






Há 166 anos, a “Freguesia do Districto de Cima da Serra de Botucatú” deixava de ser um povoado e erigia-se como “Villa de Nossa Senhora das Dôres de Botucatú”: há 166 anos, nascia a cidade que hoje conhecemos e vivemos.
Embora tivesse destaque na produção de algodão, queijos e carne bovina e suína, a economia botucatuense girava em torno do café, exportando cerca de 35 mil arrobas – aproximadamente 525 toneladas do grão.
Na nossa cidade, calcula-se que havia cerca de 1.200.000 pés de café na década de 1870. Para se ter uma ideia, Botucatu tinha 5.137 habitantes (sendo 341 escravos); ou seja, havia cerca de 233 pés de café para cada munícipe.
Nesta mesma época, foi descoberta uma nova variedade de café em nossa cidade: o café “amarelo de Botucatu”, conhecido por seus frutos amarelados, destacando-se entre os tradicionais frutos vermelhos e atingindo popularidade internacional.
O comércio desta variação, novidade no mercado agrícola, foi um grande impulsionador da popularidade de Botucatu dentro da produção cafeeira.
Café amarelo de Botucatu
(Imagem: Reprodução/ ReviewCafé)
cultores, o conde contratou o pintor italiano Antônio Ferrigno, propagandeando o produto nacional para todo o Velho Mundo.
Hoje em dia, a memória dos anos dourados da cafeicultura de Botucatu continua viva, frente aos nossos olhos: o Museu do Café da Fazenda Lageado esforça-se em preservar a arquitetura e as máquinas daquela época.
Localizada na antiga “Casa Grande” da centenária fazenda, o local já abrigou a Estação Experimental de Café, primeira iniciativa do gênero no país, entre os anos 30 e 70. O projeto tinha por objetivo desenvolver pesquisas e experimentos técnico-científicos na área da cafeicultura e diversificar a produção agrícola em áreas de antigos cafezais.
Atualmente, o museu reúne equipamentos, peças, livros, mobiliário e imagens sobre o período em que a produção cafeeira da Fazenda Lageado estava a pleno vapor. Além disso, o local recebe também diversas exposições artísticas e apresenta artefatos arqueológicos obtidos na área da fazenda e na região de Botucatu.
Hoje temporariamente fechada por conta da pandemia do novo coronavírus, o Museu do Café é, sem dúvidas, um local de visita obrigatória para toda e qualquer pessoa que more em Botucatu ou que esteja visitando a nossa cidade.
Jornal Audácia/Mateus Conte Foto de capa: Karen Ingrid Tasca
Duas décadas mais tarde, o setor produtivo começava a passar por maiores dificuldades. O aumento de impostos, a disseminação de pragas nas lavouras e as variações constantes do preço da saca dificultaram a comercialização do café no mercado interno. A gota d’água veio em 1893, quando o governo limitou as plantações de café.
Já era sabido que algo deveria ser feito para mudar esse cenário. Eis que surge Manoel Ernesto da Conceição, mais conhecido por Conde de Serra Negra. Estrategista por natureza, viu no mercado externo uma alternativa comercial para as várias toneladas de sacas de café estocadas em seus armazéns.
Sua ideia era divulgar o café brasileiro na Europa, visando atender o mercado externo. Com o apoio de mais 217 cafei-
EXPEDIENTE
“A Colheita”, de Antonio Ferrigno (Imagem: Reprodução/ Museu Paulista da USP)
DIRETOR: Armando Moraes Delmanto
EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: Gráfica Diagrama/ Edil Gomes
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Eliane Aparecida Biasetto
Vida e obras de Francisco Marins
histórica. Em vários momentos, as obras se complementam, reforçando a relação entre história, literatura e ensino.
Francisco Marins nasceu em 1922 na cidade de Botucatu, Distrito de Pratania, no Estado de São Paulo. Viveu toda a sua juventude em uma propriedade rural, de onde sairia a sua inspiração para relatar nos seus romances as histórias do interior paulista. A sua vasta produção literária também percorre o campo da literatura infanto-juvenil, que igualmente aos romances, busca apresentar a paisagem física e social do interior do Brasil na época do seu desbravamento.
Francisco Marins inicia a publicação da “Saga do Café” em meados dos anos 60, com o lançamento do primeiro romance, Clarão da Serra; em seguida vieram Grotão do café amarelo,... E a porteira bateu! e Atalhos sem fim, este último publicado nos anos 1980. Já relacionando memória, história e literatura, pergunta-se o que levou Marins a produzir a sua última narrativa sobre o “ciclo do café” paulista somente vinte anos após o primeiro volume da série.
Ao analisarmos essa coleção de romances, percebemos que o autor segue uma ordem cronológica em relação aos elementos históricos que moldaram o processo de transformação da paisagem do oeste paulista. No primeiro livro, de 1963, Marins mostra ao leitor, através das brigas por terra entre os personagens protagonistas, José Gomes e Espiridão Correia, como se iniciou o desenvolvimento da cultura cafeeira no oeste paulista e como se deu a ocupação desse espaço. Em meio a esses fenômenos históricos, o autor também faz menção à abolição da escravatura, em 1888, que vai acarretar na vinda de imigrantes para o país e as consequências políticas, econômicas e sociais do período regencial do Brasil.
O trabalho de Lucia Luppi Oliveira (2001) “O Brasil dos imigrantes”, nos ajuda a ter uma visão histórica da situação do Brasil após a abolição. Quando relacionado o estudo dela com a de Francisco Marins, percebemos o quanto o nosso literário buscou fazer do seu romance uma fonte
No caso brasileiro, durante o século XIX, a entrada de imigrantes aconteceu voltada para dois focos: a pequena propriedade agrícola principalmente nos estados do Sul, e as fazendas de café no Oeste paulista, onde eram empregados como mão-de-obra.
No segundo livro, de 1964, o autor mostra as primeiras consequências que a produção do café na região estava proporcionando à fictícia vila de Santana e ao país. Santana começa a urbanizar-se lentamente, com a construção de mais casas e comércios, pois a vila tinha que apresentar estrutura para poder comercializar o produto que se tornara a base da economia brasileira. As principais discussões nesse período permeavam o fim da escravidão no país, a consolidação da República, o auge da economia cafeeira e a ampliação da rede ferroviária. Marins procura inserir os seus personagens nas discussões políticas, sociais e econômicas do período, como também expressa em números à produção do café da época. É dessa forma que nos deparamos com políticos, jornalistas, revolucionários e outros que se preocupavam com o futuro da nação.
No terceiro livro da coleção, de 1968, temos uma alusão maior da construção da rede ferroviária no interior de São Paulo, percebemos que sua constituição estava atrelada à expansão cafeeira, assim como à definição de suas rotas. A linha ferroviária apresentou grandes dificuldades para a permanência dos índios nas suas regiões de origem, pois muitas matas foram devastadas para que as redes ferroviárias fossem construídas. Isso provocou constantes conflitos entre as tribos indígenas e os operários que trabalhavam na construção. Marins nos mostra o quanto que a população do interior paulista aumentou significativamente após a instalação do transporte fer-
roviário, trazendo modificações expressivas na paisagem de Santana. A historiografia reafirma o que o romance expressa. A última obra da coleção, de 2004, aborda o impacto da decadência do café no Brasil e o aparecimento de outros recursos econômicos. O autor vai esboçando as alterações que as crises políticas e sociais acarretaram no país, dando origem à Revolução de 1924. Neste livro, o escritor também faz menção ao papel político e social do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), onde podemos perceber que o autor indiretamente fala da sua própria produção. Antonio Celso Ferreira, na sua obra “A epopéia bandeirante”, nos ajuda a entender o contexto literário em que Francisco Marins escreve. Ferreira, ao contar a história da formação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e em seguida a formação do IHGSP, nos proporciona um olhar sobre quem eram os letrados paulistas e suas produções. Percebemos que as produções literárias do IHGBSP tinham como objetivo retratar as histórias do interior paulista, seu regionalismo, os tropeiros, os bandeirantes. É clara a busca desses letrados por uma identidade regional e nacional. As obras de Francisco Marins possibilitam que o leitor navegue tanto nas águas da literatura quanto nas águas da história. O seu objetivo é transformar o espaço e o tempo das personagens em elementos verdadeiros, por isso o uso de fontes históricas que permitem que o leitor tenha conhecimento da vida e dos costumes daqueles que colonizaram o oeste paulista. Este contato com a realidade da história muitas vezes proporciona ao leitor se reconhecer no tempo, no espaço ou até mesmo na personalidade de alguns personagens, pois o processo de colonização que o autor aborda é semelhante daquele que aconteceu em várias partes do Brasil.
MARIA DE LOUDES CAMILO SOUZA
Nos meus saudosos tempos de escola, tinha dificuldade com a dita cuja Matemática.
Fui aluna do Professor Godinho que cismou que meu nome era Maria José.
Até na Instituição Toledo de Ensino, depois Unifac, ele me deu aulas e continuava me chamando Maria José.
Fazia a chamada e não sei se algum dia em todos os anos que fui sua aluna percebeu que trocava o meu nome, apesar de que eu o corrigia sempre que podia.
O homem me achou com cara de Maria José e nada o fazia acreditar que não era.
Eu falava que não e ríamos.
Cheguei a repetir a terceira série ginasial por causa da Matemática.
Como dizia o Professor de um ex-noivo: “ os números falam”.
Levei uma vida para entender sua importância vital.
Novo ano, novo professor que a princípio me intimidou um pouco: o Professor Milton, e ai deu-se a mágica: comecei a entender. Milagre! Aleluia!
Tive até aulas particulares de reforço com a querida Professora Antonina Mendonça, falecida neste final de semana, mas ela me achava um caso perdido.
Sempre gostei mais de desenho, português, história, pintura.
Lembro de um fato curioso numa das aulas de português com o Professor Décio e naquele dia era sobre poesia.
A Matemática pode estar inclusive na métrica dos versos de um poema.
Fui chamada para ler um poema de Jorge de Lima.
Fiquei em pé frente aos colegas, alegremente.
Abri o livro de poemas na página indicada, e comecei a ler.
A medida que ia lendo, tive que ter muita força de vontade, pois não era um poema muito bonito, daqueles com palavras e penmentos românticos.
Ao contrário, era grosseiro, palavras cruas, sentimentos grotescos.
Acho que devo ter ficado muito vermelha, mas heróicamente consegui ler até o final, debatendo-me com as palavras, com aquele “poema” que nem quero me lembrar o nome.
Aqueles minutos cruciais me ensinaram uma lição muito importante para a vida: nunca mais tentar me sobressair ou mostrar ser melhor que ninguém.
Entendi também que o Professor Décio que eu apreciava e até achava que me retribuía o carinho, na verdade quis me dar essa lição, deixando-me extremamente constrangida na frente dos meus colegas.
Acho que escolheu o poema com cuidado.
Era do príncipe dos poetas alagoano, Jorge de Lima.
Autor de poemas que foi cotado para o Prêmio Nobel de Literatura para o ano de 1958, mas que infelizmente faleceu antes de ser indicado, em 1953.
Sai daquela aula com um gosto amargo na boca, coração triste.
A lição foi aprendida.
Poemas nem sempre são sobre sentimentos nobres, com lindas palavras que elevam o pensamento de quem os lê, podem tentar nos fazer descer ao nível de quem os escreveu num mau momento.