
1 minute read
A baleia e o varal
A BALEIA E O VARAL
Queria voar, ainda que com asas de isopor. Era o sonho de Alice, amiga de adolescência, dois anos mais nova, escorpiana como eu. Na quentura da cama, planejamos aventuras, entre mapas, beijos e um Moby Dick, presente de aniversário. Unidas, nascemos no mesmo dia e paravam aí as semelhanças. Ela me segredava: “Não tenha medo, pois se eu me rasgar, eu me remendo”.
Advertisement
Nunca soubemos o que lhe aconteceu. Alice partiu no mundo e cortou os laços com a antiga existência. Eu não fui, casei, tive filhos e roupas no varal. Trinta e cinco anos depois, cerrada nessa quarentena, penso no passado. Fecho os olhos e a vejo singrando as águas,
vestida com roupas de pirata e todos os clichês das histórias de viagem.
Ontem, reabri o livro de Herman Melville e reli a dedicatória: “(...) sonhar o único sonho possível aos homens de barro: voar. Tenho certeza que voaremos juntas, always e forever”.
Como recompensa, restou-me a roupa a escorrer.