras para o Brasil.

In the letter entitled “The sun rises through Guinea, Tiago Sant’Ana, interlocutor and artist invited to the exhibition, writes impressions on the two shores of the Atlantic - Bahia’s one and the old region entitled Costa da Mina’s one. The letter, that addresses an origin and a destination, serves as a starting point to paradoxically deal with the uncertainties of crossings and diaspora of black people to Brazil.

O sol nasce por Guiné Tiago Sant’Ana

Nanquim sobre papel 21 x 29,7 cm Salvador, 2019

The sun rises through Guinea Tiago Sant’Ana

China ink on paper 21 x 29,7 cm Salvador, 2019

TINA MELO

A artista convidada Tina Mello, a partir da instalação Afoju ou Para ver Joana busca o diálogo entre territórios separados e unidos pelo Atlântico, refletindo sobre a consciência afro-diaspórica em reverberação com as reformulações do imaginário anti-colonial presente nas práticas cotidianas da região ashanti.

With the installation Afoju or To see Joana, the invited artist Tina Mello seeks dialogue between separate and united territories across the Atlantic, reflecting on the Afro-diasporic consciousness in reverberation with the reformulations of the anti-colonial imagery present in the daily practices of the Ashanti region.

Afoju ou Para ver Joana Tina Mello

Instalação Fotoperformance: Tina Melo Imagens: Nina Claire Materiais: sal grosso, impressão em papel conqueror, baús de madeira, papel, memória. Dimensões variáveis Gana/Brasil, 2019

Afoju or To see Joana Tina Mello

Installation Fotoperformance: Tina Melo Images: Nina Claire Materials: coarse salt, printing on conqueror paper, wooden chests, paper, memory. Variable dimensions Ghana / Brazil, 2019

Nos deslocar sem sair do lugar

"Nkaringana wa nkaringana". É assim que se inicia a contação de histórias à volta da fogueira no sul de Moçambique. Geralmente ao final do dia, os membros de uma família e da comunidade se juntam à volta de uma fogueira “Xitiku ni mbawula” para ouvir e contar histórias. Minkaringana (plural de Nkaringana) são detentores do conhecimento ancestral, das histórias de vida, das fábulas, dos valores e normas de conduta no seio da comunidade.

Destarte, os minkaringana, Xitiku ni mbawula são meios de transmissão e assimilação do legado coletivo que (re-) significam o meio no qual vivem e através dos quais podemos ler estes povos. Em suma, vivenciar Xitiku ni mbawula, os Minkaringana, é adentrar a forma como se constituem as afrofilosofias que permitem tangenciar o contexto africano.

Além de constituir um espaço de troca de experiências e vivências inter-geracionais, as histórias narradas são também mecanismos de refletir e repensar o presente bem como o futuro. Xitiku ni mbawula eminkaringana nos fazem “deslocar sem sair do lugar”, alcançar e transcender planos que só a memória nos permite tangenciar, e por isso, posso afirmar que ao mesmo tempo que nos fazem deslocar sem sair do lugar, também nos fazem “deslocar saindo do lugar”, visto que, mesmo que o corpo fisicamente não se desloque, ele o faz espiritualmente, tal como a memória.

E se são os objetos e coisas que escrevem a história, e não nós? E se dentro de nós existe um griô que narra as histórias que os objetos e coisas escrevem? Talvez resida aí a centralidade da oralidade para a compreensão da cultura africana e a importância de ativar memórias presentes nos objetos e nos espaços.

Nympini Khosa

Nkaringana - objetos e histórias em trânsito

Enquanto um grupo de artistas visuais e pesquisadores, adentramos em dois diferentes lugares de memória da cidade. Tínhamos o objetivo de olhar atentamente para os seus acervos e coleções por pelo menos quatro meses. Tal exercício se converteu em escutar os objetos e seus guardiões, dialogar com os lugares e sua história e construir espaços de troca de conhecimentos práticos e teóricos. A partir deste diálogo, vivenciamos um processo que se abriu à diversas perspectivas que não estavam previstas inicialmente.

Desde julho de 2019, as experiências individuais e coletivas nos colocaram em movimento, estabeleceram uma ativação de objetos e lugares, criando histórias (Nkaringana) que falam de espiritualidade e ancestralidade, de situações que contrastam tradição e modernidade, da memória presente nos museus e nas pessoas, de imagens e ausências que nos permitem pensar sobre os fluxos passados/presentes/futuros e que também constituem nosso cotidiano.

A exposição Nkaringana apresenta o resultado de projetos artísticos realizados em diálogo com os acervos da Casa do Benin e do Museu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia - MAFRO/UFBA e com interlocutores convidados. Cada trabalho, à sua maneira, propõe uma reflexão sobre trânsitos de objetos, a constituição dos acervos museológicos de arte africana e afrobrasileira, diferentes epistemologias que envolvem as coleções e as referências que informaram as visualidades presentes. Dessa forma, convidamos o público a juntar-se a esse processo para que, em conjunto, possamos pensar, transmitir, assimilar, ativar, interpretar e (re-)significar alguns aspectos desses importantes acervos locais.

Ines Linke Lia Krucken Uriel Bezerra