Digesto Econômico nº 445

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NO MUNDO D O S N E G Ó C I O S, TECNOLOGIA T E M N O M E.

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CARTA AO LEITOR Com este número, a revista Digesto Econômico, editada há mais de 60 anos pela Associação Comercial de São Paulo - ACSP, dá continuidade à sua trajetória histórica de colocar em debate temas relevantes para os destinos brasileiros, apresentando não apenas as perspectivas da economia para 2008, a partir da visão de diversos especialistas, como trata de questões importantes, mas que, no geral, pouco são discutidas pela mídia ou pela academia. Temas como o papel do Foro de São Paulo na América Latina e o do aparelhamento do Estado pelo partido político que governa o País, embora possam apresentar sérios desdobramentos para o futuro da democracia brasileira, não têm merecido análises correspondentes à sua importância e, ao levantá-los, a revista Digesto Econômico espera provocar um debate que esclareça a sociedade sobre a real dimensão desses fatos. Quanto às expectativas para o próximo ano, parece não haver dúvidas de que deveremos ter um crescimento entre 4% e 5%, sem grandes pressões inflacionárias, mas com um resultado menos favorável do setor externo e maior preocupação com o desempenho da área fiscal, que vem se sustentando com base no crescimento da arrecadação, que tem compensado o aumento dos gastos públicos. A preocupação com o incremento das despesas governamentais se justifica porque a maior parte desses gastos tem natureza permanente e, portanto, continuará impactando as contas públicas por muitos anos. Não basta, contudo, reduzir as despesas, mas é preciso que os recursos sejam mais bem aplicados, tanto em termos de prioridades, como de eficácia das ações. É preciso aumentar investimentos em infra-estrutura, cortando gastos de custeio, para que o setor privado possa se expandir, gerando mais emprego e renda para a população, de forma que os necessários programas assistenciais do governo não se perpetuem, oferecendo a possibilidade de resgatar a auto-estima e a cidadania através do trabalho. É necessário, também, racionalizar os gastos com a saúde e a educação, de forma a preparar a população para atender as exigências cada vez maiores do mercado de trabalho. Tudo isso exige melhor planejamento das ações, maior controle para evitar desperdícios, mais envolvimento da sociedade no acompanhamento dos resultados. Em suma, redução e racionalização dos gastos, considerando que os recursos públicos são extraídos da população através da tributação. Se, no curto prazo, as perspectivas são favoráveis, não podemos deixar de assinalar que as mesmas são muito dependentes do ambiente externo altamente favorável, que teria nos permitido crescer mais, como os demais países emergentes, se tivéssemos sabido aproveitar as oportunidades. Embora não adiante "chorar sobre o leite derramado", isto é, não termos aproveitado mais o expressivo crescimento da economia mundial e seus reflexos positivos sobre os preços e quantidades das exportações de "commodities", o que preocupa é a inércia que se observa no País em relação às reformas necessárias e urgentes, a começar pela reforma política, a fim de preparar o Brasil para enfrentar períodos de "vacas magras" que inevitavelmente ocorrerão, mais cedo ou mais tarde. O ajuste das finanças públicas imporia menos sacrifícios à sociedade se fosse realizado durante o ciclo de expansão econômica, do que se tivermos que fazê-lo em uma situação de desaceleração ou recessão. Apesar da perspectiva positiva para a economia em 2008, a sociedade precisa se mobilizar, para que o País faça os ajustes e reformas necessárias para continuar a usufruir os benefícios de um cenário externo favorável, se preparando para enfrentar tempos menos brilhantes da economia mundial.

Alencar Burti Presidente da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo

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As economias do passado e do futuro A situação econômica do País é rigorosa e incorpora faixas cada vez mais amplas da população, que já colhe os benefícios de uma economia em desenvolvimento, como acentuou um relatório da ONU a respeito do nosso País. Segundo esse relatório, "o Brasil exibe avanços, mas é o pior entre os melhores". Cabe-nos, agora, estender nossas vistas para o futuro da Nação, aparelhada para garantir a evidente posição de país que venceu fases de crescimento econômico, entrando, portanto, na fase do desenvolvimento pleno, do qual se beneficiaria em futuro próximo, desde que os governos aproveitem o seu trabalho, incorporando as populações mais atrasadas nos benefícios do desenvolvimento. Temos feito um enorme esforço para convencer a massa dos nossos leitores a participarem da corrida para o desenvolvimento, sem o qual a Nação não chegará à altura dos povos mais desenvolvidos. O Brasil deu um grande pulo no agrobusiness, tornando-se grande fornecedor de gêneros de primeira necessidade, mas isso não é tudo; é apenas um começo onde a ocupação de terras semi-áridas foi efetiva, revertendo em produção de indiscutível magnitude. Em 2007, tivemos uma economia razoavelmente bem aparelhada, com resultados positivos nas balanças comercial e financeira. O PIB se mostrou altivo. Estamos em boa escala, manifestando o otimismo dos que crêem no Brasil e em seu futuro, próximo de tornar-se uma nação de crescimento abrangente, fornecedora de grandes encomendas de gêneros de primeira necessidade, concorrendo para o combate da fome mundial. É um prazer assinalar que o Brasil está conquistando espaços, que lhe eram vedados há até pouco tempo, conseguindo se impor entre as nações produtoras. Mas, infelizmente, registramos ainda a desnutrição em algumas partes do Brasil não alcançadas pela política de ocupação econômica de nosso vasto território de dimensões continentais. Assim sendo, entendo eu, a economia para o ano de 2008 será positiva, respondendo ao que dela se espera por todos aqueles que confiam num país como o nosso. Temos uma estrutura agronômica, industrial e de serviços completa, principalmente a bancária, que se equipara à dos países bem organizados e tão extensos como o nosso. Em síntese, somos a favor da atitude otimista com que se deve encarar a Nação, que apresenta os dados econômicos que compulsamos freqüentemente para nos ajustar à realidade moderna do Brasil.

João de Scantimburgo Membro da Academia Brasileira de Letras

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Diretor-Responsável João de Scantimburgo Diretor de Redação Moisés Rabinovici Editor-Chefe José Guilherme Rodrigues Ferreira Editores Domingos Zamagna e Carlos Ossamu Editor de Fotografia Alex Ribeiro Editor de Arte José Coelho Projeto Gráfico e Diagramação Evana Clicia Lisbôa Sutilo Gerente Comercial Arthur Gebara Jr. (agebara@acsp.com.br) 3244-3122 Gerente de Operações José Gonçalves de Faria Filho (jfilho@acsp.com.br) Impressão Laborgraf REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADE Rua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911 PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055 FAX (011) 3244-3046 www.dcomercio.com.

CAPA Fotos: Masao Goto Filho Arte: Alfer

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Capa impressa em papel ecoeficiente Lumimax fosco 150g/m² e o miolo no papel ecoeficiente Starmax fosco 80g/m² da Votorantim Celulose e Papel - VCP.


ÍNDICE

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Masao Goto Filho/e-SIM

Expectativas econômicas para 2008 Patrícia Büll

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No Brasil, o futuro chegou Guy Sorman

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A maior trama criminosa de todos os tempos Olavo de Carvalho

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Alfer

Foro de São Paulo Renato Pompeu

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Ricardo Stuckert/ABr 02/07/2005

O Ministro e a doutrinação Miguel Nagib

O PT no jogo do poder José Pastore

78

Direitos constitucionais no Brasil: uma ficção legal? Augusto Zimmermann

Alfer

28

Carlos Garcia Rawlin/Reuters

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66

Patrícia Santos/Folha Imagem

Esquerda nacional e empresários na América Latina Luiz Carlos Bresser-Pereira

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Venezuela: A Ditadura da Verdadeira Democracia Amaury de Souza

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78 SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

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Expectativas econômicas para

2008

Masao Goto Filho/e-SIM

Por Patrícia Büll

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Leia nas próximas páginas as opiniões de nove economistas sobre o desempenho do País em diferentes setores

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Ana Castro/e-SIM

José Securato, da Saint Paul: crescimento consistente de pelo menos 5% em 2008. O aumento do emprego e da renda e a expansão do crédito resultam no crescimento do consumo.

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conomistas ouvidos pela revista Digesto Econômico são unânimes em dizer que em 2008 haverá continuidade do crescimento da economia brasileira. O que variam são as expectativas quanto ao tamanho da expansão. Há quem diga que ela repetirá o desempenho de 2007, que segundo a pesquisa Focus do Banco Central, de 19 de outubro, aponta crescimento de 4,7% para o Produto Interno Bruto (PIB). Os mais otimistas acreditam que tanto este ano quanto no próximo, a expansão será entre 5% e 5,5%; os mais contidos, algo entre 4% e 4,5%. Entretanto, independentemente da expectativa, todos dizem que o País poderia crescer a taxas muito maiores – aos menos semelhantes aos outros países do Bric, que além de Brasil, reúne Rússia, Índia e China. Mas, segundo o relatório Perspectiva Econômica Mundial para 2008, divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o País está muito distante deles. Enquanto o relatório aponta perspectiva de crescimento de 4% para o Brasil no próximo ano, mostra expansão de 6,5% para Rússia, 8,4% para a Índia e 10% para a China. E, vai mais longe: aponta que em 2006, sozinhos, esses três países responderam por metade do crescimento do PIB mundial. O

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Brasil poderia ter uma contribuição mais forte nesses números, desde que o governo federal priorizasse temas importantes como infra-estrutura e as reformas trabalhista e tributária. "A questão da infra-estrutura caminha muito lentamente, e apesar das recentes concessões das rodovias federais, existe um prazo de maturação para que os efeitos apareçam", afirma Marcel Solimeo, superintendente do Instituto de Economia Gastão Vidigal, da Associação Comercial de São Paulo. Ele acredita na continuidade do processo de investimentos da indústria, que trará expansão para o setor produtivo. "Mas haverá poucas mudanças estruturais, que seriam fundamentais para uma expansão maior do PIB", salienta. Mesmo assim, ele aponta um crescimento entre 4% e 4,5% para o próximo ano. Mais otimista, o diretor da Saint Paul Institute of Finance, José Cláudio Securato, crê em uma expansão de pelo menos 5%. "O crescimento será consistente e sustentado no médio e longo prazo. E o fundamental é que deriva do crescimento interno, ao contrário do que ocorria no passado, pois é o consumo brasileiro que está demandando a expansão da economia", afirma. Aumento do emprego e da renda e expansão do crédito são apontados por Securato para a melhora da demanda interna. Para ele, es-


se cenário deve perdurar ao menos até 2010, mas também esbarra na questão de infra-estrutura. "Se não temos infra-estrutura suficiente hoje, quanto mais para um crescimento contínuo", questiona. Além da falta de investimento intensivo e de marcos regulatórios, Securato diz que o mais preocupante são os problemas que surgem de repente e se transformam em gargalos. Como exemplo, cita a crise aérea e os controladores de vôo. "Até o acidente da Gol (ocorrido em 29 de setembro de 2006), eu sabia que existia a profissão controlador de vôo. Mas só. De repente, eles se tornaram um problema e depois, um grande gargalo. Portanto, a pergunta que me perturba é saber qual será o próximo gargalo que o Brasil não faz idéia que existe?", questiona. Juros – Alcides Leite, professor de Economia Brasileira da Trevisan Escola de Negócios, também acredita que a expansão será contínua, ainda por conta dos mais de dois anos de quedas da Selic. Segundo ele, embora o Banco Central tenha interrompido a queda da taxa básica de juro na reunião realizada em outubro, ainda há espaços para novas reduções em 2008. "A taxa de juro continuará caindo, mas de maneira mais lenta, porque embora a inflação esteja sob

controle, há algumas ameaças, principalmente por conta da alta dos preços agrícolas", afirma. Segundo ele, essas quedas permitirão a expansão no volume de consumo e assim, um crescimento do PIB em 2008 um pouco maior que os 5% que ele prevê para 2007. "Além disso, ainda sentiremos os efeitos das quedas anteriores, pois existe um hiato entre a queda e o efetivo impacto que ela tem na economia real", afirma, explicando que leva de seis meses a um ano para que os agentes econômicos absorvam as reduções. "Estamos colhendo agora o que plantamos no período de seis meses a um ano atrás. Isso significa que parte do crescimento esperado para o ano que vem virá das reduções de juros feitas ainda este ano, e parte das próximas reduções", afirma Leite. Investimento já – O professor lembra que um princípio básico para a expansão econômica, aqui ou em qualquer parte do mundo, é o investimento. Para Leite, na medida em que a economia se estabiliza, com a inflação sob controle, a taxa de juro em um patamar mais baixo e o câmbio "mais ou menos estabilizado", o volume de investimento cresce. A partir daí, cria-se um círculo virtuoso de melhora do emprego, da renda, do consumo e da produção, que em última aná-

Alcides Leite, da Trevisan: com a taxa de juros em um patamar mais baixo e o câmbio estabilizado, a tendência é que o volume de investimentos cresça.

Leonardo Rodrigues/e-SIM

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Masao Goto Filho/e-SIM

Michal Gartenkraut, da Rosenberg: o Brasil deverá se tornar um investment grade, atraindo um volume maior de investimentos, principalmente de fundos de pensão mundiais.

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lise se traduz para em crescimento. "Acho que nós já estamos entrando em uma velocidade de cruzeiro, quase uma rotina, com investimentos altos já pensando nos resultados futuros", diz. Já o diretor da Saint Paul afirma que em 2007, o Brasil alcançará um nível recorde de investimento direto, ultrapassando US$ 30 bilhões. "Um volume assim só foi alcançado em 1996, com as privatizações do setor público. E o mais interessante é que são investimentos em produção, não se trata de capital especulativo", afirma Securato. Segundo ele, esse volume recorde é um dos motivos que pressionam o dólar e causam a desvalorização da moeda norte-america-

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na em relação ao real. Situação que deve permanecer no próximo ano, principalmente pela expectativa do Brasil se tornar investment grade. "A partir do investment grade, o Brasil terá um novo apelo para receber investimento maciço, como dos fundos de pensão mundiais, que por força de estatuto, são proibidos de investir em países considerados de capital especulativo", complementa Michal Gartenkraut, presidente executivo da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) e sócio da Rosenberg e Associados. Assim, na opinião de Gartenkraut, o dólar poderá cair ainda mais em relação ao real, pois há muito dinheiro para entrar no Brasil a partir do momento que alcançar o investment grade. "Isso vai ocorrer no curto prazo, pois o Brasil, se comparado aos países que recentemente alcançaram investment grade, como Rússia e México, não difere em nada", afirma Ladeira abaixo – Além da entrada recorde de dinheiro no País, Leite, da Trevisan Escola de Negócios, alerta que outro fator tem contribuído para derrubar a cotação do dólar, não apenas em relação ao real, mas a outras moedas internacionais, é a questão do déficit norte-americano em conta corrente. "A questão do déficit nos Estados Unidos chegou em uma situação que, a se estender por mais tempo, há risco de um desbalanceamento insustentável, com risco da economia entrar em crise, pois para manter o déficit será necessário que o mundo continue financiando a economia norte-americana, e já há sinais de que muitos países – especialmente os emergentes – já começam a diversificar suas reservas, e não manter apenas em dólar", explica Leite. Em relação ao real, o professor diz que "talvez não ocorra uma queda nominal grande", porque é preciso levar em consideração a diferença entre a inflação aqui e lá. "Também acho que o BC não vai permitir o dólar abaixo de R$ 1,80 porque deixaria de ser um problema meramente cambial para se tornar político, com a pressão dos exportadores cada vez maior. "Acredito que a questão do câmbio estará na pauta de discussão para 2008, pois será decisiva para alguns setores da economia", complementa Securato, da Saint Paul. Segundo ele, fica o questionamento para o próximo ano, de quanto se deve insistir em uma política cambial flutuante, que o câmbio pode cair a patamares muito baixos para o poder da economia brasileira, em detrimento de todo o conjunto da economia.


Ameaça para os planos do Brasil

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e o Brasil é o país do futuro, 2008 tem todos os elementos para que esse futuro se concretize. Nas próximas páginas, analistas de diversos setores falam à Digesto Econômico sobre suas perspectivas para o próximo ano. Segundo eles, as cartas foram lançadas, o País só precisa fazer a lição de casa e não deixar mais uma chance escapar. Por exemplo, diz José Cláudio Securato, diretor da Saint Paul Institute of Finance, cuidando melhor da dívida interna, que é o maior problema do Brasil. E, para ele, só tende a piorar. "Não há um posicionamento do governo, uma agenda ou mesmo uma movimentação político-partidária para segurar o rolo compressor da tributação – quer se tributar cada vez mais em função de se gastar cada vez mais", afirma. Na opinião de Securato, o governo federal, que está indo por um caminho complicado de se voltar. "O governo faz gastos cada vez menos competentes em termos de utilidade e mais consistentes em termos de valor. Por isso, na minha opinião, o principal problema do Brasil é o gasto público: um gasto sem qualidade, com desperdício do dinheiro público e serviços que o cidadão paga dobrado – paga para ter segurança pública, transporte, saúde e educação. E paga tudo privado novamente, a um custo também extremamente elevado", salienta. Ele reconhece que falta dinheiro para fazer muitas mudanças, "mas, um país que arrecada R$ 50 bilhões por mês tem dinheiro para fazer algumas coisas. Então, o Brasil gasta mal o que arrecada". Opinião semelhante tem o superintendente da ACSP, Marcel Solimeo. "Os gastos públicos continuam crescendo e isso é preocupante, muitas das medidas tomadas este ano são de gastos permanentes, como novas contratações de funcionários, aumento dos cargos de comissões, tudo isso vai mostrando uma deteriorização da política fiscal no sentido de qualidade", alerta Solimeo. Ainda assim, ele acredita que o País poderá manter o superávit primário, que será mais pelo lado da receita, e não do gasto, "cujo limite há muito já foi ultrapassado", diz o diretor da ACSP. O medo que vem de fora – Fora essas questões, as ameaças são externas, especialmente a

forma como os Estados Unidos vão lidar com a crise no mercado de crédito imobiliário. "Se eles conseguirem fazer uma aterrissagem suave, um ajuste que não seja tão turbulento, não irá impactar muito na economia mundial. Agora, se eles perderem o controle desse ajuste, pode causar um problema sério nos EUA e afetar os mercados mundiais. E o Brasil irá junto", afirma Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios. Entretanto, ele acha que essa possibilidade é pequena. "Além disso, nossa dependência da economia norte-americana é muito menor do que era alguns anos atrás. O Brasil diversificou suas exportações e o próprio País depende muito menos de capital externo para fechar suas contas. Nós sofreremos menos por conta da menor dependência e da nossa diversificação", complementa. Já na visão do diretor da Saint Paul, o Brasil é totalmente vulnerável às crises externas, inclusive à que se refere aos Estados Unidos nos problemas dos títulos do mercado imobiliário. "A idéia de que estamos em uma bolha, conservados, infelizmente não é verdade. O que melhorou em relação às crises de 1997, de 1998 e de 1999, por exemplo, é a forma como o Brasil pode amortecer os efeitos da crise internacional no mercado doméstico", afirma Securato, salientando que a melhora se deve a uma consistência econômica que, "se completada com o governo Lula, serão 16 anos de uma política econômica mais ou menos parecida". "O primeiro teste dos efeitos dessa crise sobre o Brasil nós passamos com louvor. E, não surpreendeu os especialistas, porque nós já esperávamos que, a partir da melhora dos indicadores em geral, mas particularmente quanto à melhora da vulnerabilidade externa brasileira, nós teríamos uma condição inegável e inédita de enfrentar uma crise de fora", opina Michal Gartenkraut. Ele destaca porém, que não dá para garantir que o impacto será nulo. "O que dá para estimar é que, por conta dessa crise, embora o quadro geral da economia brasileira para 2008, na minha perspectiva, seja muito parecido com o deste ano, haverá uma diminuição na força da aceleração. Muito provavelmente não conseguiremos manter o mesmo ritmo", afirma Gartenkraut.

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Brasil amarga um índice de desemprego de 9,5% da População Economicamente Ativa, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao mês de agosto. Segundo o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, especialista em mercado de trabalho, esse valor é mais que o dobro do registrado pelos Estados Unidos, por exemplo. Mas já esteve pior: no mesmo período do ano passado, era de 10,6%. "A melhora verificada de janeiro a agosto se deve ao fato de em 2007 ter ocorrido uma geração recorde de empregos formais, que se traduziu em vagas com carteira assinada", explica Pochmann. Ele lembra que embora o emprego venha melhorando desde 1999, com a volta do Brasil ao comércio internacional, apenas no ano passado refletiu-se na queda efetiva da taxa de desemprego. "Até 2005, o conjunto de emprego criado não era suficiente para abrigar os desempregados e os trabalhadores que entravam no mercado de trabalho, daí o motivo de não haver redução na taxa de desemprego", explica Pochmann. Já no ano passado, segundo o presidente do Ipea, a melhora está ligada ao número de vagas criadas e não a uma diminuição no número de pessoas que entraram no mercado de trabalho. "E em 2008, deverá haver continuidade dessa expansão", opina. "O primeiro motivo é que haverá continuidade na ocupação da capacidade ociosa no parque produtivo, o que demandará mão-deobra. O outro, é o forte ritmo de expansão da

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A alta do emprego

Newton Santos

taxa de investimento no País", salienta o presidente do Ipea. Ele lembra que, embora a taxa de investimento seja baixa comparada a outros países emergentes, nos últimos 15 trimestres a expansão foi contínua, equivalente a duas vezes o crescimento do próprio Produto Interno Bruto (PIB). "No meu modo de ver, essa ampliação dos investimentos trará principalmente mais emprego. Mas além disso, essas novas ocupações serão de mais qualidade, pois até então, o padrão criado era para pessoas que ganhavam até dois salários mínimos", afirma. Terceirização – Quanto à terceirização, aparentemente é um caminho sem volta. Para Pochmann, ela é um "imperativo econômico em respeito às novas formas de organização das empresas. Isso ocorre em toda a parte do mundo, mas aqui ela se assemelha à precarização, o que não ocorre em outros países". Segundo o presidente do Ipea, não há no Brasil uma regulamentação específica para o trabalho terceirizado. "É essa ausência de regulamentação que permite o avanço da precarização dos postos de trabalho. Muitas vezes, em uma mesma empresa, o que temos são padrões de emprego muito diferentes entre os terceirizados e os contratados", diz. Para Pochmann, a terceirização só funciona se feita para modernizar a atividade econômica e permitir a ampliação da produtividade. Mas não para precarizar as relações do trabalho. "A ausência de um de um código de trabalho para os terceirizados prejudica também a competitividade entre as empresas, pois aquela que contrata assalariados pela CLT têm um custo de produção que é muito diferente daquela que o faz sem carteira ou por outra forma de contrato de trabalhadores", salienta. Quanto à afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de que o Estado precisa contratar mais trabalhadores, tese compartilhada por Pochmann, ele diz que isso é necessário para que o Estado tenha condições de atender de maneira satisfatória as funções para as quais o Estado foi criado, que é produzir o bem-estar da população, através de saúde de qualidade, educação universal e mais segurança. "Esse é o debate que eu defendo: ver quais são as condições necessárias para garantir esse tipo de intervenção. Claro que isPaulo Pampolin/Hype so passa pela ampliação do Estado, mas não se trata de inchar a máquina para absorver ou tentar conter o desemprego. O emprego público é uma decorrência, no meu modo de ver, do exercício e compromisso de garantir o bem- estar da sociedade", finaliza.

Márcio Pochmann, presidente do IPEA


Milton mansilha/Luz

Depois de alguns percalços nos últimos dois anos, o consumidor está aprendendo que a soma de várias parcelas pequenas acumulam grandes valores.

Brasileiros vão às compras

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ara a coordenadora de pesquisas do Canal Varejo, do Programa de Administração do Varejo (Provar), Patrícia Vance, o ambiente econômico está bastante favorável para o consumo, e essa tendência deverá se repetir no próximo ano. "Indicadores positivos de renda e emprego apontam para um crescimento contínuo do consumo. Na medida em que há oferta ampla e fácil de crédito para a baixa e média renda, a tendência é que agora essas camadas procurem produtos de maior valor agregado, o que deverá dar novo fôlego ao consumo", afirma Patrícia. Ela ressalva, entretanto, que isso vai depender se a indústria terá capacidade para atender o aumento da demanda "Tudo indica que sim, pois os investimentos apontam para isso. Resta conferir se esses investimentos também serão contínuos", salienta. Segundo Patrícia, é do investimento da indústria que vai depender a inflação em 2008, "questão imperativa para o nível de consumo no próximo ano", diz. Ela lembra que em todo ambiente, quando há aumento de demanda, a oferta precisa acompanhar. Caso isso não ocorra, há uma inversão de números, e o que seria bom para a economia – o crescimento do consumo – acaba se traduzindo em inflação. Limites – A coordenadora do Canal Varejo afirma que há um limite até onde o consumidor poderá se endividar em 2008. E ele não vai muito longe. "Em pesquisa realiza pelo Provar, verificamos que a renda média mensal do brasileiro está entre R$ 1,1 mil e R$ 1,2 mil. Desse montante, ele tem disponível 17,8% para outras despesas, que

são os gastos não fixos. Ou seja, sobram cerca de R$ 200 para ele se endividar, dos quais R$ 90 já estão comprometidos com outros crediários", afirma. Ou seja, a disponibilidade de renda para novos gastos é muito pequena. A boa notícia, segundo Patrícia, é que ao contrário de alguns anos atrás, agora o consumidor gerencia melhor a sua vida financeira. "Depois de alguns percalços nos últimos dois anos, o consumidor está aprendendo que a soma de várias parcelas pequenas acumulam grandes valores. Por isso sabe até onde poderá comprometer seu orçamento com novos gastos." Masao Goto Filho/e-SIM

Patrícia Vance, coordenadora de pesquisas do Canal Varejo

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Inflação na linha

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Patrícia Cruz/Luz 19/01/2006

fator determinante para manter a inflação dentro da meta de 4,5% estipulada pelo Banco Central para 2008, será a atuação do próprio BC ao longo do próximo ano. Essa é a opinião do professor Márcio Nakane, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (IPCFipe). "Boa parte do que vai acontecer com a inflação em 2008 depende do que o BC fizer com sua política de juro. E visto que temos o regime de meta inflacionária em vigor, isso dá à autoridade monetária o mandato para perseguir a meta. E o Banco Central já mostrou em um passado recente, que leva muito a sério o seu papel de guardião", afirma Nakane. De resto, o professor acredita que o comportamento da inflação será tranqüilo. Mas alerta que a economia doméstica merece uma atenção especial, já que vários indicadores da atividade econômica, como o de renda, de crédito e de faturamento no comércio, por exemplo, mostram que a atividade doméstica está muito robusta. "E do ponto de vista da inflação, isso é um problema", afirma Nakane, ao explicar que essa "robutez" pode causar a chamada inflação de demanda, que é o aumento do preço pelo fato de a oferta ser menor do que a necessidade. Já do lado positivo, o professor diz que o comportamento do dólar, a continuar como em 2007, talvez seja favorável para segurar a inflação. Ele lembra que, desde 2004, a contínua desvalorização da moeda norteamericana em relação ao real atua dessa maneira.

Ana Laura Castro/e-SIM

INCÓGNITA

Márcio Nakane, coordenador do IPC da Fipe

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O fator surpresa no próximo ano, na opinião de Nakane, será saber exatamente o que vai acontece com o preço dos alimentos. "Em 2007, nós aprendemos que o preço de alimento rapidamente joga a inflação para patamares muito elevados. Desde 2003, alimentos de uma forma geral contribuíram muito favoravelmente para o comportamento da inflação. E em 2007 ocorreu o contrário: de longe a alimentação foi o item que mais pressionou o índice", salienta o professor. A boa notícia, na sua opinião, é que muito dessa pressão teve a ver com fatores climáticos e com o cenário internacional muito favorável às commodities agrícolas, que conseguiram aumentar os preços internacionais em dólares.


Masao Goto Filho/e-SIM

Tempo bom para o agronegócio

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ois componentes mundiais vão colaborar para que 2008 seja um ano extremamente bom para o agronegócio brasileiro. "De um lado, um novo padrão de preço de commodity, puxado principalmente pelo crescimento da demanda asiática. De outro, o fortalecimento da agroenergia, que fará com que países como os Estados Unidos, maior produtor mundial de milho, amplie mais essa área para atender a demanda do etanol de milho, em detrimento das áreas onde plantam soja, o que deve melhorar ainda mais o preço desses grãos", afirma o professor de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Alexandre Mendonça de Barros. Mendonça de Barros cita ainda o biodiesel, que só no Brasil vai demandar 800 milhões de litros para cumprir a meta do governo de adição de 2% de óleo vegetal ao combustível a partir de 2008. Ele explica que nos últimos dez anos, os grandes traders mundiais deixaram de carregar estoques de alimentos e outras commodities agrícolas e passaram a comprar as safras dos dois hemisférios e exportá-las para o mundo inteiro. Fator que também contribuiu para a melhora dos preços. "A conseqüência dessa mudança é que os estoques são muito curtos (just in time) e uma quebra de safra em qualquer parte do mundo joga os preços lá para cima", afirma. Foi justamente isso o que aconteceu na Austrália, por exemplo, no início de 2007, com a quebra na produção de leite. E embora tenha sido um problema local, foi suficiente para que os preços mundiais disparassem, inclusive aqui no Brasil. Divulgação

Alexandre Mendonça de Barros, professor de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo

Mais carne na mesa - Do ponto de vista do Brasil, Mendonça de Barros lembra que houve uma expansão da renda que não ocorria há muitos anos, o que contribuiu para maior acesso a alimentos até então restritos. "A renda real cresce sistematicamente e o salário mínimo teve recuperação acima da inflação. Por conta dessas variáveis, o consumo per capita de carne aumentou, algo que não ocorria há muito tempo", afirma o professor. Ele cita ainda o aumento significativo do consumo de legumes, de verduras e frutas, que também melhoram o preço. "O quadro geral é extremamente favorável para o agronegócio local", comenta. A única ressalva, segundo Mendonça de Barros, é a questão da cana-de-açúcar. "Atualmente, esse é o único setor no Brasil que não está fazendo dinheiro", diz. O motivo, explica o professor, é que a produção de cana está crescendo por conta da expectativa de que a demanda para exportação de álcool cresça. "Acontece que as vendas externas ocorreram na mesma velocidade do crescimento da oferta e mesmo o consumo interno não cresce na mesma proporção da produção", afirma. Segundo Mendonça de Barros, as exportações esbarram na logística, que só deverá ter uma solução quando o País e seus possíveis parceiros decidirem sobre a construção de dutos para o transporte. "O outro problema é que o comprador do álcool combustível só vai de fato dar o início ao processo de compra quando mudarem as regras de produção. Ou seja, quando ele tiver o domínio da tecnologia." Ele exemplifica com o Japão, que só passará a comprar do Brasil quando for o "dono" da matriz energética. "Até lá, as exportações não aumentam." Quanto ao consumo interno, Mendonça de Barros destaca que apesar da venda recorde de carros bicombustíveis, a procura não segue a mesma linha crescente porque o preço do álcool é convidativo apenas no Estado de São Paulo. "Conforme vai subindo no mapa, o preço também aumenta, pois o ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) distorce o preço", afirma. Na visão do professor, o setor sucroalcooleiro é o único que poderá enfrentar problemas no próximo ano. "De resto, o ciclo de bons preços deve perdurar."

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Expresso Oriente

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próximo ano será o ano da Ásia. A afirmação, feita pelo ministro de Relações Internacionais, Celso Amorim, é repetida pelo embaixador Rubens Ricupero, que acredita estar no Oriente as melhores perspectivas para a política externa brasileira. "A Ásia é, de longe, o continente com maior potencial de expansão de negócios, já que há três décadas cresce de maneira contínua", afirma o embaixador, atualmente diretor do curso de Relações Internacionais da Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP). "O Brasil já mantém uma relação intensa com a China e com o Japão, mas com os outros países da região, como Coréia do Sul, Malásia, Cingapura e Vietnã, por exemplo, há muito ainda por fazer", afirma Ricupero. Quanto à América Latina, ele acredita que as perspectivas mais promissoras estão em países como México, Colômbia, Chile e Peru, que segundo o embaixador, têm políticas econômica e externa mais moderada e por isso mesmo, mais próxima à do Brasil. "A política externa brasileira aparece mais concentrada em países problemáticos, como Venezuela, Bolívia e Equador, quando as perspectivas mais interessantes estão nos países moderados, como é o próprio Brasil, que no fundo é um país moderado, que finge ser de esquerda", afirma Ricupero. Na opinião do embaixador, se o Brasil aceitar que suas afinidades estão mais com esses países moderados, haverá muita coisa por fazer concretamente, em termos de empreendimentos econômicos. "Além disso, o Brasil não deve esquecer um tema de natureza global, onde poderá ter uma posição de extraordinária projeção, que é o tema da mudança climática", diz Ricupero. DE VOLTA À ECO 92

Patrícia Cruz/Luz

O embaixador se refere principalmente à posição que o País deveria adotar em dezembro, em Bali,

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Rubens Ricupero, diretor do curso de Relações Internacionais da Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP)

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na Indonésia, quando ocorre a conferência dos países signatários da convenção das Nações Unidas sobre mudança climática, que dará partida ao processo do protocolo que irá substituir o de Kyoto, a partir de 2012. "Se o Brasil sair da posição inadequada e atrasada de não aceitar nenhum tipo de meta de redução de emissão de carbono, Jonas Oliveira/Folha Imagem

A posição mais retrógrada é de alguns setores dentro do Itamaraty, e do próprio presidente Lula, que é uma pessoa muito atrasada.

praticamente servindo de mão-de-gato para China e Índia, e adotar uma atitude mais pró-ativa, ele terá uma projeção muito importante", afirma. Os motivos, segundo Ricupero, é que o Brasil tem grandes vantagens sobre os outros países. Entre elas, matriz energética limpa em contraste com os chineses e hindus, que usam carvão; grande experiência na área de combustíveis substitutos, sem falar do etanol e de possuir a maior floresta tropical do mundo", enumera. "Mas, isso tudo infelizmente está um pouco anulado devido à atitude tímida e defensiva em relação às queimadas na Amazônia", afirma. Na opinião de Ricupero, o ministro Celso Amorim já começou a adotar um vocabulário mais pró-ativo na política externa. "A posição mais retógrada é de alguns setores dentro do Itamaraty, e do próprio presidente Lula, que é uma pessoa muito atrasada. Afinal, ao adotar essa atitude retógrada de não negociar, eles estão fazendo o contrário do que defendem: estão destruindo o maior patrimônio natural do Brasil e conseqüentemente, contribuindo para o empobrecimento do País", finaliza.


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Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou em outubro o estudo "Perspectivas para a Economia Mundial", e reviu para baixo a previsão de crescimento mundial para 2008, de 5,2% no estudo divulgado em julho, para 4,8%. O motivo apontado foi a turbulência dos mercados após a crise de crédito imobiliário nos Estados Unidos. Com isso, todas as perspectivas para os países, inclusive os emergentes, foram revistas para baixo. O estudo aponta, inclusive, que a queda só não foi maior justamente pela vigorosa expansão dos emergentes e dos países em desenvolvimento. Mesmo assim, o relatório considera vigorosa essa perspectiva de crescimento. Tanto que o presidente executivo da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) e sócio da Rosenberg e Associados, Michal Gartenkraut, questiona a sustentabilidade desse cenário de crescimento vigoroso no longo prazo. "Vivemos um período de crescimento mundial inédito, que tem provocado um desequilíbrio de demanda e oferta. O mundo precisa desacelerar, pois não há produto suficiente para atender essa demanda crescente", afirma Gartenkraut. A situação se agrava ainda mais porque a China, cuja previsão de crescimento para 2008 feita pelo FMI é de 10%, não dá mostras de que vai segurar sua locomotiva, ao contrário. "Quantas vezes já ouvimos o governo chinês dizer que vai segurar o crescimento, e no ano seguinte, a taxa de expansão é ainda

Jason Lee/Reuters

Masao Goto/e-SIM

A China como motor do mundo AFP Photo

maior que a do ano anterior?" O motivo, segundo Gartenkraut, é que eles não conseguem diminuir o ritmo porMichal Gartenkraut, que para isso, é necessário os instrupresidente-executivo da mentos corretos e, aparentemente, os Fundação Nacional da chineses não os possuem. Qualidade (FNQ) e sócio da "Ao contrário do que se imagina, a Rosenberg e Associados economia chinesa é muito descentralizada. As províncias têm muita autonomia e elas não querem crescer menos, porque há uma migração dos campos para a cidade da ordem de 100 milhões de pessoas", explica Gartenkraut. Ele afirma que, no momento em que os camponeses passam para a cidade, a renda deles é multiplicada em cinco vezes. "Talvez até mais do que isso, pois a renda no campo é muito baixa, é praticamente zero", diz. Gartenkraut lembra que essa migração do campo para a cidade é um processo natural que os países em desenvolvimento passam. "Todos os países relevantes na economia mundial já passaram por isso. O Brasil inclusive. Portanto, a demanda continuará expandindo, o que colabora para o aumento no preço internacional das commodities e, em última instância, pode contribuir também para pressionar os preços locais, causando a tão temida inflação". O relatório do FMI aponta inclusive, que a inflação é um dos eventos que podem colocar em risco o desempenho mundial em 2008, principalmente por conta das altas sucessivas do preço do petróleo e agora, das altas das commodities.

Quantas vezes já ouvimos o governo chinês dizer que vai segurar o crescimento, e no ano seguinte, a taxa de expansão é ainda maior que a do ano anterior?

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INDICADORES ECONÔMICOS Os números a seguir foram fornecidos pela empresa de consultoria Rosenberg e Associados e traçam um panorama atual da economia brasileira

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Divulgação

Guy Sorman Cientista político e escritor

NO BRASIL, O FUTURO CHEGOU Tradução: Rodrigo Garcia

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ara todos, no Brasil, é Fernando Henrique. Ninguém pensaria em chamá-lo de "senhor presidente". O Brasil é assim: uma civilização singular, onde as grandes desigualdades sociais são encobertas por uma grande cordialidade. Fernando Henrique Cardoso passou por duas vidas sucessivas e contraditórias, como a economia de seu país. Acadêmico e sociólogo, ele foi, inicialmente, o analista do Brasil; depois, de 1995 a 2002, o presidente. Sociólogo na Universidade de São Paulo nos anos 60, depois no exílio na França e nos Estados Unidos durante a ditadura militar. Cardoso não era marxista, dizia ele, mas "marxiano": como toda sua geração intelectual. Alguns, fortemente representados nas universidades, continuam. Marxiano quer dizer inspirado por uma concepção do mundo onde a pobreza da periferia, o Brasil, só é explicada pela riqueza do centro imperialista, os Estados Unidos. Essa teoria, conhecida como teoria da dependência, versão latino-americana do imperialismo leninista, tinha um mestre pensador argentino, Paul Prebisch, na chefia de um escritório da ONU, a Cepal, instalado ainda hoje em Santiago, no Chile.

As políticas econômicas do continente latino-americano, até o começo dos anos 80, eram concebidas na Cepal. Cardoso, como Prebisch, deduziu da teoria da dependência que a verdadeira descolonização do continente deles exigia a industrialização. Isso era indiscutível. Mas só se considerou, liderada pelo Estado, em protegê-la contra qualquer concorrência interna ou externa. No Brasil, isso se chamou de desenvolvimentismo. As indústrias que surgiram daí eram prodigiosamente ineficientes, mas enriqueceram os burocratas que as administravam, os militares que freqüentemente eram os proprietários, uma nova burguesia cliente do Estado industrial e os sindicatos que participaram dessa aventura. Uma das conseqüências do desenvolvimentismo foi apro-

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Edson Ruiz/Folha Imagem 29/10/2006

Bolsa Família: ajudar a próxima geração mais que os pobres atuais, essa foi a escolha estratégica e cruel de Cardoso. O Brasil privilegiou o futuro. Da primeira vez com Cardoso, um presidente de 'direita'. Uma segunda vez com Luiz Inácio da Silva, presidente de esquerda.

fundar as desigualdades sociais. Grandes fortunas foram constituídas sob a asa do Estado. Para os pequenos empresários e para os brasileiros mais pobres, não houve vantagem: o desenvolvimentismo não era o desenvolvimento. Dizia-se do Brasil que era um país do futuro e que assim continuaria. A esse estatismo tropical, economistas brasileiros, em particular Delfim Netto, acrescentaram, nos anos 70, uma contribuição impressionante: a justificativa da hiperinflação como fator de progresso. A moeda brasileira, nos anos 80, não valia nada, os preços mudavam diariamente, a inflação de 1993 atingiu os 6.000% ao ano. Entretanto o governo brasileiro, que deve a sua ascendência portuguesa uma grande sofisticação, tinha instaurado um sistema de indexação generalizado. Com a indexação, a hiperinflação não tinha, teoricamente, conseqüências, pois os salários acompanhavam os preços. O Estado, portanto, podia emitir moeda sem escrúpulos para financiar seus gastos, as infra-estruturas e os investimentos industriais: uma bomba financeira que, teoricamente, não deixava vítimas. O modelo brasileiro conseguiu respeito durante alguns anos e chegou a ser ensinado nas universidades européias. Por motivos ideológicos antes de mais nada. Ele não demonstrava que os monetaristas à Milton Friedman, partidários de uma moeda verdadeira, estavam errados? A hiperinflação, na verdade, enriquecia os ricos que viviam com dólares e arruinava os pobres, cujos salários sempre estavam atrasados em relação aos preços. Dessa hiperinflação, um horror social, nasceu o segundo Cardoso, o sociólogo "marxiano", que se tornou o primeiro presidente liberal do Brasil. A inflação, horror social Conhece-se a influência da inflação no curso da história: o Diretório e a República de Weimar, entre outros regimes, afundaram com sua moeda ruim. No Brasil, nos anos 80, a inflação contribuiu com a queda da ditadura militar. Os novos governantes eleitos – José Sarney na Presidência, e Cardoso, ministro da Economia de Itamar Franco e presidente depois, e Mailson da Nóbrega, ministro da Economia de Sarney – compreenderam o que

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o povo esperava deles - antes da liberdade política, antes do crescimento – a estabilidade da moeda. Será a grande obra de Cardoso: uma nova moeda, verdadeira, autêntica, estável. Todo o resto, a nova economia do Brasil, provém dela. Para que a moeda permanecesse estável, o Estado tinha de equilibrar suas contas. Para eliminar o déficit, ele parou de contratar funcionários e de subvencionar as empresas públicas. O que se seguiu, as privatizações, a abertura do mercado à concorrência, afirma Cardoso, não foram uma escolha ideológica de inspiração liberal. Foi a conseqüência natural da estabilidade monetária. Mas Cardoso só conseguiu na medida que o Estado brasileiro é sério, com uma administração competente, que executa as ordens. O esforço tecnicamente comparável de estabilizar a moeda fracassou na Argentina, onde o Estado, mais mafioso do que honesto, continuou a gastar mais do que seus recursos. "Após o restabelecimento da democracia", diz Cardoso, "os eleitos foram os primeiros a ficarem surpresos ao constatar como sua popularidade estava indexada à estabilidade dos preços". O povo tinha compreendido, mais rápido do que as elites políticas, melhor do que certos economistas, que a inflação, antes de mais nada, era um imposto sobre os pobres. A experiência política do Brasil confirma em todos os pontos a análise econômica clássica. Transformado em presidente, Cardoso aplicou a receita dita monetarista. Para que a moeda continuasse estável, durante um longo período, ele concordou que ela fugisse do poder político e que o Estado equilibrasse seu orçamento. Então, o Brasil precisava de instituições democráticas que escapassem definitivamente da versatilidade política e das tentações populistas. Cardoso criou um Banco Central independente do governo e instaurou uma transparência orçamentária total. Pela internet, qualquer cidadão brasileiro pode conhecer todas as despesas públicas, a situação da dívida e uma eventual ameaça à estabilidade monetária. Essa transparência amarra a classe política e a burocracia. Nenhuma transgressão à transparência orçamentária escapa à imprensa bastante livre do Brasil. Com o BC e a transparência, a mídia forma os três pilares da nova ordem brasileira.


José Paulo Lacerda/Ag. Pixel 19/10/2005

Fernando Moraes/Folha Imagem 06/09/2005

Nos anos 70, economistas brasileiros, em particular Delfim Netto (esq.), justificavam a hiperinflação como fator de progresso. Para o economista Mailson da Nóbrega, o País se desenvolveu nesses anos e saiu do Terceiro Mundo.

A sociedade justa Cardoso não se define como um liberal. Compreende-se. O liberalismo no Brasil é visto, com razão, como a ideologia de um grande patronato, que se aproveitou da ditadura militar. Se existe, em qualquer parte do mundo, um liberalismo radical que reduz tudo ao mercado, que não quer ver a sociedade como ela é, e que prefere o despotismo esclarecido à democracia, ele é latino-americano. Um integralismo que enrubesceria os mestres, Hayek e Milton Friedman, seguidos pelos adeptos brasileiros. Fernando Henrique declara-se, então, social-democrata. De fato, sua compreensão do mercado não exclui ações diretas contra a pobreza. Primeiro chefe de Estado brasileiro a se interessar pelos pobres, de maneira concreta, ele instalou um modelo de assistência pública notável, na concepção e na aplicação. Partindo do fato conhecido de que a grande miséria brasileira está ancorada na ignorância, ele entrega ajuda financeira às famílias com a condição de que elas ponham os filhos na escola. Falta melhorar a qualidade das escolas públicas, mas, graças a essas "bolsas famílias", o analfabetismo recuou. Ajudar a próxima geração mais que os pobres atuais, essa foi a escolha estratégica e cruel de Cardoso. O Brasil privilegiou o futuro. Da primeira vez com Cardoso, presidente de direita. Uma segunda vez com Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de esquerda. Na economia, as instituições traçam o futuro de uma nação de uma forma mais certeira do que as intervenções conjunturais dos governos do momento. Mas só se pode contar com essas instituições se elas resistem aos testes das recessões econômicas e das alternâncias políticas. As instituições políticas e econômicas, desde 1995, têm resistido. Lula, oriundo do sindicalismo antiliberal, apoiado pelos teólogos da libertação e pelos universitários trotskistas, contra todas as espectativas, preservou integralmente a herança. Até o próprio Cardoso se espantou. A intuição do certo, no caso de Lula, teve mais peso do que a ideologia. Mas o Brasil, tradicionalmente, é um país mais da acomodação do que do confronto. Os adversários políticos de Lula o acusam de contratar funcionários públicos demais, de ter aumen-

tado o número de famílias beneficiadas pela assistência social por motivos eleitorais, incluindo não só os pobres, de ter constituído uma clientela de assistidos. Essas acusações fundamentadas são insignificantes, comparadas ao benefício da continuidade institucional. A independência do Banco Central, a estabilidade da moeda, a abertura do mercado, as privatizações, a transparência fiscal, a ajuda com condições às famílias, tudo isso foi mantido. Uma conquista comparável ao sucesso da Índia, onde uma política econômica liberal é também administrada de maneira contínua pelos governos da direita nacionalista e da esquerda socialista. O Brasil, como a Índia, conseguiu sua transição econômica, desde então dotada de instituições necessárias a um desenvolvimento econômico duradouro e a uma melhor igualdade social. Verifica-se isso pela experiência. Surgimento da classe média A perenidade das instituições financeiras, a previsibilidade da moeda, a transparência das transações permitiram estabelecer uma verdadeira organização de crédito. O que tornou possível para um empresário obter empréstimos a juros compatíveis com seu nível econômico. Tornou-se possível a uma família comprar uma casa ou um apartamento. Graças ao crédito, uma nova classe média teve acesso a uma vida razoável com o trabalho, sem ter mais de depender do clientelismo partidário ou das bênçãos do Estado. Essa nova mentalidade econômica, na qual o Estado dá o exemplo, levou os empresários a modificarem seu comportamento. Enquanto que no Brasil tradicional se procuravam nichos especulativos e arranjos, agora as estratégias observam a longevidade, os investimentos e a pesquisa de mercado. Os métodos antigos não desapareceram, mas diminuíram. A rigor, as empresas brasileiras ainda não são as do Primeiro Mundo, porém, como observa o economista Mailson da Nóbrega, o Brasil saiu do Terceiro Mundo. Os obstáculos residuais a um desenvolvimento econômico sustentado não são mais do terceiromundismo, como a corrupção do governo ou o caráter fantasio-

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so do Estado. Os empresários brasileiros, como os do Primeiro qüência. A substituição do catolicismo pelas igrejas evangéliMundo, só fazem protestar contra um salário mínimo alto decas pentecostais. A transferência dos fiéis é em massa. No Esmais, que prejudica a concorrência com a China, contra as leis tado de São Paulo, o mais rico do País, esses evangélicos se torsociais que impedem as demissões, contra os sindicatos anticanaram maioria. Ora, eles não propagam os mesmos valores pitalistas, contra a insuficiência de infra-estruturas públicas que que a Igreja católica. Esta, no Brasil particularmente, é hostil à desaceleram as exportações e mereciam serem privatizadas. economia de mercado, inclinada pela revolução em nome da Essas reclamações, legítimas, são bem características de um teologia da libertação, da qual o "bispo vermelho" do Recife, mundo que entrou na racionalidade econômica e que saiu da Dom Hélder Câmara, foi durante muito tempo sua encarnapobreza estrutural. O Brasil precisa de reformas, mas a revoção. Ele via nas favelas o gatilho de uma revolução contra o calução econômica está feita. Se sobrevivem partidários da teopitalismo selvagem. Mas atualmente, as favelas, longe da reria da dependência e "marxianos" virulentos, restam-lhes a mívolução, são centros de tráfico de drogas e de outras atividades dia e as cátedras, mas eles não têm mais como modificar o curcriminosas. Isso não é um progresso, mas também não é o que so da história. Esses "marxianos", enterrados por um deles, esperavam delas os teólogos da libertação. Fernando Henrique Cardoso, pertencem ao passado, a nova Lula, em sua versão original de revolucionário, era mais insclasse média representa mais modestamente seu futuro. Um pirado pela teologia da libertação brasileira do que pelo marfuturo que é chamado de progressista, porque o novo Brasil, ao xismo europeu. É verdade que, sob a influência de João Paulo mesmo tempo que se desenvolve, torna-se mais igualitário. II, a Igreja Católica no Brasil e seus ativistas jesuítas moderaEm 2007, o Brasil foi o único país do mundo, com a Tailândia, ram o engajamento político. Mas muitos fiéis deserdaram. Ao no qual o coeficiente de Gini melhorou. Esse íncontrário, os evangélicos preconizam contra a dice, aceito universalmente, mede a desigualpobreza o esforço individual, idealizam o esdade de renda entre os 10%, o décimo mais popírito empreendedor e até o enriquecimento. Na China ou na bre e o décimo mais rico da população. Em toNisso estão próximos dos pentecostais dos EsÍndia, a vida dos dos os lugares, menos no Brasil e na Tailândia, tados Unidos. É possível que esse deslocamena diferença aumentou. Nos países desenvolvito ético-religioso tenha contribuído com o surhumildes melhorou, mas dos e nos em desenvolvimento, constata-se gimento de novas normas e novos comportamenos veloz do que que os ricos se enriqueceram mais rápido do mentos econômicos, mais coerentes do que o a dos mais ricos. que os pobres, mesmo onde os pobres ficaram catolicismo com a passagem para a economia Entretanto, no Brasil, menos pobres. Nos Estados Unidos, todo de mercado e adaptado à globalização. os pobres avançaram mundo na média enriqueceu, porém os mais ricos mais rapidamente, em razão do bônus à Pagar seus impostos enriquece mais rápido do que os educação, sempre mais valorizada em um ricos. Pela primeira mercado global. Na China ou na Índia, a vida A economia informal é característica de todos vez na história do País dos humildes melhorou, mas menos veloz do os países pobres. O vendedor de rua, o artesão, o a diferença diminuiu. que a dos mais ricos. Entretanto, no Brasil, os faz-tudo, o camponês sem terra trabalham à pobres avançaram mais rápido do que os ricos. margem da lei, freqüentemente por um pequeno Pela primeira vez na história do País a diferenganho. Na maioria das vezes sem o título de proça diminuiu. Mailson da Nóbrega explica isso pela passagem priedade e sem direitos, a informalidade é uma estratégia de sodo desenvolvimentismo de Estado a uma economia liberal. O brevivência econômica contra os Estados desleais, os burocratas enriquecimento pelo clientelismo e os monopólios foram famintos e as aristocracias coloniais. O economista peruano Hersubstituídos pelo acesso de uma multidão ao mercado. nando de Soto mostrou como em seu país a quase impossibilidaO mercado cria uma mobilidade social, enquanto que o esde de se obter uma escritura de propriedade impedia o acesso ao tatismo reforçava a riqueza. Logo, é o modelo econômico que crédito e condenava a atividades marginais. No campo, os cammelhora a igualdade, bem mais que a redistribuição fiscal ou a poneses invasores sem escritura cultivam a coca porque ela não assistência social. A ajuda direta às famílias contribui com a exige investimentos e a rotação das culturas é rápida. No Peru, o igualdade, mas de modo acessório. As bolsas familiares só renúmero de passos necessários para se abrir uma empresa legal é presentam 0,5% da riqueza nacional para cerca de 12 milhões tão grande e custosa (incluindo propinas), que é impossível torde famílias. Será a próxima geração de pobres, que estará esnar-se empresário sem a proteção pessoal dos funcionários. colarizada, mais do que a atual, que é beneficiada pela ajuda. O A constatação de De Soto vale para grande parte da América mercado cria mais igualdade que o estatismo. É também o Latina, com graus diversos, incluindo o Brasil. O Estado de Dimercado que explica a curva ascendente da taxa de crescimenreito ainda não substituiu totalmente a personificação da lei e o to brasileira. Essa taxa sobe sem outra razão objetiva a não ser clientelismo. Desse quadro da economia informal, extrai-se às a liberalização do crédito, do comércio e do câmbio. O caminho vezes um certo romantismo, uma idealização do capitalismo brasileiro, igualdade e progresso, não é acidental, não é condos descalços, o empresário aventureiro que supera a burocraseqüência de uma dádiva, é uma lição de boa economia tal cocia. Mas se deve a dois economistas brasileiros, José Scheinkmo os teóricos do desenvolvimento ensinam. man e Áureo de Paula, terem demonstrado que a informalidaMencionamos também um fator não quantificável da nova de, longe de ser uma estratégia de sobrevivência, cria em vez economia brasileira, do qual não se sabe se é causa ou consedisso uma espiral de empobrecimento. A partir de uma amos-

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Arquivo DC

Desde Pinochet, chefe de Estado de 1981 a 1990, até Michelle Bachelet (foto), o Chile não mudou suas regras econômicas e se integrou com sucesso à economia mundial.

tragem de 50 mil empresas informais no Brasil, descobre-se que elas só podem ser mal gerenciadas e improdutivas. Seus gerentes são medíocres porque os bons vão para o setor formal, seu capital é insuficiente porque o acesso ao crédito é impossível ou caro por falta de garantias, os salários são comparáveis aos do setor formal, o que prejudica os lucros e as perspectivas de desenvolvimento. Logo o setor informal desacelera o crescimento. Além disso, ele é contagioso: as empresas informais tendem a só se relacionar com outras empresas informais, a fim de escapar dos impostos e da regulamentação durante todo o processo de produção. Em função da importância da informalidade em um país relativamente pobre como o Brasil (sem dúvida, 40% da produção nacional), a passagem à formalidade acelerou sensivelmente o crescimento. Seguindo as recomendações de Scheinkman e de Áureo de Paula, o governo, desde 2006, propôs uma anistia fiscal às empresas que paguem seus impostos. Pagar os impostos permite também ter acesso ao crédito bancário com juros de mercado e não com juros de agiota. Segundo De Soto, a taxa de crédito no setor informal é em média cinco vezes maior do que as do setor formal. Portanto pagar tributos – o imposto sobre valor agregado no caso brasileiro – enriquece o empresário e o País. Com esse imposto, a formalidade substitui os canais informais por canais formais. As duas Américas Latinas A globalização, diz Cardoso, dividiu a América Latina em duas. Uma parte do continente se adaptou à nova realidade e a outra nega a sua existência. Entre os que se adaptaram, Cardoso põe na frente o Chile, a primeira democracia liberal do continente a aderir à economia de mercado. Os chilenos compreenderam antes dos outros que a vantagem não estava no clima nem nos minerais, mas na capacidade ou não de criar instituições estáveis. Desde Pinochet, chefe de Estado de 1981 a 1990, até Michelle Bachelet, presidente socialista desde 2005, o Chile não mudou suas regras econômicas e se integrou com sucesso à economia mundial. México, Brasil, Uruguai, Colôm-

bia, Peru, Costa Rica, República Dominicana se engajaram, em ritmos e graus diferentes, nessa mesma reconciliação entre democracia liberal, economia de mercado e globalização. O Brasil, afirma Cardoso, está agora mais integrado ao mundo do que a América Latina. Sem dúvida, é o feliz resultado de boas escolhas políticas. Havia também algumas predisposições históricas. O Brasil e esses outros países a caminho da integração com o mundo atual desfrutavam de uma certa tradição do Estado e do direito herdados da colonização. Todos têm uma antiga burguesia empreendedora e uma tradição liberal que remonta ao século 19. Todos participam de uma cultura nacional relativamente homogênea, que autoriza a cidadania e o exercício da democracia. O Brasil é etnicamente diversificado, porém, do aristocrata latifundiário ao camponês mulato, os brasileiros compartilham um sentimento de participação nacional, uma civilização mestiça coletiva e um projeto de futuro comparável ao que é nos Estados Unidos o sonho americano. "Somos", diz Cardoso, "americanos mais do que europeus". Como os americanos do Norte, completa ele, temos "um problema racial", mas ele não ameaça o País. A outra América Latina, da qual se afastaram o Brasil, a Colômbia e o Chile, caracteriza-se pela recusa à realidade. Os chefes de Estado são sempre caudilhos, cujos clientes contam com o que eles distribuem. A redistribuição do petróleo, de minerais e da terra tem lugar na economia e substitui o desenvolvimento. O mito da revolução continua presente, uma revolução comunista e, mais ainda, uma revolução indígena. A tensão revolucionária nessa velha América Latina é explicada pela não integração dos indígenas (os índios da Bolívia ou do Paraguai, por exemplo) na sociedade nacional. É um erro comum na Europa traduzir em linguagem de luta de classes o que em um país como a Bolívia vem da luta de raças, herança da colonização. Nessa velha América Latina, a democracia é freqüentemente uma ficção. O populismo tem lugar de projeto, um caudilho elimina o outro. O desenvolvimento não pode se enraizar por falta de instituições estáveis. No melhor dos casos, a alta temporária dos preços das matériasprimas, o petróleo na Venezuela, a soja na Argentina, cria uma ilusão de prosperidade. O fluxo dos capitais internacionais à procura de bons negócios, tanto quanto as cotações mundiais, fazem e desfazem essas economias baseadas na especulação, mas não na constituição de uma burguesia empreendedora local. A única certeza, diz Mailson da Nóbrega, é que na velha América Latina tudo termina sempre mal. Com nuances: muito mal na Venezuela, menos mal na Argentina. Entretanto, após a euforia, voltam sempre os tempos da recessão econômica e da ditadura militar. Além da fascinação que a AL exerce sobre os intelectuais ocidentais saudosos da revolução, não estamos mais nos anos 60-70. Os populistas antiliberais à Chávez refutam a ordem mundial, todavia não propõem alternativas. O desaparecimento da URSS mudou a distribuição das cartas, bem como a experiência econômica adquirida. Fora da integração à ordem mundial, à democracia e ao mercado, não existe caminho para o desenvolvimento. Cardoso chama isso a nova social-democracia, sua tradução para a economia social alemã. Vai pela social-democracia porque o termo liberalismo foi deturpado por seus seguidores. "O Brasil não é um país sério", declarou De Gaulle após a visita que fez em 1961. Se pudesse voltar, ele deveria corrigir seu julgamento. No Brasil, diz Mailson da Nóbrega, o futuro começou.

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O PT no jogo As regras do governo Lula e o Brasil no longo prazo (1)

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Brasil vem apresentando um desempenho econômico bastante favorável. Os indicadores básicos registram um nível de crescimento que há muito não ocorria. A maioria das boas notícias apareceu no governo Lula (2). O que dizer do futuro? A sustentabilidade desse crescimento depende de regras claras. Em qualquer sociedade, as instituições é que fazem esse papel, dando base para a previsibilidade. São elas que garantem o direito de propriedade, a validade dos contratos e os estímulos para investir. Até que ponto as regras que estão sendo moldadas no governo Lula favorecem a concretização desses objetivos no longo prazo? Os primeiros passos do PT no governo

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O PT nunca escondeu seu propósito de transformar as instituições brasileiras para implantar no Brasil um regime socialista, restabelecendo-se assim a figura do Estado-Empreendedor. O Partido dos Trabalhadores nasceu na esteira do marxismo misturado com catolicismo, e sempre visou a estratégia de forte intervenção governamental na economia e na sociedade. No campo institucional, a mudança de maior profundidade buscada pelo PT diz respeito à substituição da democracia representa-

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do poder Renata Jubran/AE

José Pastore Professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. www.josepastore.com.br

tiva pela democracia participativa, com ampla liberdade de voz, voto e ação para os movimentos sociais. Nos primeiros anos do governo Lula, o direito de propriedade e a validade dos contratos foram abertamente questionados por esses movimentos e por vários integrantes da máquina pública federal. Dois exemplos. Uma grande onda de ocupações de terras tomou conta do País, tendo à frente o MST – Movimento dos Trabalhadores sem Terra – e continua até hoje. No início do primeiro mandato do presidente Lula, o ministro das Comunicações, Miro Teixeira, declarou nulos os contratos com as empresas de telecomunicações, então privatizadas. (3) O ímpeto intervencionista nos primeiros anos do governo Lula foi além da área econômica, adentrando no campo das idéias. As tentativas de criar o Conselho Nacional de Jornalismo (CNJ) e a Agência de Cinema e Audiovisual (ANCINAV) mostraram que o dirigismo pretendido incluía o monitoramento do pensamento social por meio do controle da imprensa e da cultura. Isso fazia parte do projeto de poder do PT. Frei Beto costumava dizer que "o PT chegara ao governo, mas não ao poder".

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Segundo analistas, o partido perseguia cinco etapas para atingir aquele objetivo. Primeiro, era necessário transformar o PT em partido hegemônico. Segundo, era crucial ocupar toda a estrutura do Estado. Terceiro, fazia-se urgente ampliar o arco de apoio eleitoral pela via dos programas sociais. Quarto, era fundamental desenvolver a tática da persuasão social, mediante a espetacularização das atitudes. Quinto, era preciso cimentar a legitimidade social pela via das urnas, ganhando eleições em todos os níveis. (4) Essas etapas eram consideradas exeqüíveis. A brutal desigualdade do País garantiria ao PT as condições básicas para a construção de um partido hegemônico, com forte adesão dos destituídos. Mas, uma vez no governo, os dirigentes do partido aprenderam que isso não seria rápido, e muito menos automático. Uma estratégia abrupta se chocaria com os direitos civis e políticos e com as garantias de liberdades assentadas na Constituição Federal. Era necessário certo gradualismo. A estratégia gradual estava explicitada na receita de Antonio Gramsci, que inspirou muitos dirigentes do PT, que em suas falas e obras mostravam familiaridade com os conceitos de "hegemonia", "descontrução", "intelectuais orgânicos", "sociedade civil" etc., cunhados pelo filósofo italiano na década de 30. Por exemplo, José Genoíno, quando presidente do PT, raciocinava da seguinte maneira: "A partir das formulações de Antonio Gramsci, os partidos de esquerda aceitam as premissas do jogo político democrático até as últimas conseqüências. A radicalização e o aprofundamento da democracia se tornaram elementos centrais de suas estratégias. Tratase de lutar, gradualmente, pela hegemonia política, cultural e moral (valores) no interior das sociedades democráticas". (5) Tarso Genro, que também foi presidente do PT, em um de seus livros pregava o seguinte: "A adaptação aos novos métodos de trabalho não pode se dar apenas pela coerção. Esta deve ser sabiamente combinada com a persuasão e o consenso". (6) "O governo reformista de Lula está, sim, agindo com realismo, pois qualquer política pode e deve combinar realismo com ousadia, nos seus momentos próprios". (7) "[O PT] não é um partido que exacerba a luta de classes, porque essa exacerbação fragiliza o governo ante o domínio do capital financeiro

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Leia a edição "A Revolução Gramscista no Ocidente" em http://www.dcomercio. com.br/especiais/ digesto/digesto_04/ anteriores.htm

globalizado: esta é a primeira e estratégica condição a ser assumida. Tudo para que possa ocorrer uma transição – internamente negociada – para um modelo de desenvolvimento de produção, emprego e distribuição de renda". (8) "A pura representação política do parlamento, por mais depurada que seja, é insuficiente e incapaz de mediar vontades democraticamente formadas. Estas precisam de outras mediações. É preciso, pois, reinventar a democracia..." (9) "No que se refere à questão da informação, impõe-se uma estratégia que direcione a sociedade para uma forma de socialismo democrático, que se baseia em uma estrutura estatal de caráter político-administrativo..." (10) "As 'não-classes' – da exclusão, da precariedade – são as que mais pesam como formadoras de opinião eleitoral e também para os movimentos sociais extraparlamentares. As próprias classes hegemônicas já não são mais alicerçadas na ideologia burguesa clássica, com o seu manto fáustico-produtivista". (11) Em outras palavras, o novo socialismo teria de ser buscado através de uma "revolução espontânea", com base na educação, propaganda e ação massiva junto aos grupos desprotegidos. De fato, Gramsci alertava os militantes do socialismo para o fato de que os trabalhadores não odeiam as classes média e alta e nem têm disposição inata para destruir a ordem existente, porque eles mesmos estão impregnados com muitos valores dessa ordem. O importante era atacar e destruir esses valores o que, não podia ser feito com base na força, mas sim por meio de persuasão e ação deliberada. O novo socialismo seria baseado, assim, em uma revolução com o povo e não sem povo, como foi na Rússia, em 1917. O método persuasivo é demorado, trabalhoso e requer um planejamento estratégico para, no fim, chegar ao domínio das consciências. Nessa empreitada, tem grande importância, para Gramsci, a conquista dos órgãos da cultura, das escolas, das igrejas, dos jornais, do rádio, das revistas, da música (letrada), da literatura e, sobretudo, das artes visuais. É crucial trilhar muito mais a pista das emoções do que a da razão. Com isso, chegar-se-ia ao "controle natural" dos pensamentos, utilizando-se com ênfase a imaginação e a criatividade das pessoas. As resistências mais fortes tenderiam a desaparecer.


Os integrantes da classe baixa deixariam de amar a servidão sem, no entanto, odiar os dominadores. Essa é a receita para se chegar a uma hegemonia cultural, que seja capaz de minar os elementos da cultura tradicional. Dentro dessa concepção, a transformação almejada pelo projeto de poder do PT não podia vir por meio da tradicional concepção marxista de revolução do proletariado contra a burguesia. Ao contrário, ela teria de se utilizar das próprias instituições para fazer penetrar na juventude e no povo o questionamento dos valores existentes, de modo a levar os destituídos a ocuparem, gradualmente, os postos dirigentes das empresas e do governo para então apoiar e implantar uma forte intervenção do Estado em setores estratégicos da vida econômica – única forma de se assegurar mais igualdade e mais justiça social. Para Gramsci, a escola e a cultura desempenham papéis cruciais nesta trajetória. Nas suas palavras, ao criticar a situação italiana dos anos 30: "Nosso partido [socialista] ainda não se pronunciou sobre um programa escolar preciso. A escola continua sendo um organismo estritamente burguês, no pior sentido da palavra. A escola é um privilégio. O Estado não deve pagar a escola (...) para os filhos medíocres e deficientes dos ricos, enquanto deixa de fora os jovens proletários inteligentes e capazes". (12) A semelhança com os vários sistemas de cotas e programas de inclusão propostos pelo PT é mera coincidência? Na tarefa de desconstrução dos valores, dizia Gramsci, a cultura desempenha um papel fundamental. Referindo-se mais uma vez à situação da Itália, criticava: "Em Turim, não existe nenhuma organização de cultura popular. Da Universidade Popular, é melhor nem falar: ela já foi algo vivo". (13) "A escola deve ser uma instituição proletária e, como tal, a Associação de Cultura deveria criar convicções, contribuindo poderosamente para gerar novos costumes, mais livres e despreconceituosos que os atuais..." (14) Enfim, na concepção do astuto filósofo, para se chegar ao estado socialista é preciso conquistar os corações dos cidadãos e prepará-los para absorverem as elites sem choques, seduzindo a mente dos adversários para as novas idéias. Isso vai melhor pelas vias das emoções do que pelas vias da razão ou da confrontação. A imprensa, a escola e a cultura tinham, assim, um importante papel na modelagem da nova ideologia para se chegar ao poder, ordeiramente e por meio do voto.

Na concepção do astuto filósofo (Gramsci), para se chegar ao estado socialista, é preciso conquistar os corações dos cidadãos e prepará-los para absorverem as elites sem choques, seduzindo a mente dos adversários para as novas idéias. Isso vai melhor pelas vias das emoções do que pelas vias da razão

Sobre a imprensa: Dizia Gramsci: "A imprensa é a parte mais dinâmica dessa estrutura ideológica. Mas não é a única: tudo o que influi ou pode influir na opinião pública, direta ou indiretamente, faz parte dessa estrutura. Dela fazem parte as bibliotecas, as escolas, os círculos de variado tipo, até a arquitetura, a disposição e o nome das ruas. O que se pode contrapor, por parte de uma classe inovadora, a este complexo formidável de trincheiras e fortificações da classe dominante? O espírito de cisão. A conquista progressiva da consciência da própria personalidade histórica requer um complexo trabalho ideológico, cuja primeira condição é o exato conhecimento do campo a ser esvaziado de seu elemento de massa humana." (15) Sobre a família: "Para nós, socialistas, a família deve ser reintegrada em sua função moral, de preparação humana, de educação cívica. A família atual não pode realizar esta tarefa. A preocupação maior dos pais é a de garantir o desenvolvimento fisiológico da prole e de assegurar-lhe os meios de subsistência... Queremos que todos disponham dos meios necessários para educar a própria inteligência. Portanto, somente a abolição da propriedade privada e sua conversão em propriedade coletiva poderão fazer com que a família seja aquilo que deve ser: um organismo de vida moral. Os pais não mais viverão na angústia de buscar o pão para seus filhos, mas poderão assim exercer serenamente sua tarefa moral de educadores". (16) A pregação da hegemonia da família na ocupação de terras praticada pelo MST, MLST e CPT (17) é mera coincidência? Voltando ao primeiro mandato dos petistas. Com os escândalos de corrupção eclodidos em 2005 ("mensalão"), o governo Lula suspendeu a

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estratégia indicada, passando a intensificar os programas sociais e, com base neles, ajudar concretamente os destituídos (18) pela via do Bolsa Família (que atende a mais de 45,5 milhões de pessoas), o PROUNI (que já ofereceu mais de 250 mil bolsas de estudo), PROJOVEM (que favoreceu a educação de mais de 440 mil jovens que estavam fora da escola) (19), a construção de quase 150 mil cisternas para as famílias pobres, o grande aumento de 37% reais no salário mínimo e suas repercussões nas aposentadorias e pensões, a Farmácia Popular, o Programa Luz para Todos e vários outros. Com base nesses programas, o presidente Lula saiu da crise como o amigo dos ricos e pai dos pobres – a fórmula adotada com sucesso por Getúlio Vargas. Na linha do Estado-Empreendedor, no curto período de 2005 a 2006, o Brasil viu criados 404 mil postos de trabalho na administração pública dos três níveis de governo (chegando a um total de 5,9 milhões de servidores) (20), uma grande parte estimulada pelo governo federal: o presidente Lula declarou explicitamente que o choque de gestão é engordar a máquina pública. Outra parte foi realizada (e assim continua), através de convênios com Estados e municípios, disciplinados p e l a L e i d o s C o n s ó rc i o s P ú b l i c o s ( L e i 11.107/05) (21), que permitiu a penetração do poder central nas esferas estaduais e municipais. Com isso, o aparelhamento das máquinas públicas foi irradiado para os três níveis de governo. Foi a fase de ocupação da imensa maquinaria estatal do Brasil. Muitos sindicatos ligados à CUT e ao PT ressentiram-se da perda de quadros estratégicos para a luta sindical. A situação presente O aparelhamento da máquina pública e os programas sociais tiveram um impacto decisivo na reeleição de Lula em 2006, quando obteve mais de 60 milhões de votos. Nos vários cargos ocupados nos três níveis de governo, em especial no federal, os filiados do PT, na maioria dirigentes sindicais, passaram a ser as peças-chave para levar adiante a filosofia do partido – muitas vezes sem conhecer em profundidade os seus alicerces ideológicos. Mas, na prática, são eles que autorizam despesas, propõem decretos, assinam portarias e tomam decisões, na maioria, irreversíveis e que vão modelar a feição do governo e da economia no longo prazo. (22) Os postos ocupados foram tão numerosos que, raramente, conseguiu-se casar a necessidade de competência dos cargos com a quali-

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Para se conhecer a orientação de um partido político temse que ir além da retórica explícita dos governantes e chegar ao seu ideário. E, no Brasil, o PT é o único partido que possui um ideário e uma estrutura de ação.

ficação dos ocupantes. Dos novos indicados, os mais bem preparados estão na área econômica. Mesmo assim, apenas 27% dos nomeados têm formação universitária compatível com suas responsabilidades. Na área da Saúde, são 19%. E na da Educação, só 14%. Nas áreas de maior concentração de petistas (programas sociais, reforma agrária, assistência social, trabalho, previdência social), a grande maioria não tem formação universitária e, muitas vezes, nem o nível médio. (23) Se de um lado a penetração de sindicalistas na máquina pública pode ser considerada como um avanço democrático, de outro, pode ser entendida também como a reinauguração da cooptação dos sindicatos pelo governo, nos moldes do corporativismo praticado por Getúlio Vargas, que distribuía cargos e recursos para as entidades sindicais. Por iniciativa do governo Lula, que sempre condenou essa cooptação, o Congresso Nacional foi instado a aprovar um repasse de recursos públicos para as centrais sindicais. Esse é o espírito do Projeto de Lei 1.990/07 de autoria do Poder Executivo. A retórica hoje não é a mesma do primeiro mandato. Mas, não é inteiramente diferente. A linguagem mudou, mas ficou o sotaque. Para se conhecer a orientação de um partido político tem-se que ir além da retórica explícita dos governantes e chegar ao seu ideário. E, no Brasil, o PT é o único partido que possui um ideário e uma estrutura de ação. O partido conta com quase 900 mil filiados com carteira, contribuindo financeiramente, de forma regular, com endereço conhecido, sede própria e que consegue, a qualquer momento, mobilizar milhares de militantes para defender uma causa (24), nem sempre bem conhecida. Essa combinação de ideário e militância deu ao PT uma força indiscutivelmente superior à dos demais partidos. Para se entender o impacto do ideário do partido e as conseqüências das medidas tomadas pelos governantes para os próximos oito ou dez anos, há de se distinguir as ações do presidente Lula das ações do governo Lula. As ações do presidente Lula tendem a acomodar variados interesses corporativos, que estão presentes no seu governo e, ao mesmo tempo, a vender otimismo para os empresários e os trabalhadores quanto ao futuro do País. Os bons resultados da economia fluem nas falas de Lula com muita facilidade, da mesma maneira em que, a cada oportunidade, relaciona a concretização do tão pregado – e nunca alcançado – crescimento com progresso social, ignorando que isso é fruto de ações anteriores ao seu mandato e à boa fase da economia mundial.


Antonio Cruz/ABr

Não há dúvida de que o poder de compra dos pobres cresceu de forma expressiva no governo Lula e é um dos principais responsáveis pelo forte aumento da demanda doméstica e, mais recentemente, do crescimento dos investimentos internos. Estudos da Fundação Getúlio Vargas mostram que a miséria foi reduzida em 28% no primeiro mandato do presidente Lula, o que ajudou a ampliar a demanda interna. (25) A boa onda da economia mundial é um forte convite para os empresários a elevarem os investimentos. (26) Lula tem usado o seu carisma para capitalizar em cima desses fatores. A sua ação é de um ativista do crescimento. Entretanto, são nas ações do governo Lula que se devem procurar as medidas que terão maior conseqüências para o futuro dos investimentos e para a eficiência da economia no médio e longo prazos. Será que a ação do presidente Lula casa com as ações do governo Lula? Fiel à preferência pelo Estado-Empreendedor, o PT tem mantido sua ojeriza pela privatização. Uma enormidade de empresas estatais foi criada pelo governo federal. (27) Na área da infra-estrutura, o governo tem feito pouco e não tem deixado a iniciativa privada fazer, com raras exceções. A conduta do governo em relação às empresas privadas continua dicotômica. Para as em-

presas que produzem bens e serviços onde o Estado-Empreendedor não tem vantagem comparativa, o espaço está aberto para investir. Os advogados desse estilo de governo não vêem o Estado em condições de produzir sapatos, confecções, mobiliário, alimentos, automóveis, maquinário etc. Esses setores continuam com autonomia para planejar, produzir e vender. Mas, para as empresas que dizem respeito aos bens e serviços básicos e que dependem da autorização do governo, a maioria dos auxiliares do presidente Lula tem utilizado a máquina pública, a burocracia governamental e as agências reguladoras de forma rigorosa e até discricionária. Entram aí os vários projetos de infra-estrutura e as empresas que dependem de autorização governamental nas áreas de energia, meio ambiente, transporte e outros. Recentemente, o governo aprovou as concessões de cerca de 2.600 mil quilômetros de rodovias. O modelo adotado foi bem diferente do anterior. As concessionárias nada pagaram pela concessão e venceram pelo menor preço do pedágio oferecido. No modelo anterior, as concessionárias pagaram pela concessão e destinam uma parte a arrecadação dos pedágios para o governo que, por sua vez, constroem outras rodovias. Como elemento eleitoral, o modelo de Lula é muito mais poderoso,

Com os escândalos de corrupção eclodidos em 2005 ("mensalão"), o governo Lula suspendeu a estratégia indicada, passando a intensificar os programas sociais.

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Os dirigentes de associações de investidores em infra-estrutura não se cansam de dizer que, no Brasil de hoje, o setor privado não encontra ambiente favorável para ajudar a construir o País, apesar de estar preparado para "bancar" mais de 40% do PAC.

pois contará com o apoio de todos os motoristas que, sem atentarem para as conseqüências de longo prazo, sentir-se-ão satisfeitos com um pedágio mais barato. No campo das idéias e valores sociais, o fracasso das tentativas de implantar o CNJ e a ANCINAV foi compensado pela TV Brasil, criada pela Medida Provisória 398/07. (28) Trata-se de uma nova empresa pública com forte intervencionismo governamental. Dos vinte membros que comporão o conselho superior da entidade, dezenove serão indicados pelo presidente Lula. Há mais intervencionismo. O artigo 29 da MP 398/07 determina que as prestadoras e serviços de TV por assinatura deverão reservar, gratuitamente, dois canais para o Poder Executivo Federal: um para transmitir a TV pública e outro para transmitir atos e matérias de interesse do governo. É a volta da "Hora do Brasil", agora ampliada e fortalecida. Nas palavras dos dirigentes do PT, a nova televisão visa "democratizar" os meios de comunicação de massa, para que todos tenham oportunidades de entender os debates políticos e saber como decidir. Ao lado da grande penetração de petistas na burocracia governamental, a máquina pública tem se revelado muito lenta nas decisões. Em várias áreas, os funcionários têm medo de decidir. Eles são os mesmos que, quando na opo-

sição, acionavam o Ministério Público contra os servidores que autorizavam as agências reguladoras a prosseguir no seu trabalho. Com receio de serem vitimas do próprio "modismo", eles não decidem. Os investidores têm mostrado grande preocupação com a lentidão do Novo Estado Empreendedor. Segundo a ABDIB, o PAC vai produzir efeitos muito menores do que os anunciados pelo governo, em vista do cipoal burocrático que trava a aprovação dos projetos e o começo das obras. (29) A área do meio ambiente é das mais críticas. Por exemplo, o prazo legal para a concessão de uma licença ambiental pelo IBAMA é de 30 dias, enquanto que o prazo médio (real) no governo Lula tem sido de 394 dias. A aprovação de um EIA-Rima, que deveria ser feita em 60 dias, está levando 576 dias. A realização de uma audiência pública sobre questão ambiental, que deveria ocorrer em 45, leva 239 dias. E uma licença prévia, que deveria ser concedida em 270 dias, leva 1.188 dias. (30) Os dirigentes de associações de investidores em infra-estrutura não se cansam de dizer que, no Brasil de hoje, o setor privado não encontra ambiente favorável para ajudar a construir o País, apesar de estar preparado para "bancar" mais de 40% do PAC. (31) Ou seja, o viés anticapitalista leva as autorizações para o mais alto nível de decisão e en-

Roosewelt Pinheiro/Abr

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volve muitos administradores que, no conjunto, titubeiam para decidir. No 3º. Congresso do PT, realizado em 1º. de setembro de 2007, o partido reafirmou sua convicção anticapitalista. Nos vídeos preparatórios ao evento, os apelos foram explícitos, com indicativos para aumentar o controle do Estado sobre a economia privada. (32) Tanto esses vídeos como as três teses aprovadas no Congresso (33) , levaram o PT a recomendar grandes mobilizações populares, com movimentos de ruas, especialmente no que tange à preparação da população na prática do voto em plebiscitos e referendos. O partido deseja utilizar esses meios para obter decisões sobre temas econômicos e políticos de grande importância. Para o PT, "o socialismo não é apenas um meio, mas o fim e o valor da sua ação política". (34) Essa idéia tem levado os seus dirigentes a considerar o próprio partido como um fim. Isso ficou claro nos casos de corrupção denunciados em 2005. "Recursos não contabilizados" foi um dos meios ilícitos para justificar um fim pretensamente lícito. Mais. A corrupção encontrou um amplo amparo dentro da filosofia explicitada no 3º Congresso do PT, segundo a qual os fins supremos do partido justificam os meios. Voltemos à relação entre as ações e a economia. Para reafirmar a sua linha de "intervencionismo seletivo", o Congresso do PT concluiu pela necessidade de se "reabilitar o papel do Estado no planejamento democrático da economia". (35) Em 1º de setembro de 2007, o partido rechaçou, de uma vez por todas, a idéia do Estado mínimo. (36) Um mês depois, o presidente Lula declarou que "choque de gestão é contratar mais gente, ter mais pessoas qualificadas trabalhando em consonância com a a burocracia governamental, que decidiu gastar em 2008 R$ 130 bilhões com pessoal e encargos – um valor 10,1% maior que o previsto na revisão do orçamento de 2007. Para os petistas, mais funcionários e mais despesas com pessoal correspondem a melhores serviços públicos. "Se essa tese fosse verdadeira, a administração federal teria melhorado incessantemente nos últimos cinco anos. Não há notícia dessa melhora. O Tesouro Nacional gastou com pessoal e encargos, de janeiro a agosto de 2007, 13,5% mais que nos oito meses correspondentes de 2006. As despesas com esse item cresceram mais que a receita do governo central, 12,3%. A folha de pessoal foi inflada não só pela contratação de funcionários, mas também pela generosa concessão de aumentos salariais". (37) No 3º Congresso do PT, os petistas reafirma-

Na esteira do antiprivatismo, uma série de medidas vem sendo tomadas no sentido de restringir a ação das agências reguladoras. A desmoralização da ANAC foi usada como paradigma em busca das mudanças, em especial, na regra que garante a estabilidade dos diretores das agências.

ram que o Estado precisa crescer para assumir o planejamento e o financiamento do crescimento econômico. "É necessário retirar o planejamento econômico das mãos de quem o faz hoje: da anarquia do mercado capitalista, bem como da minoria de tecnocratas estatais e de grandes empresários, a serviço da acumulação do capital... (38) "O governo Lula tem um projeto para o País. É um governo que trabalha para que os bancos públicos sejam bancos de fomento e que o BNDES seja o carro-chefe da economia brasileira". (39) O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) foi lançado dentro dessa filosofia, na qual o Estado planeja e financia os projetos. No que tange à preservação do direito de propriedade privada, o PT, apesar de ter ocupado certos setores críticos com um grande número de filiados (40) , lamenta a conduta dos magistrados na condução de controvérsias sobre aquele direito: "O Poder Judiciário tem representado um importante obstáculo à reforma agrária (...) sendo ágil nas ações penais contra lideranças dos movimentos sociais e lento nas ações de desapropriação". (41) Nesse campo, aliás, o atual Ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, declarou: "há invasões compreensíveis". (42) Na esteira do anti-privatismo, uma série de medidas vem sendo tomadas no sentido de restringir a ação das agências reguladoras. A desmoralização da ANAC foi usada como paradigma em busca das mudanças, em especial, na regra que garante a estabilidade dos diretores das agências. Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.337/04, de autoria do Poder Executivo, que visa dar um novo formato às agências reguladoras. Há uma forte tendência de se transformar as agências em repartições do governo federal, que não estarão livres de influências políticas. Nesse campo, as medidas concretas foram além dos sonhos. No governo Lula, as agências reguladoras tiveram grandes cortes em seus recursos (43) e novas restrições têm sido introduzidas para o investimento privado. Nos projetos de produção e transmissão de energia elétrica, por exemplo, o governo estabeleceu um limite estreito para a participação do capital privado na construção de usinas e linhões. No caso da Usina Santo Antônio, do Rio Madeira, essa participação será acanhada. A preferência do PT é pela elevação do papel dos órgãos de Estado no investimento e na gerência das atividades de infra-estrutura, o que pode comprometer os aspectos da eficiência,

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Há os que especulam que a idéia do plebiscito sobre a Vale do Rio Doce foi pensada como um projeto piloto para testar a viabilidade das consultas populares e, ao mesmo tempo, desenvolver o "know how" do PT no campo dos plebiscitos (...)

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custos, margens, cortes, inadimplência ou equilíbrio financeiro dos contratos. Em recentes revisões tarifárias, as empresas de energia elétrica, privatizadas, são levadas a trabalhar em condições intoleráveis. Já há sinais de empresas que estão se desinteressando e se retirando da atividade. Pressões exageradas podem derrubar o preço dessas empresas o que, de certa forma, facilitaria a sua recompra pelo Estado. Mas, as propostas apresentadas no 3º Congresso do PT foram além da área econômica. Seguindo os passos de Gramsci, os intelectuais do partido aprovaram várias teses no campo das instituições. Sobre a escola: "A escola deve sedimentar os valores que queremos". (44) (grifo acrescentado) Sem querer estabelecer semelhanças, é interessante notar uma decisão de Hugo Chávez na mesma direção: "As escolas públicas e privadas têm de ensinar às crianças o socialismo do século 21. Quem não quiser terá de fechar sua escola. Haverá intervenções, nacionalizações e assumiremos a responsabilidade sobre essas crianças". (45) Além disso, será determinada a adoção de novos livros didáticos para todas as escolas. Coincidentemente, a imprensa brasileira denunciou que mais de 20 milhões de estudantes vêm sendo "doutrinados" pelos livros distribuídos pelo Ministério da Educação e Cultura, em especial, pela Nova História Crítica, usado na 8ª série, que busca incutir nas crianças que o regime capitalista é mau e que a solução de todos os problemas é o socialismo. (46) O jornalista Ali Kamel fez um resumo das partes mais ilustrativas dessa estratégia: "Terras, minas e empresas são propriedade privada. As decisões econômicas são tomadas pela burguesia, que busca lucro pessoal. A burguesia recebe muito mais do que o proletariado. [No socialismo], terras, minas e empresas pertencem à coletividade. As decisões econômicas são tomadas democraticamente pelo povo trabalhador. Os produtores são os próprios consumidores, por isso tudo é feito com honestidade. Não há mais ricos, e as diferenças sociais são pequenas". (47) Ao comentar um outro livro de história, com tiragem de mais de um milhão de exemplares e distribuído pelo Ministério da Educação e Cultura – "Projeto Aribá, Historia, Ensino Fundamental 8" – o mesmo jornalista destacou vários trechos de pura propaganda do governo Lula e que nada têm a ver com a realidade dos fatos da formação do Brasil. (48) Para agir de forma mais harmônica e compe-

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tente, o 3º Congresso decidiu criar a "Escola Nacional do PT" para elaborar e executar uma política de formação de futuros gestores de prefeituras, governos estaduais e parlamentares. (49) No campo da cultura, o PT reconheceu a necessidade de: "reforçar o seu compromisso com a cultura como ferramenta de transformação" (50) , dentro de uma "prática cultural petista" (51), na qual "artistas, intelectuais e militantes da cultura tenham um papel mais importante na construção do ideário e atuação partidária". (52) Nesse campo, o partido prega que "se pense a ação cultural como assunto estratégico de governo e de poder". (53) Qual será o método para se chegar a esses fins? No 3º Congresso o PT anunciou os mecanismos que pretende pôr em marcha para atingir a democracia participativa como, por exemplo: "A convocação de plebiscitos para decidir questões de grande alcance nacional; a simplificação das formalidades para a proposição de iniciativas populares legislativas; a convocação de consultas e referendos em temas de impacto nacional..." . (54) Foi dentro dessa perspectiva que surgiu a idéia de um plebiscito sobre a validade da privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Trata-se de um plebiscito de resultado quase conhecido. Os brasileiros, de modo geral, gostam mais de estatização do que de privatização. A grande maioria quer ver o governo tomando conta da energia elétrica (64%), estradas e rodovias (68%), bancos (51%). A única área em que a privatização é privilegiada pelo povo é a da telefonia, devido ao fácil acesso aos telefones celulares. (55) Por isso, há os que especulam que a idéia do plebiscito sobre a Vale do Rio Doce foi pensada como um projeto piloto para testar a viabilidade das consultas populares e, ao mesmo tempo, desenvolver o "know how" do PT no campo dos plebiscitos e referendos sobre temas mais complexos, como é o caso das questões políticas como, por exemplo, as que visam mudar as funções das instituições democráticas (Senado Federal), dos mandatos eletivos e até mesmo as cláusulas pétreas da Constituição Federal. Outros vêem nisso um mero estratagema para alinhar aquela empresa na futura campanha eleitoral à Presidência da República. Mas, ao que tudo indica, a busca de plebiscitos vai mais longe do anunciado pragmatismo e se mostra como uma das peças para se materializar uma reforma política. Nesse terreno, o PT deseja: "a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva, livre, soberana e


Reprodução

Coincidentemente, a imprensa brasileira denunciou que mais de 20 milhões de estudantes vêm sendo doutrinados pelos livros distribuídos pelo Ministério da Educação e Cultura, em especial, pela Nova História Crítica - 8ª série.

democrática, a ser alcançada através de um grande movimento que venha a ganhar as ruas com um sentido de conquista e ampliação de direitos políticos e democráticos". (56) Não foi mencionada a idéia de mudança do mandato presidencial e muito menos a possibilidade de reeleição do presidente Lula. Mas, nada disso pode ser feito sem uma Assembléia Nacional Constituinte. Uma vez na rua, a campanha prevista pode ser ampliada em seus objetivos, para criar o clima de forte demanda das massas pela continuidade do presidente. É uma hipótese remota, mas que não está fora de cogitação. Tudo vai depender do andamento da economia e da satisfação dos eleitores com as políticas do governo atual. Especulações sobre o Futuro O que se pode esperar dos investimentos em um governo de esquerda e intervencionista? O que antever em termos de eficiência da economia brasileira? O governo Lula se caracteriza por uma esquerda do tipo burocrático-sindical. Não se trata de uma esquerda revolucionária. Lula é um homem conservador e que não gosta de

correr grandes riscos. Ademais, vários de seus auxiliares aprenderam que, para a sobrevivência no governo, o crescimento econômico é indispensável e, portanto, não se pode agredir os investidores privados impunemente. Ao lado da concepção ideológica que preside as decisões nos Congressos do Partido dos Trabalhadores e nos escritos dos expoentes mais intelectualizados, há que se considerar que a grande maioria dos militantes que ocuparam a máquina do Estado age de forma pragmática e fisiológica. São dirigentes sindicais que assumiram postos públicos, que têm a liberdade para contratar pessoas, independentemente de qualificação e concurso. São pessoas que se encantam com os hotéis cinco estrelas e que usufruem de outras facilidades, comuns aos cargos públicos, e estranhas à dureza franciscana da vida sindical – com exceções, é claro. Para essas pessoas, o socialismo dos intelectuais do partido é um ornamento sofisticado para justificar uma vida de regalias que agrada a todas. Sentados na proa de uma grande nave, elas agem com extremo pragmatismo para manter-se no governo, haja vista a variada lista de coligações do PT com partidos que nada têm a ver com os princípios socialistas – ou, pa-

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ra ser franco, com quaisquer princípios. Na verdade, os que defendem de modo mais aguerrido as teses socialistas são os políticos que se desligaram do PT, como é o caso, por exemplo, dos integrantes do PSOL. Dentro do pragmatismo do dia-a-dia, a conduta desses petistas se aproxima do velho peronismo, em que o sindicalismo fez todo o tipo de arranjo para continuar governando a Argentina. Para essa massa de recém-chegados à vida pública, a delapidação da máquina do Estado virá mais pela degradação ocasionada pela incompetência técnica e pelo estilo de administração feudal do que pela concepção intelectualizada do novo socialismo pregado pela cúpula do PT. As ações praticadas se assemelham às de uma política de varejo de estilo municipalista – muito longe do que caracteriza a construção de um projeto de desenvolvimento de Nação. A maioria desses militantes tem conseguido "desconstruir" no pressuposto de que a "reconstrução" será automática. Miram em ações intervencionistas, como se a economia e a sociedade reagem na mesma direção e com a mesma eficiência – sem levar em conta os problemas de segunda geração. Tome o caso do desrespeito ao direito de propriedade. Em certos casos, o desrespeito tem sido aberto como foi a quebra de patente do medicamento Efavirenz para tratamento de AIDS e produzido pelo Laboratório Merck Sharp & Dohme, determinada por um decreto presidencial em 4 de maio de 2007. Em outros casos, desrespeito se esconde na leniência do governo em relação às ações predatórias do MST em várias regiões do País. Há ainda a conduta que fica nas entrelinhas, como é o caso da simpatia pelos governos de esquerda da América Latina. Muitos burocratas nem conhecem a realidade dos países, mas atuam na direção a ser seguida porque se trata de uma contestação às elites formulada e acionada pelo Foro de São Paulo, que foi fundado, pela iniciativa de Lula, para articular os esforços de todos os partidos de esquerda da região, com o apoio de Fidel Castro e Hugo Chávez. Trata-se de um pano de fundo, que justifica certas condutas, aparentemente triviais, mas que levam avante a utopia de um novo socialismo na América Latina. Podem ser citadas algumas decisões muitos simples. No caso dos atletas cubanos, por exemplo, ficou clara a interligação entre os governos do Brasil e de Cuba, na pronta deportação daqueles esportistas. (57) No caso da Bolívia, ficou patente o alinhamento entre os presidentes Lula e Evo Morales em face de

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O Foro de São Paulo foi fundado pela iniciativa de Lula para articular os esforços de todos os partidos de esquerda da região, com apoio de Fidel Castro e Hugo Chávez. Na foto, capa da revista Digesto 439 - Os 4 Cavaleiros do Leviatã

uma brutal invasão de escritórios e plantas das refinarias da Petrobras naquele país. No caso do Mercosul, identificou-se um acordo tácito entre Lula e Chávez, que recebeu um convite para entrar no bloco regional sem a aprovação prévia dos demais parceiros – Argentina, Paraguai e Uruguai – e do Congresso Nacional. São forças que se somam na redução da eficiência dos órgãos públicos e, no longo prazo, da economia como um todo. Por não ser uma esquerda de total arbítrio, o grosso da interferência do Estado na vida das empresas privadas vem sendo feita através de leis, medidas provisórias, decretos e outros atos administrativos. Entram nessa estratégia, a agressividade da Petrobras ao comprar, no período de poucas semanas, o Grupo Ipiranga, juntamente com a Braskem e Ultra – assim como na aquisição da Suzano Petroquímica. São sinais de franca reestatização do setor. Compõe esse modelo a proposta do governo de criar uma grande empresa nacional de telecomunicações, com a fusão da OI (ex-Telemar) com a Brasil Telecom. Indiretamente, atuam nessa direção as dificuldades criadas pelo governo contra a terceirização, o que está levando as empresas privatizadas a uma reestatização pela incorporação forçada em seus quadros de empregados que pertenciam às empresas contratadas. É a chamada "estatização branca" – tudo dentro da legalidade. O mesmo combate à terceirização, na maioria dos casos, reduz a eficiência das empresas que não podem realizar todas as atividades e dependem de sub-contratação. A redução das liberdades vem sendo praticada também através de mecanismos legais muito sutis. Por exemplo, a Medida Provisória 316/06, depois convertida na Lei 11.430/06, inverteu o ônus da prova no caso de acidentes do trabalho e doenças profissionais. Um empregado, individualmente, ou por meio de seu sindicato, passou a ter o direito de responsabilizar a empresa onde trabalha por qualquer problema de saúde que lhe venha a ocorrer durante o seu contrato de trabalho. Cabe à empresa provar que o problema não foi causado por suas atividades. Isso já está gerando uma enorme quantidade de ações trabalhistas, invocando, inclusive, vultosas indenizações por danos materiais e morais. O acúmulo dessas ações na mesma empresa acarreta uma elevação do seu grau de risco, o que implica em aumentos expressivos na alíquota da contribuição compulsória ao seguro acidentes do trabalho. Outro exemplo. Desde julho de 2006, os sindicatos laborais passaram a ter o direito de


acionar as empresas em nome de seus representados, mas sem autorização destes e até mesmo contra a sua vontade, o que, de certa forma, tornou os empresários reféns dos sindicalistas. Trata-se do dispositivo legal chamado de "substituição processual", por meio do qual o sindicato substitui o trabalhador, sem anuência deste. Com isso, os sindicatos estão se preparando para usar esse poderoso direito para acionar as empresas por motivos presentes e passados, em ações trabalhistas de grande monta. Numa palavra, os empresários não sabem mais o passivo trabalhista que de fato possuem porque, a qualquer momento, um sindicato pode processá-los por motivos remotos referentes a todos os seus empregados e até mesmo a toda uma categoria profissional. Esses dois exemplos explicitam a insegurança jurídica que cerca os investidores no longo prazo. É a formação de passivos ocultos. A qualquer momento eles podem se transformar em ações judiciais onerosas para ressarcir um acidente ou uma doença que foi contraída fora de suas empresas ou indenizar prejuízos alegados por um sindicato que sequer consultou seus representados para deles obter a devida autorização. Na área trabalhista, a lista de medidas intervencionistas é infindável e transborda os limites deste ensaio. Em vista de tudo isso, ainda é vantajoso investir no Brasil? Parece que sim. Afinal, o potencial de consumo do País é enorme. A melhoria da distribuição de renda vem ampliando esse potencial. A elevação do poder de compra dos pobres, promovida em grande parte pelos programas sociais, amplia as oportunidades de vendas e lucros. Ganhos adicionais podem surgir da estabilidade política mantida por um governo que tem fortes raízes populares. Na opinião de Bresser, para os investidores, a esquerda ideal é a que busca reformar o capitalismo. (58) Na concepção do PT, entretanto, o capitalismo não tem conserto. O regime precisa ser substituído pelo socialismo moderno que, deixa para o setor privado a produção do "varejo", para a qual o Estado não tem condições de sobressair, e reserva para o governo os grandes investimentos em infra-estrutura e em programas sociais, incluindo-se aqui, as transferências de renda, os projetos educacionais, da cultura, da imprensa e outros que garantem a hegemonia do partido no processo eleitoral. Se essa hipótese tem validade, o socialismo moderno estaria sendo cunhado dentro de um pacto implícito, no qual as grandes empresas, que podem trabalhar com mais liberdade em

Alfer

áreas não estratégicas, concordariam em repassar para o governo quase 40% do PIB na forma de impostos, e o governo, em contrapartida, garantir-lhes-ia uma exposição mínima ao comércio internacional. Sim, porque uma grande abertura comercial colocaria a céu aberto as feridas da economia brasileira. Seria um desastre para muitas empresas terem de competir com similares de países que produzem os mesmos bens com menos custo e mais qualidade. Ademais, isso traria à praça pública as mazelas que hoje impedem as empresas nacionais de competirem com vantagem, como é o caso do gigantismo das despesas públicas e do anacronismo da carga tributária. Como isso não interessa nem às empresas, nem ao governo, a troca de uma pesada carga tributária por garantias contra as agressões externas surge como uma hipótese de um pacto quase sinistro, o que explicaria, dentre outras coisas, o bombardeio do Brasil à ALCA e a busca de um relacionamento mais forte com os países pobres. (59) Mas, o que há de errado com um governo que distribui renda e reduz a pobreza? Nada. Há que se perguntar, porém, se, em nome dessa política, o País consegue manter a eficiência da economia no longo prazo. É bom lembrar que o comunismo morreu por ter abandonado a eficiência, deixando como saldo o desamor pela produtividade e o desprezo ao mérito. Aliás, esse mesmo mérito vem sendo "desconstruído" em muitas áreas da sociedade brasileira. Há sindicatos que criticam as empresas que premiam os melhores empregados, porque isso significa uma exclusão social dos demais. O mesmo ocorre nas escolas, em que a premiação do aluno mais brilhante é vista como desprezo aos demais. E assim vai se destruindo a noção de mérito, que é o símbolo da eficiência, da garra, da dedicação, do comprometimento, do amor ao bem-feito, numa palavra, da ética do trabalho. No caso do Brasil, o grosso da produção ainda se guia pela produtividade e pelos sinais dos preços, que caracterizam a concorrência acirrada. É isso que levou as empresas a avançarem bastante no terreno da eficiência, das inovações organizacionais e da modernização tecnológica. A melhoria da produção e da produtividade se aplicam à agricultura, à indústria, ao comércio e aos serviços. Só não houve mais avanços devido à persistência dos constrangimentos da infra-estrutura, à má qualidade da educação e à perversidade dos juros e tributos. O que dizer da marcha do intervencionismo depois do PT? O "day after" depende muito do andamento do crescimento econômico. A continuar com

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NOTAS

A continuar com o quadro econômico atual, o presidente Lula tem uma grande oportunidade de construir um candidato do PT ou muito próximo ao PT para levar o partido a vencer as próximas eleições.

taxas de 5%, com a economia internacional favorável aos preços brasileiros e com a valorização do real garantindo baixa inflação, tudo indica que Lula terá um amplo espaço para continuar como o amigo dos ricos e pai dos pobres e, com isso, ser, no mínimo, um eleitor decisivo nas próximas eleições. Nesse cenário, o intervencionismo será crescente. A reversão é pouco provável. Mesmo porque a oposição terá grandes dificuldades para conquistar os corações da grande maioria dos eleitores, se tentar mexer nos programas de apoio aos mais pobres seria um suicídio político. A continuar com o quadro econômico atual, o presidente Lula tem uma grande oportunidade de construir um candidato do PT ou muito próximo ao PT para levar o partido a vencer as próximas eleições. Mas, se a situação econômica virar, em decorrência de uma desaceleração do mercado externo, com aumento da inflação interna, as dificuldades políticas para Lula e o PT crescerão. Mas,

(1) A versão inicial deste trabalho foi apresentada na Reunião dos Membros do Grupo de Conjuntura da FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, 21/09/2007. Esta versão incorpora inúmeras sugestões dos participantes daquela reunião. O Autor agradece os professores Antonio Evaldo Comune, Carlos Antonio Luque, Celso Luiz Martone, Domingos Pimentel Bortoletto, Eli Roberto Pelin, Eliana A. Cardoso, Fernando Homem de Melo, Guilherme Leite da Silva Dias, Helio Nogueira da Cruz, Joaquim Elói Cirne de Toledo, José Paulo Zeetano Chahad, Juarez Alexandre Baldini Rizzieri, Maria Helena Pallares Zockun, Rodrigo Rodrigues Celoto e Simão Davi Silber. (2) De 2003 a 2007, o Governo Lula reduziu a dívida externa de US$ 210 bilhões para US$ 161 bilhões; derrubou o Risco Brasil de 2.000 pontos para 200 pontos; elevou as reservas internacionais de US$ 16 bilhões para US$ 165 bilhões; fez o saldo comercial passar de um déficit de US$ 9 bilhões para um superávit de mais de US$ 120 bilhões; aumentou as exportações em 100%; chegou a uma inflação de apenas 3,4% em 2006; e mostra levar o país a crescer quase 5% em 2007. (3) Foi necessário um recurso à Justiça para restabelecer a ordem. (4) Extraído de Gaudêncio Torquato, "Por trás da barricadas", O Estado de S. Paulo, 15/08/2004. (5) José Genoino, "A esquerda e as reformas", O Estado de S. Paulo, 07/06/2003. (6) Tarso Genro, Esquerda em Processo, Ed. Vozes, São Paulo, 2004, p. 48. (7) Tarso Genro, op. cit., p. 96 (8) Tarso Genro, op. cit., p. 71 (9) Tarso Genro, op. cit. P. 76 (10) Tarso Genro, op. cit., p. 87 (11) Tarso Genro, op. cit., p. 77 (12) Antonio Gramsci, Escritos Políticos, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2004, Vol. I, p.121. (13) Antonio Gramsci, oip. cit., Vol. I, p. 122. (14) Antonio Gramsci, oip. cit., Vol. I, p. 123-125. (15) Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000, Vol. II, pp. 78- 79. (16) Antonio Gramsci, Escritos Políticos, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2004, Vol. I, pp. 142-145

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mesmo nessa situação, há que se considerar que o capital político de Lula pode resistir por um bom tempo. Tudo indica que esse capital estará vivo nas eleições de 2008, o que permitirá – provavelmente – o avanço do PT no domínio das máquinas municipais. Daí a importância da Lei dos Consórcios Públicos, que viabiliza os repasses diretos da União aos municípios. Isso é estratégico para alavancar a campanha de 2010. Há indicações ainda de que os recursos para os programas sociais estarão garantidos para 2008-2010, com a aprovação da CPMF e outras importantes fontes de recursos do governo federal. Finalmente, é preciso considerar que, pelo menos até 2010, a militância do PT continuará ocupando os cargos públicos e exercendo um forte poder de manobra para buscar um novo sucesso eleitoral nas eleições presidenciais. Ou seja, mesmo no cenário de um desaquecimento econômico, não há como afirmar que o governo Lula entrará em erosão a ponto de perder toda a sua credibilidade ao longo dos próximos 30 meses. O estilo inter-

(17) Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), Movimento de

Libertação dos Trabalhadores sem Terra (MLST) e Comissão Pastoral da Terra (CPT). (18) Para assegurar a produção e o crescimento, foram aprovados alguns alívios tributários, estímulos a investimentos setorizados e ampliação do crédito aos consumidores, em especial, o vinculado às folhas de pagamento e às aposentadorias e pensões. (19) O PT lamentou a perda de apoio dos jovens, em especial da classe média, depois dos escândalos de corrupção denunciados em 2005 e 2006. Segundo dados apresentados no 3º. Congresso do PT, o número de filiados jovens, com idade até 29 anos, é de apenas 280 mil – dentro de um total de 900 mil de todo o partido ("PT Concepção e Funcionamento", 3º. Congresso do PT, São Paulo, 1/9/07, p. 7). O Congresso aprovou o trabalho junto aos jovens como prioridade número 1 a ser seguida nos próximos anos ("PT Concepção e Funcionamento", op. cit. p. 54). (20) IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, (PNAD), 2006. (21) Esta lei permite à União firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções sociais e econômicas de outras entidades e órgãos do governo. No estabelecimento desses instrumentos, o PT tem indicado um grande número de seus filiados para deles participarem como funcionários. (22) No primeiro mandato de Lula, o aparelhamento do Estado em nível federal visou os cargos mais altos e mais estratégicos. Cerca de 45% da cúpula do governo (que leva em conta apenas os cargos de níveis 5 e 6) era composta de sindicalistas ligados à CUT e ao PT. (23) Celina D´Araujo, "Governo Lula: contornos sociais e políticos da elite do poder", Centro de Pesquisas e Documentação Histórica da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2007. (24) Paulo Delgado, "A Problemática do PT", in João Paulo dos Reis Velloso e Roberto Cavalcanti de Albuquerque (coordenadores), Crise política e reformas das instituições do estado brasileiro, Livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 2005 (25) "Miséria no Brasil cai 27,7% no primeiro mandato de Lula", O Estado de S. Paulo, 20/09/07.


vencionista e estatizante tem seu próprio fôlego e só será abandonado no caso de uma crise econômica muito séria. Assim, parece legítimo esperar que ao longo dos próximos anos o Brasil conviverá com uma economia mais dirigida. Isso tudo aumenta o perigo de perdermos eficiência em um mundo que prosseguirá na competição. O Estado é lerdo; demora para decidir; e, em muitos casos, decide mal. Em conclusão. O risco do Brasil se tornar menos competitivo não é imediato. Ele será uma decorrência da desconstrução dos valores da liberdade, da produtividade, da eficiência, do mérito e da ética do trabalho. Sabemos bem o que um Estado dirigido por grandes massas de burocratas, que acreditam na capacidade do governo de planejar e financiar a produção, e, em muitos casos, executar os projetos. Esse é o futuro que nos espera. Nada de pânico para os nossos dias. E toda atenção aos dias dos nossos filhos e netos.

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Este tipo de preocupação parece cair fora da análise da maioria dos investidores e até mesmo dos estudiosos do processo de crescimento econômico. Na área acadêmica, seria oportuno retomar a temática das instituições, para, com apoio nela, tentarmos enxergar além das estatísticas do presente. Mas, por outro lado, é ingênuo cultivar o catastrofismo. O Brasil é um país que surpreende. É possível que os governantes atuais venham a se conscientizar a respeito da inviabilidade dos regimes que suprimem a liberdade. Mas, isso não será automático. Os que acreditam na democracia precisam entender que não basta votar. James Madison dizia que a democracia é um processo de formação demorada. No primeiro estágio, os governados precisam aprender a respeitar os governantes. No segundo, os governantes têm de aprender a respeitar os governados. E no terceiro, os governados têm de controlar os governantes.

(26) Apesar do aumento dos investimentos verificado no período de

(43) No primeiro mandato, o governo Lula impediu que as agencias

2005-2007, o seu montante (18% do PIB) ainda muito baixo quando comparado com grande parte dos países emergentes que investem mais de 25% do PIB anualmente. (27) O Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (DEST) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão registra a criação de mais de quinze empresas no Governo Lula. A grande maioria de seus dirigentes é de origem sindical, mais especificamente, militantes da CUT. (28) A MP 398 institui os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua administração indireta, autoriza o Poder Executivo a constituir a Empresa Brasil de Comunicação - EBC, e dá outras providências. (29) "ABDIB vê cipoal burocrático em incentivos do PAC ao setor privado", O Estado de S. Paulo, 20/09/07. (30) Dados referentes a 63 empreendimentos licenciados pelo IBAMA entre 1997 e 2006 e coletados pelo Banco Mundial (31) Declaração de Paulo Godoy, Presidente da ABDIB. (32) Ver os vídeos em http://www.pt.org.br/sitept/index_files/videos/index.php. (33) "O Socialismo Petista", "O Brasil que Queremos" e "O PT, Concepção e Funcionamento". (34) "O Socialismo Petista", 3º. Congresso do PT, São Paulo, 1/9/07, p. 7. (35) "O Socialismo Petista", op. cit. p. 8. (36) "O Brasil que queremos", 3º. Congresso do PT, São Paulo, 1/9/07, p. 20. (37) "Lula critica desaprovação da secretaria de Mangabeira", O Estado de S. Paulo. (38)Rodolfo Kuntz,"É isso aí, choque de gestão", O Estado de S. Paulo, 04/10/2007. (39) "O Socialismo Petista", op. cit., p. 11 (40) Dos 20 superintendentes do INCRA, 12 são dirigentes do MST. O movimento mantém uma rede educacional com 1.800 escolas, 4 mil professores e cerca de 160 mil alunos, com verbas oficiais. (41) "O Brasil que queremos", op. cit., p 58 (42) "Há invasões compreensíveis, diz ministro", Folha de S. Paulo, 23/02/2007

gastassem 79% dos seus recursos. Entre 2003 e 2006, as agencias ficaram impedidas de gastar R$ 14,6 bilhões, aprovados por lei. No primeiro semestre de 2007, o bloqueio de verbas das agencias chegou a R$ 5,3 bilhões (73% do orçamento aprovado). (44) "O Brasil que queremos", op. cit., p. 12 (45) "Chávez faz ameaças a escolas", O Estado de S. Paulo, 18/09/07. Segundo o Presidente venezuelano todas as instituições de ensino do país terão de permitir a visita de inspetores, cujo objetivo principal será o de verificar se o conteúdo ministrado em sala de aula está de acordo com o "socialismo do século 21". Um novo currículo escolar, "livre dos valores individualistas do sistema de ensino capitalista" deverá ficar pronto até meados de 2008. (46) "Vinte milhões utilizam livro polêmico", O Estado de S. Paulo, 20/09/07. (47) Ali Kamel, "O que ensinam às nossas crianças", O Globo, 18/09/07. (48) Ali Kamel, "Livro didático e propaganda politica", O Globo, 01/10/07. (49) "PT Concepção e Funcionamento", 3º. Congresso do PT, São Paulo, 1/9/07, p. 12. (50) "PT Concepção e Funcionamento", op. cit., p. 56. (51) "PT Concepção e Funcionamento", op. cit. p. 60. (52) "PT Concepção e Funcionamento", op. cit., p. 61. (53) "PT Concepção e Funcionamento", op. cit., p. 62. (54) "O Brasil que queremos", op. cit., p. 27. (55) Antonio Carlos Almeida, A Cabeça do Brasileiro, Editora Record, Rio de Janeiro, 2007. (56) O Brasil que queremos, op. cit., p. 28. (57) No caso do traficante colombiano, despontou, ao contrário, o desatrelamento entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos. (58) Luiz Carlos Bresser Pereira, "Esquerda Nacional e Empresários na América Latina", Revista Lua Nova, No. 70, 2007, pp. 83-100.. (59) Pesquisas de opinião pública sobre o estilo de política externa que visa aproximar o Brasil dos países mais pobres contam com a simpatia da maior parte do eleitorado. Persiste, para a maioria das pessoas,uma certa antipatia pelos ricos e a prática da generosidade em relação aos pobres.

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Flรกvio Florido/Folha Imagem

Fรณrum Social Mundial 2005, evento realizado no ginรกsio Gigantinho, em Porto Alegre.

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P Lalo de Almeida/Folha Imagem

Luiz Carlos Bresser-Pereira Economista e professor da Fundação Getúlio Vargas. www.bresserpereira.org.br.

Este artigo foi publicado na edição 70 da Revista Lua Nova

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ode um empresário fazer parte de um partido político de esquerda? Para responder esta pergunta, o autor define esquerda como a ideologia política que aceita arriscar a ordem social em nome da justiça social. Se isso é feito moderadamente, se o partido político adota uma posição de centroesquerda, não haverá inconsistência. Nas democracias modernas, os partidos políticos da esquerda e da direita lutam por apoio do centro ideológico, e tendem a convergir para ele. O que dizer sobre o assunto no caso do Brasil? Aqui, como nos outros países da América Latina, os partidos políticos de esquerda moderados freqüentemente vencem as eleições, mas raramente governam. Este paradoxo é explicado pelo caráter conservador das elites latino-americanas. A América Latina é formada por países dependentes, competindo em um mundo onde as estratégias nacionais são necessárias para o crescimento. Em princípio, espera-se que a esquerda seja uma esquerda nacional, mas desde que a teoria da dependência declarou que a burguesia nacional era "impossível" na América Latina, uma aliança entre empresários progressistas e a esquerda tornase mais difícil, ao mesmo tempo em que a esquerda e os intelectuais tendem a tornarem-se dependentes ou cosmopolitas. Meu conceito de esquerda e direita tem como critérios a justiça social e a ordem pública, de um lado, e o reconhecimento ou não da necessidade de intervenção do Estado na economia, de outro. Enquanto alguém de direita prioriza sempre a ordem em relação à justiça, quem é de esquerda está disposto a arriscar a ordem em nome da justiça social; enquanto o conservador é hoje um neo ou ultraliberal, o progressista defende um grau razoável de intervenção do Estado para corrigir as falhas alocativas e distributivas do mercado. Há muitos tipos de esquerda, mais do que tipos de direita, provavelmente porque esta, além dos valores e idéias, tem o capital para uni-la, enquanto que a esquerda só tem valores e idéias. Podemos distinguir pelo menos quatro tipos de esquerda: a extrema-esquerda, a esquerda utópica, a esquerda burocrático-sindical e a centro-esquerda. A extrema-esquerda é revolucionária, não vendo na democracia existente senão uma forma de dominação: pretende assumir o poder revolucionariamente para, em seguida, implementar o que denomina socialismo, mas que é mais correto chamar de estatismo. A esquerda utópica prefere não disputar o poder para manter seus ideais socialistas, e para poder ser uma força crítica dentro da

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s o c ie d ade. O melhor exemplo desse tipo de esquerda é hoje o movimento ‘o utromu ndi ali sta ’, que se formou a partir dos Fóruns Sociais Mundiais: seus participantes mais representativos afirmam que não aspiram ao poder, mas querem ser a consciência crítica das sociedades capitalistas contemporâneas. A esquerda burocrático-sindical joga o jogo democrático e tem bases fortes na burocracia do Estado e nos sindicatos. Finalmente, a centro-esquerda reconhece a impossibilidade de uma transição para o socialismo dentro de um prazo previsível e, usando uma frase de Michel Rocard, trata de "governar o capitalismo mais competentemente que os capitalistas". Ou seja, é uma esquerda reformista, que durante o século 20 foi social-democrata, mas que está se transformando em uma centro-esquerda social-liberal, na medida em que os partidos de esquerda na Europa vêm reformando suas economias e seu Estado, no sentido de manter a garantia aos direitos sociais e aprofundar a igualdade, ao mesmo tempo em que aceitam um papel mais ativo de mercados regulados na coordenação do sistema. Uma segunda pergunta, porém, é necessária: pode essa esquerda ser nacional? Na América Latina, depois de um longo período de hegemonia das idéias de direita e globalistas, que se tornaram dominantes na região na segunda metade dos anos 1980, a esquerda e o nacionalismo democrático estão de volta. Nos últimos três anos, foram eleitos governos de esquerda e nacionalistas no Brasil, na Argentina, na Venezuela, no Uruguai e na Bolívia. Entende-se aqui por nacionalismo a ideologia da formação e sustentação do estado-nação. O nacionalismo democrático e moderadamente liberal que está surgindo compreende a globalização como a competição generalizada, em nível mundial, das empresas apoiadas por seus respectivos países ou estados-nação, e, sem rejeitar os conflitos, defende uma razoável solidariedade das classes quando se trata de competir internacionalmente. O globalismo ou o cosmopolitismo, por sua vez, entende que na globalização os Estados nacionais perderam autonomia e relevância, rejeita a idéia de uma competição generalizada, e espera que seu país conte com o apoio ou a ajuda dos países ricos. O nacionalismo não é


n e c e s s ariamente de esquerda. Historicamente, foi antes uma ideologia burguesa, que se somou à ideologia liberal para que se formassem os modernos estadosnação. Mas desde que a Guerra Fria levou as burguesias nacionais a se identificarem com os Estados Unidos, para assim fazerem frente às ameaças comunistas locais, o nacionalismo tendeu a ser crescentemente adotado por partidos de centro-esquerda. A Guerra Fria já terminou há quase 20 anos, mas só recentemente os empresários estão se dando conta de que seus interesses mudaram, e que agora faz mais sentido competir internacionalmente ao invés de se subordinar e aproveitar as frestas, como supõe a ideologia globalista e cosmopolita.

houve um movimento socialista forte, o centro está muito mais à direita do que na Grã-Bretanha, que, por sua vez, está mais à direita do que na França, na Alemanha, ou na Espanha. Esta diferença geográfica de colocação do centro se deve a razões de ordem histórica, que não importam aqui discutir. O que é importante deixar claro é o fato de que, se aceitarmos essa variação no centro, o conceito de esquerda e direita torna-se relativo. Políticas que são consideradas de esquerda nos Estados Unidos poderão ser consideradas de direita na França. Os políticos progressistas ou de esquerda americanos são geralmente associados ao Partido Democrata, e são denominados ‘liberais’, numa referência ao século dezoito e começo do

Desde que a Guerra Fria levou as burguesias nacionais a se identificarem com os Estados Unidos, para fazerem frente às ameaças comunistas locais, o nacionalismo tendeu a ser adotado por partidos de centro-esquerda.

A LUTA PELO CENTRO Na discussão do conceito de esquerda é essencial debater o problema do centro. No quadro das sociedades modernas, os agrupamentos políticos que se autodenominam de centro são sempre de direita, ou de centro-direita. Podemos e devemos pensar em uma escala ideológica que vai da extrema direita para a extrema esquerda, passando pela direita, a centro-direita, a centro-esquerda, e a esquerda. Ficamos, assim, com uma escala de seis formações políticas, mas sem um centro. Nessa escala, o centro é inexistente, mas, como ponto virtual, é fundamental. O grande objetivo, tanto da esquerda quanto da direita, é conquistar o centro, porque, quando o conquista, se torna governo. Como esse centro se move ciclicamente, ora para um lado, ora para outro, toda a luta ideológica entre a esquerda e a direita nas democracias modernas se trava em torno de empurrar esse centro mais para a esquerda ou mais para a direita. Os movimentos do centro são, naturalmente, pendulares: ora o centro caminha para a esquerda, como aconteceu no mundo a partir da Grande Depressão dos anos 30, ora caminha para a direita, como ocorreu a partir de meados dos anos 70. Esses movimentos ocorrem na medida em que as propostas de governo de um ou de outro grupo se esgotam, e os eleitores situados mais próximo ao centro deslocam-se na direção oposta àquela dominante. Por outro lado, é preciso considerar que o centro varia geograficamente. Nos Estados Unidos, onde nunca

Flávio Florido/Folha Imagem

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Marcelo Min/AFG 29/10/2006

Entre os três presidentes eleitos diretamente pelo povo desde 1985, dois se autodenominaram de esquerda, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, e apenas um aceitava ser de direita, Fernando Collor.

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dezenove, quando os liberais eram progressistas, lutando em nome da burguesia contra os conservadores ainda aliados à aristocracia. Ao afirmar que o centro se move no tempo, e que varia geograficamente de país para país, reconheço uma limitação na definição teórica que ofereci inicialmente. Se for estrito em definir esquerda e direita em relação à ordem e à justiça, não faria sentido essa variação. Arriscar a ordem, admitir a ação de movimentos sociais, como greves, restringir sem violência ações ilegais de outros movimentos sociais, como as invasões que, no Brasil, os semterra e os sem-teto com freqüência promovem, e apoiar suas reivindicações, seria sempre de esquerda. Em contrapartida, defender a lei a qualquer preço, usar da autoridade tradicional e religiosa para justificar posições políticas e morais seria sempre de direita. Isto, porém, é verdadeiro até certo ponto. Nas questões sociais, o princípio da razoabilidade deve sempre prevalecer, e esse princípio rejeita distinções claras e precisas entre o branco e o preto. A realidade social é ambígua, assim como o ser humano. A direita tende a pressupor que o ser humano é, por natureza, egoísta ou auto-interessado; a esquerda, a pensá-lo como generoso ou capaz de generosidade. Na verdade, o ser humano é intrinsecamente contraditório e, portanto, ambíguo. Ele nasce com duas necessidades fundamentais e contraditórias: de um lado, o instinto da sobrevivência o faz individualista e egoísta; de outro, o instinto da convivência o torna solidário e cooperativo. Toda a sociedade humana está baseada nessa ambigüidade, e por isso os cientistas sociais enfrentam tanta dificuldade em prever seu comportamento. Se o centro varia geograficamente, seria interessante perguntar o que acontece com o centro no Brasil ou na América Latina. Está mais à esquerda ou mais à direita do que nos países desenvolvidos da Europa continental? Não sei responder com clareza, porque a divisão entre esquerda e direita enfrenta uma dificuldade fundamental na região. Não quero falar por toda a América Latina, onde a esquerda hoje está presente no governo da Argentina, do Uruguai, do Chile, da Venezuela, da Bolívia e do Brasil. Conforme observou Wilfredo Lozano (2005: 145), "a esquerda hoje no poder resulta ser um complexo produto de sua reacomodação reformadora, o que a obrigou a girar para o centro". Quanto, entretanto, girar para o centro? E o giro é apenas para o centro ou para a direita? Ditmar Dimoser (2005: 28), escrevendo sobre a democracia na América Latina, pergunta: "Estará o

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futuro latino-americano caracterizado por democracias sem democratas?" Tal pergunta envolve um paradoxo absoluto. No caso do Brasil, em relação não à democracia, mas à esquerda, a questão está dominada por um outro paradoxo que talvez não esteja ausente do restante da América Latina: a esquerda ganha as eleições, na medida em que partidos de esquerda ou de centro-esquerda alcançam a maioria no parlamento, mas não governa. Denomino esse fenômeno de "paradoxo da esquerda". Será ele verdadeiro? E, se for, há uma explicação para ele, ou é um paradoxo puro? Para responder a essas perguntas, e tomando o Brasil apenas como base de minha análise, parto do pressuposto de que a ideologia é determinante do voto. Esse pressuposto teórico foi colocado em dúvida por uma série de analistas internacionais, geralmente de filiação conservadora, que também tendem a negar a relevância da diferença esquerda-direita. Mas afinal, as pesquisas deixaram claro que os eleitores, embora não tenham uma estrutura ideológica definida, para a qual seriam necessários conhecimentos que eles não possuem, são possuidores de uma identificação ideológica suficiente que lhes permite distinguir as posições de esquerda ou de direita, progressistas ou conservadoras. Singer (1999) testou essa hipótese em relação ao Brasil, e a viu confirmada. O Brasil transitou para a democracia em 1985. Desde então, os partidos que dominam o parlamento brasileiro (pela ordem histórica, o PMDB, o PSDB e o PT) sempre se autodefiniram como partidos de esquerda – os dois primeiros, de centro-esquerda, o último, de esquerda, e, juntamente com os pequenos partidos de esquerda, lograram a maioria na Câmara dos Deputados. (1) Entre os três presidentes eleitos diretamente pelo povo desde 1985, dois se autodenominaram de esquerda, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, e apenas um aceitava ser de direita, Fernando Collor. É verdade que nem todos os parlamentares desses partidos podem ser considerados de centroesquerda: alguns, inclusive entre os do PT de-

(1) Não lograram, todavia, maioria no Senado. (2) Esse conceito de sociedade civil, porém, foi

muito útil para a análise que fiz, na segunda metade dos anos 70, da transição democrática que começava então. (3) Para uma excelente resenha do debate sobre as organizações da sociedade civil que surgiram como uma alternativa emancipadora nos anos 90, ver Lavalle (2003).


pois que se tornou governo, são antes de centro-direita, mas os programas e as mensagens políticas que passam são de centro-esquerda. O motivo pelo qual no Brasil os partidos e os candidatos presidenciais de esquerda tendem a ser eleitos com mais freqüência do que os de direita é evidente. Está diretamente relacionado com a brutal desigualdade social existente no País. Esta desigualdade, somada aos baixos níveis de educação e de formação cívica do povo brasileiro, o fazem esperar dos políticos um discurso voltado para uma maior distribuição de renda. Os políticos de esquerda podem fazer isto naturalmente, sem necessariamente serem populistas; já os candidatos de direita só são capazes de formular um discurso dessa natureza sendo populistas. Os candidatos de direita que ganham eleições executivas no Brasil são quase invariavelmente políticos populistas e demagógicos, que fazem um discurso que não corresponde a suas convicções. Já os candidatos de esquerda podem ser mais autênticos, embora não estejam livres do populismo. Entretanto, uma vez eleitos, nem o presidente, e nem os parlamentares de esquerda fazem um governo de esquerda, ou seja, que efetivamente contribua para a redução da injustiça social no País. Podem incluir em suas administrações algumas políticas sociais redistributivas, atendendo assim à pressão dos pobres, mas afinal seus governos promoverão principalmente os interesses dos ricos, e a renda e a riqueza continuarão a se concentrar. Por que os partidos de esquerda não governam em nome da esquerda no Brasil, e, eu suponho, na América Latina? Não é porque um governo de esquerda é impossível em países capitalistas. As experiências européias não deixam dúvida a respeito da viabilidade de governos de esquerda governando o capitalismo. Por que, então, no Brasil não tem sido viável, ainda que os eleitores elejam candidatos de esquerda ou, pelo menos, com um discurso de esquerda? A resposta mais geral a esta questão está no fato de que, no Brasil, como nos demais países em desenvolvimento, há um grande descompasso entre o "povo" e a "sociedade civil", e é nesta última que está sempre o verdadeiro poder político nas democracias. Coloquei as duas expressões entre aspas porque as estou usando em um sentido muito preciso: povo, aqui é o conjunto de cidadãos iguais perante a lei, dotados cada um do direito de um voto; sociedade civil é esse povo no qual, porém, o poder de cada cidadão é ponderado pelo dinheiro, conhecimento e capacidade de organização que ele detém. Não estou, portanto, confundindo socieda-

de civil, que é um conceito clássico, com "organizações da sociedade civil", principalmente organizações públicas não-estatais de advocacia políticas – as chamadas ONGs stricto sensu – que são a base da lenta transição das atuais democracias de opinião pública para as democracias participativas. Enquanto o conceito de organizações da sociedade civil permite o desenvolvimento de uma teoria de emancipação social através da emergência da democracia participativa ou da democracia deliberativa, o conceito de sociedade civil não tem caráter normativo. (2) Sugere apenas que a sociedade politicamente organizada – ou seja, a sociedade civil – tende a ser mais conservadora, e talvez seja menos democrática do que o povo, porque nela aqueles indivíduos que possuem mais capital, mais conhecimento técnico, organizacional e comunicativo, e estão inseridos em organizações, sejam elas corporativas ou públicas não-estatais, terão individualmente mais poder do que os cidadãos comuns. Quanto mais avançada for uma democracia, mais democratizada será sua sociedade civil, e, por isso mesmo, menor será a diferença entre ela e o povo. (3) Enquanto, no caso de uma sociedade civil autoritária, ela própria não se distingue com clareza do conceito de elites, a distinção é clara no caso de sociedades civis democráticas. Entende-se aqui por uma sociedade civil mais democrática exatamente aquela na qual as diferenças de poder de seus participantes em relação ao poder de cada cidadão no povo são menores. Ora, isto acontecerá na medida em que, em cada sociedade, aumentar o grau de igualdade de renda, de conhecimento, de capacidade de organização, e, portanto, de poder político real. Ou seja, aumentar o grau de justiça social existente nessa sociedade. O que mostra que, embora liberdade, garantida pela democracia, e justiça, que é trazida pelo crescente respeito aos direitos sociais, sejam objetivos políticos independentes, a teoria política indica que afinal são também interdependentes quando pensamos em termos de graus de liberdade e em graus de justiça. Sociedades como a sueca, ou a suíça, na qual as desigualdades são relativamente pequenas, são sociedades em que a sociedade civil é fortemente democrática, diferenciando-se pouco do povo. Sendo assim, nessas sociedades, uma vez eleito pelo povo um governo de esquerda, esse governo, que afinal reflete o poder da sociedade civil, fará uma administração de esquerda. Enquanto isso, em sociedades menos democráticas e menos justas, como são as latinoamericanas, o des-

(...) no Brasil, como nos demais países em desenvolvimento, há um grande descompasso entre o ‘povo’ e a ‘sociedade civil’, e é nesta última que está sempre o verdadeiro poder político nas democracias.

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compasso entre o povo e a sociedade civil é enorme. O povo não tende necessariamente a ser mais democrático do que a sociedade civil, como bem mostram as pesquisas sobre o tema que realizam entidades como o Latinobarômetro, mas tende a ser mais de esquerda, na medida em que demanda do Estado políticas ativas mais distributivas. Dado esse descompasso, uma vez eleito um governo de esquerda, a tendência dos novos governantes, para alcançar ‘legitimidade’ política junto à sociedade civil, será a de identificar-se rapidamente com as percepções e valores centrais dessa sociedade que é a fonte real de legitimidade. A fonte da legalidade política, nas democracias, é sempre o povo, mas a da legitimidade é dada antes pelo apoio da sociedade civil. Observe-se que esta afirmação que faço, como quase todas as demais, obedece a um critério histórico antes que normativo. Do ponto de vista normativo, seria melhor que legitimidade e legalidade se confundissem, mas neste caso bastar-nos-ia apenas um conceito. Por isso, e a partir de Weber, uso o conceito de legitimidade para indicar o fato de que um governo conta com o apoio da sociedade civil, enquanto que emprego o conceito de legalidade para dizer que ele foi eleito regularmente pelo povo. O primeiro é um conceito real – sociológico e histórico; o segundo, um conceito formal – jurídico no sentido estrito desta palavra. Quando o governo está recém-eleito, a tendência será de a legalidade e a legitimidade política coincidirem, mesmo que o governo eleito seja de esquerda, e não tenha contado na eleição com o apoio da sociedade civil. Isto porque, eleito o novo governo, a sociedade civil tenderá a dar um voto de confiança aos novos governantes. Entretanto, a sociedade civil, e principalmente seus componentes mais à direita, esperam que o novo governo, ainda que conservando uma retórica de esquerda, revele rapidamente seu respeito pela propriedade e pelos contratos – pela ordem estabelecida, portanto – e que não adote políticas redistributivas fortes. Caso contrário, o governo correrá o risco de perder seu apoio. OS EMPRESÁRIOS E A ESQUERDA Não há obstáculo para um empresário ser de esquerda desde que a esquerda que apóie não seja revolucionária. Ele talvez precise de algum espírito republicano para sê-lo, mas não muito, porque no longo prazo é bem possível que ele saia ganhando com a política distributivista e defensora das liberdades que o governo de es-

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querda por ele apoiado provavelmente adotará. Poderá sair ganhando se a redução da desigualdade reduzir a instabilidade política, e, em conseqüência, acelerar o processo de desenvolvimento econômico (Przeworski e Curvale, 2005). Poderá também sair ganhando se a política de intervenção moderada do Estado patrocinada pelo governo contribuir para o desenvolvimento. Caso, entretanto, tenha espírito republicano, mesmo sem se beneficiar pessoalmente, o empresário poderá ser de esquerda, desde que seu partido, uma vez no governo, seja capaz de governar o capitalismo mais competentemente do que os capitalistas. Para o empresário, o partido de esquerda ideal é aquele que busca reformar o capitalismo. A social-democracia foi a primeira forma que assumiu a esquerda quando deixou de ser revolucionária. Hoje, os partidos políticos de centro-esquerda, que foram inicialmente social-democráticos, tendem cada vez mais a se tornar social-liberais. O social-liberalismo representa uma superação positiva da social-democracia, mas é naturalmente objeto de desconfiança da esquerda burocrática e da utópica. Da mesma forma que a social-democracia foi por muito tempo acusada de trair os ideais do socialismo, agora se acusa o social-liberalismo de trair os ideais da social-democracia. Entretanto, ser social-liberal é hoje quase que uma condição para o êxito de um partido de esquerda no governo. Hoje, os países que apresentam governos de esquerda mais bem-sucedidos, como é o caso dos países escandinavos, da Holanda e da Grã-Bretanha, estão deixando de ser social-democratas para serem social-liberais. A diferença fundamental entre a social-democracia e o social-liberalismo não está na defesa dos direitos sociais, mas no papel maior dado ao mercado e à competição na coordenação da economia e da própria organização do Estado e dos serviços sociais e científicos que financia. ESQUERDA E NAÇÃO No caso da América Latina o programa de um partido de esquerda na América Latina deverá necessariamente combinar a luta pela diminuição das desigualdades com a luta pelo desenvolvimento. A esquerda radical tende a acreditar que o desenvolvimento está assegurado no capitalismo, e se preocupar apenas com a distribuição, mas isto é um equívoco. Embora seja verdade que, para os países que se desenvolveram originalmente e completaram sua revolução industrial, o desenvolvimento capitalista tenda a ser auto-sustentado (4). Nes-

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Historicamente, na Europa do século 19 de Marx, a burguesia era nacionalista e a esquerda, internacionalista. O internacionalismo da Internacional Socialista, porém, nunca convenceu os trabalhadores, que não hesitaram em se associar à burguesia e aos técnicos do governo quando se tratava de competir internacionalmente.


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No caso dos países em desenvolvimento e particularmente dos países da América Latina, não faz sentido ignorar o nacionalismo, porque ele está longe de ter se tornado consensual (...). Getúlio Vargas, no Brasil, talvez tenha sido o modelo de estadista industrializante e nacionalista.

se caso suas elites dependentes se tornaram ambíguas em relação aos interesses nacionais, porque ao mesmo tempo em que se identificavam com esses interesses, eram ideologicamente subordinadas ao centro desenvolvido. Entretanto, quando se adota o desenvolvimento econômico como um objetivo, não há alternativa senão em pensar estratégias nacionais de desenvolvimento. Desde que nos anos 80 a onda ideológica e globalista se tornou dominante, as elites conservadoras no continente subordinaram-se de forma indiscriminada às recomendações vindas de Washington e Nova York. Ora, o desenvolvimento econômico é sempre o resultado de uma estratégia que cada nação define com autonomia. Por isso, os países asiáticos que preservaram ciosamente essa autonomia são países dinâmicos, enquanto os da América Latina, que se inclinaram diante das pressões vindas do Norte, mantiveram-se semi-estagnados. Para os empresários nacionais, portanto, poderá ser interessante participar de governos de esquerda, que se tem revelado como maior capacidade se identificar com os interesses nacionais. As estratégias nacionais de desenvolvimento variarão muito de país para país. Os países maiores serão mais voltados para o mercado interno do que os países pequenos. Mas nenhum deles pode partir do pressuposto globalista de que os países ricos cuidarão de seus interesses. No capitalismo global, onde a competição entre os estados-nação é o princípio organizador do sistema, essa possibilidade não existe. Ou os partidos centro-esquerda, além de social-liberais, são nacionalistas (como, aliás, o são todos os partidos que nos países centrais disputam realmente o poder) ou não se desenvolverão. O interesse e a capacidade de promover o desenvolvimento econômico, como o de promover a liberdade, não distinguem a esquerda da direita. Naturalmente, cada um dos agrupamentos políticos afirmará que é mais capaz tanto de uma coisa como de outra, mas, historicamente, vimos governos de direita e de esquerda sendo bem-sucedidos e sendo desastrosos em relação a esses dois objetivos políticos. Entretanto, nesta seção argumentarei que, quando se pensa na definição de esquerda em países em desenvolvimento, é preciso incluir a idéia de desenvolvimento como um objetivo

(4) Isto não é verdade para os países que foram

submetidos a processos de imperialismo.

básico e as idéias de nação e de interesse nacional como meios para alcançar esse objetivo. Historicamente, na Europa do século dezenove e de Marx, a burguesia era nacionalista e a esquerda, internacionalista. O internacionalismo da Internacional Socialista, porém, nunca convenceu os trabalhadores, que não hesitaram em, de alguma forma, se associar à burguesia e aos técnicos do governo quando se tratava de competir internacionalmente. Foi isso que permitiu que todos os países capitalistas bem-sucedidos no plano econômico ao mesmo tempo consolidassem o projeto de construção de seus Estados-nação. Uma nação só ganha coesão e força, e o Estado só se torna o instrumento de ação coletiva dessa nação, se as classes sociais, não obstante seus conflitos, são capazes de se tornar solidárias quando se trata de competir com outras nações. No momento, porém, em que a construção nacional e o desenvolvimento se consolidaram naqueles países do Norte, o nacionalismo, embora se mantendo dominante, deixou de ser uma ideologia expressa para se tornar subentendida. O nacionalismo, em sua condição de ideologia da construção do Estado-nação, implica em se atribuir aos governos a responsabilidade de defender o trabalho, o conhecimento e o capital nacionais. Hoje, nesses países, como nos países dinâmicos da Ásia – e muito diferentemente do que acontece nos países dependentes da América Latina – praticamente ninguém tem dúvida que esse é o dever de seus governos, de forma que se tornou desnecessário reafirmar o próprio nacionalismo, transformado em valor consensual. Tornou-se, então, possível ocultar essa perspectiva, que sempre é incômoda nas relações internacionais, e reservar o adjetivo ‘nacionalista’ para as perversões do nacionalismo, para suas expressões extremadas e violentas como o nazismo, ou para formas de populismo de direita ou de esquerda em países em desenvolvimento. Para os países ricos, esse ocultamento que naturalmente se processou tem a vantagem não prevista de neutralizar o eventual nacionalismo dos países em desenvolvimento, tornando suas elites mais dóceis às diretrizes vindas do Norte, principalmente às políticas de seu interesse de caráter econômico. Já no caso dos países em desenvolvimento e particularmente dos países da América Latina, não faz sentido ignorar o nacionalismo, porque ele está longe de ter se tornado consensual, e de poder, portanto, ser subentendido. As elites da região – econômicas e intelectuais – são em grande parte dependentes. Fo-

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A partir da crise da dívida externa dos anos 1980, a dependência dos países latino-americanos aprofundou-se. Isto ocorreu porque o antigo modelo nacionaldesenvolvimentista que fora bem-sucedido em promover a industrialização do país entre 1930 e 1980, entrou em crise.

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ram nacionalistas em diversos graus e com graus diferentes de êxito entre 1930 e 1960. Getúlio Vargas, no Brasil, talvez tenha sido o modelo de estadista industrializante e nacionalista. Entretanto, essas elites, a partir da ameaça que representou a revolução cubana de 1959, subordinaram-se ao Norte. A adoção da "teoria da dependência", seja na sua versão marxista radical, seja na versão também marxista mas mais moderada da "dependência associada", não foi motivo para que se tornasse mais nacionalista, como se poderia imaginar, mas, pelo contrário, que copiasse a clássica perspectiva internacionalista da esquerda européia do século 19. Partindo do pressuposto de que na América Latina não seria possível haver uma "burguesia nacional", a primeira versão da teoria da dependência concluiu pela revolução socialista, e a segunda pela associação ou subordinação aos países ricos (5) Em ambos os casos, a idéia de nação ficava automaticamente rejeitada. A ascendência dessas duas interpretações sobre as esquerdas na América Latina, além de dificultar uma aproximação das esquerdas com os empresários, as levou a se tornarem cosmopolitas. A própria prioridade dada ao desenvolvimento econômico foi perdida pela esquerda, na medida em que esta assumiu que, no capitalismo, o desenvolvimento ocorreria de qualquer maneira, de forma que caberia a ela se preocupar com a democracia e a justiça social. A partir da crise da dívida externa dos anos 1980, a dependência dos países latinoamericanos aprofundou-se. Isto ocorreu porque o antigo modelo nacional-desenvolvimentista que fora bem-sucedido em promover a industrialização do país entre 1930 e 1980, entrou em crise. Ocorreu também porque a pressão ideológica globalista vinda do Norte afirmando que na era da globalização o Estado-nação perdera relevância e anunciando a governança global em um mundo sem fronteiras tornou-se fortíssima a partir daquela mesma data. E ocorreu, finalmente, porque as elites latino-americanas, conservadoras e dependentes, principalmente aquelas ligadas ao setor financeiro, aderiram rapidamente às novas idéias. Dessa forma, os países latino-americanos, inclusive o Brasil, que entre os anos 30 e 80 estavam realizando suas revoluções nacionais, viram essa construção ser interrompida. (6) Hoje, porém, quase 20 anos depois do fim da Guerra Fria, e dado o fracasso das políticas neoliberais em promover o desenvolvimento

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da América Latina, seria razoável esperar que, nos países latino-americanos, a esquerda fosse nacional e tivesse como prioridade o desenvolvimento econômico nacional. Sem uma atitude nacionalista democrática e liberal, mas não neoliberal, os países de desenvolvimento médio não lograrão evitar a dominação vinda do Norte, não lograrão realizar as reformas institucionais e adotar as políticas econômicas que são realmente necessárias para seu desenvolvimento. Nos últimos 25 anos, porém, os países asiáticos dinâmicos demonstraram que é possível usar com moderação o nacionalismo para construir seus Estados nacionais e para promover com êxito seu desenvolvimento. Serão os países latino-americanos capazes de fazer o mesmo? Se formos depender de seus intelectuais, dificilmente. Na região, os intelectuais são particularmente dependentes, como o demonstraram formulando teorias da dependência equivocadas. Fazem o que é inerente à situação de dependência não criticada: copiam o internacionalismo das esquerdas européias, não se dando conta que estas só adotaram o internacionalismo em teoria, enquanto se associavam aos empresários na construção da nação e na participação em estratégias nacionais de desenvolvimento. É preciso, entretanto, considerar que além das duas teorias da dependência mais conhecidas – a da super-exploração capitalista e a da dependência associada – existe uma terceira que faz mais sentido: a teoria do desenvolvimento nacional-dependente. (7) Através desse oxímoro, o que se pretende acentuar é o caráter intrinsecamente ambíguo e contraditório das elites latino-americanas, que são dependentes dos Estados Unidos, mas têm interesses reais relacionados com suas respectivas nações. Em certos momentos, como aconteceu entre os anos 1930 e os anos 1950, os interesses nacionais prevalecem, inclusive porque o centro estava em crise; em outros, como aconteceu nos anos 1980 e 1990, a dependência torna-se dominante. Resta saber o que acontecerá nos anos 2000. Metade da década já passou, e algumas tendências na direção da esquerda e da nação são visíveis, mas é cedo ainda para se afirmar qualquer coisa com segurança.

(5) Bresser-Pereira, "Do ISEB e da CEPAL à teoria

da dependência" (2005). (6) Celso Furtado, A Construção Interrompida

(1992). Bresser-Pereira (2005).

(7)


CONCLUSÃO Nos últimos anos, diante do fracasso das reformas e políticas neoliberais em promover o desenvolvimento da região, nota-se por parte mais dos empresários do que dos intelectuais, um interesse maior pelas questões nacionais, e uma maior disponibilidade de apoiar partidos de esquerda moderados que tenham um compromisso com o desenvolvimento nacional. Enquanto os empresários e a burocracia do Estado são mais facilmente nacionalistas do que de esquerda, os intelectuais tendem a ser mais de esquerda do que nacionais. A aliança fundamental que constitui uma nação é sempre a da burguesia com a burocracia do Estado, enquanto que é nos intelectuais e nos trabalhadores que se encontram as bases principais da esquerda. Caso esses dois grupos venham a se associar, como é possível que agora aconteça, pode-se esperar, assim, que um nacionalismo democrático e social-liberal ganhe força na região e passe a caracterizar os partidos de centro-esquerda. Se isto de fato acontecer, os empresários progressistas terão nesses partidos políticos um espaço privilegiado para sua ação política. A eleição de presidentes de esquerda e eventualmente nacionalistas na América Latina nos últimos anos são uma indicação dessa mudança. Não há, entretanto, segurança de que sejam bem-sucedidos e promover os dois objetivos que legitimariam seus governos democráticos: retomar o desenvolvimento econômico e promover a melhoria da distribuição de renda. No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora apoiado em um partido forte, fracassou. Subordinou-se à coalizão dominante no Brasil – a dos rentistas e do setor financeiro, interessados em juros escandalosamente altos, associados às

empresas multinacionais e aos exportadores para o Brasil, interessados em taxa de câmbio valorizada – e manteve a política macroeconômica perversa de juro alto e câmbio baixo. Além disso, o PT comprometeu-se com um sistema de corrupção generalizado. Na Venezuela, Hugo Chávez continua a ser uma alternativa muito melhor do que a direita corrupta e cosmopolita que lhe faz oposição, mas sua incontinência verbal suas tendências autoritárias são preocupantes. No Uruguai e na Bolívia, temos incógnitas. Apenas na Argentina, sob a liderança de Néstor Kirchner (e Cristina Kirchner, presidente eleita), a esquerda nacional vem realizando avanços na direção do bom governo. Está claro que a América Latina está precisando de um novo desenvolvimentismo para superar a semi-estagnação dos últimos 25 anos e enfrentar os desafios do atual estágio de desenvolvimento de cada um de seus países. O neoliberalismo fracassou, e só uma política econômica que combine estabilidade macroeconômica com promoção ativa da competitividade internacional e do desenvolvimento poderão substituí-lo. Uma política dessa natureza será o novo-desenvolvimentismo a que me refiro, que tem nos partidos de centro-esquerda da América Latina seu respaldo natural. Se esses partidos contarem com o apoio de empresários progressistas e nacionais, as possibilidades que terão de evitar os dois grandes problemas que assolam a política na América Latina – o populismo econômico e a subordinação aos interesses de rentistas e multinacionais – aumentarão substancialmente.

REFERÊNCIAS Aguiton, Christophe et al. (2003) Où Va le Mouvement Altermondialisation? Paris: La Découverte. Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2005) "Do ISEB e da CEPAL à Teoria da Dependência". In Caio Navarro de Toledo, org. (2005) Intelectuais e Política no Brasil: A Experiência do ISEB. Rio de Janeiro: Editora Revan: 201-232. Dimoser, Ditmar (2005) "Democracia sin Democratas: Sobre la Crisis de la Democracia en América Latina". Nueva Sociedad 197: 28-40. Furtado, Celso (1961) "O Processo Histórico do Desenvolvimento". Capítulo 3 de Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura: 1961. Republicado in Bresser-Pereira e Rego, A Grande Esperança em Celso

Apenas na Argentina, sob a liderança do presidente Nestor Kirchner, a esquerda nacional vem realizando avanços na direção do bom governo.

Marcos Adandia/AFP

Furtado. São Paulo: Editora 34, 2002. Furtado, Celso (1992) Brasil: a Construção Interrompida. São Paulo: Editora Paz e Terra. Lavalle, Adrián Gurza (2003) "Sem Pena nem Glória: O Debate Sobre a Sociedade Civil nos Anos 1990". Novos Estudos Cebrap, no. 66, p.91-109, julho 2003. Lozano, Wilfredo (2005) "La Izquierda Latinoamericana en el Poder". Nueva Sociedad 197: 129-145. Przeworski, Adam e Carolina Curvale (2005) "Does politics explain the economic gap between the United States and Latin America?" Nova York: New York University, Department of Politics, October 13, 2005. Singer, André (1999) Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro. São Paulo: Edusp – Editora da Universidade de São Paulo.

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Venezuela: A Ditadura da


Verdadeira Democracia


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Cientista político e sócio-diretor da MCM Consultores Associados

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"ditadura da verdadeira democracia" é o oxímoro da transição da Venezuela para uma democracia participatória, baseada na imposição da vontade popular, sem instituições ou intermediários que a desvirtuem. O truque do paradoxismo cunhado pelo vicepresidente da Venezuela, Jorge Rodríguez, é insinuar que a democracia tem sido marca indelével do regime do presidente Hugo Chávez e que continuará a sê-lo, conquanto em formato mais radical, na nova etapa de sua Revolução Bolivariana. O argumento, dentro e fora do País, é que o regime é democrático porque Chávez chegou ao poder em 1998 pelo voto (embora tivesse liderado seis anos antes um golpe militar contra o governo do presidente Carlos Andrés Perez) e que nele se manteve por meio de eleições livremente disputadas em 2004 e, mais recentemente, em 2006. Quem assesta o foco no esvaziamento das instituições, na truculência do mando, na repressão à mídia, na intimidação dos opositores e na manipulação de plebiscitos e assembléias constituintes vê, ao contrário, sinais inequívocos de autoritarismo. Plantada sobre os escombros dos freios e contrapesos institucionais do sistema político, a democracia plebiscitária bolivariana tem maior probabilidade, não de aprofundar, mas de extirpar qualquer vestígio de democracia no país. Useiro e vezeiro em manipular as instituições representativas a seu bel-prazer, o regime de Chávez, que agora quer institucionalizar a presidência vitalícia, evoca menos a democracia do que as tradicionais ditaduras que há séculos infestam a região. Desde 1999, instituições vêm sendo desmanteladas para concentrar todos os poderes em suas mãos. Pretextando obediência à lei, ele nomeou juízes facilmente maleáveis; baniu militares refratários ao seu mando; restringiu drasticamente a liberdade de imprensa e cerceou com ferocidade a oposição. Se for referendada pelo voto popular, a reforma que aumenta o mandato presidencial para sete anos e abole o limite para reeleições dará a Chávez a possibilidade de perpetuar-se no poder ungido de ditadura constitucional.

Simon Bolívar é um herói cultuado por Hugo Chávez, responsável pela libertação de cinco países do domínio espanhol: Venezuela, Colômbia, Bolívia, Peru e Equador.

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Não obstante a tudo isso, a Venezuela de Chávez é uma ditadura sui generis – uma "ditadura pós-moderna", segundo Francis Fukuyama, "um híbrido de esquerda nem plenamente democrático nem plenamente totalitário". Não se trata de fenômeno isolado. O mundo pós-Guerra Fria testemunhou o surgimento de regimes que não podem ser facilmente classificados como autoritários ou democráticos, mas que exibem traços de ambos. Reduzem a democracia a mero mecanismo eleitoral, mas toleram algum grau de oposição e de competição política – desde, é óbvio, que não se configure a possibilidade de alternância de poder. Essa visão de uma democracia participatória, que exalta a mobilização de massa e avilta o papel das instituições, deve ser examinada em detalhe, pois nela estão combinados dois formatos extremos. De um lado, um líder carismático, que encarna a vontade do povo, e de outro, a corporação militar como pedra angular do sistema político. A militarização do governo e da sociedade é o sombrio pano de fundo do chavismo. Vem daí a vigorosa aplicação de conceitos militares à política. Polarizar permanentemente com os adversários é a tática até agora vitoriosa de Chávez. No plano doméstico, a polarização mantém coesas e aguerridas as forças que o apóiam, encanta a oposição e intimida o centro, afugentando-o das disputas políticas. Octávio Amorim Neto assinala que a polarização é também projetada no plano internacional por meio de uma retórica anti-imperialista e pela tentativa de exportar a Revolução Bolivariana para o resto do continente, imiscuindo-se na política interna dos países no seu entorno. Essa intromissão política vem alterando o equilíbrio de forças na região. Sua influência favoreceu a eleição de Evo Morales na Bolívia (2005), Daniel Ortega na Nicarágua (2006) e Rafael Correa no Equador (2007). Mesmo onde seu apoio foi contraproducente (Ollanta Humala, no Peru, e Andrés Manuel Lopez Obrador no México, ambos em 2006), Chávez fortaleceu a oposição nacionalista-revolucionária


Leslie Mazoch/AP/AE

local. O próximo desafio será o Paraguai, onde o ex-bispo católico Fernando Lugo Méndez, um apologista do Socialismo do Século 21 de Chávez, lidera as pesquisas para a eleição presidencial de abril de 2008. É verdade que as iniciativas diplomáticas de Chávez, embora amparadas por um fluxo nababesco de petrodólares, nem sempre têm obtido os resultados esperados. Mas a pretensão de alterar o equilíbrio regional e até mundial de poder usando o petróleo como instrumento estratégico mantém um clima de apreensão e vigilância entre os países vizinhos. Seria precipitado atribuir a esse fato, por si só, a inquietação que permeia o cenário regional. A percepção de ameaça corporifica-se nas vultosas compras de armamentos e equipamentos militares e na formação de uma nova reserva civil-militar de dois milhões de voluntários para a defesa interna e externa da Revolução Bolivariana. O que gera incerteza é a ambição da Venezuela de se tornar uma potência militar na América do Sul. Até quando pode persistir a situação atual é uma questão em aberto. A reorientação da política externa da Venezuela teve origem numa mudança radical da política doméstica e é prudente conjeturar que o abandono de uma estratégia internacional de confrontação, que mescla amiúde o trágico e o histriônico, se dê pelo colapso ou pela consolidação do regime chavista. Origens Chávez empalmou o poder em condições de precária governabilidade e nele tem se mantido graças a uma aliança entre o aparelho militar, sobretudo a parcela que lhe é fiel desde o golpe de 1992, empresários cartoriais, políticos carreiristas e a massa de eleitores pobres e ressentidos. Para manter coesas forças tão díspares, Chávez tem recorrido a uma tática de permanente polarização entre governo e oposição, bem como a generosos gastos sociais proporcionados pelo aumento exponencial do preço do petróleo. Mas o principal sustentáculo da Revolução Bolivariana são os militares. Não cessam de se empilhar evidências de sua crescente presença na administração pública, nas empresas estatais e nos programas e organizações voltados para a população mais pobre. Essa tendência de crescente militarização do governo e da própria sociedade suscita graves preocupações, sobretudo porque razões de ordem ideológica e geoestratégica tendem a ter precedência na formulação da política externa venezuelana. "Não sou marxista, mas tampouco antimar-

xista. Nem sou comunista, nem anticomunista", declarou Hugo Chávez em 1998. "Sou bolivariano". É uma descrição rente à realidade, desde que se entenda por "bolivarianismo" o destilado de uma extravagante alquimia entre um militarismo nacionalista, vagos conceitos marxistas e fascistas e o velho populismo latino-americano. Dos três componentes, tem primazia o primeiro, inspirado no culto a Simon Bolívar e forjado durante o turbulento período que vai do Pacto de Punto Fijo à ascensão de Chávez. O radicalismo militar venezuelano deita raízes em uma longa história de governos militares (de 1830 a 1958, o país foi governado por civis apenas durante nove anos). A eleição de Rómulo Betancourt em 1958, após a derrubada do General Pérez Jiménez no mesmo ano, inaugurou um longo período democrático e de controle civil sobre os militares, mas não erradicou o pretorianismo das Forças Armadas. Entre 1962 e 1970, o governo civil derrotou uma insurreição armada liderada pelo dirigente comunista Douglas Bravo e financiada por Cuba. Os derrotados, entretanto, se reagruparam em centros educacionais e academias militares. A reforma educacional castrense, o chamado Plano Andres Bello, levou uma massa de oficiais a se matricular nas universidades do país. A convivência entre militares e estudantes gerou uma situação paradoxal, pois enquanto os soldados combatiam guerrilhas marxistas no interior do país, os oficiais eram expostos ao pensamento de esquerda que dominava o ensino superior. Essa nova geração militar, imbuída da missão de comandar políticamente o país, juntou-se a setores radicais de orientação marxista para formar grupos de conspiradores. Chávez graduou-

Chávez tem se mantido no poder graças a uma aliança entre o aparelho militar, empresários cartoriais, políticos carreiristas e a massa de eleitores pobres e ressentidos.

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Jorge Silva/Reuters

instituições que pudessem contrabalançar seu poder, fazendo amplo uso dos instrumentos de democracia direta, como o referendo. Transformação

As rendas provenientes da alta do petróleo têm representado um extraordinário reforço do poder de Hugo Chávez.

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se na Academia Militar nessa época, envolvido num ambiente de debates exaltados nas escolas e nos quartéis. O seu "Movimiento Bolivariano Revolucionario 2000" descende desses grupos e das sociedades secretas de oficiais militares. Em 1989, um desastre político galvanizou sua geração. Um brusco aumento das tarifas de transportes decretado pelo governo de Carlos Andrés Pérez deflagrou violenta onda de protestos e saques em Caracas. Convocados para conter as manifestações, os militares revidaram ataques a tiros, deixando um trágico saldo de mortos e feridos nos bairros mais pobres da capital. Aí tem início a conspiração de Chávez para desfechar um golpe de Estado contra o presidente Carlos Andrés Pérez. A doutrina da conspiração foi explicitada por Chávez no Projeto Nacional Simón Bolívar. Aí está o conceito da Revolução Bolivariana como movimento cívico-militar de abrangência continental, impulsionado pelo uso estratégico do petróleo, a ser materializado em duas etapas: uma, de transição, e a outra, de consolidação da "democracia revolucionária". O tripé "Caudilho-Exército-Povo", cerne do projeto, preconiza que o poder deve permanecer concentrado nas mãos de um líder carismático, sustentado por uma "aliança cívico-militar". Nem a instituições políticas nem a partidos ou ideologias é reservado um papel significativo. Em 1992, a tentativa de Chávez de depor Carlos Andrés Pérez fracassou, mas o transformou em celebridade, permitindo-lhe eleger-se presidente em 1998 com folgada margem de votos. A partir daí, sua intenção de hegemonia traduziu-se no controle gradativo de todas as

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A transformação da Venezuela teve início em 1999. Chávez elegeu a maioria dos deputados à Assembléia Nacional Constituinte incumbida de redigir a nova Constituição da República Bolivariana da Venezuela. Aprovada por plebiscito em dezembro, a nova carta aumentou o mandato presidencial para seis anos, com a possibilidade de reeleição; concedeu-lhe o poder de legislar sobre virtualmente qualquer matéria por meio de lei habilitante; acrescentou o Poder Cidadão e o Eleitoral aos três poderes clássicos (Executivo, Legislativo e Judiciário); transformou o Poder Legislativo em unicameral; expandiu o número de ministros da Suprema Corte; criou a Reserva Nacional e a unificou juntamente com o Exército, Marinha, Aeronática e Guarda Territorial numa única Força Armada Nacional (FAN); e facilitou a convocação de plebiscitos e referendos para questões de interesse nacional. Iniciado o desmonte dos mecanismos institucionais da democracia representativa, Chávez dedicou-se a aumentar os rendimentos do petróleo. As rendas provenientes da alta do petróleo têm representado um extraordinário reforço do poder de Hugo Chávez. Quando assumiu o poder, o petróleo venezuelano era exportado a pouco mais de 16 dólares o barril; hoje, beira os 100 dólares. Despejados em abundância nos cofres governamentais, os petrodólares vêm financiando o aumento indiscriminado do gasto público para obter a aquiescência das elites e do povo venezuelano e o apoio de outros governos nas Américas. Ofuscado pela retórica anti-americanista, tem-se ignorado o importante papel que Chávez desempenhou na OPEP, o cartel de petróleo do qual a Venezuela é membro fundador, para impor sucessivos aumentos do preço do petróleo. Para sustentar a política de valorização do petróleo, ele reestabeleceu o controle governamental sobre a PDVSA e aumentou drasticamente a taxação das empresas multinacionais que operam no setor petrolífero. Paradoxalmente, o petróleo é também responsável pelo peculiar dilema em que se debate a Revolução Bolivariana. Ocorre que os Estados Unidos compram 60% das exportações de petróleo da Venezuela, constituindo a principal fonte de divisas do país. Manter o delicado equilíbrio entre uma política de confrontação e


a realidade da dependência econômica tem sido um admirável ato da diplomacia chavista. A despeito de suas ameaças, é improvável que Chávez possa cortar drasticamente o fornecimento de petróleo para os Estados Unidos. Graças à proximidade geográfica, o mercado norte-americano é extremamente atraente. Acresce que as oito refinarias que a PDVSA opera em solo norte-americano são adaptadas para processar o petróleo pesado produzido pela Venezuela. Mas nem por isso os Estados Unidos deixam de ser refém da Venezuela. Buscar outros fornecedores envolve pesado custo econômico e não é certo que possa reduzir a vulnerabilidade do país. Por esta razão, usar o "petróleo na nossa guerra contra o neoliberalismo", como ameaçou Chávez em entrevista à emissora Al-Jazeera, requer uma estratégia complexa que combine acomodação e confronto, sem perder de vista o objetivo principal de preservar o regime bolivariano. A alternativa é abrir novos mercados e expandir exportações para outros parceiros comerciais. De 2004 a 2006, as exportações de petróleo para a China, por exemplo, foram decuplicadas (de 12.500 para 150.000 barrís) e podem chegar a 500.000 barrís nos próximos cinco anos, passando a representar um quarto das exportações da Venezuela. A questão do petróleo também está presente nas propostas chavistas de integração regional. A Petrocaribe distribui diariamente cerca de 200.000 barrís de petróleo para diversos países caribenhos, consolidando alianças na região, e a venda de petróleo a preço subsidiado tornou-se um dos principais esteios da economia de Cuba. A adesão ao Mercosul corre paralela à proposta de criação da Petrosur, uma empresa de energia que busca integrar regionalmente as indústrias de gás natural e petróleo, e da construção do Gasoduto do Sul, embora custos e dúvidas sobre sua viabilidade técnica e eventual uso político tenham tirado muito do brilho dessa última iniciativa. Focalizando a política doméstica, deve-se reconhecer que o sucesso de Chávez originouse tanto da rejeição de partidos e políticos tradicionais pelos venezuelanos quanto dos erros de seus adversários. Especial destaque, entretanto, deve ser dado ao uso da polarização política para vencer eleições e dar uma pátina de legitimidade democrática ao seu governo. Javier Corrales definiu a Venezuela Bolivariana como uma "autocracia competitiva", onde Chávez tem suficiente apoio popular para ganhar eleições, mas não para eliminar a oposição. Nesse cenário, para manter a fachada

Alegando desconfiança no Poder Eleitoral, os partidos de oposição cometeram o erro catastrófico de boicotar as eleições legislativas de 2005, deixando a totalidade das cadeiras na Assembléia Legislativa nas mãos do partido do governo e seus aliados.

democrática do regime, é indispensável saber manipular a oposição e usá-la para alavancar o próprio poder. A solução consiste em polarizar o sistema político, fustigando uma oposição rancorosa para a extrema direita e apartando-a do centro. Horrorizadas com a radicalização, as alas mais moderadas da esquerda apinham-se no pólo oposto, aliando-se à extrema esquerda. Esvaziado, o centro se divide e se abstém de participar, assegurando ao presidente um número suficiente de votos para ganhar qualquer eleição ou referendo. Por vezes, coube à própria oposição promover a polarização da qual se nutre o regime bolivariano. Foi o que ocorreu em 2002, quando a oposição liderou um golpe contra Chávez e acabou desacreditada como inimiga da democracia. Reinstalado no comando do governo, o presidente enfrentou um período de enorme instabilidade, pontuado por uma longa greve do setor petrolífero e nova tentativa da oposição de removê-lo do poder em 2004 por meio de um referendo revocatório de seu mandato, vencido por Chávez com 59% dos votos. Alegando desconfiança no Poder Eleitoral, os partidos de oposição cometeram o erro catastrófico de boicotar as eleições legislativas de 2005, deixando a totalidade das cadeiras na Assembléia Legislativa nas mãos do partido do governo e seus aliados. Integrada apenas por aliados de Chávez, a Assembléia aprovou a reforma constitucional como lhe aprouve. Reeleito em 2006 com 61% dos votos, Chávez encontrou o caminho aberto para consolidar o regime. Militarização Para manter a polarização da vida doméstica e internacional, o governo de Chávez tem recorrido à política clássica do brinkmanship, isto é: a uma estratégia temerária de ameaçar o adversário até que ele recue e faça concessões. O sucesso dessa estratégia depende do desafiante avaliar corretamente até que ponto a escalada de ameaças não incitará o desafiado ao revide. Se houver erro de cálculo (a importância da questão pode justificar um confronto militar), cabe ao desafiante recuar. Ou não, se o conflito aberto o beneficiar. É este o audacioso jogo que Chávez manejou até agora com maestria. Convicto de que o mundo pós-Guerra Fria caminha para a multipolaridade, ameaça cortar o fornecimento de petróleo para os Estados Unidos, aprofundar a revolução socialista na Venezuela e exportá-la para o resto do continente. Ao mesmo tempo, apregoa aos quatro ventos que os Estados Uni-

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Sem suficiente poder militar para desafiar os Estados Unidos ou qualquer dos vizinhos maiores, Chávez adotou o conceito de "guerra assimétrica" como alternativa de defesa do regime.

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dos preparam uma invasão para derrubar seu governo, com base na ação direta de tropas militares norte-americanas em terrítório venezuelano ou em ações indiretas deflagradas a partir de um país fronteiriço, como a Colômbia, as quais podem contar com o apoio de colaboracionistas domésticos. A doutrina bolivariana de segurança e defesa reflete essa percepção de um cenário internacional ameaçado no plano geopolítico pela hegemonia dos Estados Unidos; no plano geoeconômico, pela globalização, e no campo geocultural, pelo liberalismo político. Para contra-arrestar a ameaça militar norte-americada, três linhas de ação vêm sendo implementadas: (1) uma nova visão estratégica de defesa nacional no marco de uma guerra assimétrica; (2) a defesa integral da nação com base em uma aliança cívico-militar e (3) o fortalecimento e preparação da Força Armada Nacional, com a modernização de seu equipamento e a criação de uma força conjunta para a defesa da América do Sul. Nova Visão Estratégica Entre 2001 e 2004, a seqüência de greves, manifestações de rua, tentativa de golpe e o referendo revocatório do mandato de Chávez apressaram a implementação da nova doutrina de segurança. Em agosto de 2004, o governo deu a conhecer o "Novo Mapa Estratégico" para orientar sua atuação interna e externa no período 2004-2006. Para consolidar o processo revolucionário bolivariano, abertamente proclamado como socialista em abril de 2005, o mapa considerou indispensável impedir ações internacionais de isolamento ou de intervenção no país. Dois dos seus dez objetivos estratégicos são diretamente relevantes para isso: a implementação da nova estratégia militar nacional e de uma política externa destinada a impulsionar a multipolaridade do sistema internacional. Esses são os elementos centrais, segundo Elsa Cardozo, para a defesa e a projeção internacional do modelo bolivariano. Sem suficiente poder militar para desafiar os Estados Unidos ou qualquer dos vizinhos maiores, Chávez adotou o conceito de "guerra assimétrica" como alternativa de defesa do regime. A idéia de assimetria pressupõe o recurso a estratégias usadas por oponentes mais fracos contra os mais fortes e baseadas na escolha de objetivos, processos e meios inesperados do ponto de vista de um confronto convencional, como o terrorismo ou o uso de combatentes civis.

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Na guerra convencional, os Estados Unidos possuem inigualável capacidade militar. Seu ponto fraco é a contra-insurgência, como mostram as guerras do Vietnã e do Iraque ou até a intervenção na Colômbia. Impotentes para enfrentar seu poderio militar, os adversários aprenderam a reequilibrar o campo de batalha adaptando táticas, técnicas e armamentos. No Iraque, por exemplo, explosivos improvisados representam uma ameaça "assimétrica" capaz de destruir tanques e veículos blindados, elementos essenciais da guerra convencional. Para o analista venezuelano Alberto Garrido, a guerra assimétrica preconizada por Chávez tem caráter cívico-militar, potencializando a resistência do povo contra a "ameaça permanente" representada pelos Estados Unidos. A organização se daria em três níveis superpostos: primeiro, a força convencional da FAN; segundo, a força cívico-militar institucional (Reserva Nacional e Guarda Territorial); e terceiro, a força popular, estruturada em unidades básicas de resistência a uma possível invasão militar. É também de Garrido a observação de que a Venezuela vem se preparando para lutar uma guerra combinada – convencional e assimétrica. Embora seja ineficaz contra um inimigo poderoso, a guerra convencional pode ser decisiva em confrontos provocados pelo "transbordamento" de conflitos travados em países vizinhos, como o Plano Colômbia. Decisiva também, deve-se acrescentar, no caso de disputas territoriais. Além de contencioso fronteiriço com a Colômbia, a Venezuela reivindica a posse de toda a região a oeste do Rio Essequibo, província que representa dois terços da Guiana e roça a fronteira do Brasil. Defesa Integral da Nação A militarização da sociedade é elemento essencial da nova doutrina de segurança e defesa. O artigo 326 da Constituição da Venezuela estipula que "a segurança da Nação baseia-se no co-responsabilidade entre o Estado e a sociedade civil". A fusão povo-exército é a idéia que presidiu a formação da Reserva Nacional e a mobilização da Guarda Territorial. Nos primeiros anos do governo Chávez, eram incipientes os sinais de militarização. A iniciativa mais vistosa foi o "Plan Bolívar 2000", a primeira de uma série de "missões bolivarianas". Definido como um "plano cívicomilitar", mobilizou cerca de 40.000 soldados para o atendimento da população em situação de pobreza extrema, com distribuição de ali-


Jorge Silva/Reuters

mentos, campanhas de vacinação em massa e programas educacionais. O passo seguinte foi a criação de tropas de reserva. Cabe à Reserva Nacional e as forças paramilitares defender o país contra uma invasão norte-americana, um conflito com a Colômbia ou uma insurreição fomentada por "colaboracionistas" internos. Embora atuem em apoio às forças armadas regulares, a separação institucional entre as organizações impede que possam cair sob o comando da FAN. A nova Lei Orgânica das Forças Armadas colocou todas as tropas regulares e a nova Reserva Nacional de milhões de voluntários sob o comando operacional de Chávez. Chávez também criou grupos paramilitares independentes das forças regulares de segurança e sujeitos a seu comando direto. Conhecidos como "Círculos Bolivarianos," essa força de reserva atua na organização de programas sociais nas comunidades pobres e na implementação do programa de reforma agrária. Exemplifica-o a Frente Francisco de Miranda. Presidida por Chávez, congrega 20.000 voluntários incumbidos de "promover e atuar em consonância com o ideário bolivariano e o pensamento do Comandante Chávez", desenvolver o conceito de Defesa Integral da Pátria e estar preparada para atuar na defesa da Revolução Bolivariana e de seus aliados. Reorganização e Reaparelhamento da FAN O fortalecimento do componente militar do tripé Caudilho-Exército-Povo teve início com as compras já formalizadas à Rússia de 24 caças Sukhoi Su-30, 53 helicópteros de transporte, baterias antiaéreas do míssil Tor-M1, 5 mil rifles de precisão Dragunov e 100 mil rifles de assalto Kalashnikov, que atingem US$ 4,3 bilhões desde 2005. Entretanto, o projeto de modernização das Forças Armadas no longo prazo contempla negociações para a compra de cinco submarinos russos Kilo-636, com alcance de 14 mil quilômetros e equipados com mísseis táticos ou antiaéreos, quatro corvetas espanholas de patrulha oceânica e outras quatro, mais leves, para operações costeiras. Até 2010, a Venezuela planeja adquirir outros 120 aviões de combate, 15 submarinos equipados com mísseis, 138 navios e 25 radares tridimensionais. O desenvolvimento de uma indústria militar própria, preconizado no "Novo Mapa Estratégico" de 2004, deverá ter início com a construção de uma fábrica de rifles Kalashnikov e outra de munições.

Projeção Militar na Região Defender o processo revolucionário, promover a liderança regional da Venezuela, opor-se à globalização e ao neoliberalismo e lutar pela emergência de um mundo multipolar são os temas que compõem a agenda básica da política externa bolivariana. O quinto – e insólito – tema é a disposição de confrontar o poder e a influência dos Estados Unidos na América Latina. A manifestação mais visível dessa disposição é a tentativa de mobilizar apoio para a criação de novas instituições regionais que excluam os Estados Unidos. Ilustra-o o lançamento da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA) para se contrapor à proposta da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). O que tem sido menos perceptível são os esforços em prol de uma integração militar e geopolítica paralela à integração econômica da região e do desenvolvimento de um pensamento militar autóctone. Tem-se travado nas organizações militares do continente um debate sobre as vantagens de um esquema hemisférico de defesa, com a participação dos Estados Unidos, e de esquemas regionais, que não requerem necessariamente sua participação. Estes últimos enfatizam a cooperação multilateral de defesa, com especial atenção às particularidades de cada país e da própria América do Sul, mas sem excluir ou hostilizar os Estados Unidos. Precisamente o contrário foi proposto no âmbito da defesa dos membros da ALBA (Cuba, Nicarágua, Venezuela e Bolívia). Trata-se de um pacto militar para a defesa conjunta contra os Estados Unidos por meio de mobili-

(...) o regime chavista continua a despertar forte resistência da classe média, de empresários e sindicalistas, da mídia e da alta hierarquia da Igreja

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zação das respectivas forças armadas para atuar em cenário de guerra convencional e da mobilização de contingentes irregulares ou paramilitares, agindo fora das fronteiras de seus países em esforço de guerra assimétrica. Que ameaças reais a Venezuela encerra para os países da região? Admitindo-se que a mera compra de armamentos não caracteriEdwin Montilva/Reuters za uma corrida armamentista, o fato é que a militarização do país vem gerando tensão e incerteza entre os vizinhos, além de fornecer pretexto a outras forças armadas para demandar a modernização de seus próprios arsenais. Consequência grave dessa tendência é a tentação de intervir militarmente em um país vizinho. O acordo de cooperação militar entre a Venezuela e a Bolívia, celebrado em outubro de 2006, concede à primeira o direito de acantonar tropas e construir bases militares nas fronteiras da Bolívia. Prevese a construção de um porto da Marinha em Puerto Quijarro, no departamento de Santa Cruz de la Sierra, a 200 km de Corumbá e da fronteira com o Paraguai, e de um forte militar em Riberalta, no departamento de Beni, próximo à fronteira com o Brasil. Não por acaso, as novas bases se localizam em áreas onde é forte a oposição ao goChávez criou grupos verno de Evo Morales, deixando enparamilitares trever a possibilidade de que as tropas sejam independentes das usadas para reprimir manifestações políticas. forças regulares de Finalmente, a militarização pode dar ensejo segurança e sujeitos a a conflitos com países vizinhos ou até mesmo seu comando direto. incentivar aventuras externas para galvanizar Eles atuam em a opinião pública em apoio ao governo. Ainda programas sociais está fresca na memória da região a tresloucada nas comunidades invasão das Ilhas Malvinas pelo regime milipobres tar argentino. Percepções de ameaças, mesmo quando são apenas parcialmente fundamentadas, alteram o equilíbrio militar regional. As pesadas compras de armamentos para fins de defesa externa e interna da Venezuela; a criação de enorme contingente de reservistas e a crescente intolerância contra a oposição, demonizada como "quinta coluna" a serviço dos Estados Unidos, representam, no mínimo, sinais de alerta para os países em seu entorno. Evolução Embora não se vislumbrem mudanças profundas no futuro próximo, existem sinais de que o regime bolivariano pode ser mais instável do

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que aparenta. Existem forças internas e externas que militam contra sua determinação de manter o status quo, forçando-o eventualmente a abrir mão do controle sobre certas áreas. As receitas extraordinárias provenientes do petróleo têm permitido ao regime expandir programas sociais e promover níveis de consumo sem precedentes. De 1998 até hoje, a população em situação de extrema pobreza caiu de 20% para 11%. Resta saber se esse processo é sustentável. Não sendo acompanhado de mudanças estruturais efetivas, o regime chavista pode tornar-se vulnerável caso flutuações do mercado internacional afetem sua capacidade de manter os benefícios a que a população se acostumou a receber. Apesar do controle sobre instituições públicas, da repressão sobre a vida política e do poder de governar por decreto, o regime chavista continua a despertar forte resistência da classe média, de empresários e sindicalistas, da mídia e da alta hierarquia da Igreja. Chávez já enfrentou uma tentativa de golpe e uma greve debilitante da indústria de petróleo em 2002, um referendo revogatório em 2004 e agressivas demonstrações de protesto a cada tentativa de endurecimento do regime, como as que se seguiram ao fechamento da RCTV. Levada ao extremo, a polarização política exacerba divisões e estimula o impasse, conduzindo o regime a um ciclo vicioso de maior controle e confrontação. Até onde a vista alcança, entretanto, o evento mais decisivo para o futuro da Venezuela é provavelmente a reforma constitucional proposta por Chávez e aprovada pela Assembléia Nacional com esmagadora maioria dos votos. Resultado da decisão catastrófica da oposição de boicotar a eleição legislativa em 2005, entregando aos chavistas o controle da Assembléia, a reforma será submetida a referendo em dezembro. Trata-se de audacioso passo para perpetuar Chávez no poder pretextando acelerar a transição da Venezuela para o Socialismo do Século 21. A reforma amplia seus poderes, estabelece a permissão infinita para reeleição e praticamente elimina os freios e contrapesos institucionais remanescentes. Em suma, institui uma ditadura constitucional. A Lei Habilitante, de 2007, já lhe outorgou o poder de legislar por decreto em diversas áreas, notadamente em segurança e defesa. A reforma o autoriza a declarar "território fede-


Hassan Ammar/AFP

ral" qualquer parte do país, governando-o diretamente do gabinete presidencial; a criar "conselhos comunitários" populares como instâncias de poder em competição com Estados e municipalidades; e a declarar estado de emergência por tempo indeterminado, suspendendo o direito à informação e ao devido processo legal. Coloca também em suas mãos as reservas internacionais do país, autorizando-o a usá-las a seu critério. Outra faceta da reforma é o debilitamento do direito de propriedade. A reforma cria cinco tipos de propriedade. Os quatro primeiros, exercidos sob o controle do Estado, são a propriedade social, pertencente ao povo; a coletiva, pertencente a grupos sociais ou comunitários; a mista, com participação do setor privado e do Estado; e a pública, administrada pelo governo. Por último vem a propriedade privada, que poderá ser confiscada quando afetar os direitos de terceiros ou da sociedade. Mas o cerne da reforma é a transformação da Força Armada Nacional em verdadeiro partido oficial. Abandonam o caráter profissional e assumem caráter claramente político, conformando "um corpo essencialmente patriótico, popular e anti-imperialista". Dilui-se a distinção entre o poder militar e o poder popular e a tríade Caudilho-Exército-Povo é finalmente constitucionalizada. Em retrospecto, vê-se que Chávez sempre preferiu manter seus seguidores como um movimento de massa pouco estruturado. O Movimiento V República, que o levou ao poder em 1998, era um conglomerado de forças díspares e não se vê real empenho para a criação do novo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). É com a corporação militar que ele conta efetivamente para governar. Este é provavelmente o seu calcanhar de Aquiles, pois a defesa do projeto bolivariano envolve o risco de uma crescente politização dos militares. Evidencia-o a discordância quanto ao controle da Força Armada Nacional sobre as milícias da Reserva Nacional. Oficiais da FAN temem que o desenvolvimento das milícias e do conceito do povo em armas acabem por reduzir o seu poder. Chávez vem escamoteando a questão, ora enfatizando a subordinação das milícias à organização militar, ora afirmando que a primazia cabe às milícias, às quais caberá conduzir a "guerra de todo el pueblo". Embora seja difícil prever os rumos da Venezuela nos próximos anos, a abundância de petrodólares, o fortalecimento militar e uma clara agenda política de abrangência continental tornam Chávez um formidável adver-

sário. Nessas circunstâncias, soa pueril a reiteração de que o Brasil pode exercer ação moderadora sobre seus atos e decisões. Ao contrário, é mais provável que a radicalização leve o regime chavista ao isolamento. A aproximação de Chávez com o Irã, por exemplo, afronta a Argentina. Foi obra do governo iraniano o atentado terrorista que arrasou a embaixada de Israel e a Asociación Mutual Israeli-Argentina em Buenos Aires no início dos anos 90, deixando centenas de mortos e feridos. O Brasil, por sua vez, retirou-se discretamente do megaprojeto do Gasoduto do Sul e já debate abertamente a modernização e reequipamento de suas forças armadas. Seja qual for o destino do regime de Chávez, a única certeza é que haverá riscos para a região.

A aproximação de Chávez com o Irã afronta a Argentina. Foi obra do governo iraniano o atentado terrorista que arrasou a embaixada de Israel e a Asociación Mutual Israeli-Argentina em Buenos Aires no início dos anos 90

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Alfer

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MAIOR

trama criminosa de todos os tempos Divulgação

Olavo de Carvalho Jornalista, escritor e professor de Filosofia

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pioneiro inconteste na investigação do fenômeno "Foro de São Paulo" foi o advogado paulista José Carlos Graça Wagner, homem de inteligência privilegiada, que muito me honrou com a sua amizade. Ele já falava do assunto, com aguda compreensão da sua importância histórica e estratégica, por volta de 1995, quando o conheci. Em 1999, a documentação que ele vinha coletando sobre a origem e as ações da entidade lotava um cômodo inteiro da sua casa, e uma prova da criteriosidade intelectual do pesquisador foi que só a partir de então ele se sentiu em condições de começar a escrever um livro a respeito. Na ocasião, ele me chamou para ajudá-lo no empreendimento, mas eu estava de partida para a Romênia e, com muita tristeza, declinei do convite. Maior ainda foi a tristeza que experimentei anos depois, quando, ao retomar o contato com o Dr. Wagner, soube que o projeto tinha sido interrompido por uma onda súbita e irre-

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freável de revezes financeiros e batalhas judiciais, que terminaram por arruinar a saúde do meu amigo e de sua esposa, ambos já idosos. Não sai da minha cabeça a suspeita de que a perigosa investigação em que ele se metera teve algo a ver com a repentina liquidação de uma carreira profissional até então marcada pelo sucesso e pela prosperidade. Ele tinha negócios nos EUA e era também lá, nas bibliotecas e arquivos de Miami e de Washington D.C., que ele coligia a maior parte do material sobre o Foro. Nos últimos anos, a pesquisa havia tomado um rumo peculiar. O Dr. Wagner esperava encontrar provas de uma ligação íntima entre o Foro de São Paulo e uma prestigiosa entidade da esquerda chique americana, o "Diálogo Interamericano". Não sei se essa prova específica existe ou não, nem se ela é realmente necessária para demonstrar algo que metade da América já conhece por outros e abundantes sinais, isto é, que os líderes mais barulhentos do Partido Democrata são notórios protetores de movimentos revolucionários e terroristas (de modo que o Foro, se acrescentado à lista, não modificaria em grande coisa as biografias desses personagens vampirescos). O que sei é que o começo da ruína pessoal do meu amigo data aproximadamente de uma entrevista que ele deu ao Diário Las Américas, importante publicação de língua espanhola em Miami, na qual falava do Foro de São Paulo e de suas relações perigosas com o "Diálogo". Mas isto já seria matéria para outra investigação, e longe de mim a intenção de explicar obscurum per obscurius. Mesmo sem poder prometer a solução para esse aspecto particularmente enigmático do problema, uma coisa posso garantir: os arquivos do Dr. Wagner, recentemente postos à disposição da equipe de pesquisadores do Mídia Sem Máscara e da Associação Comercial de São Paulo, pela generosidade de José Roberto Valente Wagner, permitem retomar a investigação com a esperança de que antes de um ano teremos pelo menos a história interna do Foro de São Paulo reconstituída praticamente mês a mês. Então será possível colocar em bases mais sólidas a questão do "Diálogo", mas antes disso será preciso resolver outro enigma, bem mais urgente e bem mais próximo de nós. Vou formular esse enigma mediante o contraste entre duas ordens de fatos: Primeira: O Foro de São Paulo é a mais vasta organização política que já existiu na América Latina e, sem dúvida, uma das maiores do mundo. Dele participam todos os governantes esquerdistas do continente. Mas não é uma organização de esquerda como outra qualquer. Ele reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno, todas empenhadas numa articulação estratégica comum e na busca de vantagens mútuas. Nunca se viu, no mundo, em escala tão gigantesca, uma convivência tão íntima, tão persistente, tão organizada e tão duradoura entre a política e o crime. Segunda: Durante dezesseis anos, todos os jornais, canais de TV e estações de rádio deste País – todos, sem exceção, inclusive aqueles que mais se gabavam de primar pelo jornalismo investigativo e pelas denúncias corajosas – se recusaram obstinadamente a noticiar a existência e as atividades dessa organização, malgrado as sucessivas advertências que lhes lancei a respeito, em todos os tons possíveis e imagináveis. Do aviso so-

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lícito à provocação insultuosa, das súplicas humildes às argumentações lógicas mais persuasivas, tudo foi inútil. Quando não me respondiam com o silêncio desdenhoso, faziam-no com desconversas levianas, com objeções céticas inteiramente apriorísticas, que dispensavam qualquer exame do assunto, com observações sapientíssimas sobre o meu estado de saúde mental ou com a zombaria mais estúpida e pueril que se pode imaginar. Reagindo a essa pertinaz negação dos fatos, fiz publicar no jornal eletrônico Mídia Sem Máscara as atas quase completas das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo. A volumosa prova documental mostrou-se incapaz de demover os negacionistas. Eles pareciam hipnotizados, estupidificados, mentalmente paralisados diante de uma hipótese mais temível do que seus cérebros poderiam suportar na ocasião. A publicação das atas teve porém duas conseqüências importantes. De um lado, o site oficial do Foro, www.forosaopaulo.org, foi retirado do ar às pressas, para só voltar meses depois, em versão bastante expurgada. De outro lado, entre os jornalistas e analistas políticos, a afetação de desprezo pelo as-


João Wainer/Folha Imagem 20/08/2003

O Foro de São Paulo reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno.

sunto cedeu lugar à negação ostensiva, pública, da existência mesma do Foro de São Paulo. Dois personagens destacaramse especialmente nesse servicinho sujo: o inglês Kenneth Maxwell e o brasileiro Luiz Felipe de Alencastro. Para anunciar ao mundo a completa inexistência da entidade que eu denunciava, ambos – por ironia, historiadores de profissão – usaram como tribuna ou megafone o pódio do CFR, Council on Foreign Relations, o mais poderoso think tank americano, dando assim à ignorância dolosa (ou à mentira grotesca) o aval de uma autoridade considerável. Quem ainda tenha ilusões quanto à confiabilidade intelectual da profissão acadêmica, mesmo exercida nos chamados "grandes centros" (Alencastro é professor na Universidade de Paris, e Maxwell é o consultor supremo do próprio CFR em assuntos brasileiros), pode se curar dessa doença mediante a simples notificação desses fatos. Mas aí a hipótese da mera ignorância organizada começa a ceder lugar à suspeita de uma trama consciente bem maior do que a nossa paranóia poderia imaginar. Membros importantes do CFR tiveram contatos próximos com as organizações crimi-

nosas participantes do Foro de São Paulo, cuja existência, portanto, não poderiam ignorar (leia-se a respeito o meu artigo "Por trás da subversão", Diário do Comércio, dia 05 de junho de 2 0 0 6 , h t t p : / / w w w. o l a v o d e c a r v a l h o . o r g / s e m ana/060605dc.html). Em suma, o Brasil parecia estar preso entre as malhas de uma articulação criminosa, que envolvia, ao mesmo tempo, a totalidade dos partidos de esquerda latino-americanos, o grosso da classe jornalística nacional, as principais gangues de narcotraficantes do continente e, por fim, uma parcela nada desprezível da elite política e financeira norte americana. A gravidade desses fatos mede-se pela amplitude e persistência da sua ocultação. Crescendo em segredo, o Foro de São Paulo tornou-se o motor principal das transformações históricas no continente, ao mesmo tempo que a ignorância geral a respeito fazia com que os debates públicos – e portanto a totalidade da vida cultural – se afastasse cada vez mais da realidade e se transformasse numa engenharia da alienação, favorecendo ainda mais o crescimento de um esquema de poder que se alimentava gostosamente da sua própria invisibilidade. A queda vertiginosa do nível de consciência pública nessas condições, era não só previsível como inevitável. As opiniões circulantes tornaram-se uma dança grotesca de irrelevâncias, desconversas e erros maciços, ao mesmo tempo em que a violência e a corrupção cresciam ante os olhos atônicos do público e dos formadores de opinião, cada um apegando-se às explicações mais desencontradas, extemporâneas e impotentes. Muitas décadas hão de passar antes que a devastação psicológica resultante desse quadro possa ser revertida. O fabuloso concurso de crimes que a determinou não tem paralelo na história universal. Um dos aspectos mais grotescos da situação é a facilidade com que os culpados se desvencilham de qualquer tentativa de denúncia, qualificando-a de "teoria da conspiração". Mas quem falou em conspiração? O que vemos é uma gigantesca movimentação de recursos, de poderes, de organizações, de correntes históricas, que para permanecer imune à curiosidade popular não precisa se esconder em porões, mas apenas apostar na incapacidade pública de apreender a sua complexidade inabarcável e de acreditar na existência de tanta malícia organizada. O Foro é uma entidade sui generis, sem correspondência em qualquer época ou país. Longo tempo depois de extinto, como espero venha a sê-lo um dia, ele ainda constituirá um enigma e um desafio ao tirocínio dos historiadores. Para nós, ele é mais do que isso. É o inimigo "onipresente e invisível" sonhado por Antonio Gramsci. Leia a seguir a matéria do jornalista Renato Pompeu sobre o Foro de São Paulo, com base em materiais colhidos e disponíveis no site Mídia Sem Máscara (N.R.)

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FORO DE SÃO PAULO

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egundo o historiador Carlos I.S. Azambuja, colaborador do site www.midiasemmascara.com.br, o Foro de São Paulo, sob a liderança do Partido dos Trabalhadores – o PT brasileiro – e do Partido Comunista Cubano, reúne mais de cem partidos e grupos de esquerda latinoamericanos, entre eles alguns armados, como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), do México. O objetivo do Foro de São Paulo, fundado em 1990 na capital paulista, seria fomentar a difusão, para mais países do continente, de regimes socializantes, como os dos presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Evo Morales, da Bolívia. No III Congresso do PT, realizado em setembro último, também em São Paulo, conforme assinala Azambuja em artigo a 5 de setembro de 2007, estiveram presentes "cerca de 100 delegados, partidos e organizações de esquerda de 32 países – Alemanha, Angola, Argentina, Bolívia, Chile, China, Colômbia, Coréia do Norte, Cuba, El Salvador, Espanha, EUA, França, Galícia-Espanha, Haiti, Honduras, Itália, Japão, México, Nicarágua, Palestina, Panamá, Paraguai, Porto Rico, Portugal, República Dominicana, República Saharaui, Síria, Suécia, Uruguai, Venezuela, Vietnã". Na seção solene de abertura, falaram os representantes do Partido Comunista Cubano – Fernando Ramírez de Estenoz, chefe do Departamento de Relações Exteriores do PCC – e da Frente Ampla do Uruguai. Ramírez de Estenoz entregou ao presidente do PT, Ricardo Berzoini, uma imagem da manifestação de 1º de maio último em Havana. O Congresso do PT, entre as várias decisões que adotou, aprovou a realização do XIV e XV encontros do Foro de São Paulo, em Montevidéu, no ano que vem, e na Cidade do México, em 2009. Comenta Azambuja: "Vejam, senhores! Quem define em quais países e em que datas devem ser realizados os encontros do Foro de São Paulo – uma entidade que, para muitos, não existe e que não passa de uma divagação do filósofo Olavo de Carvalho e deste site, o Mídia sem Máscara –, é o Partido dos Trabalhadores!" Em outro artigo, de 2004, o historiador Azambuja relembra a fundação do Foro em 1990: " O motivo da criação do Foro de São Paulo (que hoje reúne mais de 100 partidos, organizações e grupos de esquerda da América Latina e Caribe), uma reedição da OLAS - Organização Latino-Americana de Solidariedade

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Sob a liderança do PT e do PCC cubano, o Foro de São Paulo reúne mais de cem partidos e grupos de esquerda.


Reprodução

Newton Santos/Hype

Renato Pompeu É jornalista e escritor, autor do romanceensaio 'O mundo como obra de arte criada pelo Brasil', Editora Casa Amarela.

(organização similar constituída em 1966, em Havana) e da fracassada JCR - Junta de Coordenação Revolucionária (constituída em 1973, por organizações terroristas do Chile, Uruguai, Argentina e Bolívia, após a deposição do governo marxista de Salvador Allende, no Chile), foi uma das formas encontradas pelo regime cubano para sobreviver à queda do Muro de Berlim e ao desmonte do socialismo real, que provocou o desmoronamento, como um castelo de cartas, de todos os partidos comunistas e movimentos aliados da ex-União Soviética. Para Cuba, então, tornou-se fundamental que as forças consideradas aliadas assumissem o controle de, pelo menos, um dos países da América Latina. É evidente que o Brasil, face às condições políticas da época (1990), foi o alvo preferido. Sempre segundo Azambuja, ao longo dos anos o Partido Comunista Cubano foi transformando o Foro, de reunião de debates sobre "ações comuns", numa organização centralizada, "de cuja direção, hoje, fazem parte os principais grupos terroristas da América Latina. "Em 1991, a direção era constituída do Partido Comunista Cubano, Partido da Revolução Democrática (México), Partido dos Trabalhadores (Brasil), Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (El Salvador), Movimento Lavalas (Haiti), Movimen-

O Exército Zapatista de Libertação Nacional, do México, e as FARC, da Colômbia, participam do Foro.

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to Bolívia Livre e dos partidos da Esquerda Unida (Peru) e da Frente Ampla (Uruguai, liderada pelo Movimento Tupamaros, antiga organização guerrilheira urbana). No ano seguinte, foi acrescentada a União Revolucionária Nacional Guatemalteca, "que agrupa várias organizações voltadas para a luta armada", de acordo com Azambuja. Acrescenta o historiador: "Em maio de 1995, no V Encontro do Foro, realizado em Montevidéu, a sua direção já incluía, também, a Coordenadora Guerrilheira Simón Bolívar, as FARC-EP - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo, o ELN Exército de Libertação Nacional e a Aliança Democrática M-19 (todos da Colômbia), o Partido Laborista (Dominica), o Partido Revolucionário Democrático (Panamá) e três organizações de Guadalupe: o Partido Comunista e os grupos União e Resistência e União Popular pela Liberdade". Posteriormente, se somou à direção do Foro de São Paulo o EZLN - Exército Zapatista de Libertação Nacional do México. Também desde 1995 funciona o Secretariado Permanente do Foro; desde antes disso, a partir de 1992, vem sendo editada, como órgão porta-voz do Foro, a revista quadrimestral América Livre, com edições em português e castelhano, sob a direção do Frei Betto. Constata Azambuja: "No primeiro número, em um artigo que fazia a apresentação da revista, Frei Betto escreveu que ‘é preciso não ceder à ingênua pretensão de fazer a revolução pelo voto’. Nesse mesmo número, o cubano Fernando Martinez Heredia, pertencente ao Departamento América (órgão de Inteligência do Comitê Central do Partido Comunista Cubano), membro do Conselho de Redação, escreveu que ‘reforma e revolução, e não reforma ou revolução, tem que ser a palavra de ordem’."O Foro mantém ligações com os partidos comunistas da Coréia do Norte, China, EUA, Canadá, Áustria, Inglaterra, França, Alemanha, Grécia, Itália e Portugal, "bem como" – diz Azambuja, com "a Eta-Basca, que internacionalizou as ações de seqüestros de empresários e que, há mais de uma década, estabeleceu bases de operações na América Latina (México, Venezuela, Cuba, Nicarágua e, possivelmente, El Salvador, Uruguai e República Dominicana)". Nota o historiador: "Basta recordar os seqüestros do empresário Abílio Diniz, em dezembro de 1989, e do publicitário Washington Olivetto, em dezembro de 2001, ambos em São Paulo, bem como a libertação, em São Paulo, em 1987, do Cel. do Exército chileno Carlos

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Do seqüestro do empresário Abílio Diniz participaram chilenos, argentinos, canadenses e brasileiros. (...) Do seqüestro de Washington Oliveto participaram chilenos, argentinos e colombianos, além de, pelo menos, duas brasileiras.

Carreño, seqüestrado no Chile. São exemplos da internacionalização desse tipo de crime. Recorde-se que do seqüestro do empresário Abílio Diniz participaram chilenos, argentinos, canadenses e brasileiros. Posteriormente, em 1993, quando da explosão de um bunker na Nicarágua, documentos apreendidos vincularam esses seqüestradores à Eta-Basca, a dirigentes da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (El Salvador), e a ex-dirigentes do aparelho de inteligência sandinista. Do seqüestro de Washington Olivetto participaram chilenos, argentinos e colombianos, além de, pelo menos, duas brasileiras. "Outros aliados internacionais do Foro, que lhe dão apoio de diferentes formas, são a Conferência Permanente dos Partidos Políticos da América Latina, vinculada à Internacional Socialista; o Novo Partido Democrata (Canadá); o Instituto Democrata Nacional e a Fundação Nacional pela Democracia (ambos dos EUA); a Internacional Socialista; e o Centro Tricontinental da Universidade de Louvain, na Bélgica. Azambuja calcula que o Foro de São Paulo, em suas cem organizações integrantes, agrupa 250 mil quadros e simpatizantes, entre eles 20 mil a 30 mil com acesso a armas. E assinala: "O destacado papel que as FARC desempenham na estrutura do Foro, serve de exemplo da relação integral deste com o narcotráfico" e mais: "O Novo Movimento pela Independência de Porto Rico, por sua vez, que há pouco tempo aderiu ao Foro, já ameaçou com a realização de ações terroristas contra a possível instalação, no país, pelos norte-americanos, de um radar voltado ao combate do tráfico de drogas". Histórico Azambuja apresenta uma cronologia das reuniões do Foro: - Julho de 1990, em São Paulo: na conferência de fundação do Foro, com o nome de "Encontro Latino-Americano e Caribenho de Partidos e Organizações de Esquerda", foi apresentada a tese "O que foi perdido no LesteEuropeu será reconquistado na América Latina"; - Junho de 1991, no México: no II Encontro, o tema foi a "A América Latina e o Caribe em face da Reconstrução Hegemônica Internacional". No mês de março anterior, também na Cidade do México, foi definido que as decisões do encontro, além de caráter consultivo, teriam também caráter deliberativo. Comenta Azambuja: "Isso significa que as


Ricardo Stuckert/ABr 02/07/2005

decisões aprovadas em plenárias e constantes das Declarações finais passaram, a partir de então, a ser consideradas deliberativas , isto é, decisórias em termos de aceitação e cumprimento pelos membros do Foro, subordinando-os, portanto, aos ditames dos Encontros na ação a ser desenvolvida em nível internacional e nos respectivos países. Tais deliberações obedecem a uma política internacionalista, com vistas à implantação do socialismo no continente, fato que transfere para um segundo plano os interesses nacionais e fere os princípios da soberania e autodeterminação. A Lei Orgânica dos Partidos Políticos (LOPP) e a Constituição da República definem que ‘A ação do partido tem caráter nacional e é exercida de acordo com o seu estatuto e programa, sem subordinação a entidades ou governos estrangeiros’ (artigo 17 da Constituição e item II, artigo 5º da LOPP)". Na Declaração Final desse II encontro, os pontos aprovados foram: "irrestrito apoio a Cuba e à Revolução Cubana; solidariedade aos governos socialistas e comunistas da

América Latina e Caribe; condenação do neoliberalismo; e conscientização de que os enormes desafios da América Latina não podem ser solucionados isoladamente, ‘mas através da transformação das nossas sociedades e da integração política e econômica de seus povos’ (transcrito do jornal Granma, porta-voz do Partido Comunista Cubano, 21 de julho de 1991)". - Julho de 1992, em Manágua, Nicarágua:o tema básico do III Encontro foi "O Estudo das Alternativas de Desenvolvimento e Integração da América Latina e Caribe". No entando, a Declaração Final não foi publicada. - Julho de 1993, em Havana, Cuba: o IV Encontro abordou o tema "O Socialismo de Caráter Marxista não Morreu e é possível restaurá-lo na América Latina". De acordo com o jornal Granma de 24 de julho de 1993, Luiz Inácio Lula da Silva, na época presidente do PT, presente ao Encontro em Havana, declarou: "A heterogeneidade do movimento revolucionário progressista e democrático da América Latina é muito complicada, mas só o fato de nos reunirmos, de nos entendermos pessoalmen-

Em 2005, o presidente Lula participou da celebração dos 15 anos do Foro de São Paulo, criado em 1990 com o nome Encontro LatinoAmericano e Caribenho de Partidos e Organizações de Esquerda.

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A Resolução Final qualificou os guerrilheiros do EZLN de representantes de novas formas de expressão, democracia e poder popular".

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te, com o propósito de construir uma política de solidariedade, representa um saldo inegável e um mérito para o Foro de São Paulo". Fidel Castro, por sua vez, afirmou: "Podemos dizer que esta Declaração Final é, praticamente, um programa de luta e um programa da esquerda da América Latina e Caribe. Se conseguirmos alcançar esses objetivos, chegaremos tão longe como ninguém é capaz de imaginar" (jornal Granma, 27 de julho de 1993). - Maio de 1995, em Montevidéu, Uruguai: o V Encontro discutiu "A Ofensiva do Neoliberalismo e o Avanço da Globalização em Detrimento dos Países Pobres". A Declaração Final se manifestava contra o bloqueio a Cuba e contra o estado de sítio em vigor, na época, na Bolívia, e em solidariedade aos zapatistas e aos petroleiros brasileiros, então em greve. A Resolução Final qualificou os guerrilheiros do EZLN de "representantes de novas formas de expressão, democracia e poder popular". O chamado Subcomandante Marcos falou no Foro por meio de um vídeo, trazido pelo Partido Revolucionário Democrático do México. Esteve presente, como observador, um dirigente do "Herri Batasuma", braço político da organização terrorista Eta-Basca. Assinala Azambuja: "Entre o V e o VI Encontro, em abril de 1996, na Selva Lacandona, Chiapas, México, foi realizado o Encontro Internacional Contra o Neoliberalismo e pela Humanidade, convocado pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional. Gilberto Carvalho, membro da Executiva Nacional do PT, atual assessor do presidente Lula no Palácio do Planalto, representou o partido nesse Encontro que, no Brasil, foi o encarregado de relacionar e credenciar os que desejassem participar. Uma delegação de 12 brasileiros, composta por militantes do PT, CUT, MST e CIMI - Conselho Indigenista Missionário, esteve presente. Também participaram Danielle Mitterrand, viúva do presidente Mitterrand, e o sociólogo francês Alain Touraine. Este, em entrevista publicada pelo jornal O Globo de 2 de agosto de 1996, classificou o Partido da Social Democracia Brasileira como "pura merda". Regis Debray, guerrilheiro nas selvas da Bolivia junto com Che Guevara, na década de 60, não compareceu, mas enviou uma mensagem ao subcomandante Marcos expressando sua adesão ‘à grande causa zapatista’. A esse Encontro Internacional nas selvas de Chiapas estiveram presentes cerca de 3 mil nostálgicos militantes de organizações de esquerda, movimentos sociais e ONGs de 42 países".

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Segundo ainda Azambuja, a 14 e 15 de junho de 1996, promovido pelo Foro de São Paulo, Partido Comunista Cubano e Assembléia Nacional do Poder Popular de Cuba, houve em Havana um "Encontro de Parlamentares pela Soberania e Integração da América Latina e Caribe", com 171 parlamentares de 17 países da região, "ao qual não foi dado qualquer tipo de divulgação no Brasil, desconhecendo-se os nomes dos brasileiros que dele participaram, além do senador Amir Lando", que foi ministro da Previdência Social. Segundo a Declaração Final, publicada pelo jornal "Granma", o Encontro discutiu a "crise global do modelo neoliberal e seu impacto nos âmbitos econômico, social e político; o problema das diferenças entre o Norte e o Sul; os sintomas de ingovernabilidade; os efeitos das novas tecnologias; e a deterioração do papel dos Parlamentos e dos partidos políticos". Foi ainda debatida a "necessidade de mudanças que garantam a participação popular nas atividades legislativas e que incidam na situação econômica e social, garantindo o processo de genuína integração e defesa da soberania de cada um dos países da América Latina e Caribe". Os 171 parlamentares concordaram – de acordo com o "Granma"- "que não pode existir uma verdadeira democracia nos lugares onde a cada dia cresce a pobreza e a injustiça, a corrupção, a deterioração do meio ambiente e a exclusão do bem-estar social de mais da metade da população dos países da região". - Julho de 1996, em El Salvador: do VI Encontro participaram integrantes de cerca de 100 partidos e organizações de esquerda da América Latina. Da delegação de cinco membros do PT participavam Luiz Inácio Lula da Silva e José Dirceu. Acrescenta Azambuja: "Lula, em seu discurso, fez referência às três gerações da esquerda neste século: a primeira, comunista, construída com o nascimento da União Soviética; a segunda, que se baseou na luta armada inspirada pela revolução cubana; e a terceira, originada nos anos 80, comprometida com a democracia. Concluiu, fazendo um apelo à unidade das esquerdas." Também disse: "O Foro de São Paulo não é uma nova Internacional. É apenas um Foro, que não pretende imiscuir-se na situação interna de nenhum país ou partido". - Julho de 1997: o VII Foro de São Paulo foi coordenado pelo PT, em Porto Alegre, com 400 representantes de partidos e organizações de esquerda. José Dirceu, então presidente do PT, abrindo o encontro e falando em nome do PT, PSB, PCB, PC do B, PDT e PPS, criticou o neo-


liberalismo e elogiou as "forças contrárias a ele, conformadas na insurreição na Colômbia; vitória da Frente Farabundo Martí, em El Salvador; a luta dos estudantes e operários sandinistas, na Nicarágua; vitória do Partido da Revolução Democrática, no México; crise no Peru, prenunciando a queda de Fujimori; crescimento da esquerda radical, na Argentina, com chances de vitória nas eleições presidenciais de outubro; e a derrota da direita conservadora, na França e Inglaterra, sinalizando descenso do neoliberalismo como força política e ideológica". E continuou: "Façamos da América Latina, façamos do exemplo de luta dos sem-terra no Brasil, um exemplo para todos os movimentos populares da América Latina e, com o espírito de Che, vamos à luta e à vitória, companheiros". O Documento Central do Foro foi baseado no Documento de Análise da Conjuntura, apresentado pela delegação cubana, de 14 pessoas, entre elas, de acordo com Azambuja, "o embaixador no Brasil, o Conselheiro Político da embaixada, membro da inteligência cubana, o substituto de Manuel Piñero Losada na chefia da inteligência cubana, o vice-Cônsul de Cuba em São Paulo e Marta Harnecker", a intelectual chilena radicada em Cuba, considerada uma das principais ideólogas marxistas da América Latina. O VII Foro de São Paulo aprovou: - A criação de uma Coordenadoria de Mulheres, pertencentes aos partidos de esquerda da América Latina e Caribe, para funcionar em caráter permanente, integrada por representantes do PRD (mexicano), PT e PC do B (do Brasil), PC Cubano, Frente Ampla (Uruguai), Liga Socialista (Venezuela) e Frente Sandinista (Nicarágua). A constituição dessa Coordenadoria de Mulheres atende à decisão adotada em abril de 96, em Chiapas, de criar uma "Internacional de Mulheres contra o Neoliberalismo Patriarcal"; - Criar um Comitê de Municipalidades, dotado de uma Coordenação e uma SecretariaGeral; - criar uma Secretaria Permanente de Parlamentares, constituída por representantes de cada um dos países representados no Foro, a fim de "melhorar a coordenação dos parlamentares dos partidos integrantes do Foro"; - Instituir, em caráter permanente, o Seminário de Cultura do Foro de São Paulo, com o objetivo de "avançar na constituição de políticas culturais para a América Latina e Caribe"; - Criar o Fórum Empresarial da América La-

A comitiva do PC do B defendeu a tese de que a esquerda continental deve esforçar-se para unir-se e aproximar-se de outros setores, inclusive segmentos políticos que se desgarram das bases de governos vacilantes.

tina, com o objetivo de "formar uma rede de empresários, que lutará pela implantação de um modelo econômico solidário, que coloque como prioridades a erradicação da pobreza, a justa distribuição de renda, o desenvolvimento com geração de empregos, a ética nos negócios e a preservação dos nossos patrimônios humanos, culturais, econômicos e ambientais". Essa foi uma proposta da CIVES - Associação dos Empresários pela Cidadania (Brasil), APYME - Assembléia de Pequenos e Médios Empresários (Argentina) e ANIT Associação Nacional de Indústrias em Transformação (Uruguai). Logo depois, o Grupo de Trabalho do Foro, em Montevidéu, decidiu que o tema do 8º Foro, no México, seria "A Esquerda Latino-Americana e Caribenha no Ano 2000", e em julho de 1998, definiu "mecanismos de centralização e descentralização" de suas atividades, em reunião em Manágua, na Nicarágua. O Grupo de Trabalho é constituído do Partido Comunista Cubano, Frente Sandinista de Libertação Nacional (Nicarágua), Partido dos Trabalhadores (Brasil), Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (El Salvador), Partido Revolucionário Democrático (México), Frente Ampla (Uruguai) e União Revolucionária Nacional Guatemalteca, que constituem seu Secretario Permanente. Esclarece o historiador Azambuja: "Essa reunião realizada na Nicarágua decidiu que o 8º Foro deveria dar respaldo às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), em seu diálogo com o novo governo recém-empossado na Colômbia. "No 8º Foro, o PT esteve representado por Marco Aurélio de Almeida Garcia (Secretário de Relações Internacionais do partido), Ana Maria Stuart (assessora do Secretário de Relações Internacionais), deputada federal PT/MG Joana D’Arc Guimarães e deputado federal PT/SP Arlindo Chinaglia. A delegação do PC do B foi composta por José Reinaldo de Carvalho (membro do Comitê Central e Secretário de Relações Internacionais do partido) e pelo Vereador PC do B/Salvador, Bahia, Francisco Javier Alfaya. Diz Azambuja: "A comitiva do PC do B defendeu a tese de que a esquerda continental deve se esforçar para unir e aproximar-se de outros setores, inclusive "segmentos políticos que se desgarram das bases de governos vacilantes ou de orientação neoliberal". Como exemplo dessa linha, foi mencionada a experiência brasileira, "com a chapa unitária de

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Representando as FARC estava presente o comandante Ramiro Vargas, que em janeiro também representou o grupo no 2º Fórum Social Mundial em Porto Alegre.

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apoio a Lula e a aproximação de lideranças como Itamar Franco e alguns governadores eleitos no segundo turno, constituindo uma linha de resistência à política mais progressivamente antipopular e antinacional". Esse posicionamento político foi também defendido por outros partidos integrantes do Foro, como o Partido Comunista Cubano, a Frente Ampla (Uruguai), o Partido da Revolução Democrática (México), a Frente Sandinista de Libertação Nacional (Nicarágua), a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (El Salvador) e o Partido dos Trabalhadores (Brasil)". Falou durante o 8º Foro o guerrilheiro colombiano Marco Leon Calarca, militante das FARC, que vive no México, criticando o Foro, "por mover-se entre todas las aguas de la nueva izquierda", definindo que, para as FARC, "o caminho continua sendo o do socialismo", "embora essa não seja a posição do Foro, em face da amplitude do seu arco de opções". - Em 19/21 de fevereiro de 2000: foi realizado, em Manágua, Nicarágua o 9º Encontro do Foro, com os assuntos: condição da mulher; juventude; o papel dos micro, pequenos e médios empresários; universidade pública; o papel dos parlamentares; diversidades étnicas; movimentos sociais e o papel dos cristãos nos processos de mudanças sociais e políticas. A delegação do PT estava composta por Luiz Inácio Lula da Silva, Marco Aurélio Almeida Garcia e Ana Maria Stuart. - Em dezembro de 2001: foi realizado o 10º Encontro em Havana/Cuba. Presentes 513 delegados e observadores de 82 países da América Latina, Caribe, Europa, África e Ásia, representando 73 partidos membros do Foro e 138 partidos, organizações e movimentos políticos convidados. Do Brasil estiveram presentes delegações do PT, PC do B, PSB, PDT e PPS. Luiz Inácio Lula da Silva esteve presente. Junto dele, estavam o comandante Fidel Castro, o comandante nicaragüense Daniel Ortega, representantes de partidos comunistas de todos os continentes e delegados das FARC, ELN e TUPAC-AMARU (incluídas na relação de organizações terroristas organizada pelo Departamento de Estado dos EUA após o 11 de setembro de 2001). Representando as FARC estava presente o comandante Ramiro Vargas que, anteriormente, em janeiro, também representou as FARC no 2º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Ramiro Vargas, em seu discurso, exortou o Foro de São Paulo a reforçar sua solidariedade com a Venezuela, cujo governo revolucionário – segundo afirmou - "se ergue como um muro


de contenção aos interesses hegemônicos norte-americanos na área andina". A cronologia do historiador, publicada como vimos em 2004, se encerra aqui. Azambuja conclui: "Como vimos, participam do Foro São Paulo partidos e organizações de esquerda, reformistas e revolucionárias; PCs que se definem como marxistas-leninistas; organizações e grupos trotskistas; PCs que continuam se definindo como marxistas-leninistas-maoístas (da Argentina, Peru e Uruguai) e que possuem uma articulação internacional própria em 17 países; PSs filiados ou não à Internacional Socialista; organizações que continuam desenvolvendo processos de luta armada, como as FARC e ELN, na Colômbia; e organizações que participaram da luta armada e hoje atuam na legalidade, como o Movimento 19 de Abril, também da Colômbia, e os Tupamaros, do Uruguai." Dessas organizações e partidos, os que têm maior peso e influência no Foro de São Paulo, são indubitavelmente, pela ordem, o Partido Comunista Cubano, o PT, a Frente Ampla do Uruguai e o PRD mexicano. "O fim da GuerraFria, o desmantelamento do socialismo real e o fim do próprio Estado Soviético, tiraram um peso que pairava sobre o mundo, mas trouxeram à tona uma série de problemas que passaram a conformar palavras-de-ordem de várias Organizações Não-Governamentais e – na ausência de uma ideologia – também a linha política de partidos, organizações e grupos de esquerda, em várias partes do mundo. Afinal, os quase 40 anos de Guerra-Fria foram um período relativamente estabilizado, no qual os limites eram obedecidos e as duas superpotências mantinham, bem ou mal, o compromisso de não assustar uma à outra. "Com uma única superpotência, com o nacionalismo exacerbado, o indigenismo, a ecologia, a luta pela preservação do meio ambiente, a etnicidade, os problemas de fronteiras, os direitos humanos, o narcoterrorismo e o ciberterrorismo, a posse de tecnologias letais por grupos ou indivíduos fanatizados (o gás sarin, as explosões de Oklahoma, EUA, e da sede da AMIA, em Buenos Aires, os atentados no metrô de Paris e da Eta-Basca, na Espanha e, finalmente o ato terrorista contra as torres do World Trade Center e as torres gêmeas), e outros tipos de problemas, que pareciam sepultados, como o estupro e a matança étnica elevados à categoria de tática militar, como ocorreu recentemente nos Balcãs, bem como os riscos da expansão indiscriminada da energia nuclear para fins não-pacíficos, o mundo

de hoje mostra-se relativamente mais perigoso. "Esses são alguns dos problemas que podem não ser exatamente um caldeirão à espera de ebulição, mas preocupam. "Após os 40 anos da era denominada Guerra-Fria, seguida dos 12 anos da fase pós-Guerra Fria, tudo indica que o mundo iniciou outra fase que poderá ser denominada Era do Terror." Realidade ou folclore? Que o Foro de São Paulo tenha existido e continue a existir sob novas formas, envolvendo petistas brasileiros, comunistas cubanos e guerrilheiros colombianos, parece fora de dúvida. Mas que as reuniões envolvam algo mais do que palavras vazias e slogans sem resultados em ações, parece duvidoso, segundo o jornalista e escritor gaúcho Janer Cristaldo, que já colaborou no site Mídia Sem Máscara em que Azambuja e o filósofo Olavo de Carvalho divulgam suas teses. Diz Cristaldo: "O Foro de São Paulo foi uma reunião de grupos de esquerda como tantas outras, em que linhas de ação e estratégias são traçadas. Todas as esquerdas fazem isso periodicamente. Nada mais que isso. Manifestos e declarações são as únicas fontes que poderiam provar alguma ação continuada, mas manifestos e declarações não passam de manifestos e declarações. Não se tem prova alguma concreta que o tal de Foro de São Paulo seja uma entidade operante, que produz guerrilhas, terrorismo, assaltos ao poder. Não se tem fato algum, documento algum, que prove que o tal de Foro financie este tipo de ação. "Se assim fosse, a grande imprensa brasileira já o teria denunciado. Os grandes jornais do País têm denunciado com eficiência os desmandos, crimes e corrupções das esquerdas. Veja, Folha, Estadão, não têm dado folga ao PT. Tanto que Lula e petistas vêem uma conspiração da mídia. Por que estes jornais se calariam ante o Foro, se fosse entidade realmente operante? "O PT pode ter tido pretensões de expandir o bolchevismo, em seu nascimento. Alguns malucos do PT ainda podem alimentar essas pretensões. O PSOL ainda vive desta ilusão. Mas a maior parte dos petistas já não pensa mais nisso. Eles têm o poder. Têm acesso à corrupção. Gozam de impunidade. Que mais quereriam? Nada. Um Brasil bolchevizado seria um Brasil pobre. Menos para roubar. Eles sabem disso. Não interessa" – conclui Cristaldo. Cabe a cada um chegar às conclusões que achar melhor.

O Foro de São Paulo foi uma reunião de grupos de esquerda como tantas outras, em que linhas de ação e estratégias são traçadas. Todas as esquerdas fazem isso.

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O Ministro

Rodrigues Pozzebom/ABr

A obrigação da escola é formar pessoas autônomas.

e a doutrinação

O

s artigos do jornalista Ali Kamel sobre a contaminação ideológica nos livros didáticos do ensino fundamental e médio (O Globo, 18/09 e 02/10/2007) atraíram finalmente a atenção da grande imprensa para o grave problema da doutrinação político-ideológica nas escolas. Por conta das denúncias, o petista Fernando Haddad, Ministro da Educação, tem sido chamado pela mídia a dar explicações sobre a inclusão dessas obras no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do MEC e sobre a ideologização do ensino em geral. E, por incrível que pareça, está conseguindo escapar das cobranças que lhe são feitas: nem ele, nem o MEC têm culpa pelo que está acontecendo – se é que alguma coisa está de fato acontecendo. Na entrevista concedida por Haddad à revista Veja (Páginas Amarelas, edição e 17/10/2007), o tema foi objeto de duas per-

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guntas, cujas respostas reproduzimos e comentamos a seguir. A primeira é esta: Veja – O senhor concorda com os educadores, segundo os quais as escolas no Brasil estão passando uma visão retrógrada do mundo a seus alunos? Haddad – Isso acontece, sim. Um problema evidente é o dogmatismo que chega a algumas salas de aula do país. Ele exclui da escola a diversidade de idéias na qual ela deveria estar apoiada, por princípio, e ainda restringe a visão de mundo à de uma velha esquerda. Não é para esse lado, afinal, que o mundo caminha. Sempre digo que em uma igreja ou em um partido político as pessoas têm o direito de promover a ideologia que bem entenderem, mas nunca em uma sala de aula. A obrigação da escola é formar pessoas autônomas – capazes, enfim, de compreender de modo abrangente o mundo em que vivem. Todo


Divulgação

procedimento que mutila isso é incompatível com um bom processo de aprendizado. Em suma, educação não combina com preconceito. A pergunta está mal formulada. Para começar, "visão retrógrada" não define aquilo que as escolas brasileiras estão transmitindo aos alunos. A jornalista não disse – talvez para não melindrar o entrevistado, que é devoto de Karl Marx e filiado ao PT desde criancinha –, mas essa visão retrógrada tem nome e sobrenome: chama-se ideologia e propaganda político-partidária de esquerda. Ainda quanto à pergunta, cabe notar o seguinte: quem diz que as escolas estão transmitindo aos alunos uma visão retrógrada do mundo não são os educadores. Ao contrário: os profissionais da área acreditam que essa visão é altamente progressista, na medida em que é voltada para a "construção de uma sociedade mais justa". É isso o que eles aprendem e ensinam nas faculdades de educação, história, geografia, sociologia etc. No que se refere ao problema da doutrinação ideológica em sala de aula, não é injusto dizer que os educadores são os principais responsáveis pela septicemia ideológica que devasta a educação no Brasil. São eles os agentes transmissores do vírus "gramsciano" que se espalhou por todo o sistema de ensino. De tanto escutar e repetir que a educação é um ato político, sequer reconhecem a ideologização como um mal a ser evitado. É inevitável, dizem eles, todo mundo tem um lado, não existe neutralidade etc. Ao abandonarem a noção de objetividade científica, perderam também a de honestidade intelectual. Portanto, que fique claro: a instrumentalização do conhecimento para fins políticoideológicos não só não está sendo denunciada pelos educadores, como vem sendo por eles praticada e ocultada. Passando à resposta, observa-se que o entrevistado, não podendo negar a existência da doutrinação político-ideológica nas escolas, age como todo dono de escola quando recebe uma denúncia de assédio ideológico praticado por professor: trata de minimizar o problema. Segundo Haddad, "o dogmatismo chega a algumas salas de aula do País". Não é assim não, ministro. Chega a praticamente todas. De norte a sul, de leste a oeste, da pré-escola ao ensino superior, a militância esquerdista ocupou todos os espaços. Em colégios de classe média alta, filhos de empresários aprendem que seus pais são exploradores inescrupulosos. Os vestibulares assumem essa mesma perspectiva, atuando como filtros ideológicos de acesso ao terceiro grau. Nas universidades, o sectarismo esquerdista domina as ciências sociais e já se espalha para outras áreas. Todo mundo sabe disso e o senhor, na posição que ocupa, não tem direito de não saber. Por outro lado, embora a "visão retrógrada" não tenha sido identificada na pergunta, Haddad identificou-a quase que involuntariamente na resposta, ao afirmar que o dogmatismo "restringe a visão de mundo à de uma velha esquerda". Atenção, leitor, para o adjetivo. Ao usá-lo, o ministro quer induzi-lo a acreditar no seguinte: não é "a esquerda" que promove a doutrinação ideológica em sala de aula, mas sim "uma velha esquerda". Afinal de contas, a esquerda representada pelo ministro e pelo PT é moderna, pluralista e democrática, não é mesmo? Não seria capaz de promover ou endossar essa covardia intelectual. Esse tipo de argumento é recorrente entre os esquerdistas. Ele sempre os socorre quando se trata de tirar o corpo fora. Com a

Miguel Nagib Advogado e coordenador do site www.escolasempartido.org

mesma pureza de alma ou cara-de-pau, não me cabe julgar, o ministro é capaz de afirmar que não foi a esquerda, e sim a velha esquerda que matou 100 milhões de pessoas ao longo do século 20. Os nazistas de hoje também devem acusar os velhos nazistas pelas atrocidades cometidas em nome da sua ideologia. A esquerda que seqüestrou a educação brasileira não é velha nem nova: é a esquerda de sempre, aquela para a qual os fins justificam os meios. Portanto, pensam eles, se é para "construir uma sociedade mais justa", não é errado abusar da inexperiência, da imaturidade e da falta de conhecimento de um jovem para fazê-lo empunhar as bandeiras certas. Como quer que seja, o fato é que a ideologia e o partido do ministro da Educação foram e continuam a ser os grandes beneficiários da ação dos doutrinadores. Graças ao trabalho desenvolvido pela militância esquerdista nas escolas, está cada vez mais difícil encontrar um jovem brasileiro, na faixa dos 15 aos 25 anos, que não alimente um ódio irracional ao capitalismo e um amor ainda mais irracional à utopia socialista; e que não esteja doidinho para entregar os destinos da nação a políticos que pensam (ou fingem que pensam) como ele. E é isso o que me leva a desconfiar da sinceridade do ministro quando ele afirma que as pessoas têm direito de promover a ideologia que bem entenderem numa igreja ou num partido, "mas nunca em uma sala de aula". Desconfio porque sei que o partido do ministro sofreria um golpe duríssimo se tivesse de renunciar à prática da doutrinação ideológica em sala de aula; e, sendo Haddad um esquerdista, ele não teria muita dificuldade em sufocar esse "escrúpulo burguês" em nome do objetivo maior de lutar pela "construção de uma sociedade mais justa".

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Mesmo porque, diria ele, o partido não pode amordaçar sua militância e, ademais, é preciso respeitar a liberdade de cátedra. Mas se o ministro estiver mesmo determinado a acabar com essa prática covarde e imoral, eu lhe digo que é muito fácil: basta fazer uma campanha para conscientizar os estudantes dos seus direitos em relação ao comportamento do professor em sala de aula. Explico. Ao lado da liberdade de ensinar está a liberdade de aprender, ambas asseguradas pelo art. 206 da Constituição Federal. A doutrinação político-ideológica em sala de aula constitui claro abuso da liberdade de ensinar; abuso que implica o cerceamento da correspondente liberdade de aprender, já que, numa de suas vertentes, essa liberdade compreende o direito do estudante de não ser doutrinado. Ora, só um estudante consciente dos seus direitos poderá defendê-los contra a ação abusiva de professores militantes. Aos direitos compreendidos na liberdade de aprender do estudante correspondem, entre outros, os seguintes deveres do professor: - O professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente políticoideológica. - O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, religiosas, ou da falta delas. - O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula. - O professor não incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas. - Ao abordar temas controvertidos, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as diversas versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito. - O professor deve conhecer os argumentos e teorias de que discorda tão bem quanto aqueles em que acredita, a fim de poder apresentá-los como o faria se fosse seu defensor. - O professor não promoverá em sala de aula debates preordenados a corroborar a "verdade" ou a "superioridade" de determinada corrente política ou ideológica. - O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de intimidação capaz de desencorajar a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá que tal atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários. Se o ministro da Educação estiver realmente disposto a acabar com a doutrinação ideológica nas escolas – e ele tem obrigação de fazer isto –, basta afixar em cada sala de aula ou em cada pátio de escola do País um cartaz com essa relação de deveres. Tal como ocorre com os consumidores em geral, os próprios alunos saberão se defender se conhecerem seus direitos. Conscientizar os alunos é libertá-los do jugo do professor militante. Mas é claro que o governo petista, principal receptador dos milhões de furtos ideológicos praticados diariamente pela militância esquerdista nas escolas, não cometerá esse desatino. Ainda que tivesse vontade, o ministro Haddad não teria cora-

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gem de lançar essa campanha de vacinação em massa contra a doutrinação ideológica em sala de aula. Ele sabe que, politicamente, seria um ato de traição e suicídio. Seria morder a mão dedicada e leal que alimenta seu partido há mais de vinte anos. Embora disponha dos meios para fazê-lo, o governo federal não fará nada, rigorosamente nada, para combater a septicemia que tomou conta do sistema de ensino. Seria injusto, no entanto, atribuir toda a responsabilidade ao governo federal. Os governos estaduais e municipais, no caso das escolas públicas, e os donos das escolas particulares também deveriam fazer a sua parte. Cabe aos estudantes e seus pais exigir de suas escolas e das escolas de seus filhos que adotem medidas concretas para combater a doutrinação ideológica em sala de aula. O cartaz antidoutrinação é uma idéia. Só o professor militante vai reclamar. Veja – Por que, então, o MEC aprova livros didáticos com esse viés? Haddad – Temos um sistema de escolha dos livros didáticos com o qual, em tese, especialistas de diferentes matizes ideológicos concordam. É simples. Mandamos os livros para as melhores universidades públicas do país, e são os professores escolhidos por elas que opinam. Depois, as escolas escolhem os livros da lista que conside-


Lailson Duarte/O Popular/AE

Mesmo delegando a avaliação pedagógica dos livros a professores universitários sem vinculação direta com o Ministério, o MEC responde pela avaliação.

ram mais apropriados. Nesse sistema, portanto, o MEC não atua como um censor com superpoderes, mas, sim, delega a tarefa a um conjunto de pessoas qualificadas para executá-la. Não inventamos essa fórmula. A avaliação de trabalhos acadêmicos feita por pares funciona em vários países desenvolvidos – e aliás muito bem. Na teoria, o sistema de escolha dos livros didáticos não é ruim. O MEC realiza periodicamente um processo de avaliação e seleção das obras didáticas que serão incluídas no Guia do Livro Didático, no caso do ensino fundamental, e no Catálogo do Programa Nacional do Livro, no caso do ensino médio; as editoras interessadas em participar do processo submetem suas coleções ao julgamento do MEC; os avaliadores contratados avaliam e selecionam as obras que deverão ser incluídas no guia e no catálogo; o guia e o catálogo elaborados pelo MEC são enviados às escolas e, a partir deles, os professores escolhem livremente as obras que serão adotadas durante o ano letivo. Essa escolha é comunicada ao MEC, que contrata com as editoras a produção e distribuição gratuita dos livros escolhidos.

Como diz Haddad na entrevista, "o problema não é propriamente com o modelo que implantamos, mas justamente com a visão dogmática que ainda circula em parte do meio acadêmico". Ele está certíssimo, exceto na parte em que minimiza, novamente, o grau de contaminação ideológica do meio acadêmico. Na verdade, o problema é muito mais grave e não dá sinais de que esteja refluindo, ao contrário do que sugere Haddad, ao dizer que a visão dogmática "ainda circula". Além disso, para ser honesto, Haddad teria de dizer: "a visão dogmática que nós, da esquerda, introduzimos no meio acadêmico" . Esse dogmatismo marxista domina, hoje, todo o sistema de ensino. As faculdades de educação, sociologia, história e geografia, por exemplo, estão impregnadas de uma ideologia igualitária, que detesta o capitalismo – e, por tabela, os EUA, o Estado de Israel, a Igreja Católica, os jesuítas, a colonização, a burguesia, os empresários, os proprietários, o agrobusiness, os militares, os meios de comunicação, as multinacionais, a globalização, a CocaCola, o Mc Donalds, George W. Bush etc., etc. etc. – por enxergá-lo apenas como um regime gerador de desigualdades. Na medida em que todos os sujeitos do processo seletivo são formados nessa mentalidade – o autor da obra, o avaliador do MEC e o professor que a escolhe – é inevitável que ela se reflita nos livros didáticos. Todos pensam, enfim, com a mesma cabeça. Haddad reconhece o problema, mas falha gravemente ao minimizá-lo e ao não reconhecer a responsabilidade da esquerda, especialmente do seu próprio partido, pela situação. Falha, também, ao não assumir responsabilidade administrativa pela contaminação ideológica dos livros didáticos. Mesmo delegando a avaliação pedagógica dos livros a professores universitários sem vinculação direta com o Ministério, o MEC responde pela avaliação. De acordo com os editais de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas a serem incluídas no guia de livros didáticos, a avaliação pedagógica das coleções está "sob a integral responsabilidade da Secretaria de Educação Básica do MEC", tanto no caso do ensino fundamental como no caso do ensino médio. Se o livro didático promover o racismo, por exemplo, e o avaliador contratado pelo MEC deixar passar, a Secretaria de Educação Básica tem a obrigação legal de desqualificar a obra. Não vai censurála, mas vai excluí-la do PNLD ou do PNLEM, como fez, por recomendação do avaliador, no caso da cartilha ideológica de Mário Schmidt. Repito: ao contrário do que o ministro Haddad quer fazer crer, o MEC não é obrigado a acatar a opinião dos avaliadores. A responsabilidade pela avaliação é da Secretaria de Educação Básica do MEC, que contrata os serviços dos professores avaliadores, mas não é obrigada a acatar seu parecer. "Reafirmo minha opinião sobre o assunto", diz o ministro nessa entrevista. "Eu acho que cada um deve ter suas convicções e crenças, mas, de novo, quando se fala de educação é preciso ser mais pluralista, ir de A a Z no espectro ideológico – senão, simplesmente não dá certo." O ministro tem o cuidado de dizer que se trata da "sua opinião", o que significa que ele não pretende impô-la a ninguém. Afinal, ele sabe que no governo e no PT a imensa maioria discorda do que ele acha. Se Haddad se engraçar, vai acabar escutando do próprio chefe: "dá certo, sim, cumpanhero; se não desse, tu não era ministro da Educação".

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Direitos constitucionais no


Brasil: uma ficção legal?


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Augusto Zimmermann Bacharelado em direito, mestrado em direito (com louvor), doutorado (na Universidade Monash). Professor assistente na Faculdade de Direito da Universidade Murdoch. O autor agradece ao professor Jeffrey Goldsworthy, ao doutor Vernon Nase, ao doutor Dale Smith e ao senhor Frank Gashumba por gentilmente lerem e comentarem uma versão anterior deste artigo. MURDOCH UNIVERSITY E LAW JOURNAL, Volume 14, Número 2, 2007 Tradução: Rodrigo Garcia

"H

oje, o Brasil tem uma das mais belas constituições de sua história em tudo o que diz respeito aos direitos fundamentais do homem... Além disso, não há nada do que reclamar em relação a nossas leis nessa área. O problema está na preocupante distância que separa os direitos escritos no papel de seu exercício efetivo, e sobretudo em garantir o exercício deles na vida prática". Editorial da revista Veja de 15 de fevereiro de 1989, pág. 23 (1)

1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES O Brasil é um país sob uma ordem constitucional que formalmente protege uma vasta gama de direitos humanos "fundamentais". Sob a Constituição brasileira, seus cidadãos possuem direitos básicos à vida, à liberdade, à igualdade social, à segurança e a muitos outros direitos "fundamentais". Segundo Keith S. Rosenn, só a Artigo 5.º "impressionantemente parece garantir qualquer forma de direito humano. (2) Ele afirma que o conceito dos direitos humanos no Brasil está mais cuidadosamente protegido na lei do que em qualquer outro país. (3) Mas a realidade mostra como direitos fixados na teoria podem ser consideravelmente diferentes dos direitos na prática. Apesar de sua constituição escrita e orientada para as garantias, no Brasil, os direitos humanos são freqüentemente violados com impunidade. Este artigo procura, assim, revelar como a proteção aos direitos constitucionais no Brasil está longe de ser exemplar. 2. DIREITOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS Enquanto este artigo tenta explicar a realidade dos direitos constitucionais no Brasil, um melhor entendimento da questão pode ser conseguido se observado o desenvolvimento histórico do ideal completo dos direitos humanos. Segundo o falecido Karel Vasak, diretor de Direitos Humanos da Unesco e fundador do Instituto Internacional de Direitos Humanos (Estrasburgo, França), os direitos humanos podem ser divididos em três gerações de direito. A divisão segue os três lemas da Revolução Francesa: "liberdade, igualdade e fraternidade" (4).

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Mesmo que seja apenas uma supersimplificação da questão, o modelo é apesar de tudo útil para o propósito deste artigo. Os direitos de primeira geração caracterizam o ideal da liberdade individual contra a opressão governamental. São direitos básicos, como os defendidos durante a Revolução Gloriosa (Grã-Bretanha) de 1688 e depois pelos revolucionários franceses e americanos no século 18. O conteúdo dos direitos da primeira geração é revelado especialmente na Declaração de Direitos da Constituição dos Estados Unidos. A Declaração de Direito dos Estados Unidos, uma das primeiras declarações de direitos humanos na história moderna, foi concebida na base do aforismo de Lord Acton, em que o poder político corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Ele declara a supremacia do cidadão sobre o Estado e por conseguinte nossos direitos mais básicos à vida, à segurança, à propriedade, à livre expressão, à livre associação, à liberdade religiosa, a um julgamento público e justo e assim por diante. Uma constante repetição demonstrada pela enumeração desses direitos é a preocupação em preservar a vida humana e a liberdade, garantindo assim os meios para a resistência civil contra a opressão política. Após a consolidação histórica desses direitos de primeira geração, surgiu no final do século 19 uma nova geração de direitos que exigia mais intervenção governamental para garantir que todos ficassem satisfeitos em suas necessidades de proteção, vestuário, alimentos, saúde e educação. Os direitos da segunda geração também englobam os direitos ao trabalho, ao descanso, à seguridade social, à educação pública e ao lazer. Finalmente, uma terceira geração de direitos surgiu nos últimos anos, cobrindo uma nova gama de direitos humanos, tais como a um ambiente saudável, à autodeterminação e à preservação de tradições culturais. Alguns desses direitos são de fato privilégios legais reservados para certos grupos étnicos, religiosos ou sexuais, nos aspectos em que são, ou tenham sido, de alguma forma discriminados na sociedade. Na verdade, a Constituição reconhece integralmente todas essas gerações de direitos. Seu preâmbulo explicitamente declara que o principal objetivo do documento é "instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos so-


Alex Almeida/Folha Imagem

Como artigos de terceira geração, a Constituição confere o direito a um "meio ambiente ecologicamente equilibrado". Na foto, vista aérea da floresta Amazônica.

ciais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias". A Constituição Brasileira também declara em seu primeiro artigo que "a dignidade da pessoa humana" e a "prevalência dos direitos humanos" compreendem "princípios fundamentais", que o Estado deve apoiar como um governo democrático sobre o Estado Democrático de Direito. (5) . Esse artigo também declara que todo poder emana do povo, que deve exercer esse poder por meio de seus representantes eleitos para o Parlamento e também por meio de plebiscito popular, referendo e propostas de lei apresentadas diretamente por ele. (6) Indubitavelmente, o ponto mais impressionante da Constituição encontra-se no Artigo 5.º. Ele trata da igualdade do status legal entre homens e mulheres, bem como dos direitos à livre expressão e associação, à propriedade, a garantias jurídicas etc. Seu Parágrafo 4 declara que todos os tratados aprovados sobre direitos humanos terão força de emenda constitucional aprovada por três quintos das duas casas do Congresso Nacional. Essa cláusula é muito pertinente porque, nas palavras da Comissão de Direitos Humanos da ONU, o País "tem uma ampla política nacional para a promoção dos direitos humanos", incluindo a "ratificação da maioria dos tratados importantes sobre direitos humanos". (7) A Constituição garante aos cidadãos brasileiros direitos básicos à educação, saúde, trabalho e lazer. (8) Ela também garante proteção à maternidade e à infância, bem como assistência pública para os necessitados e desfavorecidos. Em relação aos direitos trabalhistas, a lista de direitos inclui proteção contra demissão arbitrária, seguridade social, salário mínimo, direito à greve, direito à livre associação, pagamento de folga semanal, licença-maternidade, proibição de diferença salarial entre homens e mulheres e assim por diante. (9) Como artigos de terceira geração, a Constituição contém, entre outras cláusulas, o direito a um "meio ambiente ecologicamente equilibrado". (10) Para garantir a aplicação desse direito bastante abstrato, a lei básica também estipula a obrigação de cada governo em proteger o ecossistema nacional, preservando sua diversidade ecológica contra qualquer prática que possa ameaçar espécies ou submeter animais a tratamento cruel. (11) A Constituição também garante valores culturais. Assim, o governo tem de legalmente apoiar e cuidar da valorização e difusão de expressões culturais, particularmente as expressões de culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, ou de qualquer grupo significativo dentro da sociedade. (12) No caso da Constituição Brasileira ter "esquecido" de mencionar algum direito "fundamental", o Artigo 5.º completa que os direitos explicitamente mencionados ali não excluem outros oriundos do ideal do "Estado Democrático de Direito ou de qualquer convenção internacional aprovada pelo governo. Finalmente, há uma cláusula pétrea no Artigo 60, que proíbe explicitamente qualquer emenda à Constituição destinada a abolir a forma federalista do Estado; o voto periódico, universal, secreto e direto; a doutrina de separação dos poderes; e os direitos individuais e garantias do cidadão, como estão implícita ou explicitamente mencionados no texto constitucional.

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Como se pode ver, a Constituição Brasileira está fortemente comprometida com a idéia de direitos humanos. Ela contém uma longa lista de "direitos fundamentais", embora o alcance deste artigo não permita uma análise detalhada de cada um deles. Este trabalho se focaliza apenas nos artigos que são considerados como realmente importantes. São eles: o direito à vida e à segurança das pessoas; os direitos dos prisioneiros, das crianças; das mulheres; dos trabalhadores; dos índios; a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. 2.1. O Direito à Vida e à Segurança da Pessoa A Constituição Brasileira declara, no Artigo 5.º, que todos que residam no País devem ter garantido o direito à vida. Esse artigo também informa que ninguém morando no País será submetido à pena capital nem à prisão perpétua, a trabalhos forçados, banimento e castigo cruel. (13) Para comparar, a Constituição dos Estados Unidos, por exemplo, também garante que ninguém vai perder a vida sem um processo jurídico, por meio de procedimentos legais realizados por tribunais regulares. Pode-se deduzir disso que a Constituição dos Estados Unidos fornece consideravelmente bem menos proteção do que a do Brasil. Na verdade, porém, o direito de permanecer vivo no Brasil não está tão garantido como pode parecer a partir da lei básica. Enquanto o atual período democrático foi inicialmente saudado como o começo de uma nova era de direitos humanos e liberdades, o País tem observado uma explosão de violência e criminalidade nos últimos anos, desvalorizando a vida humana apesar do status que a lei lhe atribui. O homicídio atualmente é a principal causa (58%) da morte prematura de pessoas no País. (14) No Brasil de hoje, observa Joseph A. Page: O crime violento pode ocorrer em qualquer hora em qualquer lugar. As ruas lotadas das cidades não oferecem refúgio, enquanto os assaltantes caçam pedestres e ocupantes de veículos, as outras pessoas seguem silenciosamente. Os que não são ricos o suficiente para transformar suas casas em fortalezas nunca podem ter certeza que um dia intrusos não vão invadi-las e cometer violência. (15) Um relatório da ONU revela que enquanto o Brasil tem só 2,8% da população mundial, ele é responsável por mais de 11% de todos os homicídios registrados. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mais de 600 mil pessoas foram mortas no Brasil entre 1980 e 2000, uma média de 30 mil por ano. (16) Para comparação, a guerra civil de 30 anos que devastou Angola matou "apenas" 350 mil pessoas. (17) Assim, Timothy Cahill, um chefe de pesquisa da Anistia Internacional, explica que o número de mortes no País se enquadra facilmente nos parâmetros da ONU para uma situação de guerra civil. (18) Antes conhecida como "Cidade Maravilhosa", o Rio de Janeiro agora é chamado de "batata quente" e "cidade sob estado de sítio. (19). Anualmente morrem mais pessoas no Rio vítimas de violência do que todos os soldados americanos durante a Guerra do Vietnã. (20) Em suas favelas, os chefões do tráfico "foram para uma posição de domínio total sobre as instituições comunitárias". (21) O braço da lei não é aplicado nessas áreas, porque os criminosos estabeleceram o que a população descre-

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ve apropriadamente como "governo paralelo". (22) São regiões que se tornaram fora dos processo normal de lei e ordem. Há uma forte sensação de que essas áreas proibidas estão se espalhando. De fato, as autoridades públicas do Rio de Janeiro reconhecem abertamente que o Estado perdeu o controle em muitos locais da cidade. Em maio de 2004, o secretário estadual da Segurança, Anthony Garotinho, classificou a situação como "fora de controle" e que "dizer o contrário poderia ser ignorar a realidade". (23) Uma nítida descrição dessa realidade muito dramática foi fornecida em maio de 2003, publicada no diário londrino The Guardian: Quadrilhas de traficantes fortemente armados lançaram uma série de ataques audaciosos que chocaram os moradores da cidade. Bombas de fabricação caseiras foram jogadas no luxuoso Hotel Le Meridien na praia de Copacabana e em um hotel e restaurante no vizinho Leblon… Tiros foram disparados no requintado Hotel Glória. Uma granada foi lançada contra um shopping center e outro foi metralhado. Dezenas de ônibus foram incendiados e trocas de tiros fecharam as principais ruas da cidade. (24) De 1985 – o último ano dos 20 de regime militar do Brasil – a 2005, o número de pessoas assassinadas no Brasil cresceu 237% (25). Críticos desse regime culpam o período de autoritarismo pelos males atuais. Argumentam que ele promoveu uma cultura de violência, arbitrariedade e impunidade. Por outro lado, uma das hipóteses para explicar pelo menos parcialmente a explosão da criminalidade nas últimas duas décadas é que os radicais de esquerda, que recorreram a atividades terroristas durante o regime militar e em seguida passaram temporadas na prisão, transferiram para os criminosos sua ideologia radical e, sobretudo, as técnicas que desenvolveram. (26) Eles fizeram isso na crença de que as "injustiças sociais" de alguma forma justificavam o comportamento criminoso. Eles podem ter abraçado uma teoria marxista, que apresenta o criminoso comum como uma "vítima rebelde" do capitalismo, vendo o comportamento ilegal como meio de um ativismo político ou, em outras palavras, um instrumento do oprimido contra o sistema capitalista. (27) De acordo com Joseph A. Page: Há evidências que prisioneiros políticos ficaram juntos com detentos comuns... no final dos anos 60 e começo dos 70, e que os últimos aprenderam com os primeiros não apenas como se organizar e defender seus direitos na penitenciária, mas também alguns dos detalhes do planejamento e execução dos roubos a bancos e seqüestros. Além disso, essa foi a época na qual os prisioneiros fundaram o "Comando Vermelho", uma rede que permite ao crime organizado de assumir o controle virtual das principais prisões do Estado do Rio de Janeiro e atrair para suas fileiras alguns dos maiores traficantes da região... Muitos dos novos barões da droga... aprenderam seu negócio... atrás das grades, onde tiveram contato com o "Comando Vermelho". Eles não hesitam em usar a violência ou em até trocar tiros com a polícia em batalhas ocasionais. (28) Apesar do argumento acima ser apenas hipotético, não há dúvida que a impunidade constitui uma grande contribuição à explosão do crime. A sensação de impunidade é muito difundida, apesar do fato de o Artigo 144 da Constituição dizer que a segurança pública é obrigação básica do Estado. Porém, as autoridades do Estado demonstraram uma preocupante falta


Milton Mansilha/Luz Fábio Motta/AE Paulo Pampolin/Digna Imagem

A Constituição garante direitos básicos à educação, saúde, trabalho e lazer. Ela também garante proteção à maternidade e à infância, bem como assistência aos necessitados.

de habilidade em efetivamente garantir esse direito mais básico. Em 2003, a ONU revelou que apenas 7,9% dos 49 mil casos de assassinato oficialmente registrados naquele ano foram resolvidos com sucesso. (29) Isso reflete o fato de que a polícia raramente prende criminosos perigosos. Freqüentemente, casos não são investigados com zelo, mesmo quando envolvem crimes violentos, como estupro, tortura e assassinato de primeiro grau. Ao contrário, as investigações policiais são freqüentemente conduzidas de uma forma bem superficial e incompleta, se não realizada com nítida má-fé. Como conseqüência, até casos famosos de assassinatos de primeiro grau podem não produzir provas para sequer iniciar o julgamento dos autores. Os tribunais brasileiros de fato condenam apenas 1% de todos os suspeitos de assassinato em primeiro grau. Como justificativa, os juízes argumentam que os inquéritos enviados para eles pela Promotoria Pública são tão mal-elaborados que eles aparentemente não encontram nenhuma prova para condenar até um famoso assassino em série. (30) Para os poucos que são condenados por crimes como assassinatos de primeiro grau, as sentenças são tão lenientes que eles são libertados após uns poucos anos na prisão. Em todas as sociedades modernas, os jovens são responsáveis, de longe, pela maioria dos crimes, notadamente os graves, incluindo homicídio, estupro, assalto e roubo. (31) Contudo, um famoso criminalista brasileiro chama a atenção para a anomalia de um jovem de 17 anos poder votar para presidente, mas sendo inelegível criminalmente e assim não ser responsabilizado pelos seus atos. (32) E mais, deliqüentes juvenis não podem passar mais de três anos internados em um "estabelecimento educacional". Nesses locais "educativos", porém, jovens perigosos não são apropriadamente separados daqueles que são desfavorecidos sociais. Como resultado, crianças pobres têm sido torturadas, assassinadas e abusadas sexualmente por adolescentes perversos, com a cumplicidade das autoridades. (33) Mas é também importante considerar que o crime é geralmente interpretado pela elite brasileira como sendo meramente o resultado de um ambiente social desfavorecido. Apesar dessa interpretação ser mais compreensível sob a luz do sentimento de culpa e vergonha pela própria responsabilidade deles pela situação do País, ela falha em considerar apropriadamente que o crime também pode ser resultado de uma escolha pessoal. (34) Enquanto é certo sugerir que alguns criminosos vieram de um contexto de privações sociais, esse tipo de determinismo provou ser particularmente inadequado pelas muitas exceções à regra. Realmente é uma injustiça difamar milhões de brasileiros pobres que cresceram em condições sócio-econômicas completamente desfavorecidas, mas são cidadãos honestos, que nunca recorreram ao crime. Por contraste, muitos crimes no Brasil são cometidos por membros da elite. Sua principal motivação não é a necessidade, mas a ganância. Eles sabem que a lei da impunidade é a "lei" mais freqüentemente aplicada a pessoas como eles. Naturalmente, a indesejável combinação de uma educação fraca, condições de trabalho ruim e ambiente sócio-econômico problemático pode levar algumas pessoas a encontrar no crime uma forma alternativa de "emprego". No contexto da im-

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punidade e falta de incentivos legais para o desenvolvimento de atividades econômicas honestas, a opção pelo crime pode eventualmente parecer mais atraente. Ela é de uma forma clara mais atraente nas atuais circunstâncias do que se houvesse de fato um medo do castigo. Infelizmente, o alvo mais fácil dos criminosos perigosos é claramente o cidadão comum, que não pode pagar por "proteção especial" e tem seu direito à segurança pública violado pelo Estado. Aliás, um advogado com doutorado na prestigiosa Universidade de São Paulo (USP), Cândido Mendes Prunes, afirma que as políticas de segurança pública no Brasil são equivalentes a "um convite à criminalidade". Ele também comenta que o Estado fornece um "pacote completo de incentivos" aos criminosos perigosos, os quais nenhum cidadão honesto possivelmente teria acesso para desenvolver atividades econômi-

A maioria dos brasileiros atribui os altos índices de criminalidade e a violência cotidiana à autoridade fraca. Ainda que os cidadãos também percebam a polícia como corrupta, injusta e acima da lei. Assim, enquanto há uma indiferença e até apoio para tratamentos cruéis com supostos criminosos, há também uma forte sensação de que "a justiça é uma piada" e "a impunidade está dissiminada". (37) No Brasil, os membros da polícia são geralmente desqualificados, despreparados, corruptos e mal pagos. Um corpo auxiliar das Forças Armadas, a policia estadual tem sido acusada de tratar suspeitos como "inimigos armados que precisam ser destruídos". (38) Em alguns Estados, os salários dos agentes da polícia começa só uns poucos dólares acima do salário mínimo fixado por lei. (39) Para uma carreira que exige coragem, disciplina e sensibilidade, o Estado fornece salário baixo e formação inadequada. Por causa dos salários visivel-

Patrícia Santos/Folha Imagem

No Brasil, os membros da polícia são geralmente desqualificados, despreparados, corruptos e mal pagos.

cas dentro da lei. Como parte desse "pacote", Prunes ressalta a falta de polícia preventiva, a falta de habilidade em investigar casos rapidamente e a morosidade judicial. (35) O último incentivo ocorreu porque inquéritos policiais demorados permitem aos autores se beneficiarem do estatuto da prescrição, que estabelece um limite de tempo para o julgamento dos suspeitos Não é surpresa que as pessoas estejam propensas a pensar que os criminosos não têm tanto medo das punições do Estado. Essa sensação de impunidade explica a razão pela qual muitos deles partem para fazer justiça com as próprias mãos. E apesar do quanto primitiva a justiça "faça você mesmo" possa parecer, as chacinas e os linchamentos se tornaram ocorrências diárias em todo o País. Segundo a OEA, essas ações constituem uma solução natural à "falta de um sistema policial efetivo e funcional, e o fato de que o público não acredita na eficiência do sistema judiciário". (36) Aliás, como Katherine Hite e Leonardo Morlino, observam:

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mente baixos, os policiais honestos têm de viver com suas famílias em áreas muito pobres, normalmente sob o controle das quadrilhas de traficantes. (40) Mas há também casos nos quais agentes estiveram envolvidos em extorsões, seqüestros, tortura de suspeitos, prisões arbitrárias, tráfico de drogas e execuções feitas por esquadrões da morte. (41) Em vez de expulsar esses policiais, algumas autoridades estaduais até os condecoraram. (42) Em 1997, o governador de São Paulo promoveu um policial responsável por pelo menos 40 execuções extralegais. (43) Da mesma forma, em 1995, o governo do Estado do Rio de Janeiro estabeleceu um "bônus salarial" para policiais participantes em "atos de bravura". Na prática, porém, a Human Rights Watch argumentou que esses "atos de bravura" eram freqüentemente confundidos com execução sumária dos suspeitos. (44) Quando a polícia do Rio executou um número recorde de 100 pessoas, em abril de 2003, seu secretário de Segurança Pú-


blica, Anthony Garotinho, foi à televisão elogiar as mortes como um "desenvolvimento muito positivo". Ele garantiu que a polícia limitou as mortes "apenas" aos criminosos. (45) A explicação parece bem relevante, porque não é sempre que a polícia mata "apenas" criminosos. Em 2 de abril de 2005, por exemplo, a polícia do Rio massacrou 30 pessoas numa favela em represália à prisão pelo governo estadual de três policiais, que foram filmados por moradores da região jogando as cabeças de suas vítimas por cima do muro de uma casa. (46) 2.2. Direito dos Prisioneiros A Constituição Brasileira declara que nenhum castigo pode ser cruel ou levar o contraventor a morrer. Ela também afirma que ninguém pode ser submetido a nenhuma forma de tortura

Tortura e maus-tratos continuam a ser utilizados por elementos dentro de todas as forças policiais como meios de investigação e obtenção de confissões... A tortura também era usada para extorquir dinheiro e servir aos interesses criminosos de agentes corruptos. Apesar de o governo federal ter lançado uma campanha para combater a tortura em 2001, os números de denúncias pela Lei contra a Tortura de 1997 continuam bastante baixos dada a prática endêmica desse crime. (51) A polícia brasileira usa a tortura de suspeitos como um método comum de investigação. Como relator especial da ONU sobre a questão da tortura no Brasil, Sir Nigel Rodley afirmou que ela ocorre nos interrogatórios iniciais, prisões temporárias e longas detenções. (52) Isso foi confirmado por um antigo chefe da polícia no Rio de Janeiro, que afirma que a tortura é realmente uma "prática normal" nas prisões e delegacias. Mas ele a justificava alegando que os brasileiros considerariam a tortura

Reginaldo Pupo/AE

As prisões no Brasil geralmente são superlotadas e totalmente inapropriadas para habitação humana.

ou tratamento degradante ou desumano. (47) Além disso, a tortura é tratada como crime hediondo, sem direito à fiança ou qualquer forma de perdão ou anistia em absoluto. (8) Para honrar a lei constitucional e as obrigações internacionais assumidas com a ratificação do País da Convenção Internacional Contra a Tortura de 1989, o Congresso federal aprovou em 1997 uma lei contra a tortura. Na prática, porém, a dramática realidade dos direitos dos presos difere radicalmente do que está escrito na lei. As prisões no Brasil geralmente são superlotadas e totalmente inapropriadas para habitação humana. Muitos prisioneiros e suspeitos têm sido mortos, torturados e espancados nas prisões e nas delegacias, embora tal crueldade contra suspeitos de crimes e prisioneiros não possa ser atribuída meramente a verbas insuficientes. (49) O problema parece ser que os policiais se acostumaram a agir dessa forma violenta, extralegal. (50) Como um famoso relatório da Anistia Internacional (AI) explica:

"um simples castigo para criminosos comuns, como um meio legítimo de se obter informações". (53) Isso pode explicar por que um considerável número de delegacias no Brasil tem uma sala de tortura. Uma técnica comum de tortura é o pau de arara. Segundo a descrição do Human Rights Watch (HRW), o pau de arara é uma barra na qual a vítima fica suspensa pela parte de trás dos joelhos com as mãos amarradas nos cotovelos. No pau, a vítima, geralmente nua, é submetida a fortes pancadas, choques elétricos e a quase-afogamento. O quase-afogamento é uma técnica de tortura na qual a cabeça da vítima é submergida num tanque de água ou a água é empurrada em sua boca e narinas. (54) A Constituição também estipula que o local onde os condenados paguem a pena de prisão tem de corresponder à natureza de seu crime, bem como a idade, sexo e outras características. (55) Além disso, prisioneiros perigosos devem ser separados dos menos perigosos. Na prática, porém, criminosos não-

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violentos estão freqüentemente dividindo espaços superlotados com criminosos perigosos, que às vezes os matam. Tais mortes têm sido encorajadas pela impunidade que os assassinos desfrutam, seguros na certeza que poucos incidentes como esses são investigados apropriadamente. Embora os prisioneiros tenham garantido por lei livre acesso a cuidados médicos, assistência jurídica e serviços sociais, esses benefícios raramente são fornecidos. O fato é que a maioria dos prisioneiros não recebe nem sequer cuidados médicos básicos, incluindo remédios para o tratamento de doenças como tuberculose e HIV/Aids, ambas alcançaram agora níveis epidêmicos entre os prisioneiros. Em algumas prisões, "detentos gravemente doentes e até morrendo continuam aglomerados com outros prisioneiros". (56) Também foi relatado o fato de que as prisioneiras não têm seus direitos básicos respeitados. Uma forma comum de abuso contra prisioneiras é a extorção por favores sexuais. (57) Embora a Constituição declare que as detentas podem ficar com seus bebês durante o período de amamentação, elas freqüentemente são afastadas dos filhos depois que nascem. (58) Além disso, as prisioneiras informam que a tortura não se limita aos homens. Uma detenta disse aos investigadores da HRW que numa ocasião ela foi despida, molhada e posta no pau de arara e bastante espancada por quatro policiais homens, que davam choques elétricos em todo o seu corpo, incluindo na vagina. (59) Mas, sem dúvidas, um dos mais terríveis feito da polícia foi o massacre de 111 prisioneiros na Penitenciária de Carandiru, em São Paulo, em 1992. Ironicamente, o povo elegeu o oficial que comandou a operação toda, coronel Ubiratan Guimarães, para a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. (60) A eleição lhe garantiu imunidade parlamentar da decisão judicial que o condenou à prisão. (61) Ele permaneceu livre e atuando como membro eleito da Assembléia. Aqueles que votaram no Coronel Guimarães para o legislativo estadual acreditam que a polícia tem o direito, às vezes, de agir de uma forma extralegal e violenta. Tal aprovação é mostrada numa pesquisa de opinião realizada poucos dias após o massacre. Ela revelou que 60% dos entrevistados apoiavam essas mortes extralegais. A pesquisa também descobriu que 56% deles achavam que a proteção aos direitos humanos não deviam ser estendidas a alguns criminosos, particularmente assassinos e estupradores. (62) 2.3. Direitos das Crianças As pessoas no Brasil são obrigadas por lei a garantir os direitos básicos das crianças. O Artigo 277 da Constituição declara: "É dever da família, da sociedade e do Estado garantir às crianças e aos adolescentes, com prioridade absoluta, o direito a vida, saúde, alimentação, educação, lazer, ensino profissionalizante, cultura, dignidade, respeito, vida comunitária e familiar, bem como protegê-los de todas as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." Há muitas outras cláusulas legais relacionadas à proteção das crianças contra todas as formas de abuso, violência e exploração sexual. Alguns advogados internacionais saúdam as proteções constitucionais e estatutárias como um modelo ao mundo em tudo que diz respeito aos direitos das crianças. O

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Unicef, por exemplo, descreve o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma legislação criada para implementar as cláusulas relacionadas aos direitos das crianças, um dos mais avançados do mundo. (63) Da mesma forma, juristas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos elogiam o ECA por abraçar um "conceito especial" dos direitos da criança, por "introduzir inovações na política de promoção e defesa de seus direitos em todas as dimensões: física (saúde e alimentação), intelectual (o direito à educação, ao ensino profissionalizante e à proteção no local de trabalho), emocional, moral, espiritual e social (o direito à liberdade, ao respeito, à dignidade, à harmonia familiar e a relações comunitárias. (64) Apesar dessas cláusulas formais, o principal problema no Brasil é a enorme distância separando os direitos das crianças como estão na lei de seu exercício efetivo ou garantia na prática. Embora a Constituição e o ECA garantam às crianças muitos direitos "fundamentais", esses direitos freqüentemente não são respeitados. Segundo Page, "em nenhum lugar o abismo separando retórica de realidade surge mais nitidamente do que no contraste entre as garantias dadas às crianças pela Constituição de 1988 e os assassinados à sangue-frio de meninos e meninas que vivem nas ruas das cidades. Se existe algo que simbolize mais claramente a perversidade da onda contemporânea de violência no Brasil, é a forma como ela vitimiza as crianças. (65) m dos autores do ECA sugere que essa lei não é cumprida apropriadamente porque as pessoas no Brasil não estão "conscientes do fato de que (...) os pais devem proteger os filhos, as autoridades locais devem ajudar os pais e, finalmente, de que o lugar para a criança é a escola. (66) Na verdade, porém, as cláusulas constitucionais e do ECA sobre os direitos das crianças estão bem longes de serem uma "boa" lei. Por exemplo, enquanto que adolescentes têm permissão para votar aos 16 anos, não são responsáveis criminalmente até os 18. Menores de 18 anos não podem ser responsabilizados criminalmente e são sujeitos a cláusulas de uma legislação especial. (67) Como resultado, todo assassino de 17 anos, até um famoso assassino em série, pode apenas ser internado por um período não superior a três anos num "estabelecimento educacional". (68) Esse status de impunidade, porém, levou muitas milhares de crianças a trabalhar (e arriscar suas vidas) em organizações criminosas. No Brasil, escreve J.O. de Meira Penna, "os menores geralmente forma a espinha dorsal das quadrilhas criminosas, sentido-se seguros contra a repressão policial por conta da impunidade legal(...) A situação absurda trouxe descrédito para o Brasil, resultado do engano legal e intelectual de classificar adolescentes assassinos como "crianças abandonadas". Como não podem ser legalmente incriminados ou mantidos fora de problemas por formas legais, o caminho fácil para policiais ignorantes e violentos é simplesmente matá-los, sempre que possível. (69) Desde que o ECA se tornou lei federal em 1990, o número de homicídios contra crianças e adolescentes cresceu dramaticamente, aumentando 77% entre 1994 e 2004. (70) Em 2003, 72% de todas as mortes de adolescentes entre 15 e 19 anos ocorreram por causas violentas relacionadas a homicídio, suicídio e acidentes de trânsito. Assassinato é atualmente a principal causa de mortes de crianças de 10 a 14 anos, entretanto menos de 2% de seus assassinos cumprem pena. (71)


Marcelo Soubhia/Folha Imagem

É notável que tanto a Constituição quanto o ECA estipulem que adolescentes entre 14 e 17 anos não possam trabalhar em ambientes perigosos, insalubres, noturnos ou moralmente prejudiciais. Na prática, porém, até crianças pequenas têm trabalhado em atividades como tráfico de drogas e prostituição. Um relatório de 2002 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que cerca de 3 mil garotas de esparsamente povoado Estado de Rondônia foram submetidas a condições de trabalho forçado e prostituição. (72) Crianças que trabalham são vulneráveis a todos os tipos de acidente nos locais de trabalho. Há informações de crianças trabalhando em carvoarias, canaviais e fábricas de sapatos. Algumas tiveram doenças e acidentes que incluem "amputações, doenças gastrointestinais, , cegueira e queimaduras provocadas pela aplicação de pesticidas com proteção inadequada. (73) A lei também afirma que as crianças só podem viajar com permissão dos pais. Mas é do conhecimento de todos que freqüentemente as crianças viajam para se prostituir. Garotas das zonas rurais são recrutadas nas grandes cidades como prostitutas por clubes de strip-tease e agências de modelos, e até com anúncios de "precisa-se". Em locais no litoral, o turismo sexual envolve prostituição infantil organizadas por participantes da indústria, incluindo agentes de viagem, funcionários de hotéis e taxistas. A ONU calcula que atualmente pelo menos 500 mil crianças são vítimas da exploração sexual no Brasil. (74) Em algumas regiões do País, particularmente no Norte e Nordeste, "a maioria dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes não é investigada e em alguns casos representantes do Judiciário estão envolvidos". (75) Numa tentativa de conter o significativo problema da prostituição infantil, o Congresso Nacional estabeleceu uma Comissão Parlamentar Especial para investigar o problema. Entre muitas outras coisas, a comissão descobriu o envolvimento de policiais, juízes e políticos com a prostituição infantil. (76) E em agosto de 2003, a polícia prendeu seis vereadores de Porto Ferreira, em São Paulo, e seis empresários que participavam de sexo grupal com menores entre 10 e 16 anos havia dois anos. As menores eram pagas com drogas e/ou US$ 11 a US$ 18 por cada encontro. (77) Segundo um relatório de uma organização não-governamental: Pelo menos 12 garotas estavam envolvidas, todas muito pobres. Carros oficiais da cidade e mototáxis apanhavam as jovens garotas (10 a 16 anos) a duas quadras da escola deles. Luiz Gonzaga Borceda, um dos homens condenados era o diretor da escola das meninas. As "festas" eram geralmente às segundas-feiras e começavam por volta das 10 horas da manhã e terminavam no começo da tarde. Elas recebiam um pagamento de aproximadamente US$ 12 e eram forçadas a manter relações sexuais com vários homens. De acordo com o testemunho das garotas, muitas participavam para ter algo para comer. Elas também eram forçadas a tirar fotos despidas. Isso foi declarado por um dos participantes à Câmara Municipal... As garotas recebiam álcool e crack durante as festas. (78) Apesar de terem sido condenados judicialmente por corrupção de menores, tráfico de drogas e formação de quadrilhas, todos, menos um, estão livres (em 2007) após passarem menos de três anos na prisão. A única pessoa que ainda está na prisão é um vereador que concorreu novamente, mesmo

Crianças que trabalham são vulneráveis a todos os tipos de acidente nos locais de trabalho. Há informações de crianças trabalhando em carvoarias, canaviais e fábricas de sapatos.

estando detido, e foi eleito com o terceiro maior número de votos. Os vereadores fizeram um acordo para que ele possa assumir seu mandato enquanto cumpre a sua pena, embora isso não tenha ocorrido ainda por causa do medo da repercussão internacional. Outra investigação detalhada realizada pelo Congresso em julho de 2004 descobriu políticos, juízes e empresários participando da exploração sexual de menores, incluindo o horrível abuso sexual de bebês. Descobriu-se que o vice-governador do Amazonas estava procurando serviços de uma rede de prostituição que recrutava garotas de 16 anos. (79) Mesmo assim, a presidente da comissão do Congresso, Patricia Saboya, "acusa o governo de não fazer praticamente nada para investigar ou punir esses envolvidos." (80) Estatísticas mostram 7 milhões de crianças vivendo nas ruas das cidades brasileiras. (81) Contrariando o que geralmente se acredita, os testemunhos dessas crianças revelam muitas outras pressões além da falta de dinheiro. Elas estão nas ruas principalmente por causa da negligência dos pais e comentam episódios de abuso sexual e muitos outras formas de extrema violência. É claro que elas não estariam ali se não houvesse a ausência de uma ação governamental, bem como de ações da sociedade civil.

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Crianças de rua são completamente privadas da maioria de suas necessidades materiais e de carinho. Elas não têm casa, escola, comida adequada nem cuidados médicos. Freqüentemente se tornam vítimas de esquadrões da morte ou de outras formas de violência oriundas de sua situação precária. Desde que elas passaram a roubar para sobreviver, algumas pessoas pagam a esquadrões da morte para "limpar as ruas" dessa "incoveniência". Infelizmente, muitas pessoas acredita que a morte extralegal é uma medida válida para combater o crime e a violência. Page afirma: O que amplia a indignação pública ainda maior contra os moleques de rua é a impressão de impunidade que protege crianças que matam, assaltam e roubam. O sistema legal não as classifica como criminosas, mas usa o termo mais eufenístico infratoras e não as submete a punições. Pelo estatuto de 1990 (o ECA), um infrator com menos de 12 anos é geralmente solto sob a guarda de sua família ou de uma família substituta. Um infrator com mais de 12 é enviado a instituições estaduais especialmente projetadas para adolescentes. Essas unidades são tão antiquadas e superlotadas, que há uma pressão constante para libertar os transgressores o mais rápido possível e os jovens escapam dela regularmente. (2) Crimes contra as crianças de rua são caracterizados pela extrema brutalidade. Eles incluem tortura e amputações. Geralmente, os corpos dessas crianças deixados nas ruas "para servir de exemplo para as outras". (83) As crianças que conseguem sobreviver terão de se preocupar no dia seguinte com a próxima refeição e com encontrar um local seguro para dormir à noite. Essas crianças estão, portanto, sujeitas a um processo de "seleção natural" no qual "o fraco morre de doenças e violência e apenas os fortes sobrevivem à idade adulta". (84). Os casos de violência contra crianças são tantos que uma frase atribuída pela imprensa à Anistia Internacional nos anos 90 afirma: "O Brasil já sabe como resolver o problema de suas crianças – matá-las." (85). Isso não está muito distante da realidade. De fato, quando o governo do Rio de Janeiro instalou uma "hot line" procurando informações sobre a morte de oito meninos de rua no centro do Rio, o serviço teve de ser logo interrompido, porque milhares de chamadas congestionaram a linha apoiando as execuções. (6) 2.4. Direitos das Mulheres As mulheres são agraciadas pela Constituição brasileira com um impressionante número de "direitos fundamentais". Ela reconhece completamente o mesmo valor de ambos sexos, advogando a igualdade de direitos e obrigações diante da lei. (87) A Constituição também reconhece que no casamento homens e mulheres têm os mesmos direitos e obrigações. (88) No Artigo 5.º, inciso XLI, ela declara a obrigação do governo em promover o bem-estar de todos, sem discriminação sexual. Em relação à lei trabalhista, é bem apropriado deduzir que as mulheres tem de fato mais direitos do que os homens, já que o Artigo 7.º especifica certos direitos apenas para as mulheres, incluindo aposentadoria mais cedo e proteção no mercado de trabalho. Enquanto a Constituição afirma que todos têm direitos iguais, leis ordinárias fornecem penas de prisão e multas para

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Rafael Hupsel/Luz

Sobre os direitos trabalhistas das mulheres, a Constituição proíbe explicitamente qualquer diferença salarial entre os sexos.

qualquer situação de comportamento sexista, incluindo o uso de termos pejorativos contra mulheres. A lei também garante delegacias de polícia especiais para a mulheres. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a proteção legal dos direitos das mulheres no Brasil, particularmente em relação a "delegacias de polícia específicas para um sexo", é "sem precedentes" e, por conseguinte, "um modelo importante" a ser imitado pelos países. (89) Porém, apesar da lei escrita, é do conhecimento de todos que a violência contra mulheres é uma ocorrência comum. De acordo com a ONU, as mulheres no Brasil são "freqüentemente expostas" à exploração sexual. Um documento da UNHabitat de 2004 revela que o Brasil tem um dos maiores níveis de incidentes contra mulheres, descritos como estupro, tentativa de estupro e ataques indecentes. Esses crimes violentos geralmente são subrelatados e seus executores provavelmente não são punidos. (90) Um estudo de 2001 como 61,5 milhões de mulheres realizado pelo Fundação Perseu Abramo descobriu que, anualmente, 2,1 milhões de brasileiras são vítimas de violência física. Isso significa que a cada 15 segundos uma mulher é agredida no Brasil. (91) Ele também revela que 6,8 milhões de brasileiras sofreram agressões de seus companheiros, parentes e outros conhecidos. (92) Segundo o ministro da Saúde, Saraiva Felipe, só em 2004, 189 mil mulheres com mais de 10 anos procuraram os hospitais com fraturas, luxações e traumas em várias partes do corpo, até no crânio. (93) Apesar disso, a grande maioria das queixas criminais em relação a violência contra mulheres são interrompidas sem uma conclusão final. De acordo com a Organização Mundial contra a Tortura (WOAT), apenas 2% de todas as queixas de violência contra mulheres terminam em condenação. Para os poucos casos que resultam em condenação, a WOAT critica que as penas para assassinato em primeiro grau e estupro são "muito leves". (94) Segundo Norma Kyriakos, ex-procuradora-geral do Estado de São Paulo: Em vez de dar ao agressor uma pena de serviço comunitário (ou de prisão), os juízes propõem que ele pague com cestas básicas para instituições de caridade. E os homens continuam praticando os crimes porque sabem que tudo o que terão a fazer é pagar... As mulheres hoje ainda têm medo de ir à delegacia porque têm medo de seus agressores... Elas sabem que após terminarem com a delegada ou com o juiz, estarão por conta própria novamente. (95) Um caso que serve para ilustrar a situação atual ocorreu em 1983. Ele tem a ver com uma mulher que ficou paraplégica após sofrer várias tentativas de assassinato feitas por seu marido. Depois de esperar mais de 15 anos por uma decisão judicial, ela entrou com um processo contra o país na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O resultado foi que, em 2001, membros dessa comissão consideraram o Brasil culpado de negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. (96) Sobre os direitos trabalhistas das mulheres, a Constituição proíbe explicitamente qualquer diferença salarial entre os sexos. Na verdade, a lei básica fornece "discriminação positiva" em favor das mulheres, garantindo-lhes direitos constitucionais especiais, como licença-maternidade paga de quatro me-

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ses e proteção contra a demissão por gravidez. (97). Na prática, porém, a OEA relata que grávidas são demitidas, apesar da Constituição dizer o contrário. O relatório sugerem que patrões têm pedido ilegalmente "atestados de esterilização" como pré-condição para emprego. (98) Finalmente, a OEA afirma que o próprio governo reconhece que a média salarial das mulheres está 54% abaixo do que é normalmente pago a seus colegas com os mesmos níveis de educação e qualificação. (99) Essa constante violação dos direitos das mulheres ressalta a prevalência da cultura "machista", na qual se espera que os homem "provem" sua "masculinidade" tratando as mulheres como objetos sexuais. O grande problema é portanto o fato sociológico de que, no Brasil, "muitos acreditam que têm o direito de dominar fisicamente suas parceiras e muitas mulheres aceitam um papel submisso". (100) Essa cultura machista expli-

um quinto do necessário para manter uma família de quatro pessoas na cidade de São Paulo. (102) Além disso, uma análise realizada em 2002 pela Pesquisa Nacional de Domicílios do IBGE revelou que 40% dos trabalhadores não recebiam sequer essa quantia mínima. A média salarial deles era mais de 50% menor do que a lei exigia. (103) Isso significava que 55 milhões de trabalhadores estavam sobrevivendo com metade do salário mínimo. (104) Pela Constituição brasileira, qualquer forma de trabalho forçado é proibida. O Código Penal pune os culpados com pelo menos oito anos de prisão. Porém têm sido relatados casos de trabalho escravo no Norte e no Centro-Oeste. Nessas áreas, o trabalho forçado envolve a exploração de crianças em atividades como agricultura e pecuária. (105) Além disso, imigrantes ilegais dos vizinhos Bolívia, Peru e

Milton Mansilha/Luz

Imigrantes ilegais dos vizinhos Bolívia, Peru e Paraguai trabalham nas grandes cidades sob condições similares à escravidão.

ca a proliferação de violência sexual, uniões instáveis, adultério e ilicitudes como fatores que contribuem para o desrespeito ao direitos das mulheres. 2.5. Direitos dos Trabalhadores Em relação aos direitos dos trabalhadores, o Brasil possui uma Constituição exigindo, entre outras coisas, que o salário mínimo possa garantir todas as necessidades básicas dos trabalhadores e suas famílias: habitação, comida, educação, saúde, lazer, roupas, higiene, transporte e segurança social. (101) Para dar conta disso, o salário mínimo tem de ser periodicamente ajustado, a fim de manter o poder de compra do trabalhador. O atual salário mínimo fixado por lei está em volta dos US$ 200 mensais. Certamente, é um salário que não cobre todas as necessidades exigidas pela Constituição. De fato, um estudo de 2000 do Dieese concluiu que o salário mínimo era

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Paraguai trabalham nas grandes cidades sob condições que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) descreve como "similares à escravidão. (106) Segundo o Departamento de Estado americano, a abolição do trabalho escravo no Brasil tem sido impedida pelo fracasso em impor penas eficazes, pela impunidade dos responsáveis, pela lentidão dos procedimentos jurídicos e pela falta de coordenação entre os vários órgãos do governo. (107) Só na região amazônica, a OIT calcula que 25 mil pessoas estão trabalhando como escravos em uma gama de atividades: desde desmatamento da selva para fazendeiros, até exploração de minas para a produção de carvão. A OIT informa que esses trabalhadores têm sido tratados "piores do que animais", vivendo em barracas de plástico sem saneamento e comendo em latas, que antes foram usadas para guardar pesticidas. (108) A jornada diária deles é do amanhecer ao crepúsculo e homens armados são contratados para garantir a or-


d e m e e v i t a r q u e f u j a m . Ve rg o n h o s a m e n t e , a l g u n s congressistas foram descobertos se beneficiando de trabalho escravo em suas próprias fazendas. (109) Na questão do emprego, o Artigo 170 da Constituição declara que a ordem econômica do País deve ter como seu objetivo mais "fundamental" a "busca pelo emprego total". Em agosto de 2003, porém, cerca de 13 milhões de trabalhadores estavam desempregados, e milhões de outros simplesmente não conseguiam nem pagar por uma refeição decente por dia. (110) No Brasil atual, as taxas de juros são as maiores do mundo, a tributação é esmagadora e quantidade de burocracia encontrada em todos os níveis de governo é enorme. (111) Em um documento distribuído pelo Banco Mundial chamado "2005 Doing Business" (Fazendo Negócios 2005), o Brasil é citado como um dos piores países no mundo para os em-

O capítulo dos direitos indígenas é dedicado a uma das mais avançadas posições normativas na legislação comparativa. Seus incisos se referem diretamente aos direitos dos índios, ultrapassando a doutrina da "assimilação natural" e garantindo reconhecimento permanente da direitos originais inatos dos povos indígenas, baseados no status inicial deles como ocupantes históricos e permanentes de suas terras. (114) Terras indígenas são definidas pela Constituição Brasileira como aquelas tradicionalmente ocupadas pelos índios e as por eles habitadas em caráter permanente, bem como "as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições". (115) Essa descrição de "terras tradicionalmente ocupadas pelos

Antônio Cruz/ABr

Os 280 mil brasileiros que são índios têm por lei o direito de ocupar 946 mil quilômetros quadrados do território nacional.

presários abrir um negócio, contratar empregados ou fechar contratos, por causa da excessiva tributação e regulação governamental. (112) No Índice de Liberdade Econômica de 2006, um importante documento publicado em conjunto pela Fundação Heritage Foundation e pelo Wall Street Journal, a estrutura regulatória do Brasil é considerada desgastante e não totalmente transparente. (113) 2.6. Direitos dos Povos Indígenas A Constituição do Brasil é muito generosa nos termos em que trata dos direitos das comunidades indígenas. Eles incluem a proteção da cultura dos índios e o direito de qualquer comunidade indígena de determinar livremente a forma pela qual sua terra será usada. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos:

índios" é tão ampla que um eminente advogado constitucional, Manoel G. Ferreira Filho, brincou dizendo que seria mais fácil para os legisladores declarar quais terras os não-índios poderiam ocupar. (116) Os 280 mil brasileiros que são índios têm por lei o direito de ocupar 946 mil quilômetros quadrados do território nacional. Isso significa que 0,5% da população total do Brasil tem o direito de ocupar 12% de todo seu território. A quantidade de terra classificada como pertencente às comunidades indígenas é bem maior do que seis território de qualquer país europeu, com exceção da Federação Russa. A França, por exemplo, tem 59 milhões de pessoas, mas menos do que 544 mil metros quadrados. (117) As terras indígenas também são consideradas possessão permanente dos índios. Eles têm controle sobre todas as riquezas do solo, rios e lagos. (118) Além disso, a mais alta corte do Brasil, o Supremo Tribunal Federal, já decidiu pela inconstitu-

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cionalidade de qualquer lei ou contrato público resultando na redução ou na alienação dessas terras indígenas. (119) Só os membros eleitos do Congresso Nacional podem autorizar a exploração de recursos hidroelétricos e riquezas minerais nas terras indígenas. Em tais casos, uma parte dos lucros será transferida para a comunidade indígena, que não pode ser removida da terra que ocupa, exceto por aprovação dos congressistas ou em casos extraordinários de catástrofe ou epidemia. Mesmo assim, os índios terão preservados o direito de retornar à terra assim que o risco termine, porque as terras indígenas são inalienáveis e não são sujeitas a restrições. Tudo isso soaria muito impressionante se não fosse o fato de que as autoridades públicas não têm sido capazes de manter a integridade dessas terras indígenas, que são constantemente invadidas por pessoas que não são índios com o objetivo de mineração, extração de madeira e agricultura. (120) Essas invasões "destroem o meio ambiente e a vida selvagem, espalham doenças e provocam conflitos violentos", comenta o Departamento de Estado Americano. (121) Para proteger os direitos e a cultura da população indígena, o Brasil criou uma agência federal especial conhecida como Fundação Nacional do Índio (Funai). O papel dela inclui a proteção ao direito de qualquer índio de obter educação pública, cuidados médicos e assistência jurídica gratuitos. Entretanto, a verdade é que os índios sofrem com epidemias, trabalho forçado, mortes violentas e marginalização. Segundo Lisa Valenta, uma especialista em direitos indígenas brasileiros: Administrar problemas legais, pressões políticas no Executivo e no Judiciário e atitudes comunitárias contribuíram para um ambiente hostil para os índios. A fim de garantir seus direitos civis, políticos e de propriedade, eles têm de negociar... com uma enorme discriminação cultural e com o que nos últimos 500 anos pode ser julgado apenas como um desastre epidemiológico. Doenças, pouca ou nenhuma realização das terras já demarcadas, a falta de projetos de desenvolvimento viáveis ou sustentáveis para encorajar fazendeiros a pararem de derrubar ainda mais a floresta tropical, ao lado de um periódico apoio militar, tudo isso tem provocado invasões, epidemias e massacres, especialmente nas fronteiras norte do Brasil. Essas atividades resultaram em pouco ou nenhum receio de repressão legal para os invasores e, proporcionalmente, a desmoralização dos índios, que ficam sem nenhum remédio jurídico doméstico confiável. (122) Apesar das cláusulas legais, metade da população indígena brasileira atualmente vive sob condições de extrema pobreza, dependendo totalmente de um programa federal de cestas básicas para sobrevier. (123) Eles também enfrentam cuidados médicos bastante ruins. O departamento médico da Funai calcula que aproximadamente 60% dos membros das comunidades indígenas sofrem de doenças crônicas, como tuberculose, malária e hepatite. (124) Segundo uma publicação recente sobre tribos indígenas localizadas no Brasil Central: Um fato comum que as une é a marginalização delas dentro da sociedade brasileiras, refletida em condições econômicas e de saúde ruins e nas dificuldades que enfrentam para obter acesso a cuidados médicos, educação e outros serviços sociais... O que pode ser decla-

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rado genericamente... é que na grande maioria das comunidades indígenas do Brasil as taxas de mortalidade são indubitavelmente maiores do que as taxas nacionais, enquanto que a expectativa de vida no nascimento é preocupantemente baixa. (125)

Leonardo Rodrigues/Hype

2.7. Liberdade de Expressão A Constituição brasileira garante proteção formal à liberdade de expressão para atividades de imprensa, científicas, artísticas e intelectuais. Ela declara, no Artigo 220, que qualquer manifestação de pensamento, expressão e informação não será sujeita a nenhuma forma de restrição governamental por motivos políticos, ideológicos ou artísticos. Porém, apesar do que a lei afirma, o governo federal tentou em 2004, aprovar uma lei controversa sobre "o Audiovisual". Se fosse aprovada, a lei poderia criar uma "Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual" (Ancinav), com poderes para exercer controle total em estações de rádio e de TV, serviços de comunicação com conteúdo audiovisual (incluindo telefonia e internet), bem como a produção, distribuição e exibição de filmes (incluindo obras cinematográficas e reportagens). O presidente da República seria totalmente livre para nomear os membros do conselho dessa poderosa agência estatal para um mandato de quatro anos. (126) A Ancinav teria poderes para investigar e reestruturar o planejamento estratégico de empresas audiovisuais e cinematográficas. A lei tratava do planejamento, regulação, administração e monitoramento de companhias audiovisuais e cinematográficas na produção, programação, distribuição, exibição e divulgação. (127) A lei também declara que essa agência governamental poderia preservar o "sigilo" de cada registro técnico, operacional e até financeiro requisitado a essas empresas. Isso indiretamente significa que esse tipo de agência poderia forçar as companhias a fornecer informações estratégicas e financeiras ao governo. A agência seria financiada por recursos obtidos com impostos sobre a publicidade, aluguel e/ou venda de fitas e vídeos e DVDs e um aumento de 10% no preço do ingresso do cinema. Esse aumente poderia minar o direito constitucional à cultura, porque os ingressos já são muito caros para a maioria dos brasileiros e transformaria o cinema num forma de entretenimento ainda mais elitista. Além disso, tornaria proibitivo para os cinemas exibir filmes com pouco público, como os produzidos por companhias de filmes mais especializados. (128) Nesse sentido, a lei violava o Artigo 215 da Constituição, que declara que o Estado deve apoiar, e não restringir, a difusão de expressões culturais. (129) Ainda que a forte reação da mídia contra a lei tenha frustrado o esforço governamental para aprovar a lei no Parlamento, outras tentativas para obter um controle indevido sobre a liberdade de expressão têm sido concluídas com sucesso. Desde janeiro de 2003, companhias estatais anunciaram que só podem patrocinar projetos culturais e sociais que correspondam aos valores ideológicos dos que estão no poder. Por exemplo, a petroleira estatal informou que "as visões sociais" do governo devem ser levadas em conta ao financiar projetos culturais e sociais. Outras empresas estatais decla-

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raram que condições parecidas lhes foram apresentadas para o patrocínio de atividades culturais e sociais. (130) Outro sério obstáculo desafiando o direito constitucional da liberdade de expressão é a distribuição pela Secretaria de Direitos Humanos do Brasil de 5 mil folhetos intitulados "Politicamente Correto e Direitos Humanos". Distribuídos em maio de 2005 a escolas públicas, a publicação continha 96 termos, expressões e piadas consideradas ofensivas e que, segundo o folheto, deviam ser evitados. Ele inclui palavras como "palhaço", que adverte o texto, pode ofender os comediantes profissionais, e "bêbado", que, avisa, é desrespeitoso com os alcoólatras. (131) O folheto também alerta que é ofensivo ou difamatório rotular como comunista alguém que de fato seja, mas não quer ser considerado como tal. A seguir estão alguns exemplos do que está no folheto: Comunista: contra eles, muitos insultos e calúnias foram inventadas para justificar campanhas e perseguições, que resultaram em assassinatos em massa durante o regime nazista na Alemanha. A situação está preta: forte conotação racista contra a povo afrobrasileiro. Ela associa o cor preta com uma situação ruim. Funcionário público: após campanhas sistemáticas contra o serviço público, os trabalhadores das empresas e agências públicas preferem ser chamados de servidores públicos para enfatizar que eles servem mais ao público do que ao Estado. Lésbica: usado para discriminar a mulher homossexual. O termo apropriado é entendida. (132) Esse folheto poderia ser considerado bobo demais para ser levado a sério se não fosse o fato de o Legislativo ter apresentado na Lei Federal número 9.459, uma legislação sobre "crimes de ódio", que pune com três anos de prisão qualquer comentário que possa ser considerado ofensivo à nacionalidade, gênero, religião ou eticidade das pessoas. Assim, muitos consideram que o folheto é realmente uma forma de censura pela qual inúmeras regras são impostas nas palavras que os cidadãos podem usar. A idéia parece se basear na premissa de que nossos direitos básicos de escrever e falar são meras concessões do Estado e não direitos básicos integralmente garantidos pela Constituição. (133) 2.8. Liberdade de Imprensa A Constituição do Brasil explicitamente proíbe todas as formas de censura ou qualquer obstáculo imposto à liberdade de imprensa. (134) A liberdade de imprensa, um importante direito para qualquer sociedade democrática, foi severamente violada no Brasil no passado, como durante a ditadura populista de Getúlio Vargas (1937- 45), e depois durante as duas décadas de regime militar iniciado em 1964. Enquanto o direito a uma imprensa livre começou a ser muito respeitado desde os últimos dias do governo militar em 1985, parece que a liberdade de imprensa está sofrendo ataques renovados, particularmente do governo federal. Desde que assumiu como presidente do país, Lula da Silva freqüentemente se queixa que os jornalistas dão muitas informações negativas sobre seu governo. Ele constantemente reitera que a mídia tem de "aprender" como desenvolver uma "relação leal" com o governo. (135)

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Reagindo contra esse tipo de intimação, jornalistas entregaram, em março de 2004, seu Manifesto Pela Liberdade de Informação. O documento declara que o atual governo tem criado "sérios obstáculos" à liberdade de imprensa. (136) Ela também revela que os jornalistas não têm mais direito de registrar encontros oficiais, aos quais até então a imprensa podia assistir, mesmo durante os piores dias da ditadura militar brasileira. (137) Outra indicação da queda da liberdade de imprensa pode ser vista na tentativa feita pelo governo federal em expulsar um correspondente do The New York Times (NYT). Em 6 de maio de 2004, o Ministério da Justiça anunciou que o visto do jornalista Larry Rohter tinha sido cancelado, porque ele tinha ousado escrever um artigo divulgando preocupações públicas sobre os hábitos de beber do presidente. Poucos dias depois da decisão, o presidente Lula bufou de raiva: "Não é para um presidente responder a uma idiotice dessas. Ela não merece nenhuma resposta. Ela merece ação. Acho que ele deve ficar bem mais preocupado do que eu." (138) Ele depois declarou: Esse jornalista não vai mais ficar neste país. Isso vai servir como exemplo para os outros. Se eu não tomar essa medida, qualquer jornalista, se qualquer país, poderá fazer o mesmo sem nenhum medo de punição. (139) Ao apresentar as razões para a expulsão do jornalista, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que era motivada pelo fato de que nenhum estrangeiro podia ofender "a honra do chefe de Estado". (140) Concordando com ele, o professor de sociologia Paulo Delgado, um congressista do PT, declarou que qualquer estrangeiro que critique o presidente da República deve se tornar automaticamente uma "persona non grata" no País. Em sua opinião, "o presidente da República pertence a todos os brasileiros e não pode ser objeto de uma consideração inapropriada por uma estrangeiro que trabalha no País". (141) A lei que foi oportunisticamente aplicada para expulsar o jornalista (Rohter) foi decretada em 1980, isto é, durante a ditadura militar. Seu artigo 7.º declara que "o visto será entregue a qualquer estrangeiro considerado prejudicial à ordem pública ou ao interesse nacional". Como essa lei não especifica quais situações constituem violação da ordem pública e do interesse nacional, qualquer governo com tendência autoritária pode manipular o significado dessas frases abstratas. De acordo com Mário Gonçalves Jr., um procurador público, "uma lei como essa só podia ter surgido de épocas nas quais a liberdade de expressão estava sufocada de uma forma escandalosa no Brasil sob a mão pesada de altos oficiais líderes do golpe militar". (142) Mas a realidade é que o governo não só aplicou a legislação arbitrária, mas também foi muito além de seus próprios limites, já que a lei em questão claramente proíbe a expulsão de estrangeiros que tenham mulher e/ou filhos brasileiros. Rohter não só vivia há muitos anos na cidade de São Paulo, ele é casado com uma brasileira e tem dois filhos brasileiros. Mas o governo ignorou completamente esse fato e distorceu o estatuto para autorizar a suspensão do visto de Rohther pelo Ministério da Justiça sem audiência judicial. (143)


Como conseqüência de críticas pesadas e generalizadas, ristas", "questionáveis". Essas leis permitem que qualquer tanto da mídia nacional quanto internacional, o presidente Lupessoa processe judicialmente qualquer jornalista por abuso la, que teimosamente mostrava suas armas, viu uma forma de de sua liberdade profissional. (150) Apesar de o governo ter lembrado que o projeto do CFJ ter acabar o imbróglio com uma farsa. (144) Incapaz de se afastar de sua própria atitude radical sem sair derrotado, ele decidiu insido de fato esboçado por um sindicato de jornalistas chamado terpretar como "retratação" uma carta na qual o jornalista conFederação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), é digno de nota firma o que tinha escrito na reportagem. Assim, toda a situação que a Fenaj não representa os interesses reais dos jornalistas, já ficou resolvida não como resultado do respeito à legalidade, que mais de 70% de todos os jornalistas do Brasil não pertenporém da aparente magnanimidade do presidente. Apesar da cem a nenhuma associação sindical. Além disso, é bastante sigenorme generosidade do presidente, a liberdade de imprensa nificante que nenhuma grande empresa de notícias apoiou a poderia ser substancialmente diminuída se uma lei patrocinaproposta. (151) Em vez disso, elas imediatamente a consideraram como "o mais sério ataque à liberdade de expressão desde da pelo governo, apresentada em agosto de 2004 pelo partido o fim do regime militar" e firmemente ficaram contra. (152) governista, for aprovada pelo Congresso federal. (145) O objetivo dessa lei altamente controversa é a criação de uma Também parece muito relevante observar que a Fenaj é entidade chamada Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), com uma federação controlada pela CUT (Central Única dos Trapoderes para "orientar, disciplinar e moTasso Marcelo/AE nitorar" todos os jornalistas trabalhando no Brasil. Os jornalistas seriam obrigados a se registrar nessa entidade para trabalhar no País. O projeto do CFJ foi claramente relacionado por muitos jornalistas a uma série de decretos baixados nos anos 1930 pelo ditador Vargas para controlar a imprensa. Entre esses atos estavam um decreto de 1932 que determinava a emissão de carteiras de identificação e um decreto de 1934, que regulamentava a renovação de licenças para jornais, revistas e gráficas. (146) Para Alberto Dines, renomado professor de jornalismo da conceituada Universidade de Campinas, o projeto da CFJ poderia certamente instituir uma forma muito parecida de "jornalismo patronal", minando completamente "a indispensável separação entre governo e imprensa". (147) Assim, ele afirma que esse projeLarry Rohter, correspondente do The New York Times, que quase teve o visto cancelado. to, apresentado pelo governo federal, constitui "a ação mais desajeitada e espantosa na área da imprensa que qualquer governo probalhadores), um grupo de sindicatos sob o controle diretor do duziu desde a volta da democracia em 1985". (148) governista Partido dos Trabalhadores (PT). Nenhum dos sete Um elemento essencial do sistema democrático adotado diretores da Fenaj é um jornalista autêntico, porém mais um pela Constituição brasileira baseada no Estado de direito é a assessor especial de empresas estatais e/ou de políticos do garantia de uma liberdade quase ilimitada para a liberdade PT; cinco dos sete diretores são filiados ao partido governista de imprensa. Então qualquer tentativa de controle sob o pree a maioria de seus membros é da equipe de comunicação do texto de disciplinar jornalistas é absolutamente inconstitugoverno. Assim, o famoso jornalista Fernando Gabeira, um cional. E, ainda que o secretário federal de Imprensa, Ricardo antigo parlamentar do PT, afirmou que o CFJ "soava como alKotscho, tenha declarado que a intenção do governo era exago que existe em Cuba ou em outros países socialistas, onde a tamente "garantir para a sociedade a completude da liberdamídia é organizada pelos partidos. (153) de de imprensa, não a liberdade de alguns profissionais e emFinalmente, também temos de considerar aqui que o gopresas de publicar o que querem a serviço de seus próprios verno brasileiro, em 23 de julho de 2003, apoiou a solicitação interesses". (149) Mas o secretário de Imprensa com certeza está de Cuba e da Líbia de suspender o status consultivo do Reerrado quando ele supõe, como parece fazer, que a lei no Brapórteres Sem Fronteiras (RSF) na Comissão de Direitos Husil permite aos jornalistas publicarem o que quiserem, pormanos da ONU. (154) que este País já tem leis contra a difamação reprimindo excesO Brasil apoiou a suspensão, porque a RSF criticou clarasos cometidos por "jornalistas ruins", "recalcitrantes", "vigamente a controvertida eleição da Líbia para a presidência

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Ao descrever a situação relacionada dos direitos constitucionais no Brasil, não é difícil observar o nítido contraste entre os direitos no papel e como eles funcionam na prática. O grande paradoxo é que, apesar da Constituição baseada no Estado de Direito, os direitos legais no Brasil não são necessariamente respeitados. É claro que a lei pode considerar um direito humano como "fundamental", mas isso não garante que esse direito estará garantido. De fato, ele pode simplesmente ser violado ou ignorado pelas autoridades e até por um cidadão comum. Parece que no Brasil alguns diretos descritos na lei são "honrados" mais em sua violação do que na aplicação efetiva deles. Entretanto, o principal problema com a implantação desses direitos está relacionada não só com o conteúdo das leis positivas, ainda que algumas delas são de fato irrealistas demais para alcançar qualquer resultado satisfatório, mas ele também reside na sensação generalizada de falta de lei que penetra a sociedade brasileira como um todo. De fato, a realidade dos direitos constitucionais no Brasil fornece fortes provas de que direitos baseados em constituições são, por eles mesmos, insuficientes para proteger os direitos básicos do cidadão.

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Paulo Pampolin/Hype Rogério Albuquerque/AFG

3. CONCLUSÃO

Antônio Cruz/ABr

Luiz Prado/Luz Leonardo Rodrigues/Hype Luludi/Luz

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daquela agência internacional. (155) Em conjunto com a Líbia e muitos outros países com um extenso registro de violações dos direitos humanos, como China, Cuba, Qatar e Arábia Saudita, o Brasil votou pela suspensão de uma das poucas organizações representando a liberdade que imprensa que detinha status consultivo dentro desse importante braço do Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc). (156) Comprovadamente, ele pode ter feito isso porque a RSF "ousou" criticar o amigos próximos do presidente Lula, coronel Gadhafi e Fidel Castro, por terem severamente suprimidos todas as formas de liberdade de imprensa em seus respectivos países. (157) Além disso, o governo Lula se absteve de condenar o assassinato de jornalistas e dissidentes políticos cubanos no Comitê de Direitos Humanos da ONU, ainda que o Artigo 4.º da Constituição brasileira explicitamente declare que a participação do país na comunidade internacional deve ser guiada pelo "princípio fundamental" do "respeito pela prevalência dos direitos humanos". (158) Falando sobre o comportamento do governo brasileiro, o embaixador em Cuba, Tilden Santiago, aprovou a execução de dissidentes cubanos, chamando-os de traidores a serviço do imperialismo dos Estados Unidos. (19) Enquanto que a Constituição brasileira explicitamente proíbe a pena de morte para oposicionistas do governo, o embaixador Santiago, que também afirma que o sistema político do Brasil "deve ser baseado no regime de Cuba", fez esta declaração ameaçadora: "Do mesmo modo, se eles tentarem desestabilizar Lula, nós teremos de tomar as mesmas medidas aqui". (160)


ex-secretário federal de Segurança, afirma que "as coisas estão ficando cada dia piores" e considera "precário" o controle das autoridades em muitas regiões da cidade. (24) Zobel. op. cit. (25) Ituassu, Arthur. Organized Crime Shows the World Who’s the Boss in Brazil, Brazzil Magazine, Los Angeles, 17 de maio de 2006, em: http://www.brazzil.com/content/view/9602/78/ (26) Ver Carvalho, Olavo de. A Nova Era e a Revolução Cultural, Rio de Janeiro: Instituto de Artes Liberais/Stella Caymmi Editora, 1994 (27) Ver Kelsen, Hans. The Communist Theory of Law, Londres: Stevens & Sons, 1955, págs. 45 e 102 (28) Op. cit., pág. 244 (29) Unger, Brooke. Not-so-swift Justice: How to Reform Brazil’s Justice, The Economist, 25 de março de 2004, pág. 30. (30) Ver Pinter, Silvia. O Alto Preço da Violência Brasileira, Entrevista com Ib Teixeira, A Notícia, Joinville, 3 de fevereiro de 2002, em: http://www.an.com.br/2002/fev/03/1ger.htm (31) Dahrendorf, Ralf, Law and Order, London: Stevens & Sons, 1985, pág. 30 (32) Pinter, op. cit. (33) Organização dos Estados Americanos (OEA), Report on the Situation of Human Rights in Brazil. InterAmerican Commission on Human Rights (1997), em: http://www.cidh.oas.org/countryrep/ brazil-eng/ index%20-%20brazil.htm (34) Como prova de que o crime é também um problema moral, Peter Hitchens demonstra em seu interessante The Abolition of Liberty que os maiores níveis de criminalidade em sua nativa Inglaterra ocorreram numa época de rara prosperidade, hospitais públicos e bem-estar social. Em 1931, época de crise econômica, ele mostra que o número de crimes era de apenas 159 mil, enquanto que a população ficava em 39,948 milhões. Enquanto a "rica" Inglaterra via sua população crescer para apenas 53,137 milhões e o índice de criminalidade ir para os espantosos 5,2 milhões. – Hitchens, Peter, The Abolition of Liberty: The Decline of Order and Justice in England, Londres: Atlantic Books, 2003, pág. 14 (35) Prunes, Cândido Mendes. Frouxos de Riso, Rio de Janeiro: APPADI, agosto de 2004, em: http://www.midiasemmascara.org/ artigo.php?sid=2452 (36) op. cit (37) Hite, Katherine e Morlino, Leonardo. Problematizing the Links Between Authoritarian Legacies and ‘Good’ Democracy. Em K. Hite e P. Cesarini (eds), ‘Authoritarian Legacies and Democracy in Latin America and Southern Europe’, Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2004, pág. 59 (38) Goetz, Paul A. Is Brazil Complying with the U.N. Convention on the Rights of the Child? (1996) 10 Temple International and Comparative Law Journal 147, pág. 148) (39) Departamento de Estado Americano.1999 Country Reports on Human Rights Practices – Brazil, Bureau of Democracy, Human Rights, and Labour, fevereiro de 2000, em: http://lanic.utexas.edu/lance/courses/jacobi/ las310/resources/human%20rights-%20brazil.htm) (40) Kanitz, Stephen. Polícia e Segurança, Revista Veja, ed.1714, Ano 34, número 33, 22 de agosto de 2001, pág. 15 (41) Departamento de Estado americano, 2004 Country Reports on Human Rights Practices – Brazil, Bureau of Democracy, Human Rights, and Labour, 21 de fevereiro de

2004, em: http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/ 2003/27888.htm (42) Chevigny, Paul. Defining the Role of the Police in Latin America. Em J.E. Méndez, G. O’Donnell e P.S. Pinheiro, ‘The (un)Rule of Law and the Underprivileged in Latin America’, University of Notre Dame, 1999, pág. 53 (43) Human Rights Watch. Police Brutality in Brazil, abril de 1997, em: http://www.hrw.org/reports/1997/brazil/ (44) id (45) Herald Sun, Justice in Brazil, Melbourne, 18 de novembro de 2003 (46) Herald Sun, Massacre in Rio, op. cit (47) Constituição Brasileira, Artigo 5.º, III (48) Constituição Brasileira, Artigo 5.º, XLIII (49) Human Rights Watch. Behind Bars in Brazil. 1.º de dezembro de 1999, em: http://www.hrw.org/reports98/brazil/ (50) id (51) op. cit (52) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit (53) Karatnycky, Adrian et al. Freedom in the World: The Annual Survey of Political Rights & Civil Liberties, Nova York: Freedom House, 2003, pág. 108 (54) Behind Bars, op. cit. (55) Constituição Brasileira, Artigo 5.º, XLVIII (56) Behind Bars, op. cit. (57) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit. (58) Human Rights Watch, Behind Bars in Brazil, op. cit. (59) Id. (60) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit. (61) Unger, op. cit. (62) Ver Prillaman, William C., The Judiciary and Democratic Decay in Latin America: Declining Confidence in the Rule of Law, Westport/Londres: Praeger, 2000, pág. 96 (63) Vasconcelos Luciana. Kids in Brazil: Great Law is not Enough, Brazzil, Los Angeles, Julho de 2004, em: http://www.brazzil.com/content/view/1993/51/ (64) op. cit. (65) op. cit. (66) op. cit., na pág. 258 (67) Constituição Brasileira, Art. 228 (68) Pinter, op. cit. (69) Penna, J.O. de Meira, From and Age of War to an Age of Crime: The Case of Brazil, Boletim do Institute for Strategic Studies da Universidade de Petrória, África do Sul, 1997, em: http://www.meirapenna.org/ en/publications/from_the_age_of_war_to_an_ ager_of_crime.htm (70) UN-Habitat; State of the World’s Cities: Trends in Latin America & the Carribean – 2004. em: http://www.unhabitat.org/mediacentre/documents/ sowc/RegionalLAC.pdf (71) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit. (72) Id. (73) Id. (74) The Guardian, Child Abuse Report Names Brazil Elite. Londres, 10 de julho 2004, em: http://www. guardian.co.uk/brazil/story/0,12462,1258071,00.html (75) ONU, United Nations Expert Concerned About Lack of Access to Justice in Brazil, United Nations Press Release, 1.º de novembro de 2004, em: http://unhchr.ch/huricane.nsf/0/B6518C5EA42005 ABC1256F00386FBF?opendocumenthe (76) OEA , op. cit. (77) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit.

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NOTAS

(1) Citado em Rosenn, Keith, Judicial Review in Brazil: Developments under the 1988 Constitution (Revisão Jurídica no Brasil: Desenvolvimentos sob a Constituição de 1988), 2007, 7 Southwestern Journal of Law and Trade in the Americas 291, pág. 318 (2) Rosenn, Brazil’s New Constitution: An Exercise in Transient Constitutionalism for a Transitional Society (A Nova Constituição do Brasil, Um Exercício no Constitucionalismo Transitório para uma Sociedade Transitória), 38 American Journal of Comparative Law 773, pág. 778. (3) Rosenn, Judicial Review in Brazil: Developments under the 1988 Constitution (Revisão Jurídica no Brasil: Desenvolvimentos sob a Constituição de 1988, 7 Southwestern Jounal of Law and Trade in the Americas 291, pág. 315) (4) Ver Vasak, Karel, International Dimensions of Human Rights, Westport: Unesco, 1982. (5) Constituição Brasileira, Artigo 1.º (6) Constituição brasileira, Artigos 1 a 14, I a III, e Artigo 61, Parágrafo 2: "A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles." (7) Comissão de Direitos Humanos da ONU, UN Human Rights Commission, Report of the Special Rapporteur on Extrajudicial, Summary or Arbitrary Executions in Brazil (Asma Jahangir), 28 de janeiro de 2004, p.6, em: http://193.194.138.190/huridocda/huridoca.nsf/e06a5300 f90fa0238025668700518ca4/2c5ea570c1663aacc1256e 5200338ca9/$FILE/G0410598.doc). (8) Constituição Brasileira, Artigo 6.º (9) Constituição Brasileira, Artigos 7.º e 9.º (10) Constituição Brasileira, Artigo 225) (11) Constituição Brasileira, Artigo 225 (12) Constituição Brasileira, Artigo 215 (13) Constituição Brasileira, Artigo 5.º XLVII (14) Smith, William C. and Messari, Nizar, Democracy and Reform in Cardoso’s Brazil: Caught Between Clientelism and Global Markets? (1998) 33 The North-South Agenda, University of Miami, pág. 1 a 8. (15) Page, Joseph A., The Brazilians. Reading/MA: Addison-Wesley, 1995, pág. 243 (16) Gasparotto, Rafael, In Brazil, 82 Murders a Day, for 20 Years, Brazzil Magazine, Los Angeles, abril de 2004, em http://www.brazzil.com/content/view/1742/52/ (17) Teixeira, Ib, Dissonância, O Globo, Rio de Janeiro, 4 de abril de 2002 (18) Ver Marcus, Alan. Brazilians, Those Barbarians! Brazzil Magazine, Los Angeles, 12 de abril de 2004, em: http://www.brazzillog.com/2004/html/articles/ apr04/p115apr04.htm (19) Zobel, Gibby. Lawless Rio: Chief Police Admits defeat as Criminal Rampage. The Guardian, Londres, 19 de maio de 2003 (20) Teixeira. op. cit. (21) Chetwynd, Gareth. Deadly Setback for a Model Favela, The Guardian, Londres, 17 de abril de 2004, em http://www.guardian.co.uk/brazil/story/ 0,12462,1193763,00.html (22) Cristaldo, Janer. In Brazil, Criminals are our Heroes and Saints. Brazzil Magazine, Los Angeles, 11 de maio de 2004, em: http://www.brazzil.com/content/view/1774/59/ (23) Sunday Herald Sun, Massacre in Rio: Rogue Police Kill 30, Melbourne, 3 de abpril 2005, na pág. 44. Da mesma forma, José Vicente da Silva, um


(78) Blaney, Joanne, Condemned City Council Members

(115) Constituição Brasileira, Art. 231

and Businessmen Freed in Porto Ferreira. Brazil Justice Net, 20 de junho de 2006, em: http://www.braziljustice.org/recent_newsletters.htm (79) The Guardian, op. cit. (80) Id. (81) Goetz, op. cit. (82) op. cit., pág. 262 (83) Rizzini, Irene, Children in the City of Violence: The Case of Brazil. Em: K. Rupesighe e M. Rubio (eds.), ‘The Culture of Violence’, Tokyo: United Nations University Press, 1994, pág. 269 (84) Page, op. cit., pág. 266 (85) Rizzini, op. cit., pág. 269 (86) Ver Prillaman, op. cit., pág. 96 (87) Constituição brasileira, Art. 5.º) (88) Constituição brasileira, Art 226 (89) OEA, op. cit (90) op. cit (91) Lôbo, Irene, A Woman is Beaten Every 15 Seconds in Brazil, Agência Radiobrás, Brasília, 25 de novembro de 2005, em: http://internacional.radiobras.gov.br/ingles/ materia_i_2004.php?materia= 248261&q=1&idiomaIG (92) Jorge, Cecília, Inauguration of Telephone Exchange for Complaints of Violence Against Women, Agência Radiobrás, Brasília, 25 de novembro de 2005, em: http://internacional.radiobras.gov.br/ingles/ materia_i_2004.php?materia=248252 &q=1&idioma=IG (93) Ibid (94) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit. (95) Downie, Andrew, A Police Station of their Own. The Christian Science Monitor, 20 de julho de 2005, em: http://www.csmonitor.com/2005/0720/ p15s02-woam.html (96) Lôbo, op. cit. (97) Constituição Brasileira, Art. 7.º (98) Op. cit (99) Id. (100) Downie, op. cit. (101) Constituição brasileira, Art.7.º, IV (102) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit. (103) Ver Neves, Francesco, Five Million Kids Still Working in Brazil. Brazzil Magazine, Los Angeles, outubro de 2003, em: http://www.brazzil.com/content/view/1077/27/ (104) Chagas, op. cit. (105) Brown, Paul, Shame of Slavery Blights Brazil’s Interior, The Guardian, Londres, 19 de julho de 2004, em: http://www.guardian.co.uk/international/ story/0,3604,1264080,00.html (106) Id. (107) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit. (108) Ver Kingstone, Steve, Brazil Slavery Damned by Report. BBC News. 19 de julho de 2004, em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/3908271.stm (109) Brown, op. cit. (110) Chagas, op. cit. (111) Ver Hayes, Richard, Red Tape is Choking Brazil. Brazzil Magazine, Los Angeles, 21de fevereiro de 2005, em: http://brazzil.com/content/view/8949/76/ (112) Ver Oppenheimer, Andres, Too Much Red Tape Leaves Brazil’s Economy Lagging, HACER – Hispanic American Center for Economic Research, setembro de 2005, em: http://www.hacer.org/current/Brazil053.php (113) Miles, Marc A. et al, 2006 Index of Economic Freedom, The Heritage Foundation & The Wall Street Journal, 2006, pág. 120. (114) OEA, op. cit.

(116) Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, Curso de Direito

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Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 367 (117) Isaacs, Allan (ed.); Dictionary of World History. Oxford: Oxford University Press, 2000, pág. 221 (118) Constituição Brasileira, Artigo 231, Parágrafo 2 (119) Barroso, Luis Roberto Barroso, The Saga of Indigenous People in Brazil: Constitution, Law and Policies (1995), 7 St. Thomas Law Review 645, pág. 660 (120) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit. (121) Id. (122) Valenta, Lisa, Disconnect: The 1988 Brazilian Constitution, Customary International Law, and Indigenous Land Rights in Northern Brazil (2003), 38 Texas International Law 643, pág. 658 (123) Departamento de Estado americano (2004), op. cit. (124) Valenta, op. cit., pág. 658 (125) oimbra Jr., Carlos E. et al, The Xavánte in Transition: Health, Ecology, and Bioanthropology in Central Brazil, Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2002, pág. 2 (126) Ver Martins, Ives Gandra da Silva, O Retrocesso Democrático. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro 26 de agosto de 2004, pág. A13. (127) Veja, Um Desastre de Lei, São Paulo, 13 de outubro de 2004, pág. 34 (128) Id. (129) Para mais informações sobre a Lei da Ancinav Bill ver Mesquita, Fernão Lara de; O Golpe da Ancinav. Boletim da APADDI, São Paulo, 19 de setembro 2004. Ver também Kramer, Dora, A Persistência do Arbítrio, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2004, pág. A2 (130) American TFP, Lula Watch, Vol.1, N.10, 6 de junho de 2003, pág. 13 (131) Downie, Andrew, In un-P.C. Brazil, a List of 96 Offensive Terms Causes Offence, USA Today, 16 de maio de 2005, em: http://www.usatoday.com/ news/world/2005-05-16-un-pc-brazil_x.htm (132) Secretaria Especial de Direitos Humanos, Politicamente Correto & Direitos Humanos, Brasília, maio de 2005 (133) Ribeiro, João Ubaldo, Brazilians, Raise Up and Swear with Me! Brazzil Magazine, Los Angeles, 5 de maio de 2005, em: http://brazzil.com/content/view/9052/76/ (134) Constituição brasileira, Art. 5º IV e IX (135) Leitão, Miriam, Sem Explicação. O Globo, Rio de Janeiro, 19 de julho de 2005, pág. 2 (136) Kramer, Dora; Onda de Obscurantismo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2004, pág. A2 (137) Kramer, Dora; Bocas Fechadas em Ordem Unida. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 21 de janeiro de 2003, pág. A2. (138) Human Rights Watch, Brazil: Journalist's Expulsion Undermines Free Expression, Press Release, 12 de maio de 2004, em: http://hrw.org/english/docs/2004/05/12/ brazil8575.htm (139) Neves, Francesco, Brazil: Times Affair Fractures Lula Administration. Brazzil Magazine, Los Angeles, maio de 2004, em: http://www.brazzil.com/ content/view/1792/59/ (140) Chetwynd, Brazil Expels New York Times Reporter for Offensive Story, op. cit. (141) Nascimento, Elma-Lia, Brazil's Lula from Victim to Villain. Brazzil Magazine, Los Angeles, maio de 2004, em: http://www.brazzil.com/content/ view/1787/59/ (142) Gonçalves Jr., Mário, Lula's Authoritarian Faux Pas: A Legal Perspective, Info Brazil, 15 de maio de 2004, em: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/169 (143) Reporters Without Borders, Reporters Without

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Borders Protests against the Expulsion of New York Times Correspondent, 13 de maio em 2004, em: http://www.rsf.org/article.php3?id_article=10377 (144) Id. (145) Ironicamente, qualquer decisão sobre essa proposta de lei foi adiada ad infinitum graças aos muitos escândalos de corrupção que abalaram o governo do presidente Lula da Silva, incluindo um esquema de compra de votos para a aprovação no Congresso dessa e de outras leis controversas. Para mais informações, ver Zimmermann, Augusto, Corruption: That's the Way Things are Done in Brazil, HACER (The Hispanic-American Center for Economic Research), Arlington/VA, setembro de 2005, em: http://www.hacer.org/current/Brazil083.php (146) Ver Haussen, Doris Fagundes, Radio and Populism in Brazil – The 1930s and 1940s. Television & New Media, Vol.6, N.3, Agosto de 2005, págs. 256-57. (147) Dines, Alberto, Press Too Cozy to Power in Brazil. Brazzil Magazine, maio de 2004, em: http://www. brazzil.com/2004/htmil/articles/may04/p.138may04.htpm (148) Rohter, Larry; Plan to Tame Journalists just stir them up in Brazil. The New York Times, Nova York, 6 de setembro de 2004, pág. A6 (149) Id. (150) Martins, op. cit. (151) Ver Gaspar, Malu, O Fantasma do Autoritarismo, Revista Veja, São Paulo, 18 de agosto de 2004, pág. 49 (152) Id. (153) Hall, Kevin G., Proposal to License Journalists in Brazil Sparks Outcry, The Kansas City Star, Kansas City, 15 de setembro de 2004, em: http://the-daily-planet.ca/ content.php?id=134 (154) Reporters Without Borders, Reporters Without Borders Suspended for One Year from UN Commission on Human Rights, United Nations, 24 de julho de 2003, em: http://www.rsf.org/article.php3?id_article=7619 (155) Ver Buhrer, Jean-Claude; Wheeling and Dealing – UN Commission on Human Rights Loses All Credibility. Reporters Without Borders, julho de 2003 (156) Para comparar, a decisão recebeu a oposição de países como Austrália, França, Alemanha, Irlanda, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos (157) Em 2003, o presidente Lula visitou Cuba para prestar seu apoio incondicional ao ditador Fidel Castro, um líder comunista cujas afinidades ideológicas com muitos membros do partido governista é um fato bem conhecido no Brasil. Lula também visitou a Líbia em dezembro de 2003. Ao revelar as razões da visita, ele descreveu o coronel Gadhafi como um amigo próximo, cujos "bons conselhos" ele apreciou bastante. Ver Rosenfield, Denis L., Princípios e Produtos, O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 de dezembro de 2003, pág. A9 (158) Ver: O Estado de S. Paulo; NYT Critica Posição do Brasil, São Paulo, 19 de abril de 2003, em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/ artigos/asp230420036.htm Ver também: Seabra, Catia e Cruvinel, Tereza; Lula: Não vou dar Palpite na Política de Cuba. O Globo, Rio de Janeiro, 26 de setembro de 2003, em: http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp? NOTCod=82080 (159) Nunes, Augusto; Samba ou Salsa? Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 de abril de 2005, em: http://jbonline.terra.com.br/jb/papel.colunas/ augusto/2005/04/23/jorcolaug20050423002.html (160) Da Silva, Roberto Romano; PT Über Alles e Homem Cueca, Correio Popular, Campinas, 12 de julho de 2005, pág. 4



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