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HÁ VIDA JUDAICA NA ÁUSTRIA

Plena, crescente e presente na sociedade maior

As pessoas na Áustria, ao pensar em “judeus”, conectam especialmente com a Shoá, o que reduz a nossa história aos anos entre 1933 e 1945, o que é muito injusto, porque há uma história muito mais longa do passado e também um presente relevante a ser conhecido.

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Fosse apenas por ser a região de origem de nomes como Herzl, Freud, Buber e Mahler, para nos restringirmos a alguns dos nomes icônicos oriundos da comunidade judaica austríaca, a Áustria já seria suficientemente interessante para Devarim. Além disso, entretanto, os mais de mil anos de comunidades judaicas estabelecidas na região, não obstante sua relevância como “parceira-irmã” da Alemanha nos terríveis eventos que produziram a Shoá, interessa-nos especialmente de que forma essa comunidade reagiu e persistiu em sua reconstrução, a ponto de ter, apenas 14 anos após o fim da guerra, um Ministro do Exterior judeu, Bruno Kreisky, o mesmo que viria a ser o mais longevo Primeiro-Ministro (cujo cargo é, na Áustria, denominado Chanceler) da Áustria democrática, liderando o país por mais de 13 anos.

Devarim teve a oportunidade de conversar recentemente com o casal Martin Engelberg1 e Danielle Spera,2 que estiveram conosco no Kabalat Shabat na ARI, no último Chanká. Ele é deputado do parlamento austríaco, ao qual chegou a partir de seu ativismo comunitário; ela é editora da revista Nu3 (de certa forma uma parente próxima da nossa Devarim) e foi, por mais de dez anos, diretora do Museu Judaico de Viena,4 além de ser uma personalidade muito conhecida no país por seu trabalho na TV nacional.

Nossa conversa passeou por inúmeros aspectos da história da comunidade judaica austríaca e da história pessoal de cada um deles, bem como sobre a relação da Áustria com Israel, das questões relativas à memória e abordagem da Shoá, a composição atual da comunidade e seu futuro. Tendo correspondido a 10% da população de Viena há 100 anos atrás, hoje a comunidade judaica é muito menor em termos percentuais. “Temos cerca de oito mil membros na comunidade, e estimamos outros oito mil não conectados com a comunidade, em toda a Áustria, ou seja, algo entre 15 e 20 mil judeus”, afirma Danielle. Martin nos ajuda a entender melhor essa diferença: “antes da Guerra havia 200 mil judeus, apenas em Viena, que na época tinha dois milhões de habitantes, ou seja, 10% da população eram judeus. Destes 200 mil, entre 120 e 130 mil conseguiram escapar antes da anexação pela Alemanha, em março de 1938. E até o início da Segunda Guerra, em setembro de 1939, dois terços da comunidade judaica pôde fugir para os Estados Unidos, o Mandato Britânico para a Palestina, China, em especial para Shangai, e para a América do Sul, entre outros. Mesmo assim, 65 mil judeus austríacos foram assassinados, o que ainda é um percentual ‘melhor’, ‘apenas’ um terço, do que o de outros países, como a Polônia”.

Após a guerra, a comunidade estava muito reduzida. A maioria dos judeus austríacos que emigraram antes da guerra não voltaram dos países que os tinham acolhido. Houve, entretanto, uma migração para a Áustria de judeus oriundos da Europa Oriental (Polônia, Hungria, Romênia), muitos destes como displaced persons (pessoas “deslocadas”), ou seja, refugiados. Alguns aguardavam vistos para emigrar para os Estados Unidos, enquanto outros queriam permanecer na Áustria. Assim, a comunidade foi se reconstruindo. Mais tarde, no final dos anos 1970 e 1980, de acordo com Martin, houve um fluxo de judeus da ex-União Soviética, como da República da Geórgia, que hoje correspondem a um terço da comunidade judaica local. Finalmente, alguns israelenses adotaram Viena e a Áustria para morar. “E, claro, tivemos recentemente cerca de mil judeus da Ucrânia, que a comunidade está hospedando e integrando, e, acredito, que em sua maioria vai permanecer na Áustria”, afirma Martin. Como se pode perceber, agregando judeus de diversas origens, a comunidade judaica austríaca é ainda pequena, mas crescente, ano a ano.

Hoje a Áustria é um dos países mais próximos de Israel na União Européia. Há um ano e meio, quando houve uma crise com Gaza, com bombardeios, o primeiro ministro ordenou que se hasteasse a bandeira de Israel no parlamento em sinal de solidariedade.

Perguntados sobre o seu engajamento na comunidade judaica e se suas famílias já tinham proximidade e interesse pelos assuntos judaicos, Danielle afirmou ter sido para ela um processo bem pessoal e independente, quando participou da fundação da revista Nu [Nu em iídiche é uma interjeição que tem diversos significados, o mais comum deles a indagação: e então?]. Segundo ela, foi uma iniciativa entre amigos, divertida e ao mesmo tempo séria, tanto que segue sendo editada (Danielle é a editora) desde o ano 2000. Conforme o grupo de leitores se ampliou, passou a incluir também pessoas interessadas em temas judaicos de fora da comunidade. A motivação para liderar o Museu Judaico de Viena veio também dessa vontade de ampliar seu alcance para os não judeus. Danielle ocupou o cargo de diretora do museu por 12 anos, tendo se desconectado há pouco para, com uma equipe menor e mais ágil (no museu eram 50 profissionais!), ter um grau maior de liberdade para dedicar-se a projetos de curadoria,

Martin Engelberg: “Antes da Guerra, 10% da população de Viena eram judeus. Destes 200 mil, entre 120 e 130 mil conseguiram escapar antes da anexação pela Alemanha, em março de 1938. E até o início da Segunda Guerra, em setembro de 1939, dois terços da comunidade judaica pôde fugir para os Estados Unidos, o Mandato Britânico para a Palestina, China, em especial para Shangai, e para a América do Sul, entro outros. Mesmo assim, 65 mil judeus austríacos foram assassinados.” palestras e livros. Ela via o museu como uma oportunidade, porque “em nenhuma outra instituição na Áustria podíamos aprender sobre a história judaica, e essa história na Áustria é ímpar, importantíssima. Os judeus contribuíram enormemente para o sucesso da Áustria, em todos os sentidos da palavra, não apenas econômico: na ciência, cultura, mídia e, também, na infraestrutura. Imagine que algumas das mais importantes ruas em Viena foram criadas por judeus! Tantas coisas que não são ditas, porque as pessoas na Áustria, ao pensar em judeus, conectam especialmente com a Shoá, o que reduz a nossa história aos anos entre 1933 e 1945, o que é muito injusto, porque há uma história muito mais longa do passado e também um presente relevante a ser conhecido”.

Martin já teve uma história de vivência judaica desde cedo, participou de grupos jovens e depois de grupos de estudantes, chegando a ser membro do Conselho Judaico da comunidade, no qual permaneceu por muitos anos. “Ou seja, sempre fui um membro muito ativo da comunidade judaica”, afirma. Se afastou do conselho quando entrou para a política nacional, porque, para ele, não faria sentido misturar a liderança da comunidade judaica com uma atuação partidária no âmbito político. No entanto, está longe de ter se desconectado de suas vivências judaicas, uma vez que “somos membros da principal sinagoga em Viena, que é de linha ortodoxa moderna”. Indagado se o fato de a Áustria ter tido Kreisky à frente do governo e se o fato de ele, Martin, ser judeu foi relevante na definição de seu caminho para a política, Martin responde: “Bruno Kreisky de fato teve um impacto, porém negativo! Eu cresci com ele (no governo) e era um tremendo desafio para nossa comunidade conviver com ele e sua identidade judaica problemática e sua ainda mais problemática relação com Israel e com os políticos israelenses, fosse com Golda Meir ou

Menachem Begin. Lembro quando íamos a protestos em frente do gabinete do Primeiro-Ministro, porque ele tinha se encontrado com Arafat, e assim por diante. Então a verdade é que os jovens judeus da nossa geração preferiam não entrar na política austríaca. Eu provavelmente fui o primeiro ativista da comunidade judaica a se tornar membro do parlamento. E a razão para isso tem sim um fundo judaico. Há alguns anos, um jovem político austríaco, Sebastian Kurz, ganhou proeminência e tornou-se Chanceler. Nas eleições de 2017, ele convidou várias pessoas com atuações em amplo espectro da vida pública para aderirem e participarem da lista do partido às eleições, um grupo realmente bem diversificado, e eu tive o privilégio de ser convidado a concorrer nesta lista. Foi assim que cheguei ao parlamento. Kurz mudou em 180 graus a política austríaca em relação a Israel! A Áustria sempre havia mantido uma relação distante com Israel, talvez por uma sombra do passado que nunca foi efetiva e honestamente avaliada, mantendo-se sempre mais próxima do lado palestino, dos países árabes de forma geral. Ele modificou isso completamente. Hoje, a Áustria é um dos países mais próximos de Israel na União Europeia, e

Danielle Spera: “Os judeus contribuíram enormemente para o sucesso da Áustria, em todos os sentidos da palavra, não apenas econômico: na ciência, cultura, mídia e, também, na infraestrutura. Imagine que algumas das mais importantes ruas em Viena foram criadas por judeus! Tantas coisas que não são ditas, porque as pessoas na Áustria, ao pensar em judeus, conectam especialmente com a Shoá, o que reduz a nossa história aos anos entre 1933 e 1945…” eu fico muito contente de ter podido ser parte desta evolução, me faz feliz de verdade. E a cereja do bolo foi há um ano e meio, quando de uma crise com Gaza com bombardeios, o Chanceler ordenou que se hasteasse a bandeira de Israel no Parlamento, em sinal de solidariedade. E isso fechou para mim um ciclo, que se iniciou lá atrás, quando participei das demonstrações e protestos contra o encontro de Kreisky e Arafat. Hoje, posso me orgulhar de ter visto a bandeira de Israel ser usada em solidariedade sobre o Parlamento Austríaco.”

Avançando em nossa conversa, comentamos sobre os paralelos feitos entre a situação de Israel e a da Ucrânia. Alguns comparam a posição da Rússia, que afirma ser a Ucrânia parte de seu país, negando-lhe portanto o direito de existência independente, com a posição de uma parcela do mundo, em especial no universo árabe e muçulmano, que igualmente nega a Israel o direito de existir como país independente. Mas há também quem compare Israel com a Rússia, com acusações de ocuparem áreas pertencentes a outro país.

Martin descarta essa comparação de imediato. Para ele, são questões bem diferentes. E ainda que Israel conviva com essa situação desde sempre, com guerras, terror, ameaças do Hizbolá e do Hamas, com uma situação instável na margem oriental, ele não vê Israel sob risco real que ameace sua existência. E acrescenta de imediato: “Graças a Deus!”

Ele se mantém otimista quanto a Israel, seu tremendo desenvolvimento e sua posição como potência regional. Segundo ele, para isso contribuem a autossuficiência quanto a fontes de energia, a obtenção de água potável via dessalinização, os avanços na tecnologia da informação e na agricultura, entre tantas outras coisas positivas.

Apesar do Partido da Liberdade ter uma história complicada de inspiração nazista, eles evoluíram na direção correta: condenando de forma veemente o período nazista, bem como todo tipo de antissemitismo.

Um novo impulso foi dado também pelos Acordos de Abraão, os tratados de paz com mais países árabes, recentemente implantados e que ainda podem ser estendidos. Ele também se pronuncia de forma clara contra o regime iraniano, que chama de criminoso, e mantém a esperança de que aquele governo caia, em futuro não muito distante, reduzindo com isso ainda mais as ameaças que pairam sobre Israel.

Um momento em que Martin, como parlamentar e judeu, foi bastante questionado ocorreu quando seu partido, o Partido Conservador do Povo (ÖVP), decidiu incluir em sua coalizão o Partido da Liberdade, cujo histórico de inspiração nazista era bem conhecido por todos. Nós o questionamos sobre essa decisão, inclusive se hoje, anos depois, sua opinião permanecia a mesma, favorável a este acordo.5 Ele comenta: “Tendo nascido na Áustria e lá vivido toda a minha vida, conheço bem os partidos e sua evolução. Apesar do Partido da Liberdade ter uma história complicada, evoluíram na direção correta quando fizemos a coalizão com ele: condenaram de forma veemente o período nazista, bem como todo tipo de antissemitismo. Seu líder, Stracher, fez discursos muito claros, com o partido se distanciando de seu passado. A coalizão acabou se desfazendo por questões de corrupção, mas não houve qualquer manifestação antissemita ou posição contra Israel, bem pelo contrário.”

Sobre o novo governo em Israel, Martin tem uma posição clara e avalia que as eleições em Israel são 100% democráticas, sendo essa a premissa básica para qualquer análise. Ou seja, os israelenses votaram em Netanyahu sabendo quem ele é, que há casos pendentes na justiça contra ele e com quem ele faria coalizão. Para Martin, há hoje em Israel uma clara maioria da direita. Ele elogia, porém, os líderes do centro e centro-direita como Beny Gants e Yair Lapid, com os quais se encontrou e conversou em diversas oportunidades e de quem teve impressão muito positiva. Porém, não concorda com a posição deles de não fazer coalizão com Netanyahu [Martin nunca o mencionou como Bibi durante nossa conversa], uma vez que acredita que estaria nas mãos deles evitar acordos com a extrema-direita, não cabendo protestar quanto a isso posteriormente se não estiverem dispostos a construir uma opção que represente a maioria democraticamente eleita. Por outro lado, Martin faz uma observação curiosa. Acredita que pessoas consideradas extremistas na história do Estado de Israel, como Begin ou Sharon, acabaram por se mostrar estadistas quando lideraram o governo. “Lembro bem”, disse ele, “quando, em 1977, Begin ganhou as eleições pela primeira vez. As pessoas se revoltaram: ‘ele é um terrorista, foi do Irgun6 e tudo o que se sabia a respeito’. E veio a paz com o Egito e a devolução do Sinai! Hoje os progressistas em Israel o admiram, então a história de Israel mostra que é melhor esperar e ver o que eles de fato farão. Teremos que julgá-los por seus atos. Quando conversamos no parlamento e no gabinete sobre esse tema, ‘será que devemos fazer algo’, a conclusão foi ‘não, vamos aguardar os fatos’. E isso me parece sábio também no âmbito da União Europeia. Não vejo a Áustria tendo um movimento independente da

União Europeia no que tange a Israel. Vamos ver o que o governo fará, o que os políticos farão. Vamos manter um olhar aguçado sobre isso, mas confio muito na democracia israelense”.

Comentamos sobre um artigo7 escrito por ele a respeito da possibilidade de a União Europeia se tornar mediadora para a região do Oriente Médio. Mas, apesar de seguir interessado em que isso aconteça, ele não vê como uma realidade viável atualmente. Para ele, seria necessário quebrar paradigmas da abordagem padrão que a UE tem em relação a Israel e aos palestinos e ter uma visão mais abrangente e profunda da posição desafiadora enfrentada por Israel. Ainda que a Áustria, entre outros países, tenha mudado sua posição, outros relacionam Israel à ocupação, à opressão e se apegam à necessidade de formação do Estado Palestino em toda a margem ocidental e Gaza, o que, para Martin, não é mais algo possível.

Sobre as questões que envolvem a imigração para a Europa e, em particular, para a Áustria, de países árabes, em sua maioria de muçulmanos, e como isso preocupa a comunidade judaica, Danielle demonstra que se envolve com o tema com paixão.

O primeiro passo, diz Danielle, é se dirigir a esses imigrantes e olhá-los de frente, o que ela fez quando esteve à frente do Museu Judaico, especialmente a partir de 2016. Sob sua liderança, criaram ali programas educacionais para esses imigrantes sobre a comunidade judaica, porque eles cresceram em regiões sob forte visão antissemita. “É como se judeu fosse igual a Israel, e Israel é igual a inimigo”, lamenta ela. “Então a primeira coisa a fazer foi oferecer uma abordagem distinta, indicando que agora eles vivem na Áustria, onde há uma comunidade judaica que não é sua inimiga!”. Ao trazê-los ao Museu Judaico, Danielle e sua equipe conduziram um processo de mudança gradual de perspectiva, explicitando as semelhanças das suas histórias de vida com aquelas enfrentadas no passado pela comunidade judaica e que eles enfrentam agora: o desafio de se realocar e se adaptar. Segundo Danielle, “eles não tinham qualquer informação sobre o que significava ter sido judeu na Áustria no período nazista: correr risco de vida diário, perder sua identidade com a pátria, sua família, sua casa, seus bens!”. Para ela, foi possivelmente a primeira vez que eles tiveram a oportunidade de perceber uma conexão com o destino judaico. Foram muitas as vivências com os imigrantes, e todas muito positivas, ela assegura. Houve grupos que vieram diversas vezes, permitindo um diálogo mais contínuo e amplo. Fica claro o quanto Danielle se empenha, a partir de iniciativas dentro da comunidade judaica, como o Museu Judaico e a revista Nu , em acessar também um público não judeu. Ela entende que, ainda que seu papel de difusor de conhecimento e motivação interna para a comunidade seja importante, essas iniciativas são ainda mais relevantes para a sociedade mais ampla, que não tem o mesmo acesso à informação. Ela acredita firmemente na educação e aquisição de conhecimento como principal caminho para combater o antissemitismo; em permitir que, de alguma forma, vivenciem o judaísmo e aprendam nossas tradições e história; em oferecer elementos que permitam identificar pontos em comum. Ela recebeu, por exemplo, grupos de mulheres muçulmanas, que ficaram surpresas ao perceber que o respeito e relacionamento familiar são similares no judaísmo e no islamismo, que se originam de culturas que se tangenciam, o que ocorre também quando falam sobre a comida, kasher e halal Uma curiosidade que Danielle nos traz é o hábito austríaco de manter louças separadas para carne e leite, não apenas em lares judaicos que guardam kashrut! O que ela gosta de provocar é a exclamação “Uau, não sabia que tínhamos isso em comum!”. Mesmo no grupo de profissionais que atuava com ela no Museu Judaico, havia pessoas com ótima formação e que questionavam: “mas afinal, de onde vem a religião judaica?”. De acordo com ela, “a falta de conhecimento é uma questão essencial e, por isso, precisamos ter esse amplo espectro de pessoas interagindo conosco e, é claro, a comunidade precisa estar aberta a isso”.8

Os imigrantes islâmicos não tinham qualquer informação sobre o que significava ter sido judeu na Áustria no período nazista: correr risco de vida diário, perder sua identidade com a pátria, sua família, sua casa, seus bens.

Voltamos por um momento à relação da Áustria com a Shoá, tendo em perspectiva um movimento oficial hoje, na Polônia, que nega que o povo polonês teve alguma conexão com a Shoá. Ficamos curiosos acerca do que ocorreu e ainda ocorre na Áustria, levando em consideração a instalação, em 1995, de um fundo austríaco para a reparação das vítimas da Shoá e o caso da difícil restituição do quadro que Klimt pintou de Adele Bloch-Bauer, a sua sobrinha e herdeira, que se tornou um filme de bastante sucesso (A Dama Dourada, 2015). Danielle imediatamente se antecipa para responder.

De acordo com ela, apenas com a presidência de Kurt Waldheim, de 1986 a 1992, e sob a liderança do Chanceler Franz Vranitzky, de 1986 a 1997, iniciou-se de fato uma discussão sobre a Shoá que se espalhou do parlamento às “ruas” de Viena. Segundo ela, a legislação atual, no que tange à restituição das obras de arte roubadas/confiscadas no período nazista, está entre as melhores do mundo, muito respeitada em todos os lugares. Ela se ressente, porém, do tempo que passou até que a Áustria assumisse sua responsabilidade no tema. Martin concorda. Segundo ele, ainda que muitos austríacos tenham estado envolvidos em crimes de guerra (lembrando que o próprio Kurt Waldheim teve seu passado nazista revelado), até 1986 reinava o silêncio. Hoje, segundo ele, ao contrário, a Áustria possui consciência plena sobre o tema, a nova geração não restringe as discussões sobre a participação de austríacos na perpetração dos crimes nazistas. Martin ainda acrescenta: “Você comentou sobre a Polônia e, recentemente numa conversa com o embaixador polonês, disse a ele que a Polônia me dá a impressão de estar hoje, no tema Shoá, no lugar em que a Áustria estava há 40 anos. Não reconhecendo, não sendo honesta com a responsabilidade que os poloneses têm na Shoá. E ainda pior, fizeram leis que proíbem mencionar isso. Não sou nem um pouco a favor da postura assumida pela Polônia, mas tenho esperança de que em algum momento a Polônia vai rever essa posição negacionista.” Quando estávamos encerrando, Martin comentou sobre a emoção de ter estado no Brasil e encontrado com uma parte da família que não via há muitos anos. E isso o fez pensar em como seria bom se pudessem trabalhar por uma maior proximidade entre os países da América do Sul e Europa, fora, é claro, Portugal e Espanha, que se mantêm próximos em função de uma história compartilhada. Apesar de a Áustria ser um país distante do Brasil, ele menciona que esse é um trabalho que ainda gostaria de fazer. Ele comenta sobre a oportunidade que existe agora de avanço do acordo entre União Europeia e o Mercosul, acordo do qual ele foi um dos fomentadores pela Áustria. E finaliza: “Quem sabe nossas comunidades judaicas, daqui e de lá, podem apoiar a construção desse relacionamento…”

Notas

1 https://de.wikipedia.org/wiki/ Martin_Engelberg

2 https://en.wikipedia.org/wiki/Danielle_Spera

3 https://nunu.at/uber-uns/

4 https://www.jmw.at/en

5 Veja artigos de Martin Engelberg justificando a posição de seu partido e a crítica feita por uma das lideranças da juventude da comunidade judaica austríaca: https://www.haaretz. com/opinion/2017-12-19/ty-article/.premium/ in-austria-muslims-not-nazis-are-the-real-anti-semitic-threat/0000017f-f41d-dc28-a17f-fc3f9e640000; https://www.haaretz.com/opinion/2017-12-20/ty-article/.premium/ we-austrian-jews-must-not-normalize-nazis/ 0000017f-f45e-d5bd-a17f-f67e06ca0000

6 Irgun significa literalmente “Organização” e referencia a “Irgun haTsvai haLeumi”, ou seja, “Organização Militar Nacional”, o grupo paramilitar de direita que operou durante o Mandato Britânico na Palestina. 7 https://blogs.timesofisrael.com/ how-europe-can-become-a-player-in-the-middle-east/

8 Após o Kabalat Shabat, em que o casal esteve na ARI, houve um evento interreligioso com a presença, na sinagoga, de um grande número de visitantes de diversas religiões (cristãos, muçulmanos, de matriz africana), o que deixou Danielle especialmente muito bem impressionada pela oportunidade que se oferecia ali de convivência com o diferente.

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