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UMA DISTOPIA NEOSSIONISTA
Este é o segundo artigo movido pelos acontecimentos recentes em Israel [a nova linha de políticas legislativas/ nacionais/religiosas) , que têm o potencial (espero que acabe sendo um potencial frustrado) de modificar a
Paulo Geiger
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estrutura e a imagem da democracia isralense e de demolir uma construção de 75 anos. Construção feita por uma sociedade, governos, pessoas, de direita, centro e esquerda, mas unidos pela visão unificadora que orientou o sionismo e ditou os termos da Declaração de Independência de Israel: um país judaico E democrático, pátria do povo judeu em todos os seus segmentos culturais e religiosos, e de todos os seus cidadãos.
Correndo o risco de ser repetitivo, e já o sendo, faço isso porque a recente reação de multidões em Israel à mais perigosa (não a única) ameaça dessa destruição – a entrega das decisões judiciais finais a políticos, e não juízes – suscita a esperança de que, apesar dessa guinada à extrema-direita autoritária, centrada em Bibi/BenGvir/ Smotrich, Israel continuará, pela vontade de seu povo. a ser um estado plural, democrático e inserido nas verdadeiras democracias do mundo.
O que há de pior nessa tentativa de subverter a prevalência da justiça nas mãos de juízes é a percepção dos motivos que a inspiram: não um aperfeiçoamento da ordem democrática, mas os interesses pessoais de políticos e governantes, e em nome deles a imposição da tirania da maioria (sim, mesmo nas democracias nominais, maiorias podem ser tirânicas) ao próprio caráter da nação e de seu destino. Neste caso, Israel passaria a ser um estado com um único poder (o Executivo já se submete ao Legislativo e vice-versa, e o Legislativo passaria a controlar o Judiciário também), ou seja, seria o fim do sistema de pesos e contrapesos que caratecteriza e garante as democracias modernas. Na história, isso teve um nome: fascismo.
A pergunta que me faço é simples: 64 deputados têm o direito de mudar o caráter de um país e de uma nação, abalar a relação simbiótica entre o povo judeu onde quer que esteja e seu estado-nação, determinar a vertente religiosa como se fosse um fato decorrente de uma verdade divina e imutável e não uma escolha calcada em princípios e éticas tão válidos e tão fiéis ao judaísmo quanto quaisquer outros?
Amigos que vivem há 70 anos em Israel passaram por todas as suas crises e suas conquistas, regaram-na com seu suor, arriscaram suas vidas em guerras e operações, são parte intrínseca de sua sociedade, escrevem que nunca se sentiram tão para baixo e deprimidos. Não são ativistas políticos, adversários de Bibi ou de seu governo. São simplesmente judeus/sionistas/israelenses/democratas que acreditam estar vivendo num país (ainda) modelar, apesar de todos os seus problemas, que tem seu humanismo e sua democracia como expressão de seu judaísmo.
Como este é um artigo muito pessoal (a que acho ter direito após tantos artigos e tantos anos), confesso que também me senti deprimido até me ocorrer uma ideia: se tudo isso realmente vier a acontecer (o que será o fim do sionismo, o fim de Israel como o lugar-comum de TODOS os judeus e de todos os ideais judaicos), ainda haveria uma solução: Israel 2.0. Sugeri a Raul, nosso editor, caso isso aconteça. a criação de um novo movimento sionista: pedir ao Canadá, à Austrália ou à Nova Zelândia (Raul descartou a Austrália e seu deserto cheio de coelhos e cangurus, e o Canadá, frio demais, restando a linda Nova Zelândia, com o acordo dos maoris para evitar a recriação de um conflito também) um pequeno território de 30.000 km2 (pouco mais que a Israel de maio de 1967) e começar tudo de novo: sionismo e chalutzianismo, moshavim e kibutzim, estradas, cidades, judaísmo, cultura, desta vez com o beneplácito de tecnologias que não existiam no início do século 20. Restaurar o sonho sionista transformado em realidade. Seria um estado judaico integrado com as populações originárias, sem lugares bíblicos mas com a Bíblia no coração, com liberdade inter e intrarreligiosa, inter e intracultural. Tudo que Israel 1.0 prometeu ser e chegou a ser. Dessa distopia semidepressiva, desperto com a ideia de que, se seria possível na Nova Zelândia, por que não seria em Israel ainda hoje? Só depende de nós.

