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Alberto Léo Jerusalmi

40 ANOS DA OPERAÇÃO ENTEBBE

Alberto Léo Jerusalmi

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Aeroporto de Atenas, manhã de domingo, 27 de junho de 1976. O voo 139 da Air France, vindo de Tel Aviv, pousou para a escala em Atenas. Pouco depois o avião seguiria para Paris, última etapa da viagem.

No livro 90 Minutos em Entebbe, o jornalista William Stevenson, descreve como estava a situação no aeroporto. “Uma mulher que que tinha 30 anos estava calada ao lado do seu companheiro, um jovem discretamente vestido que viera com ela de Bahrein, no voo 763 da Singapore Airlines. Viajaram sob o nomes de Sra. Ortega e Sr. Garcia. Dois jovens com passaportes árabes também desembarcaram do mesmo voo, mas ficaram distantes. Também iriam passar para o avião da Air France. Tinham dado seus nomes como sendo Fahim al-Satti e Hosni Albou Waiki.

A segurança em Atenas era bastante frouxa e uma greve relâmpago do pessoal de terra fora o suficiente para fazer com que a polícia não se preocupasse muito em fazer qualquer revista nos passageiros”.

Às 12h10 o comandante Michel Bacos recebeu autorização da torre de controle, o avião da Air France começou a correr na pista e levantou voo com destino a Paris. A bordo estavam 248 passageiros e 12 tripulantes.

O que aconteceu no interior do jato francês está relatado pelo passageiro Moshe Perets, um sociólogo israelense de 26 anos que fez um diário da viagem. Seu relato foi publicado em O Globo, e também no livro 90 Minutos em Entebbe: 12h10: Momentos após a decolagem, ouvi um grito de horror. No início pensei que alguém tivesse desmaiado a bordo. De repente, vi dois homens correndo em di-

Alberto Leo Jerusalmi z’l era jornalista e grande ativista da ARI Rio de Janeiro. Este texto foi escrito para a Devarim poucas semanas antes de seu falecimento precoce, em julho deste ano.

Após o anúncio do sequestro, o jato da Air France segue seu voo. Os passageiros não fazem a menor ideia para onde estão indo.

reção à cabine do piloto. Um deles, um jovem de cabelos compridos, camisa vermelha, calça cinza e casaco bege. O outro também trajava calça cinza e camisa amarela. E tinha um grosso bigode.

Aeromoças de feições assustadas e quase histéricas saem da cabina da primeira classe. Elas procuram tranquilizar os passageiros, que começaram a ficar com medo. As mãos das aeromoças tremiam. Passados menos de um minuto ouvimos a voz excitada de uma mulher no alto falante. Ela falava em inglês com sotaque estrangeiro. Disse que o avião estava em poder de um grupo terrorista da Frente Popular de Libertação Palestina. A voz no alto falante ordenou aos passageiros que levantassem as mãos e não se movessem. À entrada da primeira classe havia dois terroristas que empilhavam granadas de mão já destravadas e revolveres. Disseram que quem tivesse armas em seu poder deveria entregá-las imediatamente. Alguns passageiros estenderam em direção deles facas e garfos.

Após o anúncio do sequestro, o jato da Air France segue seu voo. Os passageiros não fazem a menor ideia para onde estão indo. O avião pousa num aeroporto.

Pela janela, pode-se observar uma costa, um solo árido e uma pista de aterrissagem bem precária. Eles estão em Bengazi, na Líbia, onde ficarão parados por duas horas. Os terroristas recolhem os passaportes que são guardados num saco plástico.

À noite o avião decola. A bordo há uma grande expectativa: qual será a próxima escala?

Em Israel chegava um comunicado: “O voo 139 com muitos israelenses a bordo sofreu um desastre ou então foi sequestrado. O avião que está desaparecido é um Airbus da Air France que saiu do aeroporto Ben Gurion pouco antes das nove horas da manhã”.

A mensagem foi encaminhada aos ministros do Transporte e da Defesa que estão na reunião semanal de rotina. E logo chegou às mãos do primeiro ministro Yitshak Rabin. O avião sequestrado voa em direção ao sul e chega no aeroporto de Entebbe, em Uganda, às três horas da manhã do dia 28 de junho.

Às 12 horas todos saem do avião. Às 17 horas, Idi Amin Dada, de boina verde, se apresenta aos passageiros.

Na tarde de sábado, Ele diz ser o responsável pelo fato de te3 de julho, os aviões começavam a levantar rem sido os passageiros autorizados a descer em Uganda. Os terroristas separam os portadores voo do Aeroporto Ben de passaportes israelenses dos demais pas-

Gurion e tomavam sageiros. Logo muitos se recordam de cedireções diferentes para nas dos campos de concentração nazistas. não chamar a atenção Em dois dias são liberados 148 passageiros. Os israelenses e judeus são manda população nem da tidos como reféns. Os tripulantes da Air imprensa. Os aviões France decidem permanecer em Uganda voavam a baixa altitude até que o último passageiro seja libertado. para escapar dos radares e seguiam As exigências para Uganda. Os sequestradores divulgaram a lista de exigências para libertar os passageiros: Eles querem a libertação de 53 prisioneiros, sendo que 40 estão detidos em Israel, 6 na Alemanha Ocidental, 5 no Quênia, 1 na Suíça e 1 na França. França e Alemanha afirmam que não soltarão os terroristas presos. Israel tem a mesma posição. Na quarta-feira, 30 de junho, como acontece em todas as manhãs, os ministros israelenses se reúnem. Cada setor faz um balanço da situação. O Ministro do Exterior está em contato com vários chefes de governo. No gabinete do primeiro ministro Yitshak Rabin é lido um breve resumo a respeito dos presos cuja liberdade está sendo exigida pelos sequestradores. As famílias dos passageiros pedem que o governo israelense aceite as exigências. Eles querem a liberdade de seus parentes. É uma situação muita delicada. Nessa mesma quarta-feira os terroristas libertaram mais 47 reféns. Assim que chegavam em seus países, eram ouvidos pelos serviços secretos da França e de Israel. O prazo para o fim das negociações terminava na quinta-feira, 1o de julho. O gabinete israelense seguia nas negociações e conseguiu estender o prazo até às 14 horas de domingo, 4 de julho. Nessa mesma quinta-feira, o serviço de Inteligência de Israel descobriu que o aeroporto de Entebbe havia sido construído por uma empresa israelense, o que possibilitava o acesso às plantas originais daquele local. Shimon Peres, ministro da Defesa, acreditava ser possível um pouso direto em Entebbe e uma remoção rápida dos reféns. O gene-

ral-brigadeiro Dan Shomron foi nomeado comandante da missão em terra e Yonatan Netanyahu seria o chefe da unidade que executaria a missão. Na sexta-feira, dia 2 de julho, são apresentados planos detalhados para Shomron. São feitas várias simulações de resgate numa réplica do aeroporto, incluindo o pouso dos aviões nas pistas sem iluminação.

Na tarde de sábado, 3 de julho, os aviões começavam a levantar voo do Aeroporto Ben Gurion e tomavam direções diferentes para não chamar a atenção da população nem da imprensa. A partida dos aviões foi autorizada por Rabin, que ainda aguardava a posição final do gabinete. Ele tinha liberado o embarque para ganhar tempo. Pouco depois os ministros autorizaram a operação. Os aviões voavam a baixa altitude para escapar dos radares e seguiam para Uganda.

Em Entebbe

Sete horas depois da decolagem, os aviões já estão próximos de Entebbe. São 4 aviões Hércules C-130. Um outro avião, um Boeing 707, hospital aéreo, ficou no aeroporto de Nairobi, no Quênia.

Quando os aviões aterrissaram, imediatamente os israelenses foram em direção ao prédio dos reféns. Houve troca de tiros com os soldados ugandenses.

Os momentos de tensão vividos no aeroporto estão relatados no diário de Moshe Perets:

Às 23h15 várias pessoas saltam de seus leitos dizendo ter ouvido disparos. Os terroristas entram no salão e ouvem o ruído de armas sendo engatilhadas. Todos deitam-se no chão. Alguns correm para esconder-se nos banheiros. Famílias procuram proteger-se mutuamente, deitando-se uns em cima dos outros, mães e pais em cima dos filhos. Ouvem-se tiros. Pensei que as negociações tinham fracassado e que os terroristas iriam nos liquidar. O salão está iluminado. Ouvem gritos de terror. Alguém grita para que todos permaneçam deitados. Alguém diz ter ouvido vozes em hebraico. Não acreditamos até que vimos um paraquedista israelense de alto falante portátil na mão, que nos disse para sairmos correndo do salão. “Para fora, para fora” gritava ele. Saímos e subimos nos aviões. Estamos voando. Acomodamo-nos apertadamente numa extremidade do avião, ao lado da maca com mortos. Ninguém está alegre, pois vimos mortos diante de nós. Adormecemos de cansaço.

Benguhan / iStockphoto.com Revista da Associação Religiosa Israelita-ARI | devarim | 19

Aeroporto de Entebbe, 2010.

Entre os mortos estava o responsável pela operação Entebbe, Yonatan Nethanyau que não resistiu aos ferimentos após ter sido alvejado por um soldado ugandense. Outros três reféns também morreram.

O sequestro do avião no relato do piloto francês

Em entrevista a Any Bourrier, correspondente de O Globo em Paris, o piloto Michel Bacos contou detalhes do sequestro. A reportagem foi publicada na edição de 11 de julho de 1976.

O piloto, de 52 anos, disse que a maior preocupação era fazer o máximo para que todos os passageiros voltassem para suas casas sãos e salvos. Por isso decidiu obedecer disciplinadamente as ordens dos terroristas, acalmar os passageiros e manter o sangue frio.

“Os terroristas não fizeram diferença entre a tripulação e os passageiros. Agiram sempre com desconfiança e nos ameaçaram o tempo todo com suas armas. Pareciam estar com medo. Havia sempre alguém na cabina com uma arma apontada para mim ou para o mecânico. Os demais se encarregavam dos passageiros.

Só ficamos sabendo que desceríamos em Entebbe meia hora antes do pouso, quando nos deram essa ordem. Eu não conhecia o aeroporto, não tinha mapa do terreno e desconhecia as condições técnicas para uma descida perfeita. Os sequestradores me autorizaram a chamar pelo rádio um avião da African Airlines, cujo piloto me deu as características do aeroporto, comprimento da pista, etc.

Depois do pouso em Entebbe nós ficamos uma hora no final da pista, com os motores funcionando. Pensei até que iríamos continuar a viagem. Acho que neste intervalo eles puderam preparar o aeroporto para receber os passageiros. Logo depois do desembarque, eles nos enviaram para umas instalações abandonadas. Não participei das negociações entre os palestinos e Idi Amin. Eu só intervinha quando os passageiros necessitavam de alguma coisa. Ai dirigia-me aos sequestradores e estes transmitiam o pedido às autoridades militares de Uganda. A única presunção que temos quanto ao auxílio dos ugandenses aos terroristas é a presença de outros membros do comando em Uganda, à nossa espera. Notei também que o comando suspirou aliviado quando chegamos a Entebbe, mas não é possível dizer se isto aconteceu porque Amin era cúmplice ou se porque consideravam sua missão terminada. De qualquer forma, posso lhe garantir que os quatro terroristas que sequestraram o Airbus não eram dirigentes, eram apenas executores.

Os passageiros se comportavam com calma. Não hou-

ve pânico. Muitos ficavam nervosos, mas isto é natural. Os doentes foram tratados com carinho especial, pois desde a chegada um médico e uma enfermeira ficaram à nossa disposição. Quero ressaltar o papel da tripulação. Ficamos sempre ao lado dos passageiros procurando levantar o moral dos mais abalados. Muitos israelenses mostravam-se pessimistas e nós procuramos ajudá-los para evitar a depressão, estávamos sempre conversando com eles.

Na hora da operação israelense, os passageiros estavam dormindo. Eu me preparava também para dormir quando ouvi três disparos de metralhadora. Compreendi logo o que se tratava. A partir dai fiquei à espera deles.

Havia indícios de que aconteceria algo assim. Os terroristas continuavam desconfiados e temerosos. Disseram-nos que enquanto os israelenses não soltassem os prisioneiros em troca dos passageiros não ficariam tranquilos. Por sua vez, os cidadãos israelenses do avião comentavam que os prisioneiros exigidos pelo comando eram perigosos demais para que Israel os entregasse facilmente. Pessoalmente, esperava que tudo terminasse no dia seguinte, pois tinha confiança nas negociações do governo francês e além disso o prazo do ultimato estava chegando ao fim. Era apenas uma questão de horas. Acredito, porém, que ninguém estava preparado para uma operação tão eficiente e rápida.

O êxito se deve a um conjunto de circunstâncias: rapidez, organização, efeito da surpresa, hora escolhida e conhecimento do terreno.”

A imprensa

O jornalista C. L. Sulzberger, do The New York Times, escreveu um artigo, que foi publicado também em O Estado de S.Paulo de 8 de julho, com o título “Reavaliando método da luta contra o terrorismo”:

“...Hoje, analisando-se os argumentos pró e contra o terrorismo, frequentemente se encontram sinais de ajudas semelhantes, concedidas a pessoas que desejavam morrer ou ser mortas por determinadas causas. Sete horas depois da ...Até o brilhante golpe desfechado pedecolagem, os aviões já estão próximos de los israelenses em Entebbe, que conseguiu impedir a chantagem dos terroristas e também puni-los severamente, foram poucas as Entebbe. São 4 aviões tentativas de enfrentar os aspectos moderHércules C-130. nos do problema. No passado, a resposta Um outro avião, um usual era a guerra formal ou a diplomacia Boeing 707, hospital de canhoneira. Mas isso passou a equivaler, cada vez mais, a ameaçar um mosquiaéreo, ficou no to com um martelo. aeroporto de Nairobi, ...gostaria de acrescentar uma nota deno Quênia. Quando os sagradável no final deste artigo. Sempre me aviões aterrissaram, opus à pena capital. Mas é um erro maior imediatamente os ainda condenar inocentes desconhecidos ao risco de sequestro ou assassinato, simplesisraelenses foram em mente para servirem de peões num jogo desdireção ao prédio dos tinado a obter a liberdade de prisioneiros reféns. Houve troca de legalmente condenados, de terroristas que se tiros com os soldados ugandenses. acham presos. Era esse o objetivo dos sequestradores do Airbus da França. Não seria a hora de todas as nações livres estabelecerem entre si o acordo de fazer exceção ao seu Código Penal, permitindo a execução de terroristas considerados culpados, para que no futuro pessoas inocentes não sejam condenadas a morrer como o foram os passageiros do Airbus, pelo simples fato de existirem? Isso só incita os sequestradores a retê-los como reféns, independentemente de sua cidadania. Cada terrorista condenado que permaneça vivo na prisão aumentará a perspectiva de pessoas inocentes serem mortas no exterior”. A repercussão do resgate na imprensa internacional foi destaque na edição do Jornal do Brasil de 6 de julho de 1976. The New York Times (Estados Unidos): Israel efetuou um raid extraordinariamente ousado e corajoso para obter o que todos os mecanismos da diplomacia foram incapazes de conseguir. Contra os previsíveis e hipócritas gritos de violação da lei internacional, os israelenses têm todas as justificativas para adotar medidas para neutralizar o comportamento criminoso de piratas do ar que, rude e habitualmente, colocam em perigo vidas inocentes. Le Monde (França): Os dirigentes franceses não sabiam da intenção de Israel de executar uma operação de força em Entebbe. A atitude francesa no incidente não pode ser censurada. A reserva de Paris demonstra o alívio experimentado

pelas autoridades, liberadas, desse modo, da pesada responsabilidade que assumiram.

France Soir (França): Um belo feito militar é admirável por si mesmo, não importa suas implicações diplomáticas. Mesmo assim, não faltaram bobos que explicaram ser errado responder à violência com a violência.

Le Figaro (França): Israel deu uma lição magistral, lição que consiste em utilizar a força contra a força. Israel nos ensinou em poucas horas - e na hora certa - que para os estadistas, como para os indivíduos, a verdadeira salvação reside na coragem.

Daily Express (Inglaterra): A ação israelense foi um admirável exemplo de colaboração internacional contra o terrorismo. O mundo civilizado se regozijará com Israel por sua façanha.

The Times (Inglaterra): A operação israelense, arriscada, produto de profundas deliberações, não deve ser vista necessariamente como um precedente. Foi um brilhante ato de coragem e imaginação, numa situação desesperadora, que mereceu ter êxito, como o teve.

Jornal do Brasil, editorial de 6 de julho de 1976: ...Fatos como o do aeroporto de Entebbe, entretanto, deixam clara a necessidade de uma meditação séria em torno de novas estruturas para as relações internacionais. É preciso chegar-se a alguma espécie de acordo quanto ao tratamento a ser dado ao problema do terror. Que continuará a se proliferar enquanto houver nações, como a Uganda de Amin, dispostas a compactuar impunemente com os seus objetivos.

O editorial do Jornal da Tarde, de São Paulo, na edição de 5 de julho de 1976: ...num mundo em que se proporciona a dignidade de verdadeiros chefes de estado a homens como Idi Amin Dada e o fanático coronel Kadafi, a ação do comando israelense que resgatou os reféns no aeroporto de Entebbe surge como um lampejo de gallantry. A palavra inglesa não tem correspondente na língua portuguesa. Gallantry é mais do que coragem, é mais do que bravura, é mais do que heroísmo. É tudo isso junto e mais nobreza de alma, dom de si mesmo e, ainda, a nossa galanteria que é apenas parte disso tudo.

Desde sábado, o mundo mudou. Desde sábado o fenômeno do terror adquiriu uma nova dimensão. O mundo, que permaneceu impassível na expectativa do massacre dos reféns em Entebbe, não está mais impassível depois da ação fulminante do comando israelense. O ato de gallantry desse grupo de homens foi uma bofetada na face dos irresponsáveis, dos cínicos e dos covardes.

Conclusão

Depois de uma semana bem tensa, Moshe Perets encerrou seu diário: 10h00 da manhã de domingo, 4 de julho: Desembarcamos no Aeroporto de Lod. 11h30: Em casa.

Referências

Livro: 90 Minutos em Entebbe, de William Stevenson, Editora Difel, 1976. Jornais: O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Jornal da Tarde e Zero Hora.

Alberto Léo Jerusalmi z’l era jornalista e grande ativista da ARI Rio de Janeiro. Este texto foi escrito para a Devarim poucas semanas antes de seu falecimento precoce, em julho deste ano.

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