REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #298

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ALGARVE INFORMATIVO 10 de julho, 2021

«O CASAMENTO NA PEDREIRA» | FESTIVAL CHOQUE FRONTAL AO VIVO 1 «ALGARVE CORAÇÃO SEGURO» | JORGE MOLDER | LAGOA JAZZ FESTALGARVE INFORMATIVO #298 | RHI_THINK


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62 - Lagoa Jazz Fest 2021 16 - «Algarve Coração Seguro»

80 - «Juro dizer a Verdade» em Faro 26 - RHI_Think em Loulé

48 - Festival Choque Frontal ao Vivo 40 - «O Casamento na Pedreira»

OPINIÃO 128 130 132 134 136

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Paulo Cunha Mirian Tavares Ana Isabel Soares Adília César Fábio Jesuíno

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104 - A história dos OrBlua 88


112 - «O Estranho Substituto» de Jorge Molder na Associação 289

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LOULÉ INAUGUROU REDE CONCELHIA DE DESFIBRILHADORES AUTOMÁTICOS EXTERNOS PARA A POPULAÇÃO «TOMAR CONTA DELA PRÓPRIA» Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina mbora já esteja a funcionar no terreno, foi apenas no dia 2 de julho que a Rede Concelhia de Desfibrilhadores Automáticos de Loulé foi simbolicamente ativada, numa cerimónia presidida pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, que decorreu no Estádio Municipal de Quarteira. Este será, aliás, ALGARVE INFORMATIVO #298

um dos 61 pontos do concelho de Loulé onde ficará um dos desfibrilhadores automáticos externos (DAE), equipamentos que poderão prestar assistência a qualquer vítima de paragem cardíaca, nos minutos iniciais, antes da chegada dos meios de emergência médica. A grande inovação do projeto-piloto «Algarve Coração Seguro» é, no entanto, o envolvimento da população, uma vez que os cidadãos 16


estão a receber formação para poder utilizar estes dipositivos. “É um

programa construído para e com as pessoas”, referiu Nuno Marques, presidente do ABC – Algarve Biomedical Center, parceiro do Município de Loulé e do INEM nesta iniciativa. E, para levar por diante as ações, foi também nesta data celebrado um acordo específico entre as duas entidades ligadas à área da saúde para a ativação dos operacionais de Desfibrilhação Automática Externa (DAE) pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM. Até ao momento já receberam formação por parte do INEM mais de 1.600 operacionais e foram incluídos em espaços estratégicos, do interior ao litoral 17

do concelho, 61 desfibrilhadores. A escolha dos pontos de implementação foi baseada em duas variáveis, permitindo criar «a matriz ideal», contendo, por um lado, as zonas mais distantes e isoladas onde a prestação de socorro demora mais tempo a chegar e, por outro, os espaços com maior concentração demográfica. Como tal, já dispõem de DAEs edifícios camarários, juntas de freguesia, recintos desportivos, salas de espetáculos, entre outros espaços públicos, mas também todas as viaturas da Proteção Civil, Bombeiros e GNR estão equipadas com estes desfibrilhadores. Numa segunda fase, pretende-se aumentar para 180 os equipamentos existentes e para três mil as pessoas que tenham capacidade ALGARVE INFORMATIVO #298


de operar os dispositivos. “Se fizermos

os rácios por cada 100 mil habitantes, Loulé é, talvez, o concelho mais seguro em termos europeus. Duvido que haja outro que tenha este nível de rácio e operacionais disponíveis de desfibrilhação automática externa. Esta forma de atuação é única e, não tenho dúvidas, vai ser a chave que vai salvar vidas”, sublinhou o presidente do ABC. Através do sistema de geolocalização, com uma simples aplicação no telemóvel dos operadores, desenvolvida por uma empresa informática local, será possível identificar a pessoa que recebeu formação que se encontra mais próximo da vítima, permitindo que preste socorro antes da chegada do INEM. E, como ALGARVE INFORMATIVO #298

adiantou Nuno Marques, só no Algarve, em 2019, houve mais de 1.100 ocorrências do género. “Uma vez

que em todo o mundo a taxa de sucesso é baixa, a solução poderá passar mesmo pela criação desta rede pré pré-hospitalar, já que os oito minutos seguintes são decisivos para que a vítima se salve, sem qualquer sequela neurológica. Sabemos que estamos a ativar pessoas devidamente habilitadas para estarem a fazer o suporte básico de vida e a utilizar os desfibrilhadores automáticos. Enquanto a viatura do INEM vai a caminho, estamos a pôr outras pessoas da população num ato de cidadania a ajudar uma vítima que 18


Nuno Marques e Luís Meira

teve uma ocorrência e que pode ser qualquer um de nós”, considerou Nuno Marques. Esta não é, porém, a primeira colaboração entre o ABC e o INEM, conforme recordou o Presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional de Emergência Médica, “num esforço

de aproximação para servir melhor as populações”. “Nestes casos de paragens cardiorrespiratórias, os tais fenómenos de morte súbita, só com um sistema muito articulado é que efetivamente podemos melhorar as possibilidades de sobrevivência das vítimas. E esta 19

interligação significa que os vários elos da cadeia de sobrevivência têm que ser realmente garantidos. A Desfibrilhação Automática Externa Precoce é um destes elos, mas ele de nada serve sem o alerta precoce dos serviços de emergência e sem a instituição precoce de manobras de suporte básico de vida feitas adequadamente”, avisou Luís Meira. “Para além dos DAE, precisamos de pessoas disponíveis para os operar e que saibam fazer todos os procedimentos prévios, antes ALGARVE INFORMATIVO #298


que cheguem os meios mais diferenciados”, reforçou. No uso da palavra, Vítor Aleixo realçou a enorme mais-valia de se ter um dispositivo pensado, organizado e no terreno para situações em que a diferença entre a vida e a morte significa poucos minutos. “Há vários anos que

começamos a dar os primeiros passos para construir um projeto de inegável importância para a saúde pública no nosso concelho. A segurança é um valor que está ALGARVE INFORMATIVO #298

presente no dia-a-dia da ação da Câmara Municipal de Loulé, seja a que tem a ver com a segurança física das pessoas – conforme atesta a nossa colaboração fortíssima com a GNR e a Marinha Portuguesa –, mas também com a saúde pública, como é o caso desta parceria com o ABC e a Universidade do Algarve”, frisou o edil louletano. “Gerir os territórios ao nível do poder local e das autarquias deixou de ser possível 20


Vítor Aleixo, presidente da Câmara Municipal de Loulé

sem o concurso de outras entidades, nomeadamente a Universidade do Algarve, onde o saber é produzido, mas muitas vezes não encontra portas de saída para ser aplicado na prática. Temos estabelecido imensos programas de colaboração com a Universidade do Algarve nas mais variadas áreas e este é um bom exemplo, através do Algarve Biomedical Center”. Vítor Aleixo declarou que serão formadas mais pessoas no âmbito do programa «Algarve Coração Vivo», em 21

resultado do protocolo assinado entre o ABC e o INEM, e que serão instalados mais DAE no concelho de Loulé, lembrando ainda que a GNR, Polícia Marítima, Proteção Civil e Bombeiros Municipais já fazem parte “de uma

capacidade de resposta que consideramos muito satisfatória”. “Queremos estar à altura das nossas responsabilidades e Loulé mais uma vez apresenta ao país um programa pioneiro, sobretudo pela sua densidade, pela cobertura geográfica e pelas entidades envolvidas e que vão ALGARVE INFORMATIVO #298


António Lacerda Sales, Secretário de Estado Adjunto e da Saúde

funcionar numa lógica articulada. Trabalhamos para servir o melhor que podermos e soubermos o interesse público e, neste programa concreto, temos a população a tomar conta dela própria. As pessoas vão estar auto-vigilantes, empoderadas e capacitadas com conhecimentos, num sinal, como existem poucos, da maturidade democrática que a nossa sociedade e estado atingiu”, enalteceu Vítor Aleixo. A encerrar a cerimónia, o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde considerou este projeto como “mais um excelente

exemplo do indiscutível trabalho intersectorial”. No âmbito do programa nacional criado em 2009 no que concerne ao suporte básico de vida associado à desfibrilhação automática ALGARVE INFORMATIVO #298

externa, António Lacerda Sales sublinhou o “aumento notório em

Portugal do número de equipamentos disponíveis”, quer em espaços públicos (3.132 equipamentos em 2.416 espaços), quer em viaturas de emergência médica (cerca de 1.200), bem como no aumento do número de operadores formados (mais de 25 mil e 800) e da utilização de DAEs perante situações em que tal é necessário. “Tudo isto

acontece graças a este esforço coletivo que nos tem permitido continuar a melhorar a capacidade de resposta e a taxa de sobrevivência”, realçou este responsável do setor da saúde, anunciando que em 2020 foram realizadas mais de 8.820 utilizações deste tipo de equipamentos, número que, em 2021, se prevê atingir os 10 mil. 22


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RHI_THINK VIAJOU ATÉ LOULÉ Texto: Daniel Pina | Fotografia: Jorge Gomes RHI_Think chegou a Loulé, no dia 29 de junho, com o apoio da Câmara Municipal de Loulé. Liderado por Ana Ventura Miranda, o RHI junta especialistas nacionais e internacionais que partilham experiências na música, cultura e programação, num roteiro que passou por 13 cidades, designadamente, Évora, ALGARVE INFORMATIVO #298

Cascais, Lisboa, Torres Vedras, Alcobaça, Leiria, Faro, Porto, Vidigueira, Ponte de Lima, Braga, Funchal e Loulé. No Cineteatro Louletano, os agentes e profissionais do setor cultural participaram em fóruns de cultura e turismo, numa palestra sobre Cidades RHI e sobre o Mercado Americano e puderam ainda assistir aos concertos dos «The Mirandas», «YUCA» e «The Elephant Woman» . 26


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FADO E BLUES NUM CASAMENTO PERFEITO NUMA PEDREIRA Texto: Daniel Pina|Fotografia: Jorge Gomes

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Pedreira de Grés, em Vale Fuzeiros, no concelho de Silves, acolheu, no dia 26 de junho, mais um projeto interessantíssimo inserido no programa GeoPalcos Arte.Ciência.Natureza, desta feita «O Casamento na Pedreira». Da responsabilidade de Vítor Bacalhau e Ricardo Martins, “tratou-se da fusão de música identitária de dois países de lados diferentes do Oceano Atlântico, com músicas que evocam o lamento da alma, com raízes profundas no povo, e cuja mistura inusitada gera uma experiência, aparentemente, impossível”, descreve a dupla. Misturando as linguagens únicas da guitarra Blues e Country e da guitarra portuguesa do Fado, o público presente assistiu a um programa musical variado sem desvirtuar a raiz de cada um dos instrumentos, com acompanhamentos ancestrais que concebem a proximidade inesperada aos ouvidos mais distraídos. E tudo isto tendo como pano de fundo a Pedreira de Grés e o espetáculo multimédia desenvolvido por alunos da Escola Secundária de Silves. No GeoPalcos Arte.Ciência.Natureza, as artes encontram-se com o território, surpreendendo os visitantes com espetáculos em locais inusitados, numa programação que decorre até setembro e que tem por objetivo promover o Geoparque Algarvensis Loulé-SilvesAlbufeira, aspirante a Geoparque Mundial da UNESCO, e levar o público a conhecer os seus emblemáticos geossítios . ALGARVE INFORMATIVO #298

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TEMPO acolheu mais um Festival Choque Frontal ao Vivo Texto: Daniel Pina| Fotografia: Vera Lisa

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epois do interregno, em 2020, ditado pela pandemia por covid19, o Festival Choque Frontal ao Vivo regressou ao Grande Auditório do TEMPO – Teatro Municipal de Portimão, no dia 3 de julho, com Suricata, Gabriel de Rose e Teresa Aleixo. Com a primeira e segunda plateias praticamente esgotadas, respeitando as normas ditadas pela DGS, o público teve oportunidade de voltar a escutar música ao vivo de excelente qualidade e não escondeu as saudades que todos continuamos a ter da cultura presencial, ao vivo e a cores, como se dizia noutros tempos. ALGARVE INFORMATIVO #298

Respeitando a tradição, Ricardo Coelho e Júlio Ferreira, responsáveis pela organização do festival, entregaram um troféu em acrílico aos artistas que subiram ao palco e também estes evidenciavam a alegria, e alguma ansiedade, pelo regresso das pessoas às salas de espetáculos. Nesta noite especial foram ainda conhecidas as datas dos programas «Choque Frontal ao Vivo» que terão lugar, no seu formato original, no Pequeno Auditório do TEMPO, mais concretamente: Reflect (15 de setembro), Bite The Blue Lemon (13 de outubro), The Black Teddys (17 de novembro) e Gato Morto (15 de dezembro) . 50


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JAZZ VOLTOU AO SÍTIO DAS FONTES Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina e Kátia Viola

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Lagoa Jazz Fest regressou ao Sítio das Fontes, em Estômbar, de 2 a 4 de julho, para a sua 16.ª edição. Para trás fica uma década e meia de críticas positivas da imprensa especializada e muitos elogios do público e dos artistas nacionais e internacionais envolvidos, mercê de estéticas e formações diferenciadas do Solo à Big Band, com distintos instrumentos solistas (saxofone, voz, trompete, piano, harpa, vibrafone, harmónica, guitarra, cimbalom, trombone, entre outros). Ao longo dos anos, o público tem tido o privilégio de assistir à participação de grupos e músicos como Stanley Jordan (EUA), Richard Galliano (França), Concha Buika (Espanha), New York Voices (EUA), Lokomotiv (Portugal), J. D. Walter (EUA), Antonio Faraò (Itália), Omar Akim (EUA), Maria João e Mário Laginha (Portugal), Edmar Castaneda (Colômbia), entre muitos outros. Em 2021, o Lagoa Jazz Fest ALGARVE INFORMATIVO #298

voltou com um cartaz de qualidade e diversidade para mostrar diferentes estéticas e abordagens na área do jazz e sua árvore genealógica, sempre com um denominador em comum, a qualidade. Deste modo, no dia 2 de julho, a primeira parte esteve a cargo de Gileno Santana (trompete) e Felipe Vargas (guitarra de 7 cordas), seguindo-se o «Mário Franco 5teto Rush», com Mário Franco (baixo elétrico e contrabaixo), Sérgio Pelágio (guitarra), Óscar Graça (piano), Luís Figueiredo (órgão Hammond) e Alexandre Frazão (bateria). No sábado, subiu ao palco o «Gaia Quatro», constituído por Gerardo Di Giusto (piano), Aska Kaneko (violino e voz), Carlos Buschini (baixo) e Tomohiro Yahiro (percussão). O 16.º Lagoa Jazz Fest chegou ao fim com o «5teto de Michelle Ribeiro», formado por Michelle Ribeiro (piano), Rodrigo Correia (contrabaixo), Rogério Pitomba (bateria), Sami Tarik (percussões) e Junior Maceió (saxofones) . 64


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JANELA ABERTA TEATRO CONTINUA A FORMAR NOVOS ATORES Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina

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«

uro dizer a verdade», assim se chamou o espetáculo/mostra final da Oficina de Formação de Atores 2020/21 do Colectivo JAT – Janela Aberta Teatro, com trabalhos inspirados em notícias de jornais e textos escritos pelos alunos/atores, e que esgotou o salão do Gimnásio Clube de Faro nos dias 26 e 27 de junho. Com formação e encenação a cargo de Diana Bernedo e Miguel Martins

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Pessoa, o espetáculo foi protagonizado por Catarina Brito, Daniela Veiga, Elsa Fernandes, Mauro Viegas, Patrícia Moreira, Patrícia Oliveira, Rogério Cão, Suzanne de Sousa e Vanessa Alves e demonstrou a qualidade do trabalho formativo desenvolvido pela Janela Aberta Teatro, sendo que já estão abertas as inscrições para o ano letivo 2021/22. Sediado em Faro, o JAT – Janela Aberta Teatro nasceu do desejo de

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formar uma companhia especializada em Teatro Físico, “um género onde a

fisicalidade do artista cénico assume especial relevância, e a pesquisa do corpo poético e extraquotidiano é colocada ao serviço de novas dramaturgias”, explicam Diana Bernedo e Miguel Martins Pessoa. Entre as suas criações originais destacam-se os espetáculos «Algo de Macbeth», «As Bodas de Prata do Conde Baldinski», «Filhos da Evolução», «Cinema Miami», «Sai da Frente» e «Asas de papel», mas o JAT desenvolve também um forte projeto de formação teatral no Algarve, com um diversificado leque de oficinas onde se aprofundam as disciplinas do Teatro em geral, e do Teatro Físico em particular, formando novos atores e novos públicos. 83

O JAT dirige igualmente o Grupo de Teatro Comunitário – Quarteira Fora da Caixa e o Teatro de Vizinhos – Faro, que pretendem ser “um espaço de

criação e participação comunitária, de jogo e expressão artística, de pensamento do território e do tempo em que vivemos, de transformação das ideias coletivas através do teatro, onde a comunidade é a protagonista das suas histórias”, descrevem Diana Bernedo e Miguel Martins Pessoa. E o próximo grande desafio da dupla é a organização do MOMI – Festival Internacional de Teatro Físico – Algarve, que terá a sua primeira edição em novembro do corrente ano, em Faro . ALGARVE INFORMATIVO #298


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OrBlua - Um Folhetim Semanal que Celebra a sua Vida e o seu Final Episódio 4 Texto: António Pires | Foto: Jorge Jubilot egafone era o nome de um projecto solitário de João Aguardela que misturava recolhas de música tradicional – sacadas essencialmente às pioneiras gravações de Michel Giacometti – com electrónicas variadas (e, num dos delirantes desvios a esta norma, até há uma versão de «Seven Nation Army», dos White Stripes, com guitarra acústica e letra em português).

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João Aguardela era um músico que tanto amava o punk politicamente empenhado como muitos géneros tradicionais portugueses, incluindo o fado; sem olhar a origens, fontes ou movimentos. Aguardela morreu demasiado cedo, mas o seu legado – Sitiados, Linha da Frente, Megafone, A Naifa... –, a sua ética e a sua luta perdurarão para sempre. «Megafone» era também o nome de um dos programas que Carlos Norton teve na RUA FM, neste caso,

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juntamente com a colega Leila Leiras. Dando o microfone e o palco (os concertos/entrevista eram transmitidos em directo por esta estação a partir do Espaço C, no Teatro das Figuras) a dezenas de artistas e bandas do Algarve e de todo o país, foi nesse espaço de liberdade muitas vezes caótica que se cruzou pela primeira vez, por volta de 2009 ou 2010, com Nuno Murta e Inês Graça. O primeiro já com experiência em vários projectos musicais, teatrais e de artes plásticas; a segunda a mostrar-se no início da sua carreira musical, ainda adolescente ou quase. Sem nenhum dos três o saber então, as sementes dos OrBlua começaram a ser aí lançadas e, secretamente, a germinar. Recuando. Foi um banjo (*) com cinco cordas (e não quatro!), o primeiro instrumento que Carlos Norton comprou. 105

Banjo, que não era nem de longe nem de perto, um objecto de eleição escolhido por adolescentes portugueses que almejavam um dia ser músicos. Para mais em plenos anos 80. Mas que, para um rapaz de nome Norton e com os seus gostos musicais, talvez até fosse capaz de fazer sentido: o banjo era usado na country, no bluegrass e no southern rock dos ianques americanos brancos, nos blues e nas primeiras formas de jazz (ragtime, swing...) dos negros do sul dos Estados Unidos; até em grupos da folk dita céltica nas Ilhas Britânicas (vide The Pogues, por exemplo). Não foi por isso de estranhar que a sua primeira experiência musical tenha tornado Carlos Norton num dos poucos «banjistas» portugueses dos anos 80. Seguiram-se-lhe um violino, uma gaita de foles, uma concertina, e a sua ALGARVE INFORMATIVO #298


colecção de instrumentos musicais de todo o mundo ascende neste momento a mais de uma centena. Tendo, durante muitos anos, participado em grupos de folk, rock’n’roll e punk, tocando versões de outros músicos ou de músicas tradicionais, foi nos OrBlua que encontrou finalmente espaço para compor músicas originais e cantar os seus próprios poemas. ALGARVE INFORMATIVO #298

À boa maneira do ideal punk da década de 70, foi vinte anos depois da eclosão desse movimento que um jovem Nuno Murta criou um grupo rock com os amigos... sem nenhum deles saber tocar qualquer instrumento. Fascinado desde logo pela bateria, mas também pela guitarra, foi estudar para a Associação Filarmónica de Faro, onde teve aulas 106


desses dois instrumentos. Tocou guitarra na banda punk Xarabanecos do Xinfrim, bateria nos Medulsa (rock alternativo), n’Os Morangos (colectivo de pop-rock que chegou a gravar um EP) e, mais tarde, guitarra eléctrica nos Flying 61, onde também se atreveu a cantar. Nos anos de universidade e nos que se lhe seguiram, Murta deixou a música de lado, dedicando-se mais à representação teatral, embora o 107

bichinho dos sons continuasse nos seus trabalhos de sonoplastia e de composição de música incidental para as bandas-sonoras das peças em que participava. Foi em 2008 que regressou, e em força, à música com os Migna Mala, que tocaram no «Megafone» de Carlos Norton, deixando-o fascinado pela forma como Murta tocava bateria e percussões... ALGARVE INFORMATIVO #298


Por sua vez, a belíssima são-brasense Inês Graça (de sua graça, mesmo) era por essa altura a vocalista da banda pop Godai, que usava a língua inglesa nas suas canções. Conta agora a lenda que Carlos Norton, anfitrião dos concertos no Espaço C e repórter sempre ao serviço da RUA FM, tentou seduzir Inês a cantar na nossa língua, adivinhando-lhe desde logo entoações, vibrações, melismas e staccatos secretos na sua voz. Inês aprenderia depois, para além da guitarra que já tocava, o baixo eléctrico e, já nos OrBlua, alguns instrumentos da colecção de Norton, como a concertina ou o bouzouki.

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Mas este era apenas um ponto de partida. O passado e as experiências de cada um, seria a mera bagagem que levariam para algo completamente diferente. A partir daqui seria rumo ao desconhecido . (*) A palavra «banjo» descende da palavra africana «banza» que foi adoptada pelos escravos negros das Américas para designar vários instrumentos de cordas. Em Portugal, o termo é conhecido desde o Séc. XIX, e ainda hoje é adoptado pelos fadistas como nome carinhoso da guitarra portuguesa. Está também na origem da palavra «banzé», que significa confusão, barulheira, chavascal... 108


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«O ESTRANHO SUBSTITUTO» DE JORGE MOLDER PATENTE NA ASSOCIAÇÃO 289 Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina

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stá patente, até dia 26 de agosto, na Associação 289, em Faro, a exposição de fotografia de Jorge Molder «O estranho substituto».

Jorge Molder nasceu em Lisboa, em 1947, cidade onde vive e trabalha. Licenciou-se, em 1972, em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e fez, em 1977, a sua primeira exposição individual, seguindo-se ALGARVE INFORMATIVO #298

numerosas mostras individuais e coletivas em prestigiadas galerias, centros de arte e museus, em Portugal e no estrangeiro, como o Centre Georges Pompidou, em Paris (1993), o Centro Cultural de Belém (2000), o Hamburger Kunsthalle, em Hamburgo (2007), o Palazzo Fortuny Veneza (2007), o Palais des Beaux-arts de Bruxelas (2008), e a Fundação Calouste Gulbenkian (2009). A sua obra está igualmente representada em diversas coleções 114


públicas e privadas, nacionais e internacionais. De 1990 a 2009, foi diretor do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian. Representou Portugal nas Bienais de São Paulo (1994) e de Veneza (1999) e, em 2007, recebeu o prémio da AICA/Associação Internacional de Críticos de Arte.

Freud ou Francis Bacon, através da construção de narrativas seriadas ficcionadas. Séries que depois se articulam numa sequência performativa na qual Jorge Molder constrói um universo a partir das suas referências filosóficas, cinematográficas e literárias.

Jorge Molder alicerça o seu trabalho na pesquisa sobre a autorrepresentação, evocando frequentemente personagens do mundo literário e artístico como Joseph Conrad, Samuel Beckett, Lucian

A exposição pode ser visitada de quinta a domingo, das 15h às 19h, e tem curadoria de Sandro Resende e Sílvia Vieira .

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OPINIÃO Obesidade mental Paulo Cunha (Professor) uestiono-me frequentemen te se a quantidade de informação que adquirimos e não utilizamos nos conduzirá, inevitavelmente, a uma certa atrofia intelectual. Tal como a obesidade física, temos vindo a assistir neste novo século a um aumento de um fenómeno sociocultural que poderá ser considerado obesidade mental.

uma, cada vez mais larga e rápida, autoestrada da comunicação digital - a internet. Essa obesidade nada mais é do que a absorção massiva de conteúdos e informações, numa escala em que o nosso cérebro já não consegue reter, processar e aplicar o conhecimento de forma eficaz.

Somos confrontados diariamente com um turbilhão de informações e estímulos que nos chegam de todos os lados. Desde outdoors, propaganda móvel, anúncios nos vários órgãos de comunicação social, «pop-ups» em sites, «posts» patrocinados em redes sociais, etc., a publicidade assumiu-se como o principal agente na propagação excessiva de informação.

Uma das características mais marcantes das ideias inovadoras e de maior sucesso dos últimos tempos é a simplicidade. De tal forma que, em determinadas criações, muitas vezes nos questionamos sobre a razão de ninguém ter pensado nisso antes. Acredito que melhoraremos a nossa criatividade e produtividade ao reduzirmos a quantidade de informação que recebemos diariamente. Através duma mente mais relaxada e sã, conseguimos observar melhor e com mais atenção o que nos rodeia, não ficando presos a fatores que nos desviam e dispersam os sentidos.

Da mesma forma que a obesidade física consiste na acumulação excessiva de gordura corporal, a obesidade mental é a acumulação de informações, muitas vezes, desnecessárias no nosso cérebro. Isso acontece porque estamos expostos diariamente a uma catadupa de conteúdos que nos chegam através de

Com tanta informação ao dispor, quando não filtramos as informações realmente importantes, facilmente poderemos vir a evidenciar sintomas de stress, ansiedade e angústia. Sem disso se dar conta, muita gente já não consegue viver sem «estar ligado», tal a profusão de emails, mensagens no

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telemóvel e informações nas redes sociais a que se obriga a receber. Vivemos uma época única, com uma quantidade de informações como em nenhuma outra da história da humanidade. É um dado adquirido que qualquer jornal semanário tem mais informação do que a que um homem durante a Idade Média teve acesso em toda a sua vida. Tal como o efeito gerado por uma mesa repleta de iguarias, o excesso afasta-nos de escolhas conscientes e certas. Na Grécia Antiga, no templo principal de Delfos estava escrito: "Conhece-te a ti mesmo". No mesmo sítio, logo abaixo, outra frase complementava exemplarmente a primeira: "Nada de excessos". Hoje, perante tanta informação disponível, acabamos por não processar tal quantidade de dados, 129

e por isso acabamos por desperdiçar conhecimento. Obviamente, como em tantas ações diárias, a verdadeira sabedoria reside em saber utilizar a regra do meio-termo. Com o fecho de editoras e livrarias, a diminuição da produção de obras artísticas, o decréscimo das disciplinas que estimulam o pensamento crítico e as artes nas escolas e o aumento das preocupações com questões meramente económico-financeiras, muitos temem que ocorra a «morte do pensamento». É preciso manter a atividade cerebral exercitada, nem que para isso tenhamos que fazer uma dieta mental - uma dieta de informação. A meu ver, a imaginação e a criatividade são as melhores estratégias para lutar contra a obesidade mental. Fica a dica!.

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OPINIÃO Luís Marques: Project Room Mirian Tavares (Professora Universitária) “In the nature of things: Art about mobility, lightness, and freedom. Simple creative acts of walking and marking. about place, locality, time, distance, and measurement. Works using raw materials and my human scale in the reality of landscapes”. Richard Long

uitas vezes, a obra de um artista nasce de um encontro com a obra de outro artista. Nasce de um desejo de encontrar novas maneiras de dizer, com e através da arte, coisas sobre o mundo e sobre cada um de nós. Nasce da descoberta, de si mesmo e do seu lugar no território. Nasce ainda da descoberta do próprio território em que habita, por onde sempre passou, mas onde nunca se deixou ficar tempo suficiente para ver. Como Richard Long, Luís Marques decidiu traçar um percurso no território e construir (quase) invisíveis arquiteturas, efémeras como os materiais que decidiu utilizar – barro, pedaços de madeira, pedregulhos, o seu próprio rasto. Decidido assim a marcar o território, de forma subtil, contrariando o sentido do que tem sido feito nos últimos anos na região do Algarve – arquiteturas espúrias, compostas de betão armado e de ferro. Construções ALGARVE INFORMATIVO #298

que ocultam, e destroem, o território, revestindo-o de uma camada sintética, lugar do mesmo, do que está em toda a parte e que não pertence a nenhum lugar. Sem ir muito longe, como Long que atravessou o planeta, Luís Marques viajou dentro da sua própria casa, se chamarmos casa ao espaço que nos envolve, ao lugar em que nascemos, que tem existência concreta, com suas rugosidades, texturas, como os materiais que o compõe. E dessa descoberta, dessa viagem dentro de casa, literalmente pôs as mãos no barro e com ele fez tijolos e metáforas. Barrocal, uma das obras desta exposição, é uma não-construção, ou construção ambígua, móvel, que se desloca e se transforma a cada nova arrumação. As telas que compõem a exposição, acrílico sobre pano cru e carvão também sobre pano cru, anunciam experimentos, idas e de vindas, escrituras e apagamentos. Os materiais revelam o desejo do artista de partilhar connosco o seu encontro – com a arte que estava à sua espera, com o 130


Foto: Victor Azevedo

território, tão perto e tão distante, com os elementos essenciais de uma arquitetura elementar, autóctone. Em Construção/Autodestruição, peça tridimensional, feita de canas que outrora serviram para cobrir casas, transformam-se, pelas mãos do artista, em elementos artificiais, que funcionam como crítica, como alerta, mas também como reconhecimento do seu papel, por mais subtil que seja, no e sobre o território. Como disse o escultor espanhol Jorge Oteiza, “La verdade en Arte, es ante todo, una verdade estética, sobre todas las verdades personales del 131

artista”. Para este artista, é a escultura que faz o escultor e não o contrário. Por isso, nesta exposição as obras de Luís Marques são frutos de um encontro feliz – da sua vontade de criar uma linguagem que o definisse enquanto artista com a obra de outros artistas que iluminaram o seu caminho. Luís Marques é ainda muito jovem, mas tem consciência de que a tarefa que tem pela frente não é nada fácil. Mas não teme experimentar, percorrer novos caminhos e continuar a fazer arte, que escapa sempre à linguagem, mas que fala por si mesma. ALGARVE INFORMATIVO #298


OPINIÃO Vigésima sexta tabuinha Balthasar (ou “Ah, a memória”). Ana Isabel Soares (Professora Universitária) enho a sensação de só agora, à entrada do Verão de 2021, me aperceber de muitas das publicações, exposições e outras espantações que sucederam, decorreram, aconteceram ou a lume vieram nos meses que antecederam o rebuliço da pandemia. Na minha velocidade, o mais certo seria dar conta delas um semestre depois de se terem manifestado (ou, numa boa hipótese, aperceber-me na hora, esquecer de imediato, e vê-las ressurgir, numa conversa durante a qual o meu contributo seria, quase invariavelmente, “Ah, parece-me que já li sobre isso” – vicissitudes de uma mente distraída, de uma memória preguiçosa). Ou seja, ando com um ano de atraso em relação ao mundo. Nada que me tire o sono. Quando muito, enche-me os sonhos que, como me é natural e saudável, os circuitos do cérebro tratam de fazer olvidar. Dei de caras, por estes dias, com um pequeno volume saído a acompanhar a exposição «Tudo é outra coisa», de Rui Chafes, que pôde ser vista no Convento ALGARVE INFORMATIVO #298

dos Capuchos entre março e outubro de 2019. Foi editado pela Documenta e pelo Município de Almada e integra textos que dão conta de uma visita que ali fez o tradutor, poeta e crítico Manuel de Freitas. Seriam dez as peças do escultor, são nove os pequenos textos sobre elas, acrescentados de um poema-síntese com nove versos. Os textos de Manuel de Freitas vêm também publicados em língua inglesa, traduzidos por outro poeta e tradutor, Rui Pires Cabral, e o bonito volumezinho (sóbrio, manejável, perfeito) mostra ainda fotografias do lugar e das peças, feitas pelo artista ele mesmo. Mimo de conforto, consolo para dias exíguos, mas mágoa para a falta de lembrança, para o «deixei passar». Uma das peças de Chafes que se mostraram chama-se «Balthazar». Aparece fotografada na página 35 (as páginas das imagens não exibem os algarismos, tem uma pessoa de dedilhar as folhas pretas, deixando nelas toda a marca da existência digital): é o mínimo vestígio que se revela na fotografia, que capta o espaço de uma parede, janelas, porta, colunas, arcadas do claustro do convento: centrada entre as duas janelas 132


Foto: Vasco Célio

quadradas, encerradas, pendurados, o que parecem os arreios de um animal (“mulas, éguas e cavalos”). O escritor descreve como lhe pareceram familiares, “sem que soubesse muito bem porquê”, e explica depois que a familiaridade lhe vinha de ter sido a peça inspirada num filme de Robert Bresson, que nunca viu. O filme, Au Hazard, Balthazar, é uma beleza de grandes planos da personagem principal, o burro Balthazar, de onde vêm os arreios (nas mais das vezes, lembro vagamente, mostrados a delimitar o olho do bicho, doçura e nada mais dentro daquela cercadura). (Nos restantes textos, um dos eixos de leitura das peças de Chafes é o acaso, o «hasard»). Manuel de Freitas associa 133

estas correias de contenção e domínio aos animais que conhece da sua “infância ribatejana”. O meu pobre sentido saiu das paisagens infantis, saiu da alta escultura de Chafes, saiu da prosa tão belamente chã do poeta, saiu da eficácia sofisticada da tradução de Pires Cabral, saiu da precisão do objeto que é este livro: enquanto o fechava, entoei – para não me largar até entrar no sono – a canção-tema de uma série de desenhos animados que via em pequena (coisa de produção croata, verifico agora, com os novos meios de pesquisa e informação), Professor Baltasar: “Bal-Baltasar-Bal-BaltasarBaltasaaaar” . ALGARVE INFORMATIVO #298


OPINIÃO Notas Contemporâneas [19] Adília César (Escritora) “Em geral os deuses eram modestos: misturando-se tanto à vida dos homens, temiam-lhes muito o sarcasmo. E os homens mesmo, presentemente, quando têm algum valor também são sempre modestos. Os grandes ares de sabichão, como os ares de ricaço, como os ares de valentão, passaram totalmente de moda”. Eça de Queirós (1845-1900), in Notas Contemporâneas (1909, obra póstuma)

EUS, é o deus supremo dos céus e dos trovões. Deus dos deuses e dos homens. Pobre Zeus. Deve estar louco, perdido nesta cacofonia universal. Ele é um ajuntador de nuvens, um organizador do mundo. Mas a nuvem, carregada de sarcasmo humano, tenta fugir-lhe a todo o custo: de cá para lá e de lá para cá, as nuvens, todas ao mesmo tempo. Troçam da intencionalidade bélica de Zeus e riem-se nas bátegas de chuva que despejam sobre as nossas cabeças. Imagino a cena: Zeus-pai a ralhar com as crianças-nuvens, ele predisposto à tempestade e elas destinadas à execução do seu próprio fracasso. Acredito que as nuvens não queiram ser deusas, mas a tormenta surge, imponente, desabando sobre o mundo dos homens e dos deuses: a tempestade, acto de Zeus.

Z *

A CENA poderia ter sido pintada por Jonh Constable, um outro «pai» universal. “Hoje vou pintar as nuvens por cima deste mar”, ALGARVE INFORMATIVO #298

diz ele. Elas mudam a cada instante e por isso, ele pinta o mais rápido que lhe é possível. O sol, ténue e fragmentado. Raios de luz mansa. Mas tudo muda, tudo muda. O que aí vem é uma perturbação da natureza. O céu, o sol, a chuva, o vento, a luz, o frio, as nuvens. Tudo muda. O vento gélido transforma as tintas numa pasta grossa agarrada aos pincéis. É difícil a missão do pintor. A narrativa da natureza coincide com a expressão sincera de respeito pela paisagem: nuvens que dançam, cinzentos abstractos, o branco que parece afogar-se neste céu tão pesado. Ele sabe que lhe é permitido este jogo de repetição: as nuvens que vê hoje já não são as mesmas que viu ontem ou que verá amanhã, mas em cada dia há um quadro que nasce, uma nova visão da evanescência de outras visões. Afinal, ele é humano. Ó tempestade. * DE SÉCULO EM SÉCULO vamos ostentando a vaidade com menor ou maior prejuízo para a nossa imagem. Adaptamo-nos. Cosemo-la nos botões das fatiotas, enlaçamo-la na écharpe sobre os ombros, prendemo-la na gravata à volta 134


do pescoço e os braços tornam-se desagradavelmente compridos com o peso dos anéis, das pulseiras e dos relógios. Nas algibeiras, o dinheiro não serve para nada e vai caindo pelos buraquinhos tecidos pelas nossas ambições materiais. Nas estantes, os livros fazem parte de uma história interminável que ninguém irá ler. Onde está o erro? * HOJE vi Zeus. Estava ali ao meu alcance. Era parecido com o fazedor de tormentas pintadas por Constable. Mas tudo muda, tudo muda. Está mais magro, parece velho e doente, contaminado pelas fraquezas humanas e pelo calor do verão. A gravata aperta-lhe o pescoço e não o deixa respirar. As nuvens espreitam, ansiosas. Querem brincar às escondidas, mas só sabem chover consolações apressadas de última hora. E Zeus chora, o peito sacudido por longas filas de espera. À espera de quê? Nunca saberemos. Este é um segredo bem guardado pelos deuses. * AINDA HOJE se perceberá que a pena se torna mais pesada quando não se sabe escolher as palavras certas. Por exemplo: o poema é «bonito»; o verso é «magnífico»; a obra é «extraordinária»; o livro é «profundo». E agora, o que se faz com esta presunção? Posto isto, tenho a certeza que a pena é qualquer coisa difícil de caracterizar, ao demorar-me por um período de tempo considerável sobre esta matéria dos elogios adjetivados até à exaustão. Ainda hoje se perceberá que tudo isto não passa de um móvel de prateleiras esconsas a abrir e a fechar num discurso de fachada: 135

agradecer e retribuir para continuar a usufruir como uma espécie de favores em cadeia, mas sem generosidade genuína. * QUE PENA… Afinal, a pena é tão leve que não deixará marca. Mas Zeus tem agora melhor aspecto: o meu ténue sarcasmo engordouo um pouco, corou-lhe as faces. Gosto de o ver assim, reclinado na poltrona, a ler um livro de poesia. E diz, divertido, com o olhar sábio lançado sobre o horizonte, como se falasse com alguém que não está ali: “o crítico literário e o seu editor podem ajudá-lo a deixar de escrever. Consulteos”. Zeus solta uma rude gargalhada que se ouve até aos confins do universo e zomba desta espécie de mazela humana: as más escolhas. Constable aparece e começa a pintar a estranheza do verbo elogiar. E tudo muda, tudo muda na alegoria . ALGARVE INFORMATIVO #298


OPINIÃO O impacto da Transição Digital no interior Fábio Jesuíno (Empresário) rincipalmente impulsionada pela pandemia, a transformação digital está em grande crescimento e a mudar completamente a sociedade e a economia. Primeiro de tudo, é importante perceber o que é a transformação digital, um processo que usa a tecnologia para melhorar o desempenho de uma organização, aumentando os resultados, focados na melhoria dos processos. As regiões do interior representam dois terços do território nacional, contudo, metade da população reside em 5 por cento do território, o que representa uma grande desertificação. A transformação digital é um grande contributo para combater a desertificação do interior, com impactos a se fazerem sentir principalmente com a implementação do teletrabalho nas empresas, permitindo aos colaboradores trabalharem em locais do interior, usando meios digitais.

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Outros dos impactos positivos sente-se na deslocalização das empresas para o interior, incentivadas por melhores condições fiscais e por uma melhor cobertura de internet de banda larga. A mudança de alguns negócios já existentes no interior também são grandes impulsionadores de impactos positivos, como, por exemplo, empresas ligadas a agricultora que utilizam a tecnologia para melhorar os processos de produção e as plataformas digitais para venderem directamente ao consumidor final. Outros impactos positivos são os novos negócios que estão a surgir no interior, com grande componente tecnológica e sem necessidade de uma localização privilegiada. Estes negócios escolhem estas regiões por terem melhores condições de vida para os seus colaboradores e por permitirem um estilo de vida mais calmo. O mundo está cada vez mais global e interligado, com a economia em plena transformação digital, onde o interior ganha grande destaque e pessoas .

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DIRETOR: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina (danielpina@sapo.pt) CPJ 3924 Telefone: 919 266 930 EDITOR: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina Rua Estrada de Faro, Vivenda Tomizé, N.º 12P, 8135-157 Almancil SEDE DA REDAÇÃO: Rua Estrada de Faro, Vivenda Tomizé, N.º 12P, 8135-157 Almancil Email: algarveinformativo@sapo.pt Web: www.algarveinformativo.blogspot.pt PROPRIETÁRIO: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina Contribuinte N.º 211192279 Registado na Entidade Reguladora para a Comunicação Social com o nº 126782 PERIODICIDADE: Semanal CONCEÇÃO GRÁFICA E PAGINAÇÃO: Daniel Pina FOTO DE CAPA: Daniel Pina A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista regional generalista, pluralista, independente e vocacionada para a divulgação das boas práticas e histórias positivas que têm lugar na região do Algarve. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista independente de quaisquer poderes políticos, económicos, sociais, religiosos ou culturais, defendendo esse espírito de independência também em relação aos seus próprios anunciantes e colaboradores. A ALGARVE INFORMATIVO promove o acesso livre dos seus leitores à informação e defende ativamente a liberdade de expressão. A ALGARVE INFORMATIVO defende igualmente as causas da cidadania, das liberdades fundamentais e da democracia, de um ambiente saudável e sustentável, da língua portuguesa, do incitamento à participação da sociedade civil na resolução dos problemas da comunidade, concedendo voz a todas as correntes, nunca perdendo nem renunciando à capacidade de crítica. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelos princípios da deontologia dos jornalistas e da ética profissional, pelo que afirma que quaisquer leis limitadoras da liberdade de expressão terão sempre a firme oposição desta revista e dos seus profissionais. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista feita por jornalistas profissionais e não um simples recetáculo de notas de imprensa e informações oficiais, optando preferencialmente por entrevistas e reportagens da sua própria responsabilidade, mesmo que, para tal, incorra em custos acrescidos de produção dos seus conteúdos. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelo princípio da objetividade e da independência no que diz respeito aos seus conteúdos noticiosos em todos os suportes. As suas notícias narram, relacionam e analisam os factos, para cujo apuramento serão ouvidas as diversas partes envolvidas. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista tolerante e aberta a todas as opiniões, embora se reserve o direito de não publicar opiniões que considere ofensivas. A opinião publicada será sempre assinada por quem a produz, sejam jornalistas da Algarve Informativo ou colunistas externos. ALGARVE INFORMATIVO #298

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