#322
ALGARVE INFORMATIVO 15 de janeiro, 2022
1
JOÁO FERNANDES | NUNO MARQUES | «MORRO COMO PAÍS» ALGARVE INFORMATIVO #322 «MENTE INQUIETA» | «JÚLIO RESENDE - FADO JAZZ ENSEMBLE»
ALGARVE INFORMATIVO #322
2
3
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
4
5
ALGARVE INFORMATIVO #322
SUMÁRIO OPINIÃO
12 - Novo espaço verde em Portimão
30 - Nuno Marques, presidente da direção do ABC - Algarve Biomedical Center
104 - Paulo Cunha 106 - Paulo Bernardo 118 - Adília César 112 - Fábio Jesuíno 114 - Júlio Ferreira 118 - Lina Messias 120 - João Soares
18 - João Fernandes, presidente da RTA e ATA
82 - «Mente Inquieta» do Teatro do Sótão da ASMAL
ALGARVE INFORMATIVO #322
6
62 - «Morro como País»
94 - «Júlio Resende - Fado Jazz Ensemble»
46 - «Balada para una noche de luna lenna»
7
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
8
9
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
10
11
ALGARVE INFORMATIVO #322
NOVO ESPAÇO VERDE E DE LAZER VAI NASCER JUNTO AO MERCADO MUNICIPAL DE PORTIMÃO Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina entro de sensivelmente um ano deverá surgir, no centro de Portimão, mesmo ao lado do Mercado da Avenida S. João de Deus, um novo espaço verde e de lazer com cerca de 12 mil metros quadrados, que se juntará ao parque de estacionamento que acabou de entrar em funcionamento, num investimento global na ordem de 1,4 milhões de euros inteiramente suportado pelo Município de Portimão. A primeira fase de requalificação da zona, que integrou a criação de 130 novos ALGARVE INFORMATIVO #322
lugares de estacionamento gratuito destinados sobretudo a servir o Mercado, a Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes e o Cemitério de Portimão, ficou terminada no dia 10 de janeiro, depois de um investimento camarário de cerca de 400 mil euros. Para a segunda fase do projeto foi destinada uma verba municipal na ordem de um milhão de euros, já com IVA incluído, estando contemplados alguns elementos polarizadores, entre os quais um quiosque, uma zona de street workout e um pequeno anfiteatro que poderá acolher eventos públicos e iniciativas promovidas pela Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes, 12
situada numa das extremidades do futuro espaço público informal. Para além de contemplar mais 37 lugares de estacionamento gratuito na Rua dos Bombeiros Voluntários e de providenciar o alargamento dos atuais passeios que o circundam, este novo espaço irá exibir, num elemento metálico construído para o efeito, as cantarias manuelinas da Quinta do Morais, atualmente guardadas no Museu de Portimão, sendo recuperadas igualmente a nora e o respetivo tanque, além de mantidas duas oliveiras com algumas centenas de anos. O projeto prevê o recurso a vegetação autóctone, com baixa necessidade de consumo de água, e a iluminação por sistema LED, devendo a abertura do respetivo concurso acontecer ainda em janeiro, com um prazo de execução de nove meses. No que toca às 28 famílias de etnia cigana que residiam no local, num total superior a uma centena 13
de pessoas, já foram realojadas em casas pré-fabricadas na zona de Vale da Arrancada e contarão com o apoio de um gabinete composto por dois técnicos de ação social da autarquia, que acompanharão o respetivo processo de integração. Durante uma visita ao local com a comunicação social, Isilda Gomes, presidente da Câmara Municipal de Portimão, não escondeu a felicidade por ver mais um sonho tornado realidade, não poupando elogios aos vereadores que acompanharam permanentemente o processo, “bem como aos
técnicos envolvidos de corpo e alma neste projeto”. “A partir de agora passarei a sonhar com o dia em que o vir já reabilitado e à disposição de todos, contrariando a ideia lançada nas redes sociais ALGARVE INFORMATIVO #322
de que nunca iríamos erradicar as barracas existentes há tantas décadas e que isto não passaria de uma promessa. Penso que os próprios portimonenses tiveram alguma dificuldade, a determinada altura, em acreditar neste projeto, mas aqui estamos, num terreno limpo, junto a árvores que nós próprios desconhecíamos existirem. Queremos criar espaços de lazer como este onde as pessoas possam sentir uma certa liberdade, sem a pressão dos prédios em cima, para que possam correr, andar, até mesmo ler, pois existem vários espaços que permitem a leitura e o descanso, em pleno centro da cidade”, afirmou a edil portimonense.
empresas ao concurso público que vai ser aberto, de inaugurar o novo parque a 11 de dezembro, no Dia da Cidade deste ano, ou então no 25 de abril de 2023.
“Esta promessa está cumprida, eis-nos neste local nobre e finalmente limpo, rodeados de oliveiras lindíssimas, desejando que os portimonenses e aqueles que nos visitam sintam orgulho no espaço público que aqui surgirá. As pessoas podem vir ao mercado, descansar um bocadinho, fazer exercício físico, tomar o seu café. A nossa missão é construir estruturas para que elas tenham cada vez melhores condições de vida”, finalizou a presidente da Câmara Municipal de Portimão .
Isilda Gomes manifestou ainda o desejo, caso haja resposta pronta por parte das ALGARVE INFORMATIVO #322
14
15
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
16
17
ALGARVE INFORMATIVO #322
“ATENUAR A SAZONALIDADE NÃO SÓ É POSSÍVEL, COMO JÁ ENCONTRAMOS O CAMINHO”, GARANTE JOÃO FERNANDES Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina ano de 2021 terminou praticamente da mesma forma como começou, envolto na incerteza que a pandemia por covid-19 nos trouxe e com muito desalento para os empresários do ramo turístico, que tinham perspetivado um réveillon bem diferente daquele que acabamos por ter e que serviria de balão de oxigénio para melhor aguentarem a época baixa até à chegada da Páscoa. A tão desejada retoma económica também não se tornou uma realidade no ano que agora findou e a verdade é que ninguém sabe, com certeza, o que nos espera nos próximos meses. Apesar disso, João Fernandes, presidente da Região de Turismo do Algarve e recentemente eleito para um novo mandato à frente da Associação de Turismo do Algarve, lembra que se verificou, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, uma recuperação clara de janeiro até outubro, quando comparado com o sucedido em 2020. “Ao nível dos
proveitos da Hotelaria, o Algarve tinha registado um aumento, em relação ao período homólogo, de 57 por cento, ALGARVE INFORMATIVO #322
18
19
ALGARVE INFORMATIVO #322
“Sempre que há uma crise, o preço é um fator que se torna ainda mais determinante para a escolha dos turistas, mas nós não podemos – nem devemos – apostar num modelo de concorrência pelo preço, quando nos comparamos com um grande player como a Turquia”. embora, se olharmos para os resultados de 2019, ainda se verificasse um défice de 40 por cento. É bom recordarmos que, segundo os dados da AHETA, novembro foi um mês bastante bom, mesmo em comparação com novembro de 2019, em que o volume de vendas foi superior em 1,3 por cento. A seguir a agosto notou-se uma recuperação evidente e tínhamos expetativas que as festividades de fim-de-ano acompanhassem essa tendência, mas assim não aconteceu, nem em Portugal, nem no resto do mundo, devido ao aparecimento desta nova variante”, indica o homem forte do Turismo do Algarve. Espera-se, agora, que a nova vaga de covid-19 seja debelada até março, para ALGARVE INFORMATIVO #322
que o setor comece a recuperar o seu fulgor, até porque a Páscoa acontece em meados de abril e as reservas em carteira, nomeadamente para o golfe e para o alojamento turístico, são bastante animadoras. “É relevante
conseguirmos chegar a esse período numa condição diferente daquela que observamos atualmente, nós e os nossos mercados emissores, que, infelizmente, estão bastante piores, do ponto de vista epidemiológico, do que Portugal”, refere João Fernandes, reconhecendo, porém, que a generalidade dos empresários, e dirigentes, continua a navegar um pouco à vista. “Esse tem sido, de
facto, o exercício mais exigente para todos, porque ninguém conhece o dia de amanhã. Não era previsível para os decisores políticos, por exemplo, que, com um processo de vacinação tão avançado, voltássemos a este género de restrições. Os empresários, face ao evoluir da situação, pensavam que as coisas iam correr bem até ao final do ano, investiram em bens, serviços e recursos humanos, e depois viram goradas as suas expetativas. Neste contexto, somos todos obrigados a definir um planeamento e, de repente, precisamos ser capazes de mudar tudo se o momento assim o exigir 20
21
ALGARVE INFORMATIVO #322
e implementar novas medidas”, admite o entrevistado. Face a esta incerteza constante, não é fácil planear-se uma época alta quando não se sabe se ela vai realmente existir e, da monitorização constante que o Turismo do Algarve tem feito dos mercados desde o início da pandemia, resulta um ponto comum: os empresários reclamam apoios mais robustos. “O apoio à
manutenção desta capacidade produtiva é naturalmente a melhor ALGARVE INFORMATIVO #322
vantagem para sairmos da crise mal surja a oportunidade e os apoios que o governo português conseguiu granjear para a economia foram depois amplamente aproveitados pelos empresários para ganhar fôlego e, a partir de agosto, termos resultados que, apesar de tudo, foram substancialmente melhores do que em 2020 e que 22
trabalho de promoção continua a ser feito, mesmo sem a habitual presença em feiras internacionais. Distinções que, para o presidente da RTA e da ATA, são perfeitamente justos. “Temos
são substancialmente melhores do que aqueles apresentados pela nossa concorrência. Mas Portugal tem uma economia frágil, com um alto endividamento, pelo que os apoios não são aqueles que todos desejaríamos”, aponta João Fernandes. Certo é que o Algarve voltou a conquistar, em 2021, diversos prémios internacionais e a estar no top of the mind dos consumidores, o que revela que o 23
recursos naturais que são cada vez mais conhecidos, através da nossa promoção e daqueles que nos visitam e passam a palavra. E o Algarve foi a primeira região do mundo a ter um manual de procedimentos de segurança para os vários segmentos da atividade turística, incluindo as próprias praias, um trabalho que depois serviu de base à legislação que vigorou nos últimos dois Verões em Portugal e que foi reconhecida internacionalmente. Ou seja, o sucesso não é fruto do acaso”, sublinha João Fernandes. “Para além dos recursos naturais, das infraestruturas, dos equipamentos, dos empresários e das mulheres e dos homens que trabalham todos os dias no setor, do forte apoio de proximidade das autarquias e do governo, o Turismo do Algarve fez um esforço enorme para manter a sua dinâmica. Aliás, durante o confinamento, como não tínhamos turistas, os funcionários dos Postos de Turismo foram mobilizados para ajudar os empresários nas suas candidaturas aos apoios disponíveis, fomos a primeira ALGARVE INFORMATIVO #322
região a preparar visitas virtuais ao destino, realizamos fam trips com operadores, ações de capacitação de agentes de viagem e press trips, mesmo confinados e à distância. E Portugal teve o seu selo «Clean & Safe», um processo de certificação colaborativa que foi reconhecido pela Organização Mundial de Turismo”, destaca o entrevistado. A estas ações somaram-se várias ALGARVE INFORMATIVO #322
campanhas promocionais que continuam a ser premiadas internacionalmente para não deixar esquecer e fazer sonhar, inclusivamente para realçar a possibilidade de profissionais liberais e de nómadas digitais do norte e centro da Europa puderem trabalhar à distância a partir do Algarve. “A grande capacidade
que o Algarve, entre públicos e privados, teve para se mobilizar e reinventar, culmina nos prémios internacionais que conquistou. 24
“Naturalmente que todos ambicionamos por mais recursos para desenvolvermos atividades que sabemos que são profícuas e, para mim, o principal problema tem a ver com os recursos humanos”.
Veja-se que, apesar de todas as dificuldades que a Restauração atravessou, até aumentamos o leque de estrelas no Guia Michelin, mais um exemplo de como os empresários não deixaram de apostar na qualidade e na exigência dos seus serviços”, realça João Fernandes, que acredita que o Algarve tem conseguido lidar melhor com a pandemia do que alguns dos seus concorrentes da Bacia do Mediterrâneo. “Sempre que 25
há uma crise, o preço é um fator que se torna ainda mais determinante para a escolha dos turistas, mas nós não podemos – nem devemos – apostar num modelo de concorrência pelo preço, quando nos comparamos com um grande player como a Turquia. Não temos, felizmente, os mesmos custos laborais, porque temos um estado social mais robusto, e queremos um turismo que permita um desenvolvimento sustentável, que permita conferir riqueza e boas condições de vivência no território. Não queremos concorrer com preços baixos e, para isso, é fundamental reforçarmos a perceção da qualidade que já temos, e continuarmos a melhorar essa qualidade”, defende.
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
26
DIVERSIFICAÇÃO DA OFERTA E DOS MERCADOS É UM FACTO João Fernandes entende, por isso, que Portugal e o Algarve poderão sair desta crise com um atrativo ainda superior ao que já possuíam em 2019, até porque, numa primeira fase, todos os estudos internacionais apontam para uma recuperação das viagens no espaço de proximidade. “Verificamos isso com
os portugueses e espanhóis e, a partir de meados de setembro, com a retoma dos nossos mercados tradicionais, que o espaço intraeuropeu será uma especial oportunidade em 2022. Estou em crer que, com a imagem de segurança que conseguimos transmitir além-portas, teremos algumas vantagens competitivas para atrair novos públicos e mesmo novos residentes”, diz o presidente da RTA e ATA. “Conhecemos bem a capacidade que a comunidade estrangeira residente tem para se constituir como autênticos embaixadores do próprio destino e de serem uma motivação de visita de familiares e amigos. E isso é mais um fator essencial para se atenuar a sazonalidade”. Atrair novos públicos e diversificar produtos são, sem dúvida, cruciais para o desenvolvimento sustentável do Algarve, reconhece, claro, João Fernandes, que adianta que esse caminho já estava a ser 27
trilhado, com sucesso, antes do surgimento da covid-19. “Conforme
se evidenciou no congresso da AHP realizado em Albufeira, a diversificação da oferta e de mercados é um facto. Entre 2014 e 2019, passamos de um peso relativo de britânicos de 43 para 37 por cento, e não foi por termos perdido esse mercado, mas sim porque aumentamos, acima dos 200 por cento, no mercado brasileiro, canadiano, norteamericano e italiano, porque aumentamos praticamente 100 por cento na França e subimos na própria Espanha”, destaca o dirigente. “Neste momento, há cinco países – Alemanha, Holanda, Irlanda, Espanha e França – que têm uma procura superior a um milhão de dormidas no Algarve, para além de mais procura na Bélgica, Suíça e Luxemburgo. Durante o período da pandemia recebemos muito mais jovens, o que é relevante do ponto de vista do rejuvenescimento da procura, e mercados diferentes e públicosalvo dentro dos mercados tradicionais também diferentes. Em janeiro e fevereiro de 2020, os dois últimos meses antes da chegada da pandemia à Europa, estávamos a crescer 15,3 por cento, com um volume de visitas muito superior ao de períodos ALGARVE INFORMATIVO #322
anteriores. Atenuar a sazonalidade não só é possível, como já encontramos o caminho”, garante João Fernandes, falando do Turismo de Natureza e Náutico, do MICE, do Turismo Residencial, entre outros segmentos. O trabalho estava a dar resultados, reforça o entrevistado, e está também em linha com a aposta na sustentabilidade e na digitalização, conforme se nota no Plano Estratégico elaborado pela Região de Turismo do Algarve em 2014. “Não é por
acaso que o Observatório do Algarve de Turismo Sustentável foi reconhecido pela Organização Mundial de Turismo e já tínhamos projetos para atrair os nómadas digitais ainda antes da pandemia. Estávamos no bom caminho, portanto, há que retomá-lo e o primeiro exercício será recuperar capacidade aérea das rotas que já tínhamos”, declara João Fernandes, acrescentando que todos os stakeholders estão em sintonia nesta matéria. “As
grandes linhas estratégicas de atuação são consensuais e temos promovido várias reuniões com as diversas associações do sector, muitas vezes com a presença da própria Secretária de Estado do Turismo e do presidente do Turismo de Portugal. Naturalmente que todos ambicionamos por mais recursos para desenvolvermos atividades que sabemos que são profícuas e, para mim, o principal problema tem a ver com os recursos ALGARVE INFORMATIVO #322
humanos. Já em 2018 e 2019 verificamos a escassez de mão-deobra para responder ao aumento da procura, o que se deveu também à recente evolução da atividade turística noutras regiões em Portugal de onde vinham muitas pessoas para trabalhar na época alta do Algarve. A imigração também tem bastantes obstáculos em termos de vistos e, mesmo quando se obtém a licença para estar no território, colocamse depois os problemas do alojamento e da mobilidade. No fator humano reside a principal oportunidade, mas também o principal constrangimento, porque já não falamos da necessidade de mão-de-obra qualificada, mas da necessidade de qualquer tipo de mão-de-obra”, desabafa João Fernandes, antes de terminar: “A única certeza que
temos, neste momento, é que não podemos ter certeza de nada, mas todos os dados apontam para que, caso não se verifique um retrocesso de maior na pandemia, o Algarve tenha em 2022 um ano de recuperação clara e já a partir de março. Mas todas estas afirmações têm sempre, por estes tempos, três pontos no final, porque pode haver um imprevisto com o qual não contávamos”, finaliza João Fernandes .
28
29
ALGARVE INFORMATIVO #322
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina Centro Académico de Investigação e Formação Biomédica do Algarve, mais comummente conhecido por ABC – Algarve Biomedical Center, foi constituído, em 2016, pelo Centro Hospitalar Universitário do Algarve, pela Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve e pelo Algarve Biomedical Center Research Institute, com o intuito de criar, transmitir e difundir uma cultura de investigação e desenvolvimento, contribuindo deste modo para formar profissionais altamente qualificados e diferenciados. Desde a génese, pretendeu ser um centro de excelência vocacionado para o desenvolvimento, formação e investigação, assente nos pilares da eficiência, qualidade, competitividade e inovação, e, para tal, a sua direção definiu um plano estratégico ambicioso do qual fazem parte investimentos estruturantes que ALGARVE INFORMATIVO #322
colocarão, assim que concretizados, o Algarve no mapa mundial da ciência, bem-estar e envelhecimento ativo. Em fevereiro de 2020 a covid-19 chegou, entretanto, à Europa e em poucos meses o dia-a-dia do ABC sofreu uma grande reviravolta, tornando-se num dos principais alicerces na deteção e combate à pandemia na região algarvia, quer por via da realização maciça de testes em lares, escolas e outros organismos públicos, quer por via da formação de quadros para o serviço SNS24. “A pandemia fez, de facto,
com que o ABC tivesse um grande crescimento num curto espaço de tempo, devido à necessidade de apoio direto à comunidade, de uma resposta à população que começou a nível regional, mas que depressa se tornou de âmbito nacional”, confirma o cardiologista Nuno Marques. “Desde cedo evidenciamos uma grande preocupação em sair de dentro da 30
31
ALGARVE INFORMATIVO #322
Universidade e ir para próximo da comunidade para dar resposta à pandemia, mas sem nunca esquecer o desenvolvimento das nossas opções estratégicas, algumas delas que começam agora a ter os seus resultados práticos”, acrescenta o presidente da direção do ABC. Passar dos laboratórios para o terreno não foi, contudo, uma dificuldade maior para o Algarve Biomedical Center, até porque alguns projetos de intervenção junto da comunidade já tinham sido implementados em 2019 e 2020, antes da pandemia. É disso exemplo um projeto de literacia informática para a saúde, com sessões de formação prática, para que as pessoas passassem a utilizar o site do SNS24 para pedirem receitas sem necessidade de irem ao médico de família, ou para agendarem as suas consultas; ou a formação à população em desfibrilação automática externa. “O
ABC diferenciou-se logo na criação de uma capacidade de intervenção direta na comunidade e o nosso foco vai sempre ser estar próximo das pessoas e encontrar soluções para os seus problemas. Não estamos apenas a trabalhar em backoffice, dentro das instituições, a fazer coisas e a publicar estudos científicos. Na nossa estratégia inicial está bem patente a preocupação de contribuirmos para a melhoria contínua dos cuidados de saúde à população da região”, enfatiza Nuno Marques. ALGARVE INFORMATIVO #322
Em fevereiro de 2020, perante o que estava a acontecer em Itália, a direção do ABC decidiu que era preciso ir para o terreno e montou um plano específico que depois foi evoluindo ao longo dos tempos. “Para além dos nossos
investigadores, a maior parte deles pertencentes à Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas, e dos alunos de Medicina, que são uma grande força de trabalho e de disponibilidade para dar esta ajuda à população, no início de 2020 o ABC tinha apenas contratados três funcionários a tempo inteiro. No fim de 2020 tínhamos mais de dois mil funcionários ligados ao ABC, o que acaba por ser também uma ajuda à população em termos económicos, porque não se trata apenas de profissionais de saúde, mas também de prestadores de diversos serviços”, destaca o presidente do ABC, aproveitando para enaltecer a eficiente articulação que se conseguiu com o Instituto do Emprego e Formação Profissional do Algarve para se captar recursos humanos que estavam desempregados. Se, em 2020, as atenções estiveram principalmente focadas na pandemia, em 2021 o plano estratégico do Algarve Biomedical Center deu um grande salto nas restantes áreas que nada têm a ver com a covid-19, mas a tarefa não foi fácil, até porque falamos de uma associação sem fins lucrativos na qual os elementos da direção não são remunerados e têm 32
Nuno Marques com Manuel Heitor, Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e Vítor Aleixo, presidente da Câmara Municipal de Loulé
que conciliar estas funções com as suas atividades profissionais. “Estamos
todos a dar o máximo porque queremos ajudar a população e porque nos estamos a sentir bastante úteis nesta missão. E temos demonstrado uma grande capacidade de reação imediata, de colocar em marcha projetos, de descomplicar e arranjar soluções, na melhoria direta dos cuidados de saúde da população, em especial daqueles com maior dificuldade de acesso, seja no Algarve ou no Baixo Alentejo. Ao mesmo tempo, estamos a dotar o Algarve de uma 33
capacidade de intervenção nacional que muita gente desconhecia que existia na região”, sublinha, acrescentando que o crescimento acelerado do ABC não surpreendeu a sua direção. “Estando
nós dedicados de forma completa a esta causa e a trabalhar continuamente, e havendo aqui um conjunto de pessoas que estão sempre à procura de soluções, sabíamos bem do potencial destas equipas. É difícil gerir tudo, são dezenas de problemas para resolver diariamente desde o início de 2020, uns pequenos, outros ALGARVE INFORMATIVO #322
Apresentação da Rede Concelhia de Desfibrilhadores Automáticos de Loulé, em Quarteira
grandes, outros pequenos que se transformam em grandes se não forem intervencionados de imediato, mas existe um espírito permanente no ABC de que é possível fazer muito na região e em todas as áreas. Se formos ousados, se olharmos para uma complicação e tivermos capacidade para encontrar uma solução e aplicá-la rapidamente, vamos superando os desafios que ALGARVE INFORMATIVO #322
se colocam, com a direção sempre a apoiar as suas equipas e a envolvê-las na construção das soluções”. Nuno Marques não se cansa de dizer que existem, no Algarve, profissionais de um valor incrível e com capacidade para criarem soluções inovadoras e concretizáveis, e que apenas precisam de uma oportunidade para o demonstrarem.
“No ABC isso tem sido possível porque também temos conseguido 34
fazer muitas pontes que nos ligam a outras entidades. Aqui é proibido dizer ‘isto não é possível’. Tudo é possível de fazer, mesmo existindo constrangimentos legais ou burocráticos que, por vezes, nos obrigam a ir a um nível hierárquico muito acima para mostrarmos que há coisas que devem ser repensadas”, indica o cardiologista e professor da Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas, que não esquece o importante papel desempenhado pelas autarquias algarvias em todo este processo. “Se não fosse, por
exemplo, o apoio da Câmara Municipal de Loulé dado a alguns dos nossos projetos, seria difícil eles estarem a alcançar esta dimensão de forma tão rápida. A ligação próxima aos Municípios fez com que, no terreno, se encontrassem rapidamente soluções concretas para cada situação específica”, assume o entrevistado.
ALGARVE NÃO PODE TER TODOS OS FUNDOS CANALIZADOS PARA O TURISMO Para Nuno Marques, só olhando para a região como um todo e com o envolvimento dos players locais das várias áreas é que o Algarve conseguirá dar um salto em frente. Por isso, para o ABC, qualquer problema é encarado como um desafio e uma oportunidade para se melhorar algo, com a consciência 35
de que existem sempre dois constrangimentos importantes para se ultrapassar, nomeadamente a escassez de mão-de-obra qualificada e, claro está, dos meios financeiros necessários para se concretizarem os projetos. Ora, perante a boa capacidade do Algarve Biomedical Center para captar e fixar recursos humanos, o presidente da direção esclarece prontamente que não estão a pagar mais do que noutros centros de investigação. “Sempre disse que não
se tratava de dinheiro, mas sim das condições de trabalho que damos às pessoas e de tratá-las condignamente. Para nós é tão importante a pessoa que limpa o chão diariamente, como o doutorado superespecializado que está a fazer uma investigação específica para a resolução de um problema. Há que envolver as pessoas nos projetos e nas soluções e ajudá-las a ultrapassar pequenos constrangimentos que muitas vezes melhoram as suas condições de trabalho”, defende o cardiologista. “É este encontrar constante de soluções, em conjunto, para as dificuldades existentes no terreno, e ir e estar com eles no terreno, que nos tem diferenciado na captação de recursos humanos. Estamos neste momento a abrir um laboratório de genética clínica no Algarve e não existe nenhum médico de genética clínica contratado por hospitais a sul do Tejo, mas o ABC, ALGARVE INFORMATIVO #322
envolvendo as pessoas no projeto, conseguiu de imediato captar um. Damos às pessoas outro tipo de oportunidades e de apoios, muitas vezes em projetos de investigação e na publicação de artigos, e eles sentem que fazem parte do projeto”, evidencia Nuno Marques. Virando a conversa para a vertente económica, o ABC começou 2020 praticamente sem orçamento, reconhece o entrevistado, mas isso nunca constituiu um impedimento para ir para o terreno ajudar a comunidade. “Ajudaram
bastante, no início, os apoios que as autarquias de forma global deram, não diretamente ao ABC, mas na implementação prática dos projetos do Centro Hospitalar, mas também da própria sociedade civil e de algumas empresas. E nós conseguimos gerir esses fundos de modo a nunca termos dificuldades financeiras e, a partir daí, catapultar-nos para o patamar em que nos encontramos atualmente. Fomos buscar fontes de financiamento que não estavam disponíveis na região, aliás, nem sequer estamos a utilizar o orçamento dos dois únicos sócios do ABC – o Centro Hospitalar Universitário do Algarve e a Universidade do Algarve”, revela Nuno Marques, destacando ainda o apoio que, depois, foi dado pelo próprio governo, nomeadamente pelo Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da ALGARVE INFORMATIVO #322
Segurança Social, para se fazer testagens maciças nos lares e centros de dia da região. “Numa altura em que não
existia capacidade para nada, houve esta visão do Ministério do Trabalho em contactar o Ministério da Ciência e juntar-se as instituições para uma resposta nacional que ainda hoje continua a ser dada. Isto demonstra que, existindo este tipo de envolvimento do poder central, a Academia Portuguesa tem uma enorme capacidade para encontrar soluções e colocá-las em prática. O ABC está ao serviço de uma região e de um país e, em 2021, a nossa capacidade foi reconhecida pela Agência Europeia do Medicamento, quando ficamos em primeiro lugar num concurso mundial a que concorreram mais de 400 instituições académicas. Isto é um selo de qualidade enorme”, salienta Nuno Marques. O cardiologista e docente na Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve partilha, então, da opinião de que a região não pode ter todos os seus fundos canalizados para o Turismo, devendo apostar noutros setores que depois irão, indiretamente, fortalecer a própria atratividade do destino Algarve. “Vamos
implementar, nos próximos anos, em Loulé, um grande centro de desenvolvimento e de investigação, um dos maiores de 36
Portugal em dimensão e de criação de postos de trabalho, e isso vai contribuir para a diversificação da base económica do Algarve e para a própria sustentabilidade do Algarve Biomedical Center. Não pretendemos ser uma instituição dependente de subsídios e de apoios, conjugando, ao invés disso, a prestação de serviços que são necessários à população e a
outras entidades para depois conseguir financiar outro tipo de intervenções e desenvolvimentos. Em 2018, com base nos projetos que temos, nomeadamente o ABC Loulé Health Research Center, fizemos um plano de desenvolvimento e de negócios a 10 e 15 anos que demonstrava essa autossustentabilidade após um significativo investimento inicial”, aponta o entrevistado, voltando a realçar
37
ALGARVE INFORMATIVO #322
a importância de não se depender exclusivamente de bolsas e subsídios. “O
ABC está a criar uma base sólida de forma a ter apoios próprios para manter uma base de investigação, tanto que não contratamos pessoas de acordo com a duração das bolsas, mas com contratos sem termo em que conseguem aumentar o seu vencimento consoante as mais-valias que vão produzindo”, indica. Para se diversificar a base económica do Algarve é preciso também, de acordo com Nuno Marques, que se deixe de olhar, de lado e com desconfiança, para todos os projetos de maior dimensão que não envolvam diretamente o turismo. “O
primeiro problema com que nos deparámos quando apresentámos as nossas ideias foi a visão de muita gente de que eram projetos megalómanos. Mas seriam megalómanos ou normais se fossem em Lisboa? O Algarve precisa perder essa visão, porque temos um impacto na produção e no PIB muito superior à população residente. Não somos nem mais nem menos do que os de Lisboa, Porto ou Coimbra”, dispara o presidente da direção do Algarve Biomedical Center. “Claro que é mais
difícil concretizar esses projetos no Algarve, porque estamos a partir do zero e numa zona que não está vocacionada para este género de ALGARVE INFORMATIVO #322
investimentos. Mas, hoje em dia, já ninguém coloca em causa que os projetos que anunciamos e desenvolvemos realmente avançam. Se todos os agentes regionais direcionarem, de forma desinteressada, os seus esforços para o desenvolvimento da região e para o apoio à população, as coisas realmente acontecem. O problema é que muitas vezes as pessoas deixam de lutar contra aquilo que é mais difícil de combater, esse pensamento intrínseco de que o Algarve não tem capacidade para fazer isto ou aquilo”, lamenta Nuno Marques.
APOSTA NO ENVELHECIMENTO ATIVO VAI MUDAR TURISMO NO ALGARVE Nesta sua caminhada alucinante desde 2016, o Algarve Biomedical Center tem conseguido igualmente captar para o Algarve serviços que se encontravam localizados noutras zonas do país, algo que, até há poucos anos, seria impensável para muitos... mas que, bem vistas as coisas, até têm lógica, do ponto de vista funcional, estarem concentradas no mesmo centro de investigação e ciência. “Essa deslocalização foi
definida e feita cuidadosamente pelas próprias instituições nacionais na área da saúde numa ótica de descentralização de competências e sem ter um impacto direto ou criar 38
dificuldades para essas instituições e para os seus profissionais. E estes projetos vão ajudar também a fixar médicos e profissionais de saúde diferenciados para prestarem cuidados nos hospitais e centros de saúde do Algarve. E, ainda por cima, vamos dar a oportunidade a estes profissionais de saúde de estarem envolvidos em projetos praticamente desde a sua génese, algo que os motiva bastante”, destaca Nuno Marques, num processo que deverá ser, porém, acompanhado por outras medidas, na 39
área da saúde, sobretudo pela criação do tão desejado Hospital Central do Algarve.
“Esta região não pode continuar a ser esquecida nesse âmbito, porque as instalações atuais do Hospital de Faro não se coadunam com os desenvolvimentos tecnológicos que são necessários que venham a acontecer nos próximos anos. Consegue-se desenrascar e «tapar buracos» durante algum tempo, mas não é possível manter esta situação a longo prazo”, avisa o presidente da direção do ABC. ALGARVE INFORMATIVO #322
Uma infraestrutura que deverá ter, obrigatoriamente, investimento nacional e não regional, porque, na opinião de Nuno Marques, se trata de uma obra essencial, e já garantida várias vezes, para que o Algarve tenha o nível de qualidade de instalações de saúde que merece. “E o Hospital Central do ALGARVE INFORMATIVO #322
Algarve não vai substituir o Hospital de Portimão, que tem que ser também reforçado e com instalações adaptadas, nem vai substituir completamente o Hospital de Faro, que pode complementar a atividade da nova unidade. Não é admissível termos 40
profissionais de saúde, garante Nuno Marques, que realça igualmente o crescente papel da Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve nesta matéria.
“Houve uma aposta grande dos Municípios e do Ministério da Ciência para o aumento do número de vagas, sabendo-se que cerca de metade dos médicos formados no Algarve acaba por permanecer na região. Existe, nos próximos anos, uma janela de oportunidade para um enorme desenvolvimento, desde que haja a devida articulação e colaboração completa entre as instituições, para o que é necessário quebrarse, de uma vez por todas, com as «quintas e quintinhas», e a pandemia ajudou nesse aspeto”. A par da captação de mais profissionais de saúde, e de outros serviços conexos, Nuno Marques não tem dúvidas de que os projetos do ABC vão ajudar a atrair outro tipo de turistas, de maiores posses financeiras e na época baixa, o que ajudará, sem dúvida, a atenuar a típica sazonalidade da região. “O Algarve
que transferir constantemente doentes para Lisboa, a não ser em situações de pico em que se ultrapassem as capacidades instaladas das unidades, tal como podem vir doentes de outras zonas do país para o Algarve”, desabafa o entrevistado. E, havendo um novo hospital, mais fácil se torna a captação de 41
que temos e tivemos nos últimos anos está muito dependente do turismo de sol e praia e esse produto nunca vai desaparecer. Este turismo de saúde e bem-estar em torno do envelhecimento ativo não surge por acaso, porque temos que começar a cuidar de nós para termos um envelhecimento o mais ALGARVE INFORMATIVO #322
saudável possível, o que pode e deve criar serviços específicos. E qualquer pessoa gosta mais de envelhecer e estar num ambiente agradável e com boas paisagens, algo que já temos com fartura, basicamente só temos que não estragar o que existe”, frisa o cardiologista, com um sorriso. “E nem se trata propriamente de turistas, mas sim de pessoas de idade mais avançada que rumam ao Algarve para usufruir de um serviço especializado e diferenciado e que, depois, acabam por ser clientes da hotelaria e restauração da região, elas e os familiares que os acompanham. É um sector que vai também levar ao desenvolvimento de uma indústria de bens e equipamentos específicos, porque vão querer testá-los junto aos locais onde as coisas estão efetivamente a acontecer. Hoje, os rendimentos do trabalho no Algarve assentam numa base salarial muito baixa e incerta, basta ver o que aconteceu agora com a pandemia. Ora, muitas das pessoas que vão trabalhar na investigação, na indústria de equipamentos e na prestação de serviços diferenciados, vão ter salários mais elevados… e os próprios operadores turísticos vão ter novos produtos para promover”. ALGARVE INFORMATIVO #322
Com a conversa a aproximar-se do fim, e depois de dois anos frenéticos, resta saber como vai ser o próprio Algarve Biomedical Center no futuro? “O nosso
foco está bem definido, em torno da investigação, da formação e da melhoria dos cuidados de saúde, os planos estão em marcha, há sempre novos projetos a começar e a sustentabilidade está garantida para os próximos anos. No futuro, o ABC vai ter uma preocupação social mais reforçada, colocando as mais-valias das nossas equipas à disposição das pessoas. Acho que não há ninguém que não reconheça ao ABC esta vertente social de apoiar os mais carentes, em termos regionais e nacionais, a diferença é que tivemos, em dois anos e meio, o crescimento que estava pensado para uma década”, responde Nuno Marques. “Como instituição sem fins lucrativos que somos, sentimos a obrigação de estar próximos daqueles que mais dificuldades terão para aceder aos cuidados de saúde e encontrando soluções para os seus problemas concretos. O nosso foco estará sempre nas pessoas, a construção dos edifícios de nada serve se não forem recheados de recursos humanos com uma grande capacidade, e temos aqui excelentes investigadores” . 42
43
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
44
45
ALGARVE INFORMATIVO #322
BALADA PARA UNA NOCHE DE LUNA LLENA ENCANTOU CASA DAS VIRTUDES Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
ALGARVE INFORMATIVO #322
46
47
ALGARVE INFORMATIVO #322
oram três dias bastante intensos e, por isso, foram necessárias algumas edições da revista Algarve Informativo para recordar alguns dos momentos mais marcantes do MOMI, organizado, no final do mês de novembro, pelo Colectivo JAT – Janela Aberta Teatro, com o apoio da Direção-Geral das Artes, Município de Faro, Iberescena Artes Escénicas Iberoamericanas, Acción Cultural Española, Direção Regional de Cultura do Algarve e Região de Turismo do Algarve. O Festival Internacional de Teatro Físico do Algarve surpreendeu tudo e todos, com propostas impressionantes, como foi o caso de «Balada para una noche de luna llena», dos espanhóis da «Plató Physical Theater Bcn», que deslumbrou o público que encheu a Casa das Virtudes, em Faro, na tarde de 28 de novembro. ALGARVE INFORMATIVO #322
Com interpretação a cargo de Natalia Carretero, Hermann Alexander, Judith Arelle, Tania Serra, Aida Montes, Sara Castro e Víctor Blázquez e encenação da responsabilidade de Mai Rojas, somos transportados para a reunião de um grupo de atores na sua sala de ensaio para discutir o tema a abordar no próximo espetáculo, numa altura – 1969 – em que o mundo inteiro volta as suas atenções para a chegada do homem à Lua, e num momento em que uma família lamenta a morte de um ente querido. «Balada para una noche de luna llena» é um espetáculo de teatro físico, um balé contemporâneo que se concentra em novas dramaturgias, desenhado por Mai Rojas, especialista em Teatro Físico e Mímica Corporal que trabalha entre o palco e o ensino com uma paixão incansável pela investigação nas artes do movimento . 48
49
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
50
51
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
52
53
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
54
55
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
56
57
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
58
59
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
60
61
ALGARVE INFORMATIVO #322
«CENAS DE TEATRO» COMEÇARAM EM FARO COM «MORRO COMO PAÍS» Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
ALGARVE INFORMATIVO #322
62
63
ALGARVE INFORMATIVO #322
«Cenas de Teatro» é um ciclo de cinco espetáculos e cinco leituras teatrais que se realiza em Faro, em diferentes espaços culturais, de dezembro de 2021 a julho de 2022, com direção artística de Neusa Dias e com o apoio da República Portuguesa – Cultura | DGARTES – Direção-Geral das Artes, do Município de Faro e da Direção Regional da Cultura do Algarve. “Trata-se de um
trabalho sobre autores, textos e personagens de Teatro que pretende difundir o prazer de pensar, falar, fazer e ver Teatro. É declarar o sentido poético do Teatro como força que cultiva o pensamento complexo sobre a natureza do ser humano e seu relacionamento com os outros e com o mundo, desafiando a ética ALGARVE INFORMATIVO #322
dicotómica do humano que ergue muros, que cava abismos, que descarta Vidas como mercadorias. Por que é preciso evitar que se acrescente demens (louco) à espécie Homo Sapiens”, explica Neusa Dias. Dimítris Dimitriádis, Sófocles, Irmãos Presniakov, José Maria Vieira Mendes e Jean-Pierre Sarrazac são os cinco autores a partir dos quais se faz este ciclo, com espetáculos e leituras na Associação 289, na antiga Fábrica da Cerveja, no CAPa – Centro de Artes Performativas do Algarve, na Biblioteca Municipal de Faro e no Club Farense. «Morro como País», a partir de «Morro como País» de Dimitris Dimitriádis, deu o «pontapé-de-saída» ao ciclo, nos dias 17 e 18 de dezembro, na Associação 289, e foi realmente impactante, deixando água na boca aos espetadores para as próximas performances . 64
65
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
66
67
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
68
69
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
70
71
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
72
73
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
74
75
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
76
77
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
78
79
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
80
81
ALGARVE INFORMATIVO #322
TEATRO DO SÓTÃO DA ASMAL VOLTOU A PISAR O PALCO DO LETHES Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
ALGARVE INFORMATIVO #322
82
83
ALGARVE INFORMATIVO #322
«MentalizArte – Saúde Mental & Arte» é um projeto da responsabilidade da ASMAL – Associação de Saúde Mental do Algarve e cofinanciado pelo Programa Nacional de Financiamento a Projetos pelo INR, I.P. (Instituto Nacional de Reabilitação) que pretende criar um espaço de diálogo e partilha de conhecimento sobre a doença e a saúde
O ALGARVE INFORMATIVO #322
mental, direcionado sobretudo para os jovens, tendo subido ao palco do Teatro Lethes, em Faro, no dia 22 de dezembro, para apresentar «Mente Inquieta». O espetáculo foi o resultado de cinco meses de Oficina de Teatro coordenada por João de Brito e levado a cabo pelos utentes da ASMAL que constituem o Teatro do Sótão, grupo que há vários anos tem protagonizado momentos emocionantes em diversos equipamentos culturais da região algarvia . 84
85
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
86
87
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
88
89
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
90
91
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
92
93
ALGARVE INFORMATIVO #322
JÚLIO RESENDE LEVOU «FADO JAZZ ENSEMBLE» AO CINETEATRO LOULETANO Texto: Daniel Pina | Fotografia: Jorge Gomes
ALGARVE INFORMATIVO #322
94
95
ALGARVE INFORMATIVO #322
Cineteatro Louletano acolheu, na tarde de 19 de dezembro, «Júlio Resende – Fado Jazz Ensemble», uma surpreendente e original combinação entre estes dois estilos musicais protagonizada pelo pianista Júlio Resende – que compôs nove temas originais para o projeto –, e por Alexandre Frazão na bateria, André Rosinha no contrabaixo e Bruno Chaveiro na guitarra portuguesa. O concerto conta ainda a particularidade de utilizar a voz de Amália Rodrigues num dueto (im)possível entre Júlio Resende e a Diva do Fado, no tema «Medo». “É uma seta com uma
ventosa na ponta, lançada ao alvo chamado «peito». Se acertar, ALGARVE INFORMATIVO #322
espera encontrar nesse lugar uma ligação forte, que não caia, como se a ventosa virasse pele. Algo que perdure, é isso que a minha música quer ser. É um disco livre, em que a guitarra portuguesa e o piano se intersectam, e com o contrabaixo e a bateria tentam aproveitar ao máximo esse novo lugar que descobrem juntos. Se é Fado ou Jazz não sei, pode ser ambos, mas na realidade não sei, porque quem sabe normalmente não avança. Quem já sabe está parado nesse saber. Prefiro não saber, apenas ir, livre. Como o som”, refere o conceituado pianista e compositor olhanense . 96
97
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
98
99
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
100
101
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
102
103
ALGARVE INFORMATIVO #322
Chorem, homens! Paulo Cunha (Professor) ão chores… és um homem, e os homens não choram!”. Ainda é possível ouvir alguns progenitores a dizer isso aos seus filhos, provavelmente com o intuito de querer que venham a ser homens fortes, que aguentem a pressão, que não mostrem fraqueza, que ocultem os sentimentos e consigam reprimir a dor.
“
Ao longo da história, a mulher foi educada a expressar sentimentos e o homem a ocultá-los. E isso reflete-se no comportamento dos dois sexos. Chorar faz parte do comportamento humano, independentemente do género. O ato de chorar em público foi e continua a ser controlado por fenómenos culturais e sociais, nada tendo a ver com o facto das mulheres serem mais sensíveis e os homens menos. Grande parte dos suicídios são cometidos por homens, mas das pessoas que pedem ajuda psicológica só um ínfimo número são homens. Por não chorar, muitos homens acumulam energias negativas e quando menos esperam, explodem. Explodem em impulsividade, explodem de raiva e explodem tirando a sua ou a vida de outros. ALGARVE INFORMATIVO #322
Como podemos então libertar-nos das emoções negativas, intensas e depressivas? Para além da enorme importância de falarmos com os outros (família, amigos e técnicos especializados), exprimindo e partilhando as nossas angústias e os nossos pensamentos mais dolorosos, faz-nos bem chorar, gritar e expelir a negatividade que nos bloqueia. Quando falamos, centrarmo-nos nas nossas próprias palavras, compreendendo assim melhor o que sentimos. Por isso, não há razão para não falar sozinho, reprimir as emoções, não chorar! Todos os educadores deveriam ter a consciência da importância de conversar com os seus filhos, dizendolhes: “Diz-me o que te preocupa, sabes que podes contar sempre comigo. Estarei sempre aqui para te aconselhar e abraçar”, “Não há problema em chorares e sentir-te triste. Chora. Chorar faz bem!”. Se a sociedade aceita que uma mulher ponha cá para fora tudo o que lhe vai na alma, com o homem não se verifica o mesmo, arriscando mesmo a ser catalogado com alguns epítetos menos bonitos. Chorar em público, só em ocasiões extremas (velórios, funerais e eventos trágicos). Infelizmente, é essa a 104
dicotomia nas exigências sociais em relação ao homem. Mulheres e homens, choramos todos pelas mesmas razões: tristeza, alegria, injustiça, amor, saudade, morte, etc. Independentemente do credo, da idade, da raça, da cultura, do sexo e da identidade de género, todas as sociedades têm o mesmo em comum: chorar. Porque toda a gente chora e é inquestionável: chorar faz bem! 105
Com sentimentos negativos ou com a maior das alegrias, chorar é bom, saudável e recomenda-se. Equilibra o espírito e ajuda a aliviar a tensão. Digo-o eu, que herdei do meu pai o choro fácil e já habituei ao contacto com lágrimas sentidas quem comigo priva. Contidas e banidas, só as más atitudes que fazem os outros chorar! .
ALGARVE INFORMATIVO #322
Cortes de cima, a Garrafa! Paulo Bernardo (Empresário) Daniel Pina é um homem de fé, quase todas as semanas nos últimos dois anos tem-me enviado uma mensagem a perguntar se escrevo esta semana, eu quero escrever e digo que sim, mas a pandemia tirou-me a inspiração. Não consigo entender, mas tirou, dois anos de puro sofrimento interior, onde o sorriso e a motivação têm que ser retiradas das minhas entranhas para poder motivar quem depende de mim, motivar a família, motivar os amigos, motivar os colaboradores, os parceiros de negócio, motivar quem eu encontro na rua e olha para mim de máscara e tenho que, através do olhar, transmitir algo doce e positivo. Talvez porque a minha auto motivação tem andado por níveis quase perto do zero, a escrita tem dificuldade em sair. Possivelmente não é politicamente correto assumir esta falta de motivação, ou dizer que estou farto, dizer que é difícil vir com o discurso que tudo vai ficar bem. Ninguém me vai devolver os abraços que não dei à minha mãe, as conversas com os amigos, a despedida dos que partiram, nada disso vai voltar. Estamos assustados e tristes. Eu não sou assim, mas admito que estou. Andamos como baratas tontas às voltas,
ALGARVE INFORMATIVO #322
ninguém consegue ter um discurso coerente, nem saber muito bem o que fazer. Contudo, hoje quero dar a volta, acredito que estamos a chegar ao fim deste tempo de tempestade, e, para quem me encontrar amanhã, o sorriso estará cá e vou dar o meu melhor para espalhar motivação e me motivar também. Já comecei por escrever, julgo que é um bom princípio. Não sei qual vai ser a receita, mas sei que partilhar as minhas angústias já ajuda, quer a mim que desabafo, quer aos outros que vão ver que não estão sozinhos. Hoje ganhei coragem e, com a devida autorização da família, visitei um amigo que não está bem de saúde. Demos um abraço forte, não falamos muito, trocamos mais olhares com a nossa cumplicidade. Não é uma amizade muito antiga, mas não necessita ser antiga para ser forte, ensinoume muitas coisas e ajudou-me a crescer como adulto. Hoje mesmo deu-me uma lição de vida adulta juntamente com a sua família. Levei-lhe uma prenda que tínhamos combinado beber juntos no dia em que eu fiz quarenta e nove anos, esteve guardada para quando nos juntássemos, contudo, entre vidas a correr e pandemia, acabamos por ainda não a conseguir abrir e tomá-la em conjunto. Hoje, julguei por bem que nos próximos tempos ele ficasse como seu fiel depositário, para que a possamos tomar em breve assim que ele melhorar. 106
A nossa sociedade vende-nos a ideia que temos que ser fortes, magros, sorridentes e sempre bem com a vida. Vende-nos a procura pelo futuro, sem a preocupação com o hoje. Vende-nos a cenoura lá na frente e não o que hoje temos. Estou triste, sim, por toda a envolvência, mas a energia vai surgindo e o hoje começa a fazer bastante sentido, o abraço que dei ao meu amigo valeu muito. Com pandemia ou sem pandemia, a vida corre rápido e o tempo não somos nós que controlamos. Vou tentar escrever todas as semanas, vou abrir mais garrafas com os 107
amigos, vou gritar mais, mandar mais gente para o raio que os partam, dizer amo, dar abraços, sorrir ou chorar, ouvir melhor música, fumar uns charutos, ler mais livros, fazer menos fretes, usar o tempo que recebo por dia de uma forma mais justa para comigo. Para quem chegou até aqui, obrigado, saibam que nem sempre a chuva caiu, nem o sol brilha sempre, saibam que isto vai mudar em breve. Não sei se vamos ficar melhores com estes difíceis tempos de provação, mas ao menos deem mais abraços. Eu, por exemplo, no meio destas confusões consegui ter aulas de baixo que me estão a dar muitos bons momentos . ALGARVE INFORMATIVO #322
Notas Contemporâneas [30] Adília César (Escritora) “O embarque fez-se com a confusão habitual, complicada com os embaraços de um mar agitado: os barcos iam cheios de gente, uns de pé, outros sentados na borda, roçando pela água, outros gravemente equilibrados sobre a acumulação pitoresca das bagagens: ria-se, fulminava-se a organização e a polícia das festas, gritava-se um pouco quando os barcos pesados oscilavam mais inquietadoramente”. Eça de Queirós (1845-1900), in Notas Contemporâneas (1909, obra póstuma) IDEIA PRINCIPAL navega no mar do pensamento e a sua sobrevivência depende do clima: períodos de sol com momentos de felicidade extrema; existência de nuvens suaves com abertura do coração a surpresas; céu muito nublado com possibilidade de choros durante a noite; aguaceiros e períodos de espírito vagamente inquietos; rajadas de vento forte com existência de silêncios; mente com poucas abertas e ciclos contínuos de esquecimento; eclipse total. A meteorologia psicológica muda a cada dia através de ciclos de intermitências emocionais registados em gráficos incompreensíveis. Desengane-se quem julga que há um mapa para o percurso mental. * O CAMINHO não se faz apenas caminhando, mas também na análise da descoberta de ALGARVE INFORMATIVO #322
cada passo. E parte-se cada pedra em que tropeçamos, para construir alguma coisa que valha a pena. Erguem-se canteiros de flores, muros, edifícios ou uma ponte bem sólida, a minha construção preferida, por ser tão complexa, por denunciar uma utilidade metafórica. Por vezes, não é possível ultrapassar o obstáculo e é preciso voltar atrás, mesmo que já tenhamos chegado longe. Caminho pela cidade. Aqui não há pontes, apenas pressinto passos em falso. Sou obrigada a percorrer uma distância considerável porque não há lugar para estacionar o carro, a não ser ali, naquela praceta escondida e longe de tudo. Procuro uma esplanada minimamente apresentável e convidativa para tomar um café. O sol de inverno é morno, contagia-me com a sua alegria amena. “Eu caminho este caminho pelo caminho”: «caminho» é verbo, substantivo e também advérbio de lugar, o que me deixa divertida ao estabelecer conexões mentais meramente recreativas. De repente, depois de repetir a mesma palavra tantas vezes – «caminho» –, ela deixa de ter significado 108
e torna-se desconhecida na minha paisagem lexical. Sorrio: hoje é dia de inclinar a cabeça para um lado mais infantil. Apetece-me correr, mal tal não é possível porque estou de salto alto e uso um chapéu de feltro; entre os dois adereços, um vestido justo e uma capa a condizer. Ao contornar um contentor do lixo, vejo aquilo. * AQUILO parece ser uma oferenda destinada a um «puto» qualquer. Exibe uma legenda 109
explícita, negra sobre o fundo branco, inscrita no plano sentimental da pessoa que a fez com as suas próprias mãos e a ofereceu a outra pessoa que, por certo, fará parte da sua colecção especial de afectos – o «puto». Há outras palavras pintadas em linhas estratégicas do plano bidimensional disponível, mas não consigo decifrá-las. Contudo, à primeira vista e tendo em atenção o local onde o objecto se encontra – junto do contentor do lixo – a dádiva não foi muito bem acolhida pelo destinatário, o «puto». Quem será o «puto»? Alguém insensível, creio. ALGARVE INFORMATIVO #322
* O LABIRINTO arquitectado pelos pensamentos é sempre sentimental. As circunstâncias que impelem ao acto e, em consequência dele, comovem ou não o outro, são sempre emocionais. Mas a razão estabelece-se de forma tortuosa e nem sempre o resultado é o esperado. O emissor «adora» o «puto», e essa adoração surpreende pelas formas, cores e tempo destinados à criação intencional, única, irrepetível e intransmissível de uma tela decorada com desvelo. Contudo, o outro, o «puto», nem por isso fica surpreendido, e dá à mensagem um destino cruel, apesar dos “Mil Parabéns”. Quantas dimensões humanas tem o plano dimensional da tela? É possível que um objecto carregue um peso demasiadamente humano? Até eu, que não conheço nem quem dá nem quem recebe, vejo o sentimento de desprezo, ali, deitado no chão: tem forma e cor bem definidas (embora carregadas de sombras). O milagre da borboleta sobre a flor não ilumina aquele transtorno. * É PRECISO acalmar o mar, varrer as misérias humanas e as boas intenções que não cumprem o seu papel. É preciso estar mais atento às necessidades dos outros. Os inúmeros objectos que eu compro, os presentes que eu ofereço, servem de consolo a quem? A mim ou a ti? Acumulamos coisas, especulações e desejos na bagagem festiva e embarcamos na vida como se não ALGARVE INFORMATIVO #322
houvesse amanhã. Mas dezembro já ficou lá para trás e neste tempo de rescaldo do último Natal, já prevejo novas inquietações no planeamento do próximo. * TIRO A FOTOGRAFIA daquela visão algo obsessiva que parece chamar por mim e imediatamente tomo a decisão de escrever estas notas contemporâneas. O impulso inspirador acontece-me, de vez em quando. A representação fotográfica da tela soprame uma história ao ouvido que parece plausível, dadas as patéticas circunstâncias. O protagonismo é dado ao destino das palavras “adoro-te, puto”. Sim, «puto», eu também te adoro! Embarquemos neste novo ano com amor que, não bastando por si só, dá uma preciosa ajuda para acalmar as inquietações da vida. Cuidemos do futuro, com serenidade e alguma urgência. Ou seja, sem reticências nem pontos de interrogação. * DE REPENTE, ocorre-me uma ideia estonteante: e se o «puto» nunca tivesse recebido a tela? E se quem a elaborou não lhe deu o devido valor e preferiu largá-la no lixo, obstruindo o caminho lógico da intençãoacto-consequência-desalento? Ah, assim o «puto» nunca saberia que era «adorado». Ah, mas assim a crónica seria outra .
110
111
ALGARVE INFORMATIVO #322
A importância da cibersegurança na sociedade Fábio Jesuíno (Empresário) s ataques informáticos são cada vez mais frequentes, uma das grandes ameaças para as empresas e organizações em todos os setores de atividade. O mundo digital transformou a forma como comunicamos e trouxe uma série de desafios para a nossa sociedade, onde a segurança da internet é cada vez essencial. Nos últimos meses houve um aumento dos ciberataques um pouco por todo o mundo e em Portugal, em particular, aconteceu um dos mais graves no passado dia 2 de janeiro, ao grupo Impresa, detentor do canal de televisão SIC e do jornal Expresso, que terá destruído todos os arquivos de notícias armazenados nos respetivos servidores e terão sido violados os dados pessoais dos utilizadores. Estes ataques informáticos podem ser ainda mais graves, como aconteceu no ano passado nos Estados Unidos à sua infraestrutura da energia, onde o abastecimento de combustível foi cortado em 17 Estados da Costa Leste.
protege todo o tipo de sistemas digitais, desde computadores, servidores e rede de dados, com o objectivo de prevenir ou mitigar danos. A cibersegurança deve ser uma prática em todas as organizações, públicas, privadas, pequenas ou grandes, e mesmo em termos pessoais, deve haver mais partilha de conhecimento sobre esta temática. Aconselho a manterem os programas e web sites actualizados, cópias de segurança regulares e atualizadas de todos os seus ficheiros off-line e off-site, ter muito cuidado com anexos não solicitados e a utilizar senhas fortes e com dupla autenticação sempre que possível. Para prevenir, qualquer organização deve consultar um especialista em cibersegurança para realizar uma análise completa de possíveis problemas e, dessa forma, ficarem mais descansados e protegidos no futuro .
Por estes motivos, é fundamental haver cada vez mais uma aposta e investimento na cibersegurança, uma prática que ALGARVE INFORMATIVO #322
112
113
ALGARVE INFORMATIVO #322
Vamos lá a levantar o cuzinho… Júlio Ferreira (Inconformado Encartado) omeço a minha participação neste novo ano, nesta prestigiada revista, desejando que 2022 seja tudo de bom, para todos. Que traga saúde, luz e paz. Tenho muita esperança neste ano novo! Vai ser lindo, vai mesmo! Que viver é um privilégio incomparável e há sempre tanto por que lutar, a começar pelo esforço para sermos melhores, um bocadinho melhores, a cada dia. Ainda nem terminámos de mastigar as passas e de recuperar das ressacas (caseiras) e PIMBA, eleições!!! Mais uma volta no divertido carrossel da democracia. Como sabem, não gosto muito de escrever sobre política. Primeiro porque fico sempre com a sensação que, por mais que tente, não consigo ser imparcial, num assunto demasiado sério. Estamos em plena campanha eleitoral e até agora nenhum dos candidatos mostrou preocupação sobre a abstenção. Esta é a altura ideal para antecipadamente falar mais a sério sobre umas eleições que podem transformar-se numa das legislativas com a maior abstenção de sempre. Todos os indicadores apontam nesse sentido e só não os vê quem não quer. Continuamos a ter cadernos eleitorais que não refletem a realidade do País e arriscamos a ter, no dia 30 de janeiro, milhares de pessoas em ALGARVE INFORMATIVO #322
isolamento pandémico e outras com medo de se deslocarem às assembleias de voto. As projeções não são nada animadoras. Depois, continuam a existir os outros, os mesmos de sempre. Aqueles que, na altura de escolher os destinos políticos, económicos e sociais deste país, se estão perfeitamente nas tintas. Esperam sentados a salvação que nunca surge no meio do nevoeiro ou, pior ainda, arrotam postas de pescada impunemente em posts ou caixas de comentários...das redes sociais. Em 2022, vamos comemorar o 48.º aniversário do 25 de Abril de 1974, altura em que meia dúzia de inspirados capitães se asseguraram que os mamíferos que assentavam arraiais neste país pudessem escolher livremente os destinos da nação e não estarem subjugados a um partido único, a uma única ideologia, a uma única vontade. Antes dos capitães e durante muitos (demasiados) anos, centenas de portugueses morreram a lutar para que um dia os portugueses pudessem, entre outras coisas, ter a liberdade de votar. E o que continua a acontecer 48 anos depois? Eleições após eleições, uma grande percentagem desses mesmos mamíferos, afirmam descaradamente que se vão abster. Os indecisos já são de difícil compreensão, mas os abstencionistas são, na realidade, uns indecisos armados em finos. Não votam porque consideram que as atuais políticas estão ultrapassadas ou que nenhuma das 114
propostas políticas existentes contém os requisitos necessários para levar a bom porto este país: - Porque a candidata do B não se veste e maquilha para os debates, segundo os padrões da extrema esquerda, e cita demasiadas vezes o Papa Francisco; - Porque o candidato C é o betinho contra as dietas, gosta muito da expressão «pornografia» e cita demasiadas vezes esses poetas intemporais do pimba: Iran Costa e Ruth Marlene; 115
- Porque o candidato J é outro beto, mas MUITO MAIS liberal. Tem orgasmos cerebrais sempre que ouve a palavra PRIVATIZAR; - Porque o candidato R parece ter saído de um arquivo histórico da RTP, com um discurso que só não é ridículo porque chega a ser divertido como discurso de época; - Porque o candidato S continua com a ultrapassada cartilha política inspirada no Animal Farm do Orwell, o que constitui um problema para a malta que vive na zona da Guarda, que virá certamente a tornar-se o Gulag deste país, caso este candidato seja eleito primeiro ministro; - Ou porque os candidatos dos partidos unipessoais L, e P não aquecem nem arrefecem o debate. Quanto ao 4.º Pastorinho de Fátima, nem vale a pena comentar, pura e simplesmente IGNORAR! Também proliferam neste nosso cantinho, os que adoram dizer mal «deles» e queixar-se «deles», mas depois estão nas tintas para votar «noutros» ou «neles» ou em «ninguém». Há quem não vote porque no inverno está frio, no verão calor. Peço desculpa pela minha franqueza, mas eu só tenho uma coisa a dizer aos abstencionistas. Sejam quais forem as razões que os levam, confortavelmente, a não tomar qualquer posição política na altura de votar, lembrem-se que só têm essa opção ALGARVE INFORMATIVO #322
porque algures na nossa história existiram gajos que sofreram e morreram para que vocês pudessem estar de cuzinho alapado a ver outros votarem. Portanto, se querem demonstrar que não estão satisfeitos com nenhuma das hipóteses disponíveis, levantem o cuzinho, vão à mesa de voto, e votem em branco. O voto em branco significa que nenhuma das propostas apresentadas é, na vossa opinião, uma solução para o país. Escolher é uma responsabilidade, um ónus. Não votar é não decidir, e quem não decide não se sente responsável pelo que acontece, os males do mundo e do país, "eu não tenho nada a ver", foram "eles". Um país de Pilatos, involuntários, mas reais, muitos, muitos milhões deles. É sempre mais fácil votar no melhor doce regional, no cantor da aldeia e até nos assuntos mais estúpidos do tipo… Big Brother Famosos. Por mais inconsequente que seja a eleição, lá estão os portugueses a votar como se não houvesse amanhã, alheios à quantidade de dinheiro que gastam nos sms. O que é estranho é não ver este empenho opinativo em situações em que a sua opinião vale mesmo a pena e que pode determinar o curso de uma nação com quase 900 anos de história. Votar nas pessoas e nos programas eleitorais que podem e devem melhorar o estado das coisas, da vida de todos nós, é que não pode ser! Livra! Imaginem que vão votar e a coisa dá certo? Os portugueses vão queixar-se de quê?
debates televisivos infelizmente não chegam a todos os portugueses. Em alguns debates não são apresentadas ideias, noutros, o nível de argumentação fica abaixo de tasca. Os políticos devem dar o exemplo e não podem continuar a assobiar para o lado, nada fazerem para combater a abstenção e só se lembrarem na noite das eleições, desfilando nos órgãos de comunicação social, com os mesmos discursos de sempre a lamentar a elevada abstenção. Este conformismo irrita cada vez mais. A democracia não pode ser encarada como um reality show, porque os maus exemplos afastam mais as pessoas que as aproximam da política. Existem demasiados maus exemplos de vídeos retirados de contexto e partilhados vezes sem conta nas redes sociais. A democracia não pode feita por ódios de estimação, também nunca poderá ser por conformismo. Isso não é democracia, isso é ditadura da falta de co…ragem para arriscar, encarar o problema de uma vez por todas e efetivamente fazer alguma coisa começando pelas escolas, com o apoio e ideias de toda uma sociedade que está farta de teorias e desculpas.
Mas sejamos sinceros, a culpa não é só daqueles que se abstêm de votar. Os políticos, também são culpados, porque ALGUNS não dignificam os lugares, não são sérios, justos e competentes. Os
Vote em segurança e em consciência, por PORTUGAL!
ALGARVE INFORMATIVO #322
Não estou à espera que as duas ou três pessoas que leem isto me deem ouvidos. Na altura que algum dos habituais abstencionistas mudar de atitude e votar só pelas palermices que eu escrevo será muito mau sinal para a credibilidade da política portuguesa.
#levantemocuzinho . 116
117
ALGARVE INFORMATIVO #322
Minimaliza-TE Lina Messias (Especialista em Feng Shui) minimalismo surgiu como um movimento associado à cultura e às artes na década de 20 do século passado. Nos anos 80 começou a ser difundido no urbanismo e no interior dos espaços, como uma forma de contrapor os excessos do consumismo. Nas nossas casas este estilo pode caracterizar-se por cores neutras, linhas simples e geométricas, espaços amplos e com poucos elementos decorativos. Mas Minimalismo não é só decoração, não é só ter menos superfície para limpar o pó…embora este factor seja muito positivo. MINIMALISMO é muito mais que isso, é um verdadeiro estilo de vida que envolve não só o que escolhemos para estar à nossa volta, mas também a forma como encaramos e vivemos a Vida! Para sermos minimalistas, o primeiro passo é conseguirmos identificar o que É importante e o que NÃO É, o que tem significado e o que não tem; e essas decisões aplicam-se à decoração da nossa casa, ao que vestimos, mas também aos nossos pensamentos, ao nosso trabalho e dia-a-dia e aos nossos relacionamentos. ALGARVE INFORMATIVO #322
Parece um «exercício» fácil, certo? Mas não é! Requer análise «interior» num Mundo onde só se vive para o «exterior», e acima de tudo requer desapego, desapego de coisas, de pessoas e de situações. O apego é considerado um dos grandes problemas da Humanidade, apegar dános falsos sentimentos de segurança e afasta-nos das tão necessárias mudanças que fomentam crescimento e evolução humana. Uns dizem que é a idade que nos traz a percepção do que é realmente importante na Vida, com a idade vem a dita sabedoria para fazermos melhores escolhas, mas eu diria mais, diria que são as perdas pelas quais passamos que nos fazem valorizar e escolher o que tem SIGNIFICADO. Na minha «curta» Vida (aliás, parece que foi ontem que nasci) já passei por várias experiências de perdas dolorosas: perda de segurança financeira, perda de pessoas importantes, perda de tempo, perda de bens. «Perder» é a maior aprendizagem e oportunidade de crescimento que a Vida nos propõe. Não somos educados para perder, só para ganhar. Ninguém fala do que temos mais certeza na Vida desde que nascemos: a 118
Morte! Ninguém está preparado para enfrentar a perda, dos que nos são queridos nem da nossa. Falar da Morte não devia ser tabu, porque a percepção dela faz-nos valorizar mais a Vida e tudo o que podemos SER e fazer com ela. Então a VIDA tem maior significado! Quando finalmente percebes o que tem significado ou importância, e vives de acordo com essa verdade, estás a ser MINIMALISTA! Minimaliza-TE na tua casa para te sentires «em casa», rodeado/a somente do que realmente precisas e te faz Feliz; 119
Minimaliza-TE nos teus pensamentos e preocupa-te só com o consegues controlar; Minimaliza-TE no teu tempo, e não o percas por situações ou pessoas que não o merecem; Minimaliza-TE no que fazes dos teus dias, como os aproveitas, a quem e como os dedicas; Minimaliza-TE nos teus relacionamentos para que dês verdadeira importância a quem tens por perto, a quem te acrescenta e se faz presente . ALGARVE INFORMATIVO #322
Memórias do polvo IV João Soares (Arquiteto e Professor Universitário) entamente, deslizantemente o polvo vai-se deixando ver de novo, ao fundo, no meio de uma névoa líquida de areia baixa... Este ano que passou perdi muita coisa. Mas também encontrei muita coisa. Continuei a encontrar polvos por toda a parte! Vi um pendurado, de pano, numa montra de uma loja na subida da rua da Voz do Operário (que fica mesmo ao lado de um portão de garagem de onde uma vez tinha visto um colega paisagista – que não é o mesmo que pintor de paisagens – a esbracejar como se fosse um boneco do Tintin. Com os seus pais, já velhotes, a olhar, incrédulos, para as quatro rodas esvaziadas de um Nissan Micra verde metalizado – em sinal (feio) de despeito por ter, distraidamente (creio eu) deixado, por instantes (creio eu) estacionado, mesmo na rampa dessa garagem, o seu pequeno carro; Vi, noutro sítio ainda – numa daquelas sessões/conferências que há agora, online: incríveis!., mas onde não se percebe se estamos a ver uma coisa qualquer meio desgraçada, ou se estamos a ver «ouro»! (enfim, uma vez, lembrado em cima da hora pela minha irmã, apanhei uma coisa ALGARVE INFORMATIVO #322
indescritível – de boa – da Laurie Anderson – era o u r o !). Desta vez, que vou tentar descrever, tratava-se de uma menina (digo-o de forma meio condescendente) meio achinesada (sem racismos nem assomos de fobias, por favor!), muito exaltada a falar, acho, de design, ou de criatividade, ou ... não sei bem sobre o quê – e, volta e meia, evocava o polvo. Aquilo parecia um pouco uma daquelas figuras dos filmes de cowboys que vendem a banha da cobra numas caravanas pequeninas que parecem à escala, e as figuras muito envernizadas e enfezadas, com chapéu de côco... fazia lembrar isso. Mas, um pouco, também me vinha de lhe dar crédito... (sobretudo quando aparecia, recorrentemente, em fundo, uma imagem de polvo). Ficava a pensar: se calhar, a menina sabe o que está a dizer. Se quiserem ir espreitar, aqui dá para ver: https://vimeo.com/595781479, «A ‘Tentacular Pedagogy’ to Lead 2050» (ELIA Academy keynote). Kai Syng Tan é o seu nome; Depois, vi ainda polvos congelados, envoltos em plástico azulado, em promoção, à venda no supermercado; Vi também desses desenhos com ar de representação científica, num cartaz com ares de antigo (mas que não era) numa 120
parede de um bar em Fez – e é a imagem que acompanha hoje a escrita;
Representação pseudo-científica em poster de café em Fez, Marrocos, Dez. 2021
E, claro, em livros de crianças, mil e mil polvos. Mas desses, o sítio onde, mais recentemente, fui dar com um polvo foi neste conto maravilhoso – que, sim, é um conto de crianças (ou para crianças) mas é tão, tão lindo que quer-se lê-lo sempre: n’A menina do Mar. Lá está ele, em companhia de um caranguejo sisudo e de um peixe (mudo), a fazer quadrilha com a menina de cabelos verdes e um palmo de altura. Nessa história, o peixe não faz nada – porque tem barbatanas e não mãos, nem tenazes, nem pernas ou tentáculos – só barbatanas e, portanto, apenas, nada – e, como não faz nada, é o melhor amigo da menina (dá que pensar que afinal a inutilidade compensa). O caranguejo é cozinheiro e ourives – impecável, grande combinação! E o polvo, por ter todos aqueles braços... faz tudo (e não é que ganhe qualquer coisa de especial por isso, tipo ser, pelo menos, o segundo melhor amigo da menina... As meninas são (f) tramadas – pelo menos, a dos cabelos verdes e a Sofia com «ph». Vão lá ver e digam se não é assim. Onde é que encontrei mais polvos…, Ah, sim, neste livro do italiano Fabio Genovesi: Il Calamaro Gigante – o nome já diz tudo. Nem tudo o que vem à rede é polvo, mas, apesar do livro contar do Kraken (uma lula gigante mais do lado do mito do que do 121
plausível), estamos sempre nas imediações do tentacular. Neste pequeno livro mistura-se um pouco de História da ciência com supostas memórias muito domésticas do autor. Por mim, começaria assim o ano, e o regresso ao Polvo. Mas ainda tinha deixado pendentes uns assuntos desde a última crónica e, em nome dos bons métodos da revisão científica, vou ter de lá voltar. É que estas coisas que escrevi antes, aqui neste belo jornal, foram lidas por aquelas três pessoas e meia a quem consigo enviar o link por whatsapp. ALGARVE INFORMATIVO #322
São amigos que, ponho-me agora a pensar, já vieram àquela ilha pequena, ao lado da outra – Sant’Antioco – e já vieram a Portu su Trigu. Portanto, podem confirmar (ou desmentir!) estas histórias que conto. Enfim, não será necessariamente desmentir, mas ajudar-me a distinguir o que, do que contam as palavras, terá sido coisa acontecida, ou sonhada. Desses amigos, acontecem ser alguns – um - aficcionado de automóveis. (Haverá uma palavra para designar esta condição? – melómanos de automóveis, acho que dá para perceber). De maneira que a última crónica que saiu foi objecto de impiedosa revisão crítica desta área do conhecimento! Vejo-me, por isso, obrigado, a introduzir correcções às imprecisões identificadas. Por questões práticas, designaremos o amigo em questão com a letra M. Recordam a cena do porco – grande como um carro – a lamber-se todo com a carroçaria do mesmo? M. disse-me que a marca da viatura parada que Kusturica filmou era essa, sim, trata-se de um Trabant, mas que, afinal, o modelo não seria o P50, como tinha dito que me parecia, mas o 601. Esse aspecto, digamos, será o menor (M., não leves a mal). Agora, o que é incrivelmente incrível é isto: a carroçaria, diz M., é feita de fibra de algodão e resina (Duroplast)!!! é demais, não é? O reparo seguia com uma extensa e detalhada explicação das vantajosas propriedades do emprego do ALGARVE INFORMATIVO #322
Duroplast. Mas esse texto é pouco maior do que o dobro deste que estou a tentar, aqui, escrever. De maneira que acho que não o irei transcrever. Ser feito de fibra nem sequer é nada de por aí além, o Mehari é feito de fibra de vidro (espero não estar a dizer, de novo, alguma asneira!), agora, o ser de algodão, dá que pensar. Tem também resina fenólica misturada - o que não é nada bom – mas imaginem que se começavam a fazer carroçarias de algodão, de tecido. Resistente e descartável – aliás, comestível! – seria verdadeiramente sustentável! – Davam cabo do negócio das sucatas, sim, mas abriam-se, como agora se diz, outras janelas de oportunidades. Pronto, está reposto o rigor científico. Obrigado, M. Aliás, a cena agora parece ficar ainda mais maravilhosamente fantasiada!: acompanhamos o caro porco no deleite de uma guloseima que lhe excita os sentidos, deve ser o correspondente de porco para as memórias de meninice de idas às feiras, a lambuzar-se de algodão doce (sem pauzinho), com todos os atributos colaterais de pegajosidade de beiços a perdurar numa noite de carrosséis e carrinhos de choque. (Isto sou eu a imaginar o porco a sonhar.) Ainda outro contributo open source, por parte de M: a fotografia que aqui está – já agora, é de um Fiat 126, e não 127 como tinha, também erradamente, escrito. O que eu andei à procura dela! – procurei, procurei, e acabei por desistir de a encontrar. Aliás, convenci-me mesmo que nunca terei tirado essa fotografia. Mas 122
pequenas, as revolvem? – acho que a designação mais precisa é o marulhar. Mas não sei se o marulhar não se refere apenas ao som da água, e não aos sons que fazem as coisas que a água mexe, umas contra as outras...
Carroçaria, ainda relativamente intacta, de Fiat 126, em Porto su Trigu, Sardenha, Ago. 2008
o M. tirou, e enviou-ma por whatsapp! (É por isso que tem esta resolução assim tão desgraçada). E com esta, são duas imagens para uma crónica só, é obra! No que diz respeito a um dos assuntos de fundo que acompanham, na intenção e naquilo a que eu chamaria «alimento», estas crónicas, isto é, o corpo e as suas habilidades, os seus saberes e fazeres, e o ir reconhecendo o corpo como sabedor e fazedor (mesmo que não tivesse cabeça!), ajudaria, numa nossa conversa, ter presente uma coisa chamada «Cambridge Declaration of Consciousness», que trata de pôr, por escrito, reflexões e esclarecimentos (?) sobre a consciência, e se, sim ou não, os animais a têm. Por exemplo (pergunto-me eu), terão as conquilhas consciência do som musical que as pedrinhas das diferentes praias fazem quando a água do mar, em ondas 123
Será que as conquilhas sabem disso? ou os peixes-aranha?, senão, por que outra razão escolheriam essa parte tão específica, de entre todas as partes do planeta, para viver? Mas a pergunta põe-se também para os percebes; mexilhões, enfim, bivalves e C.ª. Aliás, para além desses rumores, aquele repuxozinho que fazem as amêijoas, às tantas também poderá ter uma razão musical ou estética! – uma relação entre sons, ou micro-sons e a extensão do arco em repuxo salgado. Lowercase music, no fundo. (do mar). Música em letras minúsculas. Sons minúsculos, do tamanho de criaturas minúsculas. Quem se lembrou de inventar tal definição defende “um sentido de quietude e humildade”, são estas as palavras que usa Steve Roden. Pode-se encontrar na Wikipedia esta citação, para a entrada referida: “(…) it doesn't demand attention, it must be discovered... It’s the opposite of capital letters—loud things which draw attention to themselves”. ALGARVE INFORMATIVO #322
Não só não chamam a atenção para si próprias, como nem se aperceberão, as criaturinhas metamusicais, de si próprias. Não, não terão consciência do que fazem. Não precisam. Os caracóis – que descobri têm um passado comum com os polvos – sabem as linhas de baba brilhante que traçam na terra ou nas paredes onde deslizam? Têm consciência estética da diagonalidade das suas existências?... who knows... Quem me voltou a recordar da música das pedrinhas foi a K., num pequeno vídeo de ondas pequenas em França. Obrigado, K. Voltando a Cambridge, e só para apimentar a coisa, saiba-se que, por extenso, a definição do grupo de nãohumanos sobre o qual o texto mencionado reflecte é, olhem só esta!: “including all mammals and birds, and many other creatures, including octopuses”. Lá está ele, o tal Paul, com espaço dedicado e exclusivo à sua unicidade. O outro assunto de fundo sobre o qual se anda também aqui à volta, nas crónicas - a arquitectura - acho que hoje não aparece. Andei ainda a procurar cultivar-me mais na biblioteca (videoteca, é mais correcto dizer) de filmes documentários sobre o polvo – há já imensos. Vi este: «My Octopus Teacher». Bonito, bastante tocante no que se refere à história contada de uma pessoa pôr-se a vida em ordem. Lá a braços com as suas resoluções para uma vida melhor e assim... (achei a coisa bastante lamechas, se querem que diga, ALGARVE INFORMATIVO #322
tinha ouvido falar tanto deste filme...). Vá lá, não deixa de ser uma bela peça, mas dada a expectativa, fiquei um pouco desapontado. É que estava mesmo apontado: nariz na perpendicular ao tablet emprestado onde tenho visto a netflix, tudo pronto e... ficou esse amargo de boca tipo alga, mas sem o estaladiço nem as aparas de sal desses aperitivos chineses embalados em plástico verde-prateado. E adormeci duas vezes a vê-lo. Mas, se calhar, estava cansado. Ainda a dar conta da minha cultura de início de ano, tenho agora aqui na mesinha este livro altamente: Undrowned. Black Feminist Lessons from Marine Mammals. O polvo, só pela parte do marine é que sentirá isto a dizer-lhe respeito – e daí... a parte do Black, com certeza também como seria para o Yellow, para o Grey ou White – essa é mesmo uma das grandes cenas do polvo, sim senhor, ele é todas essas cores ao mesmo tempo! – podia fundar um partido que teria imensa gente a votar nele só por essa habilidade de saber pôr-se no lugar do outro. Livro fixe, este – muito profundo, muito, muito sério. E directo. Fala-nos como se estivesse a escrever-nos uma carta (mas já não se escrevem cartas... como se fosse um «post», então). E fala assim também com a vaca-marinha-de-steller, dirigindose-lhe por “tu”, quando descreve o triste fim desse incrível mamífero marinho herbívoro (chegava a pesar 23 toneladas!), extinto no final do séc. XVIII pela ignorância e fealdade humana – nossa. Diz assim: “I think you are more than another testament of the stark implications of European voyaging. More 124
than the folly of a dominant way of living that changes the planet, quickly, thoughtlessly, forever. More than the deadliness of an insatiable hunger born of chasing things other than sustenance. That hunger outlived you. I feel it chasing me too”. É a autora, Alexis Pauline Gumbs, a pôrse no lugar desse antigo e gigante mamífero que já deixou o planeta. Mais uma coisa que descobri, este ano, ter perdido. Obrigado, APG.
bondosa. Descobri que quando se tinha começado a perceber os efeitos da excessiva perseguição deste animal lento, de longa gestação e cujas fêmeas davam à luz apenas uma cria ao ano, tinha sido decretada a proibição da sua caça. Mas chegava já demasiado tarde. Saiu essa lei em 1755, o ano em que tremeu o Sul desta Península – talvez tenha sido a consciência da Terra, na sua dor de saber perder uma linhagem de filhos, que a levou a estremecer-se e, à sua maneira, a chorar. Obrigado, leitores, até daqui a uns dias.
Fui querer saber mais desta criatura tão 125
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
126
127
ALGARVE INFORMATIVO #322
DIRETOR: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina (danielpina@sapo.pt) CPJ 3924 Telefone: 919 266 930 EDITOR: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina Rua Estrada de Faro, Vivenda Tomizé, N.º 12P, 8135-157 Almancil SEDE DA REDAÇÃO: Rua Estrada de Faro, Vivenda Tomizé, N.º 12P, 8135-157 Almancil Email: algarveinformativo@sapo.pt Web: www.algarveinformativo.blogspot.pt PROPRIETÁRIO: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina Contribuinte N.º 211192279 Registado na Entidade Reguladora para a Comunicação Social com o nº 126782 PERIODICIDADE: Semanal CONCEÇÃO GRÁFICA E PAGINAÇÃO: Daniel Pina FOTO DE CAPA: Daniel Pina A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista regional generalista, pluralista, independente e vocacionada para a divulgação das boas práticas e histórias positivas que têm lugar na região do Algarve. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista independente de quaisquer poderes políticos, económicos, sociais, religiosos ou culturais, defendendo esse espírito de independência também em relação aos seus próprios anunciantes e colaboradores. A ALGARVE INFORMATIVO promove o acesso livre dos seus leitores à informação e defende ativamente a liberdade de expressão. A ALGARVE INFORMATIVO defende igualmente as causas da cidadania, das liberdades fundamentais e da democracia, de um ambiente saudável e sustentável, da língua portuguesa, do incitamento à participação da sociedade civil na resolução dos problemas da comunidade, concedendo voz a todas as correntes, nunca perdendo nem renunciando à capacidade de crítica. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelos princípios da deontologia dos jornalistas e da ética profissional, pelo que afirma que quaisquer leis limitadoras da liberdade de expressão terão sempre a firme oposição desta revista e dos seus profissionais. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista feita por jornalistas profissionais e não um simples recetáculo de notas de imprensa e informações oficiais, optando preferencialmente por entrevistas e reportagens da sua própria responsabilidade, mesmo que, para tal, incorra em custos acrescidos de produção dos seus conteúdos. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelo princípio da objetividade e da independência no que diz respeito aos seus conteúdos noticiosos em todos os suportes. As suas notícias narram, relacionam e analisam os factos, para cujo apuramento serão ouvidas as diversas partes envolvidas. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista tolerante e aberta a todas as opiniões, embora se reserve o direito de não publicar opiniões que considere ofensivas. A opinião publicada será sempre assinada por quem a produz, sejam jornalistas da Algarve Informativo ou colunistas externos. ALGARVE INFORMATIVO #322
128
129
ALGARVE INFORMATIVO #322
ALGARVE INFORMATIVO #322
130