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7 a 13 de setembro de 2016 | www.arquisp.org.br

www.arquisp.org.br | 7 a 13 de setembro de 2016

O menino que aprendeu a nadar

Daniel Gomes, Edcarlos Bispo e Fernando Geronazzo osaopaulo@uol.com.br

Unidos pelo esporte para superar as limitações e celebrar as diferenças

O Rio de Janeiro acolhe até o dia 18, a 15ª edição dos Jogos Paralímpicos, que, assim como a Olimpíada, acontece pela primeira vez na América do Sul. Ao longo de 11 dias, 4.350 atletas, de 160 países, estarão em ação não só em busca de medalhas, mas do reconhecimento mundial de sua condição humana. Curiosamente, o evento que celebra a paz entre os povos e a superação das limitações físicas tem sua origem diretamente ligada à Segunda Guerra Mundial. Tão logo o conflito eclodiu, em 1939, o governo britânico decidiu se preparar para uma quantidade maior de soldados que retornariam das batalhas com ferimentos graves. Foi então organizada em Stoke Mandeville, na Inglaterra, uma ala hospitalar especializada em lesões de medula, que a partir de 1944 passou a ser dirigida pelo judeu alemão Ludwig Guttman, que se mudou para a Grã-Bretanha cinco anos antes, após ter seu trabalho limitado pelo regime nazista. Guttman, além das tradicionais técnicas de Fisioterapia, passou a usar objetos esportivos, como bolas, para aprimorar as condições de saúde e autoestima dos

pacientes e também desenvolveu novos modelos de cadeiras de rodas. Por ocasião da Olimpíada de Londres 1948, o médico foi convidado a organizar competições demonstrativas de arco e flecha e basquete em cadeira de rodas com seus pacientes, e assim surgiram os primeiros Jogos de Stoke Mandeville, que se repetiriam nos anos seguintes, tendo a participação de pessoas com deficiência de outros países a partir de 1952. Em 1960, com o aumento do número de atletas e países, os Jogos de Stoke Mandeville se tornaram a Olimpíada dos Portadores de Deficiência (hoje chamada de Paralímpiada), sendo disputada naquele ano em Roma, seis dias após o término dos Jogos Olímpicos. Participaram 400 atletas, de 23 países, e alguns deles foram recebidos em audiência privada no Vaticano pelo pontífice São João XXIII. Desde a Paralimpíada de Toronto 1976, os atletas amputados ou com comprometimento visual também participam dos Jogos, que acontecem na mesma cidade-sede da olimpíada, de modo ininterrupto, desde Seul 1988, com algumas semanas de intervalo entre os megaeventos para adaptar as estruturas de competições e os alojamentos dos atletas. A cada edição, os Jogos Paralímpicos

crescem em número de participantes e têm maior atenção global. Em Londres 2012, por exemplo, o site oficial dos Jogos registrou mais de 25 milhões de acessos durante a Paralimpíada, e após o megaevento, conforme uma pesquisa dos organizadores daquela edição, um em cada três adultos britânicos mudou sua atitude em relação às pessoas com deficiência. “Os Jogos Paralímpicos têm um histórico de possibilitar mudanças globais

com relação às pessoas com deficiência, e, agora, são reconhecidamente o evento esportivo número um em capacidade de gerar mudanças sociais e inclusão. A oportunidade que temos aqui de fazer o Rio, o Brasil, a América Latina e o mundo um lugar mais igualitário não aparece frequentemente e, por isso, devemos agarrá-la”, afirmou, em coletiva de imprensa, em agosto, Philip Craven, presidente do Comitê Paralímpico Internacional. (DG) (Com informações dos sites CPB, IPC e Brasil 2016) International Paralympic Committee

Cerimônia de abertura da primeira edição dos Jogos Paralímpicos em Roma, no ano de 1960

Tecnologia a serviço da superação Em agosto, o site do governo federal (www.brasil.gov.br) noticiava que o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) desenvolveu bancos espaciais para a atleta Roseane Ferreira dos Santos, a Rosinha, que participará dos Jogos Paralímpicos Rio 2016. Ela atua no arremesso de peso e ganhou a etapa brasileira do Circuito Mundial de Atletismo Paralímpico, último evento-teste dos Jogos Rio 2016. Os bancos desenvolvidos pelo INT foram feitos sob medida para a atleta a partir de imagens tridimensionais captadas por sensores durante os movimentos de arremesso de peso ou lançamento de disco.

A pesquisadora Carla Patrícia, do Laboratório de Ergonomia (Laber) do INT, enfatizou a importância de o equipamento atender às necessidades específicas do esportista. Para cada atleta, um banco diferente, adaptado. Em 2012, por exemplo, o time britânico de basquete em cadeiras de rodas contou com um equipamento que tinha 1kg a menos que o anterior. Isso ainda foi combinado com o assento customizado pela fabricante de automóveis BMW, e assim a cadeira ficou 2kg mais leve. O resultado foi, além de mais agilidade, um retorno mais rápido à posição da

cadeira quando esta tomba em quadra. O site de esporte do jornal O Estado de S.Paulo, em matéria sobre tecnologia nos esportes paralímpicos, destaca o uso de próteses que podem ser utilizadas em qualquer modalidade que se encaixa na categoria “ALA” (de amputados e outros) dos esportes paralímpicos, como, por exemplo, atletismo, ciclismo, hipismo, levantamento de peso, vela, tiro, entre outros. A exceção fica por parte da natação, que não permite o uso de próteses. A prótese “imita” a ação do tornozelo durante uma corrida, ao se comprimir contra o chão e armazenar energia ciné-

tica, liberada pelo atleta no momento da descompressão da lâmina. Hoje, os pés de fibra de carbono podem ser utilizados até mesmo no cotidiano, com um desenho menos “agressivo” do que o dos atletas. Para os esportistas amputados acima do joelho, existe uma forma de manter o movimento natural das pernas por meio de joelhos mecânicos, melhorando ainda mais o desempenho de atletas do salto em distância, por exemplo, em que a flexibilidade e a boa impulsão dos joelhos são fundamentais. (EB) (Com informações dos sites Brasil.gov.br, Terra e o Estado de S.Paulo)

Quando o paulistano Mário Pereira Kroiss Filho nasceu, em 1976, foi diagnosticado com sequela de mielomeningocele, uma má-formação congênita da coluna vertebral. Os médicos fizeram um prognóstico bastante pessimista a seu respeito, dando pouquíssima probabilidade de que pudesse andar. Com o tratamento e depois de várias intervenções cirúrgicas ortopédicas, Mário conseguia andar com certa dificuldade. Mas ele atribui ao esporte o fator principal para que hoje possa se locomover sem a ajuda de nenhum aparelho ou muletas. “Já por volta dos meus 4 anos, quando eu via as demais crianças jogando futebol na rua, eu tirava minhas botas ortopédicas e corria para jogar com elas. Eu sabia que tinha uma deficiência, mas isso não me impactava”, conta. Com 18 anos, no período em que morou em Maceió (AL), ao visitar a Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas, Mário descobriu a piscina e começou a treinar natação. “No mesmo ano, eu participei de um campeonato brasileiro em São Paulo e ganhei a medalha de bronze”. Isso o animou a continuar no esporte, chegando a fazer até travessias no mar. Treinando como amador, Mário chegou aos Jogos Parapan-americanos da Cidade do México, em 1999, onde conquistou duas medalhas de prata e três de bronze. Nos anos seguintes, interrompeu os treinos para se dedicar aos estudos, retomando em 2004, na busca de uma vaga para o Parapan do Rio 2007, porém, não conseguiu. “Eu sempre fui amador e como a maioria dos atletas com os quais eu nadava já era profissional, a concorrência era grande”, relata. Hoje, aos 40 anos, Mário é securitário e está retomando a prática da natação por uma questão de saúde, mas garante que se tivesse oportunidade, dedicaria sua vida ao esporte. “A natação me ajudou muito fisicamente. Quando treinava, eu conseguia fazer muito mais coisas do que faço hoje, como subir escadas mais rápido, carregar mais peso. O esporte realmente tem esse papel importante não somente na recuperação, mas no desenvolvimento físico. É uma grande ferramenta da inclusão”, conclui. (FG)

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Brasil que estar entre os 5 melhores do mundo Comitê Paralímpico Brasileiro/MPIX

Com a maior delegação brasileira na história de uma paralimpíada, 286 atletas (184 homens e 102 mulheres), o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) tem como meta que o país esteja entre os cinco primeiros colocados nos Jogos Rio 2016. Tendo por base a classificação final dos países em Londres 2012, o Brasil precisará conquistar pouco mais de 30 medalhas de ouro (na última Paralimpíada, a Austrália, 5ª colocada, esteve no lugar mais alto do pódio por 32 vezes). A missão não é fácil, pois serão necessários ao menos dez ouros a mais que os 21 alcançados há quatro anos, quando o país, com 43 pódios, terminou em 7º lugar no ranking de medalhistas. “Analisando nossa performance em Jogos Paralímpicos, já somos considerados uma potência. Saímos da 24ª colocação em Sydney 2000, com seis ouros, para a 7ª em Londres 2012, com 21 ouros. Assim, trabalhamos firmes com o objetivo do 5º lugar no nosso horizonte, levando-se em conta o quadro de medalhas de Pequim 2008 e Londres 2012”, disse, ao O SÃO PAULO, Andrew Parsons, presidente do CPB, destacando, ainda, que para alcançar a meta, bons desempenhos na natação e no atletismo serão fundamentais. “As duas modalidades foram as que mais deram medalhas ao país em Paralimpíadas – atletismo (109) e natação (83). Outro fato que contribui para confiarmos em mais pódios nessas modalidades é o número de atletas em

Daniel Dias, recordista brasileiro de medalhas

cada seleção, sendo 61 no atletismo e 34 na natação”, afirmou. Nessas duas modalidades, o Brasil terá suas principais estrelas paralímpicas em ação: na natação, Daniel Dias (atual campeão mundial em sete categorias e dono de 15 medalhas em paralimpíadas), Clodoaldo Silva (detentor de 13 medalhas paralímpicas) e André Brasil (dez pódios na história dos Jogos); e no atletismo Alan Fonteles (recordista mundial dos 100m e 200m T43 - amputados - e medalhista de ouro nos 200m em Londres 2012), Shirlene Coelho (ouro no lançamento de dardo F37 - paralisados cerebrais - no Mundial de 2015 e nos Jogos de 2012) e Terezinha Guilhermina (dona de seis medalhas em paralimpíadas e 12 em mundiais na classe T11 - deficientes visuais). Neste ciclo olímpico, o CPB recebeu um total de R$ 400 milhões de investimentos do governo federal. Dos 286 atletas brasileiros que participarão da Paralimpíada, mais de 90% recebem recursos do programa Bolsa Atleta, do Ministério do Esporte. Nesta fase final de preparação para os Jogos, os atletas puderam dispor das estruturas do Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, inaugurado em São Paulo em maio deste ano. Considerado o principal legado esportivo da Paralimpíada, o espaço foi construído com verbas do Ministério do Esporte (R$ 187 milhões) e do Governo do Estado de São Paulo (R$ 115 milhões) (DG) (Com informações do CPB e Ministério do Esporte)

Os representantes de 45,6 milhões de brasileiros “As condições para as pessoas com deficiência no Brasil estão melhorando, mas ainda há uma série de coisas, pois nem todos conseguem andar pelas ruas ou são bem-vistos pela população, então, há muito a ser melhorado”. A declaração do campeão paralímpico de atletismo em Londres 2012, Alan Fonteles, 24, feita ao O SÃO PAULO em 2014, sintetiza um pouco das dificuldades enfrentadas diariamente pelas pessoas com deficiência no Brasil. Segundo dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 45,6 milhões de pessoas no país têm algum tipo de deficiência física visual, auditiva, motora, mental ou intelectual permanente,

com severidade total, significativa ou parcial. À época da divulgação dos dados, esse número representava 23,9% da população de 190,7 milhões de brasileiros. Hoje, a população do país está estimada em 204 milhões de habitantes. Mesmo para quem teve a chance de se tornar atleta paralímpico, o cenário é de dificuldades. Medalhista de prata nos parapans de 2011 e 2015, Bruno Carra, 27, que participará das competições de halterofilismo nos Jogos Rio 2016, apenas este ano conseguiu patrocínio do governo federal. Antes, a rotina de treinos precisava se encaixar aos estudos e a outro trabalho. “Eu espero que após os Jogos Rio 2016, o esporte paralímpico tenha mais visibilidade. Se o pessoal acompanhar os Jogos

Paralímpicos, ver a superação de cada um, ver o que a gente pode fazer sendo deficiente, eu tenho certeza de que a visão da sociedade sobre as pessoas com deficiência vai melhorar”, afirmou. Também para Antonio Tenório, 45, deficiente visual e cinco vezes medalhista paralímpico de judô, embora o reconhecimento da sociedade com os atletas paralímpicos tenha melhorado, ainda faltam apoios. “A gente vem cada vez mais percebendo essa transformação, mas ainda há várias ações que podem ser aprimoradas, principalmente a busca de patrocínio privado para o movimento paralímpico”, disse em entrevista ao semanário arquidiocesano em 2014. (DG) (Com informações do IBGE e CPB)

Torcemos por vocês! Em 11 participações em Jogos Paralímpicos de Verão, o Brasil já conquistou 230 medalhas. A seuir, O SÃO PAULO apresenta uma projeção das performances do Brasil para esta edição.

Atletismo

O Brasil será representado por 61 atletas, com destaques para Alan Fonteles, medalhista de ouro em Londres 2012 nos 200m em Londres T43 (amputados); Shirlene Coelho, ouro no lançamento de dardo F37 (paralisados cerebrais) no Mundial de 2015 e nos Jogos de 2012; e Terezinha Guilhermina, dona de seis medalhas paralímpicas e 12 em mundiais na classe T11 (deficientes visuais).

Bocha

Entre os dez brasileiros na disputa, o destaque é Dirceu José Pinto, que tem quatro ouros em paralimpíadas na classe BC4 (pessoa com deficiência que compete sem precisar de auxílio).

Canoagem

Luis Carlos Cardoso, tricampeão mundial na prova de canoa na classe KL1 (atletas que só movimentam os braços), é o principal nome do país.

Ciclismo

A inédita medalha paralímpica para o país pode vir com Lauro Chaman, que alcançou três ouros no Parapan de Toron-

to 2015 na classe C5 (competidores com deficiência físico-motora e amputados que competem com bicicletas sem adaptação).

Hipismo

Esgrima em cadeira de rodas

Judô

Entre os oito brasileiros, o destaque é Jovane Guissone, ouro na disputa de espada B (atletas com menor mobilidade no tronco e equilíbrio) em Londres 2012.

Halterofilismo

Cinco atletas tentarão uma inédita medalha para o país. O mais cotado para este feito é Bruno Carra, que conquistou medalhas de prata nos parapans de 2011 e 2015.

Marcos Fernandes Alves, que é tetraplégico, tentará ao menos repetir os dois bronzes que conquistou em Pequim 2008. Com quatro ouros e um bronze em paralimpíadas na classe B1 (cego total), Antonio Tenório se destaca entre os 12 judocas brasileiros.

Natação

Os principais nomes do país nos Jogos Rio 2016 são Daniel Dias, maior medalhista do Brasil em paralimpíadas, com 15 pódios; André Brasil, que acumula dez pódios na história dos Jogos; e o veterano Clodoaldo

Silva, que por 13 vezes conquistou medalhas paralímpicas.

Remo

O destaque é Josiane Lima, bronze em Pequim 2008 no single skiff classe TA (atletas que utilizam um barco com assento fixo remam com movimentação do tronco e dos braços).

Tênis de mesa

Aloisio de Lima, cadeirante, ouro no Parapan de Toronto 2015 e bronze por equipes no Mundial de 2014, é o principal nome entre os 17 brasileiros na modalidade.

Tênis em cadeira de rodas

Os destaques são Carlos Alberto dos San-

tos, que conquistou pratas no Parapan de Toronto 2015 (nas duplas) e no Mundial deste ano (por equipes), e Natália Mayara, ouro no individual e por equipes no Parapan de Toronto.

Tiro com arco

Jane Karla é a principal aposta de medalhas, após ter conquistado ouro no Parapan do ano passado na classe ARW2 (atletas com paraplegia e mobilidade articular limitada nos membros inferiores, sempre usam cadeira de rodas).

Tiro esportivo

Entre os quatro brasileiros nos Jogos, o destaque é Geraldo Von Rosenthal, líder

do ranking mundial na prova P5 (Pistola de Ar 10m Standard-Misto-SH - que não precisam de suporte para a arma).

Triatlo

O Brasil será representado por Ana Raquel Lins, sem histórico de conquistas internacionais, e por Fernando Aranha Nascimento, medalhista de prata na Copa do Mundo deste ano na classe PT1 (cadeirantes)

Vela

No Rio de Janeiro, seis atletas tentarão uma inédita medalha olímpica para o Brasil, um deles Bruno Landgraf, que até 2006, antes de um acidente de carro, era goleiro do São Paulo Futebol Clube.

Esportes coletivos

Tricampeão paralímpico, o Brasil é favorito ao ouro no futebol de 5 (para atletas cegos). No futebol de 7 (jogado por atletas com paralisia cerebral), o país busca um inédito ouro. No basquete em cadeira de rodas, o Brasil ainda não tem medalhas, mas há boas chances com a seleção feminina, bronze no Parapan de 2015. No goalball, os brasileiros são favoritos ao ouro com a seleção masculina, atual campeã mundial e prata em Londres 2012. No rugby em cadeira de rodas, que estreia nos Jogos, o Brasil não é cotado ao pódio. No vôlei sentado, a inédita medalha pode vir com a seleção masculina, atual tricampeã parapan-americana e vice-campeã mundial.


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