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14 |Especial de Natal |

17 de dezembro de 2014 a 7 de janeiro de 2015 | www.arquidiocesedesaopaulo.org.br

Os muitos sons da Banda Música do Silêncio Luciney Martins/O SÃO PAULO

Projeto da rede pública de ensino completará dez anos em março de 2015, com estudantes surdos e ouvintes em apresentações musicais Daniel Gomes

danielgomes.jornalista@gmail.com

Manhã de 28 de novembro, bairro do Jaçanã, extremo da zona norte de São Paulo. Mesmo antes de entrar no espaço de eventos do Clube Guapira, já é possível ouvir as muitas falas de crianças e adolescentes, ansiosos pelas apresentações culturais que fariam no encerramento do projeto MOVE, desenvolvido pela Santa Casa de São Paulo, para ajudar no combater à obesidade infantil. No palco, vestidos de vermelho e com seus instrumentos musicais, estão outros jovens e crianças, que ao começarem a tocar, conseguem silenciar o falatório e atrair todos os olhares. Seria essa a justificativa para que sejam chamados de Banda Música do Silêncio? Não. O nome é uma alusão aos estudantes surdos que a compõem a banda junto a outros que são ouvintes. Ao final da execução instrumental do Hino Nacional do Brasil e das canções “Descobridor dos Sete Mares” (Tim Maia), “Isto Aqui, o que é?” (Caetano Veloso) e “Saideira” (Skank), a plateia, automaticamente, levanta os braços e movimenta as mãos, saudando os músicos pela apresentação.

Banda criada em escolas públicas da periferia da zona norte de SP une estudantes surdos e ouvintes em um só ritmo

Começou de repente, seguiu persistente Há cerca de dez anos, a Escola Municipal de Ensino Bilíngue para Surdos Madre Lucie Bray, no Jaçanã, recebeu da Prefeitura de São Paulo um questionário para saber se gostaria de ter aulas de instrumentos musicais aos estudantes. Perante o inédito convite, a direção escolar repassou a pergunta aos alunos e 12 deles se interessaram pela proposta, que passou a ser conduzida pelo maestro Fábio Bonvenuto. Nascia assim a Banda Música do Silêncio, também composta por estudantes ouvintes da Escola Municipal Marechal Rondon, do bairro vizinho, Tremembé. “Naquela época, não havia nenhuma referência no Brasil sobre bandas assim. O maestro Fábio foi questionado se não estava invadindo o espaço dos surdos, o chamaram de louco, disseram que não conseguiria, mas ele foi atrás, e encontrou uma referência na percursionista escocesa Evelyn Glennie, que é surda, conhecida

mundialmente”, recorda-se Caroline Beatriz Corrêa, 17, atuante na Banda desde os 7 anos de idade, e que na ausência do maestro Fábio, como aconteceu naquele dia 28 no Clube Guapira, rege as apresentações.

Música para sentir A perfeita harmonia da Banda começa com ensaios em separado. Os alunos ouvintes treinam os instrumentos de metal, e os surdos os de percussão. Depois, são feitos os ensaios conjuntos, mas a base é a mesma: sentir a música. “Ouvir, eles [surdos] não ouvem, mas escutar é mais que ouvir com os ouvidos, escutar envolve o olhar também, e isso para eles é fundamental; eles escutam com os olhos, com o corpo, sentem as pulsações, na própria pele”, disse, em recente entrevista à TV Globo, o maestro Fábio. Carolina detalha: “Todos temos o mesmo sentido, mas para nós que ouvimos, por algumas vezes, é imperceptível, porque

usamos mais os ouvidos. Uma coisa que o maestro Fábio sempre priorizou é que o surdo não é um repetidor de sinais, ele tem que sentir o que está tocando e sentir alegria com aquilo. Eles sentem os sons graves nas costas e na região da barriga e os agudos na região da nuca”, explicou à reportagem.

Todos ensinam, todos aprendem Emily Vieira, 12, é surda. Ela está na Banda há três anos e conta – por meio de conversa mediada em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) - que muitos dos seus colegas ouvintes procuram entender um pouco mais dessa linguagem para que conversem. Foi o que fez Pedro Henrique Corrêa Dourado, 14, que toca saxofone na Banda há dois anos. “Quando eu entrei, fui observando essa forma de comunicação e pesquisei na internet para aprender LIBRAS e poder me comunicar com todos. Comecei a me dar melhor com as pessoas”, conta.

Carolina diz que conviver na Banda Música do Silêncio com surdos, além de cegos e deficientes mentais (que também participam dos ensaios), “me fez entender que independente das dificuldades, do que esteja acontecendo, é preciso querer mais. A Banda mudou meu olhar sobre como devo me relacionar, o respeito pelo outro aumentou, porque a mesma coisa que posso fazer, eles podem, mesmo sendo deficientes”. E todos parecem mesmo uma só família. À reportagem, a adolescente Emily expressou que na Banda não sente que os outros a veem como deficiente, mas fora de lá, percebe que os outros a olham com estranhamento.

Frutos em outros países Em março de 2015, a Banda completará dez anos, e neste período já se apresentou até fora do País, como em setembro de 2013, quando foi a quatro cidades portuguesas. “Em Portugal, a gente foi mostrar que esse é um trabalho possível. A viagem já começou a dar frutos, porque os alunos cegos da cidade de Coimbra demonstraram interesse em aprender e foram introduzidos no conservatório municipal de lá com o mesmo método que o maestro Fábio aplica”, contou Carolina. “A nossa intenção não é mudar o mundo, mas é fazer com que, cada vez mais, outras pessoas estejam inclusas. Para um surdo, tocar um instrumento é romper limites”. O trabalho da Banda, que reúne adolescentes e jovens de 11 a 18 anos, pode ser conhecido no blog http://bandamusicadosilencio.blogspot.com.br.


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