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Edelyn Schweidson
NOTAS SOBRE O JUDAÍSMO EM KAFKA
Em 1911, chegaram a Kafka as ansiadas raízes culturais do Leste europeu, na pessoa dos atores de teatro ídiche em tournée. Franz apaixona-se, saboreia peças, canções, atores, e se reconhece judeu ao ouvir canções em ídiche. Ativamente ajuda os refugiados de pogroms a obterem vistos de permanência.
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Ilustrações: Dada Strauss
Estátua em homenagem ao escritor Franz Kafka em Praga, República Tcheca.
Edelyn Schweidson
Franz Kafka (1883-1924), esta misteriosa luz de Praga de Gershom Scholem, encontrou no judaísmo um eixo para sua vida identificada com a escrita, e um traço de união com as tradições ancestrais do seu povo. Ele as reavivou e reescreveu, tornando-se, com Freud, referência de uma tradição judaica futura.1
Sentindo-se aprisionado e expulso pelo pai, a submetê-lo a leis criadas unicamente para ele, Kafka encontrou na escrita a saída e, no judaísmo, fonte da sua profunda espiritualidade, horizontes comunitários para redefinir a relação pai e filho.
Sua experiência de banimento dos domínios humanos repetia no interior da família aquela vivida pelos judeus através da história, num redobramento ao inverso do exílio diaspórico do seu povo. O mundo de Kafka é desprovido de pais que abençoam, e o filho alienado da Fé não saberia rezar o Kadish pelo descanso da alma paterna.
O judaísmo faltoso do pai os teria orfanado a ambos. Em negação do romance familiar, Kafka almejava um judaísmo que os reunisse, e o persegue em sua obra, toda ela um adeus sempre adiado, um prolongado despedir-se [do pai]. Na escrita, depositava-se e às queixas que os braços paternos não acolhiam. Alude ao deserto que o habita: “Ele não vive por sua própria vida, não pensa por seu próprio pensamento. Sente como se estivesse vivendo e pensando sob o domínio de uma família... Por conta desta família desconhecida... ele não pode ser liberto”. A família ancestral lhes propiciaria aceitação e reconhecimento mútuo na continuidade das gerações.
A religiosidade paterna seria um fantasma, um mero ritualismo a aparentar pertencimento a um grupo no poder. Sem nada transmitir, o pai cobrava do filho um judaísmo sem espírito.
Oriundo de um gueto rural, a pobreza extrema impedira uma infância2 a Hermann Kafka. O trabalho árduo e o casamento com Julie Löwy, de família abastada, permitiram-lhe ingresso no meio dos judeus de língua alemã de Praga. Sem um centro próprio, o pai se fazia passar ora por alemão, ora por tcheco, de acordo com as conveniências e as necessidades de sobrevivência do momento. Imprecava contra todos: alemães, tchecos, judeus, em ninguém confiando. Kafka tenta explicar a Milena: “...ameaças ameaçam os judeus...” .
Ao filho queixoso, Hermann dissera que os outros pais apenas representavam o carinho demonstrado: as únicas relações verdadeiras entre pais e filhos seriam as bélicas. Em sua obra, Franz transfigura os embates entre os dois. Muitos são os personagens desterrados: o caçador Graco permanece vagando em movimento congelado, nem vivo nem morto, o viajante do balde, recusada a sua sobrevivência, perde-se em espaços glaciais, o médico rural é condenado a um errar eterno, exposto ao mais inclemente dos tempos. Os protagonistas encontram-se em uma marginalidade alegórica da condição judaica através da história, e também daquela do autor, cuja experiência subjetiva de banimento e escravização fundou a sua escrita. A própria condição humana de exílio de qualquer revelação
estaria sendo evocada nessa obra em que um mundo de leis inumanas se apresenta ininterpretável às suas vítimas.
Em universos gelados entre a vida e a morte, Kafka sente a nostalgia de uma família que os seus não habitam.
Conjectura ser a língua alemã o empecilho para amar sua mãe: “... a mãe judia não é uma Mutter, [palavra que] contém a frieza e o esplendor germânicos. Chamada de Mutter, a mãe judia parece cômica ... apenas as lembranças do gueto ainda mantêm a família judia, e a palavra Vater tampouco designa o pai judeu...”.
Escreve a Milena (1920): “... Se me oferecessem a possibilidade de ser quem eu quisesse, gostaria de ser um judeuzinho do Leste europeu, despreocupado num canto da sala enquanto seu pai conversa no centro com outros homens e a mãe acomoda os pacotes da viagem ...” . A ocasião era a chegada de judeus russos foragidos dos pogroms a Praga, onde aguardavam o visto americano para emigrar.
O judaísmo sonhado degelaria o germanismo repressor dos afetos, propiciando raízes protetoras.
“Este não é o meu pai que me fala assim... meu pai verdadeiro ... ele me abraçaria....”, reage o filho a insultos paternos em Uma Lenda Urbana (1911). Se há influência gnóstica em Kafka, suas origens estariam nesta estranheza inquietante do filho que não autoriza ao pai uma paternidade.
Dirige-se a uma jovem que aconselhara a emigrar para a Palestina: “[imagine-se] uma criança que se deixa brincar sozinha, e que se lança a uma aventura incrível, como subir numa cadeira ou algo assim. Mas o pai que ela esqueceu está atento, e os prospectos são melhores do que parecem. O pai pode ser, por exemplo, o povo judeu”. Acrescenta: “Isto ajuda a explicar a tenacidade da rebeldia diante da indiferença ... que parece derivar de alguma força maior ...” (1923). O apego do escritor de Praga ao judaísmo e uma certa forma de fé na Providência encontram aqui uma rara expressão direta.
A rebelde heroína de Josefina a Cantora ou o Povo dos Ratos também se enganava ao pensar que seu povo não a compreendia: “... o povo cuidou de Josefina como o pai de um filho que lhe estende a mão pequenina”. No entanto, a
A descoberta recente de cantora queria ser admirada, e lhe repugescritos até há pouco excluídos dos diários naria a ideia de precisar de cuidados. Aqui encontramos uma das múltiplas ambiguidades de Franz quanto ao pertencimento revela a simpatia a um nós de qualquer ordem. ativa de Kafka pelo Apesar das ambiguidades, Franz ensionismo cultural, controu no judaísmo os cuidados reclaantes desconhecida. mados do pai em projetos comunitá rios do sionismo cultural, continuado Em 1916, escrevera a res do socialismo libertário que desde
Felice que o sionismo cedo professou. nunca viria a ser causa No entanto, em 1914 escrevera em de desentendimentos seu diário: “Que tenho em comum com os entre pessoas de boa judeus? Sequer tenho algo em comum comigo mesmo, e deveria ficar quieto num vontade. canto, contente com poder respirar”. As ambivalências do escritor de Praga em relação ao judaísmo vão de par com a sua perseverança em busca das raízes e dos horizontes judaicos. Seus sonhos de emigrar para a Palestina não se concretizaram, mas seu projeto de uma comunidade agrícola para trabalhadores sem posses continha em germe os princípios que nortearam os kibutzim. Ali advogados não seriam permitidos, para que palavras verdadeiras pudessem circular (Kafka era advogado). Que permanecesse no deserto, haveria uma Canaã para os demais. Kafka não foi um pensador político. Denunciava as injustiças, e expôs a tirania paterna reveladora da estrutura de subjugação dos vulneráveis no império austro-húngaro. O modo dessa tirania manifestar-se em uma família judia de língua alemã em Praga é a sua experiência, que reflete aquela de escritores judeus nestas circunstâncias. Poeta, capturava as nervuras dos discursos do seu tempo, com atenção maior aos antissemitas, que incorporava em sua obra para testemunhar, responder e defletir. Hannah Arendt o considera um pária judeu, em marginalidade exposta às injustiças, a melhor percebê-las justo por sua condição de desterro, em oposição ao parvenu, em busca de nichos de poder. Kafka descreveu o desespero dos escritores judeus de língua alemã: com as patas traseiras coladas no judaísmo dos pais, buscam com as dianteiras um novo terreno que não encontram, sob o olhar complacente dos pais... Pior de tudo era este olhar paterno desejoso da assimilação dos filhos... Resultavam impossibilidades: de não escrever, de escrever
em alemão, de não escrever em alemão e... a de escrever...
O escritor de Praga revelou e contestou o discurso antissemita que acusava os escritores judeus de poluírem a língua alemã: seriam os escritores judeus... a remexer e reavivar as brasas dentre as cinzas do alemão burocrático do império. Encontram-se também em sua obra distintas personificações do antissemitismo vigente: exemplo disto se encontra em Comunicação a uma Academia, onde o protagonista imita os europeus, e seria um impostor.
Submergido por motins antissemitas incensados por acusações de assassinatos rituais nas ruas de Praga, Franz escreve a Milena ser vergonhoso permanecer onde não se é querido, como uma barata encontrada no banheiro, e enfatiza o chamado a emigrar.
As raízes chegam a Praga
Em 1911, chegaram a Kafka as ansiadas raízes culturais do Leste europeu, na pessoa dos atores de teatro ídiche em tournée. Franz apaixona-se, saboreia peças, canções, atores, e se reconhece judeu ao ouvir canções em ídiche. Estuda a história judaica, suas tradições religiosas e seculares, folclore e criações literárias. Ativamente ajuda os refugiados de pogroms a obterem vistos de permanência, instiga Felice e amigos a lecionarem para os filhos desses refugiados, formula programas para as aulas. Organiza um recital de poemas em ídiche e apresenta essa língua para uma plateia de judeus assimilados de Praga.
Em discurso elegíaco ao ídiche – língua feita não só das palavras, como também de sua música hassídica, da emoção, dos gestos, e do próprio ser do poeta do Leste europeu que recita –, Kafka endereça-se ao medo, aparente nos semblantes da sua plateia, desse idioma que revela suas origens comuns com seus irmãos dos guetos do Leste. Confronta-os com a repressão de suas origens no ídiche. Descreve suas vidas: “... Tudo segue seu curso calmo. Vivemos em uma harmonia virtualmente alegre, compreendemo-nos quando necessário, dispensamos a presença um do outro quando nos convém e nos compreendemos mesmo então”. O ídiche romperia essa harmonia alegre que pretendem ser as suas vidas.
Conta-lhes a história do ídiche poroso às línguas que o percorrem. Eles compreenderão o ídiche muito mais do que imaginam. Ouvindo o ídiche, não mais reconhecerão sua tranquilidade anterior: não sentirão mais medo do ídiche, reconhecida a sua verdadeira unidade, mas deles próprios, por descobrirem nada mais terem em comum com eles mesmos. Este medo seria intolerável não trouxesse com ele uma nova autoconfiança que poria fim aos seus secretos sentimentos de inferioridade, e suas ilusões de que tudo estava tranquilo em suas vidas. Convida-os a se aproximarem dessa língua que lhes seria materna não tivessem interposto o medo.
Em um canto do diário, Franz anota que seus pais não compareceram. O novo eixo relacional oferecido ao pai, baseado em uma tradição e língua que os reuniria, havia sido recusado. No entanto, Franz omite que também provocava o pai com um judaísmo das origens, do qual este se afastara na ilusão de proteger-se e à sua família. Ameaças ameaçavam.
Sionismos
A descoberta recente de escritos até há pouco excluídos dos diários revela a simpatia ativa de Kafka pelo sionismo cultural, antes desconhecida. Em 1916, escrevera a Felice que o sionismo nunca viria a ser causa de desentendimentos entre pessoas de boa vontade. Mais do que isso: o sionismo seria o umbral para algo muito maior, as pessoas a cuidar. Crítico do sionismo político em seus aspectos dogmáticos e soberbos em relação aos outros grupos, o sionismo cultural, com sua abertura a todos, como o teatro ao ar livre de Oklahoma, pareceu-lhe a ponte entre as origens ancestrais e uma língua, o hebraico, a reavivar e reflorir.
Com Ottla, sua irmã caçula, fizera planos de irem à Palestina: ele seria encadernador de livros na biblioteca da Universidade de Jerusalém, onde seu amigo de infância Hugo Bergman era o diretor e o receberia. Tecera sonhos com Dora Dymant, jovem de família hassídica do Leste europeu, seu último amor, de abrirem um restaurante em Tel Aviv: ela cozinharia, ele seria o garçon. Sua saúde o impediu, mas dedicou-se a estudar o hebraico, correspondeu-se nessa língua e, já com dificuldades de locomoção, frequentou com Dora a Academia de Estudos Judaicos em Berlim.
Sua ida a Berlim, quando de fato deixa a casa paterna, parece representar uma ida à Palestina: separava-se do pai e casava-se (ausente à cerimônia, por recusa do rabino do pai de Dora), algo do que antes se julgara incapaz, preen-
chendo assim um ditame central da tradição judaica. Sugere a seu amigo Robert Klopstock mudar-se para Berlim, perto, bem perto dos judeus…
Errâncias
sonhar comunidades agrícolas socialistas e trabalhos manuais.
Memória judaica
Ao perceber intimações de uma nova doutrina, uma Kabala, que perseguiria não surgisse o sionismo, Kafka acrescentou que seria preciso um gênio inimaginável para enraizar-se novamente nos velhos séculos, ou recriar os velhos séculos sem definhar com eles, mas, ao contrário, começar só então a florir.
Gershom Scholem percebe em Kafka um fazer-se ponte entre as tradições cabalísticas lurianas e o sionismo e atribui, àquele a quem denominava misteriosa estrela de Praga, os seus escritos sobre a Cabala. Walter Benjamin contestava Scholem quanto à religiosidade de Kafka, por pensar que a chave dos seus escritos estaria no humor. Outros críticos aventaram este encontro entre tradição e futuro referir-se apenas ao domínio linguístico, com a recriação de uma língua judaica, ídiche ou hebraico. Talvez houvesse em Kafka como em Benjamin, a quem influenciou, o desejo de restauração de uma linguagem adâmica, que prescindiria de referir-se apenas obliquamente ao além do mundo sensorial por só conhecer relações de posse. A linguagem adâmica, sem lugar para relações de posse, despertaria a natureza adormecida ao nomear todas as coisas com o seu nome verdadeiro.
Ao despistar as múltiplas interpretações que propõe através de camadas de argumentações midráshicas, Kafka convida e impede leituras totalizantes e ideologicamente anexadoras da sua obra.
A religiosidade de Kafka encontra-se na sua aliança com a escrita, através da qual vivenciou experiências extremas, como ataques às últimas fronteiras terrestres e o salto fora das linhas dos assassinos. Ao mesmo tempo, as questões humanas e comunitárias lhe foram sempre centrais – o seu Nada da Revelação, percebido por Scholem, teria no seu avesso, para Benjamin, um porvir comunitário. Daí
Kafka escreveu que ele era uma memória que se fizera viva. Na tradição judaica, a rememoração (Walter Benjamin) é um reviver no presente do passado, uma vez que a memória para o judaísmo é um modo normativo e não histórico (Yosef Yerushalmi). Kafka pergunta se o sopro da heroína de Josefina a Cantora e o Povo dos Ratos – que
Com Ottla, sua irmã ela reputava uma grande arte – não tecaçula, fizera planos ria sido apenas uma memória ainda ela em vida, e conclui que logo Josefina ende irem à Palestina: contrará a redenção na morte e será esele seria encadernador quecida, como legiões dos seus irmãos. de livros na biblioteca A Próxima Aldeia é um conto mínida Universidade de Jerusalém, onde seu mo: Meu avô costumava dizer: “A vida é surpreendentemente curta. Em minha recordação, comprime-se tanto que mal conamigo de infância Hugo sigo compreender, por exemplo, que um joBergman era o diretor e vem possa decidir-se a cavalgar até a próo receberia. xima aldeia sem temer – deixando de lado incidentes infelizes – que o tempo de uma vida normal e feliz seja suficiente para uma tal viagem”. A narrativa do avô abre a perspectiva de uma viagem sem chegada, que é, simultaneamente, a viagem às origens de Franz em busca do pai. Seria nesse espaço maravilhoso da escrita que a reunião sonhada teria podido acontecer. O judaísmo em Kafka está presente de maneiras intrincadas e múltiplas em tudo o que escreve. Influências bíblicas, de lendas e parábolas hassídicas, da mística judaica e do sionismo nele se encontram. Sua profunda espiritualidade se revela sobretudo em seus Aforismas, onde se refere ao Indestrutível que seria o nosso cerne, um atributo humano divino embora secular, e que nos une a todos através de um vínculo primevo. Ele seria uma vulnerabilidade ao sofrimento humano, sendo que a única dor que podemos nos poupar é aquela de recusar-nos a uma dor. A espiritualidade de Kafka prescinde de referências a uma divindade, e nela não há, como na
tradição judaica, preocupações com uma outra vida. Em relação ao judaísmo, escreve: ... não alcancei, como os sionistas, o último fio do xale de orações judaico, agora voando para longe de nós. Sou um fim, ou um começo...
Franz recusava a interpretação freudiana do impulso religioso revelar um anseio pelo pai, mas, comenta Bloom, nunca chegou a explicar claramente o que significava com o indestrutível.
A revelação teria sido perdida, ou os estudantes não saberiam mais decifrá-la, porém iluminam-se os acusados, os loucos, os tolos, os bichos, os seres feitos de ar, os estudantes. Os mais vulneráveis. No teatro ao ar livre de Oklahoma, onde todos são bem-vindos, e na comunidade agrícola judaica, entre os jovens e as crianças, quando Kafka sentiu-se no limiar da felicidade, encontram-se vislumbres de chegadas. Benjamin percebe a infinita esperança que Kafka diz não existir para nós como a razão da sua alegria tranquila. Reconhecendo-se fracassado, tudo passou a dar certo para ele, como num sonho. Bloom vê Kafka e Freud a redefinir a tradição judaica do futuro, ambos disputando a autoridade paterna. Kafka considerava Freud o Rashi da angústia judaica; Freud, tivesse lido as cartas de amor de Franz, iria à desforra, porque nunca houve amante mais angustiado e desastrado. Se o humor é a chave da sua obra, é que talvez sem humor não houvesse como perceber tanto. Benjamin recusa-lhe dons proféticos: quem ouve com tamanha acuidade os rumores da tradição, nada vê. Iris Bruce qualifica: o autor de Praga também ouvia atentamente os discursos do seu tempo. A lógica do que descreve já contém em esboço os desenvolvimentos funestos. Em A Toca, pressentiu o resfolegar da besta. Seu judaísmo seria seu modo de ser humano na sua manifestação mais vulnerável em seu tempo, daí seu universalismo.
Kafka pediu a Brod que destruísse sua obra. Assim como temera por Odradeck, talvez temesse o futuro dos seus escritos. As Preocupações de um Pai de Família referem-se ao inacabado daquilo que gera, e os riscos de interpretações destrutivas. Em Josefina a Cantora, como em tudo o que escreve, o povo dos ratos é e não é o povo judeu, e ele é e não é Josefina, a ratinha cantora. Com ironia agridoce, ele descreve este povo cuja árdua vida ameaçada de extermínios não permitira uma infância, e que só podia dar, e nada receber. O povo protegia Josefina, uma rebelde que não desejava senão que admirassem sua arte, e que a reconhecessem como a protetora do seu povo. Porém, seus sopros e silvados colocavam os seus a desco-
O judaísmo em Kafka berto de ataques. está presente de Um fim ou um começo: Kafka e Freud iniciaram uma nova escritura jumaneiras intrincadas daica quando o extermínio de todas as e múltiplas em tudo o suas raízes e florações era ensaiado. Amque escreve. Influências bos autores são fins e começos, ambos rebíblicas, de lendas e parábolas hassídicas, feridos a um pai cuja autoridade contestaram. O empenho de Kafka em dar voz às literaturas menores e às suas reivindicada mística judaica e ções nacionais dentro do império austrodo sionismo nele se -húngaro foram também razões para busencontram. car unir as raízes a um novo florescimento, ou restauração dos vasos partidos. Ao mesmo tempo, sonhador rebelde.
Notas
1. Pouco conhecidos e divulgados entre nós, os profundos liames do autor de Praga com as tradições ancestrais eram também expressão do seu universalismo na denúncia de injustiças: o povo judeu vem sendo paradigmático de injustiças sofridas através da História. 2. Esta era uma queixa paterna, que comparava a vida sem preocupações dos filhos com aquela que lhe coubera viver. Edelyn Schweidson é doutora em Psicologia Clínica pela New School for Social Research, Nova York, psicóloga clínica com especialidade em clínica infantil, psicanalista, pós-doutorado por bolsa do CNPq para pesquisa-ação junto a meninos de rua e suas narrativas ficcionais. Organizadora e co-autora de Memórias e Cinzas, capítulos em livros e artigos sobre Walter Benjamin, Primo Levi, Trauma como um Acordar, discursos de incitação ao terrorismo e suas plateias, discurso de Kafka sobre o ídiche, violência ao imaginário infantil e outros, em publicações científicas nacionais e estrangeiras.
