Livro Contos de Amor de Ontem e Hoje

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CONTOS DE AMOR DE ONTEM E HOJE Coletânea dos contos participantes do I Concurso de Contos de Amor do Colégio Trilíngue Inovação

Chapecó - 2016 1ª Edição 1!

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Colégio Trilíngue Inovação Copyright© 2016 by alunos Ensino Fundamental e Médio Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão dos detentores do copyright. Colégio Trilíngue Inovação Gestora Me. Gislaine Moreira Nunes Escritores: alunos do 5º Ano do Ensino Fundamental ao 3º Ano do Ensino Médio Título: Contos de Amor de Ontem e Hoje Coordenação, organização e revisão: Liana Cristina Giachini e Sandra Maria Ponte Diagramação: Daniela Meine Casarotto Formaio

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Uma imagem vale mais que mil palavras. Talvez não seja o caso de levarmos o provérbio português tão a sério matematicamente, mas as imagens são também uma linguagem, ainda que com funcionamento particular. Essa linguagem não verbal produz sentidos rapidamente e, muitas vezes, alcança um público maior. Dessa forma, não há controle sobre elas, expressam sentimentos e verdades e conseguem abarcar mais informações simultaneamente do que a linguagem verbal. Além da capa, as ilustrações que compõem o livro foram criadas por alunos do Colégio Trilíngue Inovação e são mais uma materialidade que expressa a criatividade e o talento dos estudantes. O desenho que deu origem à capa desta obra é uma criação de Ana Luiza Brassanini Flores, aluna do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Trilíngue Inovação. A jovem artista tem contribuído com diversos trabalhos e produções da escola e, há dois anos, cursa desenho na Escola de Artes de Chapecó. Tendo sua mãe, Sandra, como a principal incentivadora, Ana Luiza normalmente utiliza como materiais o nanquim, a aquarela e a arte digital. Ao concluir o Ensino Médio, pretende cursar Design, a fim de trabalhar em empresas como a Disney e a Dreamworks. Entre seus interesses está, ainda, a produção de jogos, filmes de animação e histórias em quadrinhos.

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AUTOR HOMENAGEADO Silvério da Costa Chamo-me Silvério Ribeiro da Costa. Sou brasileiro naturalizado. Nasci em Portugal, na pequena aldeia de Valbom, a 5km da cidade do Porto, mas resido no Brasil há cerca de 52 anos, 50 dos quais em Chapecó – SC. Tenho 76 anos incompletos, sou casado e tenho um filho. Sou aposentado e já publiquei 12 livros (Retalhos da Existência – 1989; Sinfonias do Corpo – 1991; Retratos – 1993; Percalços da Vida e outras Chatices Gostosas – 1995; Fogueiracesa – 1999; Poemas Líricos e outros poemas – 1999; em parceria com dois artistas de Chapecó, também portugueses, Torres Pereira e Agostinho Duarte; Utensíliopoesia – 2000 (poesia infantil); As Brincadeiras de Gastão – 2001 (prosa infantil); Rapsódia de Espantos – 2005; O Gato que sabia Latir – 2006 (prosa infantil); Trilhos Cruzados – 2010 e Memorial do Medo – 2014, além de ter participado em mais de uma centena de coletâneas poéticas, no país e no exterior. Faço parte de diversas instituições culturais no Brasil e no exterior, entre elas a IWA – Internacional Writers Association and Artists, com sede em OHIO:U.S.A., e tenho trabalhos traduzidos para o Espanhol, Francês, Inglês, Italiano, Grego, Russo, Chinês e Esperanto, e trabalhos publicados em jornais e revistas de vários países. Escrevo, essencialmente, poesia e colaboro em diversos jornais alternativos, espalhados pelo Brasil afora, e em outros países. Tenho uma coluna semanal, há muitos anos, no jornal local “SUL BRASIL”. Já conquistei inúmeros prêmios e durante alguns anos editei um jornal cultural alternativo (Fronte Cultural), com circulação limitada (500 exemplares) e pessoal, que era distribuído no Brasil e exterior. Fui presidente da ACHE – Associação Chapecoense de Escritores, em duas gestões; presidente do Conselho Municipal de Cultura de Chapecó e 2º vice-presidente da UBE – União Brasileira de Escritores, secção Santa Catarina. Fui candidato a vereador em duas legislaturas (1972 e 1982); diretor de Turismo de Chapecó, entre outros. PRESENÇA EM CHAPECÓ A minha vinda para Chapecó deve-se ao fato de eu ter servido o exército português num lugar extremamente ermo (Tancos) cuja única diversão era um cinema. Um dos recursos, portanto, para se passar o tempo era a correspondência com meninas que se propusessem a tal. Eu tinha diversas correspondentes portuguesas e espanholas, mas meti na 4!

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minha cabeça que queria uma brasileira. Consegui! E era de Chapecó! Feito o primeiro contato, a correspondência passou a fluir entre nós, e se intensificou com a troca de fotografias. Surgiu uma espécie de paixão platônica à distância, durante quase 5 anos. Nesse meio tempo, eclodiu a guerra de Angola, uma colônia portuguesa que pleiteava a sua independência, a qual era recusada pelo mandatário português, o ditador Antônio de Oliveira Salazar, que nos (des)governou por quase 40 anos. Dessa maneira, eu fui mobilizado e bati com o costado na África, nessa guerra sangrenta, inglória e fratricida, durante 26 meses. Continuei, porém, a me corresponder com a Helena, esse era o nome da chapecoense. Quando passei à disponibilidade (voltei à vida civil), vim para o Brasil. Passei a morar no Rio de Janeiro, com uns tios, durante quase dois anos. Certo dia resolvi tirar umas férias e vir a Chapecó conhecer a minha correspondente. Aqui, naquele tempo (1965), não havia muito o que fazer. Passava os dias conversando e tomando chimarrão com os familiares dela e alguns novos amigos, na loja comercial que a família dela possuía. O irmão de Helena me convidou para conhecer o Frigorífico Chapecó. Acertei. Eu era radiotelegrafista, especialidade essa que eu havia tirado no exército. Quando cheguei ao estabelecimento industrial, percebi que estavam levantando uma antena nas imediações. Dadas as dimensões da dita cuja, aproximei-me e fiquei sabendo que a empresa decidira optar pela telegrafia, já que, em fonia, não conseguia mais se comunicar com as filiais, convenientemente. Ousei perguntar se já tinham contratado algum radiotelegrafista. O diretor que estava por ali, naquele momento, disse-me que não. E eu ousei mais ainda, ao dizer que era telegrafista. Ele me encarou e perguntou se eu tinha caído do céu!... E me contrataram. Não voltei mais para o Rio. Um ano depois, nós casamos e estamos aí até hoje. Virei chapecoense, pois passei a integrar a comunidade local com grande entusiasmo, como foi dito acima. NOSSA INSPIRAÇÃO O professor Silvério da Costa é uma presença constante em nossa escola e, no ano de 2015, convidado a apresentar aos alunos a obra “Memorial do Medo”, contou-nos, com os olhos marejados, sua linda história de amor. O trabalho que aqui apresentamos é inspirado nesse amor, amor pela arte, amor pela esposa, amor pela Literatura. Amor que arrebata sem entediar ou se tornar adocicado, da palavra embebida de vida que atravessa a trajetória desse consagrado escritor português - que ousamos adotar como chapecoense - e que, para nós, faz parte da família Trilíngue. 5!

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SUMÁRIO PREFÁCIO CONTOS DE AMOR DE ONTEM E HOJE – NÍVEL IV Longas noites de Acapulco Selena Almas Gêmeas A última canção O filho do Pastor Suspeito improvável Adeus Agosto Relato de uma paixão Uma paixão vital Baile de máscaras A garota dos meus sonhos O destino O primeiro beijo Verão de 88 Instante fatal Obsessão Seguindo Meu único amor Paixão congelada Querido amigo, O amor por uma enfermeira Queridos sonhos Lobo solitário Die Fräulein Querido luz A carta O tempo Loucura Amor e Revolução La mia Julieta Memórias Eternidade relativa O valor de uma família 6!

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09 10 12 14 16 19 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 59 61 63 65 67 69 71 73 74 76 78


Amor perfeito Viajando nas lembranças Möglichkeit Doce coração CONTOS DE AMOR DE ONTEM E HOJE – NÍVEL III Fotografia Doce pecado A misteriosa força do amor Sentimentos inexplicáveis O destino de um rei Questão de tempo Tarde de mais As duas irmãs Memórias História antiga O tempo evapora a chuva Um olhar apaixonado A guerra e o amor Sentimentos indescritíveis A agonizante dor de amar A capa do coração Dias de guerra Devo-lhe uma eternidade O último sorriso Doce guerra Insensatez da perda O dinheiro não compra o amor O amor de abril Verão de 1695 O amor na guerra O vestido de renda Encontros e desencontros do amor No amor e na guerra... Sofrer ou amar? Vida de gado A história repetida Centrália ardente Perfect fairytale 7!

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79 81 83 85 87 88 90 92 94 96 98 100 102 103 104 106 108 110 111 113 115 117 119 121 122 124 125 126 128 130 131 133 135 139 140 142 143 145


CONTOS DE AMOR DE ONTEM E HOJE – NÍVEL II Quantas vezes podemos amar? Martírio e salvação Kelly Borchartt O amor inesperado Minha eterna paixão Cartas para o amor Meu verdadeiro amor O perfume mais doce guardado no coração O amor combate todos os males Muito além do que os olhos podem ver Uma história de amor Diário de amor Uma luz no fim do túnel Uma carta de amor perdida Devil of love Amor a cem por hora O passado/futuro de um amor que nunca mudou CONTOS DE AMOR DE ONTEM E HOJE – NÍVEL I Nossa história de amor Rafael e Sandra Amor à primeira vista Amor à primeira vista Um grande amor As rosas imaginárias O amor verdadeiro O início de uma nova vida A luz do amor

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147 149 151 153 155 157 158 159 160 162 164 166 168 170 171 172 174 176 177 178 179 180 181 182 183 184 186 188


PREFÁCIO Gislaine Moreira Nunes Mestre em Educação - Gestora do Colégio Trilíngue Inovação “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse Amor, nada disso me aproveitaria. O Amor é paciente, é benigno; o Amor não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo tolera, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O Amor nunca falha...” (Primeira Epístola aos Coríntios - sobre o amor - Apóstolo Paulo)

Pela magia da palavra materializamos o mundo em que vivemos, mas, mais do que isso, podemos adentrar em nossos sonhos e criar um universo paralelo. Nesta obra, os alunos do Colégio Trilíngue Inovação apresentam um mundo surreal, movidos pela temática sugerida pelo projeto: Contos de Amor de Ontem e Hoje. Investimos em atividades como esta por valorizarmos o brilho no olhar de cada criança e adolescente ao ouvir ou contar uma boa história. Sentime maravilhada ao ler cada um desses contos, que me fizeram chorar. Ah o amor, é por essa palavrinha tão significativa que o Colégio Trilíngue Inovação existe. O amor de pais em buscar um futuro melhor aos filhos. O amor em ensinar e aprender. Ah o amor, ele é tudo em nossas vidas. Seja qual for sua motivação para a leitura, espero que se permita experimentar as sensações que nossos jovens autores podem lhe proporcionar. Seja com olhos de crítico, de educador, de pai ou mãe orgulhoso, ou de alguém que acolheu essa leitura por acaso, delicie-se! Parabéns aos nossos alunos por se desafiarem a expor suas produções. É por vocês, crianças e adolescentes que o Colégio Trilíngue Inovação existe, com muito amor!

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Ilustração: Marianna Hofer Neris

CONTOS DE AMOR DE ONTEM E HOJE – NÍVEL IV (Alunos do 2º e 3º Ano do Ensino Médio)

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A minha memória ouve ainda agora as pancadas do coração naquele instante. Não esqueças que era a emoção do primeiro amor. Dom Casmurro

Desde a mais tenra idade, somos levados pelas histórias infantis a sonhar com o tão esperado “felizes para sempre”. São olhares que se cruzam, mãos que se tocam, sorrisos de encantamento, e ... como num passe de mágica, somos capazes de enfrentar o mundo para que, juntos de nossos personagens favoritos, possamos alcançar os sonhos de amor romântico idealizados nos contos de fadas. As paixões humanas sempre estiveram presentes na literatura. Seja nas lendas indígenas - de tradição oral -, no platonismo - tão bem representado por Camões -, ou na morbidez sepulcral de Edgar Allan Poe, o amor parece ecoar em prosa e verso em todas as línguas humanas. E como, ao texto dissertativo, pesado e marcado pela objetividade, escapam a fluidez e a errância do dizer o amor, pela trama narrativa nos deixamos levar. Nesse trabalho, em noites incertas, na taverna, e, observada a simbologia de tal metáfora, paramos para ouvir histórias. Histórias essas que nos permitiram experimentar sentimentos de nostalgia e saudosismo em relação aos contos de infância. Histórias que nos levaram a paisagens bucólicas onde paira o amor cortês, para que, em seguida, fôssemos jogados no centro de um turbilhão sinestésico, que vai do carnal ao exotérico em poucas páginas. A cada história, a cada personagem, um momento de esforço e sublimação à procura da arte, em que cada um buscou o seu estilo de escrita e a valorização da sua individualidade na assunção da autoria. O que você encontra aqui, caro leitor, é resultado de nosso amor pela escrita. Aqui estão nossas paixões individuais e coletivas, alguns sonhos, vaidades, desejos, ambições, doação, e todos aqueles sentimentos que nutrem as relações humanas e que alimentaram também a execução deste projeto. O conto traz consigo a vantagem de oferecer liberdade ao autor. Nele, muitas vezes, personagens acabam por se fundir a espaço e tempo, enquanto imagens vão se construindo como quadros na memória. As cenas vão sendo elaboradas na tessitura do texto, e a história ganha colorido - ou penumbrano gélido espaço retangular do papel. Convidamos você a folhear essa obra lenta e pausadamente, como deve ser lido um conto de amor romântico. Porém lhe garantimos total liberdade para lê-la desenfreada e apaixonadamente, para que viva conosco um lindo romance de verão, curto e intenso. Boa leitura!

Liana Cristina Giachini Mestre em Estudos Linguísticos Professora de Língua Portuguesa do Colégio Trilíngue Inovação

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Longas noites de Acapulco Giordano Gorham Miolo Acapulco. Uma cidade mística e fascinante, dotada de praias e recantos paradisíacos e de uma vida noturna libidinosa. Foi nesse paraíso mexicano, de águas cristalinas e mulheres acintosas, que resolvi passar minhas férias de verão. É estranho para um homem como eu, que passa o dia todo dentro de um escritório de contabilidade, ser introduzido nesse mundo extraordinário que é Acapulco. Em relação a mulheres, nunca tive sorte. Nunca encontrei nenhuma que estivesse disposta a aquecer minha fria cama de contador. Mas isso estava prestes a mudar. Assim que cheguei ao meu hotel, na praia de Revolcadero, fiquei encantado com o lugar. Muitas jovens abrasavam seus corpos seminus no sol das quatro. Tais jovens eram dotadas de uma pele amorenada tentadora. Entretanto, por incrível que pareça, nenhuma chamou minha atenção e, enquanto andava pelas areias da praia, sentia que estava destinado a passar minhas três semanas no México sozinho. Voltei ao hotel. Tomei banho e fui jantar. No salão de refeições, casais dançavam lentamente, acalentando-se de maneira mútua e sussurrando palavras de amor um ao outro. Parece que eu tinha chegado tarde para o jantar e a única coisa que seria alimentada naquele lugar seria minha sede por prazer. Decidi voltar para meu quarto, mas antes passei no bar e comigo voltou uma garrafa de um velho uísque escocês. Bebida nunca é nada, se comparada a uma bela mulher, mas pelo menos iria aquecer meu corpo na falta de uma. Meu primeiro dia em Acapulco chegava ao fim, e o mesmo acontecia com minha garrafa de Ballantine’s. Pensei, então, em contratar os serviços de uma cortesã, para preencher o vazio que a bebida deixou em meu peito, porém o dinheiro estava curto e eu não tinha vindo munido de preservativos. Resolvi aguardar o que o dia seguinte iria me proporcionar. Dormi. E ela veio. Vestia véus de seda preta, que lhe cobriam o corpo, mas não escondiam nada. Cheirava a rosas recém-colhidas, um perfume doce e sedutor. Entorpecia-me cada vez mais. Suas curvas eram delicadas e sensuais. Sua pele amendoada, iluminada pelos raios lunares vindos de fora, induzia-me ao pecado. Ela era completamente perfeita. Afrodite em pessoa se projetava sobre mim, beijando-me o peito com os lábios carnudos e me fitando com aqueles olhos verde-esmeralda. Ela rejubilava meu crescente prazer, realizava meus desejos mais profundos e me fatigava. Seu apetite era insaciável, assim como o meu. Suas unhas 12!

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cravavam na carne de minhas costas, rasgando-a, mas era uma dor prazerosa. Fazia meu coração palpitar. Uma coisa que já não acontecia há muito tempo. Então acordei. Não havia ninguém ao meu lado, a deusa do amor já não estava mais ali. Já estava concluindo que tudo não tinha passado de um sonho, foi quando reparei nas cobertas. Estavam desarrumadas e rasgadas em alguns lugares, alimentando um pouco minha esperança de que aquilo fora real. Foi quando senti. Era, sem dúvida, o perfume dela, o mesmo que aspirei por toda a noite. Eu não estava acreditando. Aquilo tinha sido real. Eu tinha feito amor com aquela mulher. Fui tomar banho. Sentia minhas costas arderem em contato com a água. Olhei no espelho e lá estavam as cicatrizes de combate. Fruto do prazer exacerbado de dois corpos amantes. Aquilo concretizou de vez minhas esperanças. Sequei-me, vesti minha bermuda cáqui e minha camisa pólo e sai à procura da mulher que roubou meu coração. Vaguei pelo hotel inteiro. Corri por toda a extensão da praia e pelas ruas de Acapulco. E nada. Perto do meio dia, voltei ao hotel para almoçar, mas não sentia fome alguma. Havia apenas uma coisa que eu queria pôr em minha boca. Mais tarde tive a brilhante ideia de checar as câmeras do corredor do meu quarto. Chegando à sala de vigilância, falei com o superior e recebi autorização para tal. Buscava incessantemente pela mulher que adentrou pela porta do meu quarto. Mas os corredores estiveram vazios a noite toda. Não achei o que procurava. Desanimei um pouco, pois necessitava vê-la novamente. Resolvi dar uma caminhada pela praia, e, enquanto caminhava, perguntava-me onde ela poderia estar agora. Já estava tarde, fui jantar. A comida não tinha gosto, se comparada aos lábios adocicados daquela sereia sem cauda. Meus ouvidos estavam surdos para tudo que não fosse sua voz provocante. O cheiro de seu perfume ainda estava impregnado em meu nariz, mas se esvaía a cada respirada. Eu tinha vontade de não respirar. Voltei para meu quarto, dessa vez desacompanhado de qualquer garrafa. Deitei em minha cama e esperei. Eu estava exultante. Meu coração parecia querer sair por minha boca. Meus pulmões já não aguentavam minha euforia. Esperei uma hora. Duas horas. Três. Olhava fixamente para a porta, esperando meu amor abri-la e satisfazer meu desejo. Esperei mais um pouco, mas o cansaço se abateu sobre mim. Eu relutei, mas dormi. E ela veio.

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Selena Erick Hilarius Capitanio Ela é... distante. Sempre foi, mas só fui notar isso recentemente. Eu nasci em uma família pouco abastada, para não dizer pobre. Não, não éramos pobres, mas realmente tínhamos dificuldades financeiras. Isso felizmente mudou, quando decidi me tornar escritor. Lenta e gradualmente, minha riqueza cresceu, até que entrei para as camadas mais altas da sociedade, numa época em que as pessoas mais influentes eram os intelectuais. Não creio que o dinheiro compre felicidade, mas, com certeza, compra alegria. Reconheço que me deixei levar pelo luxo. Em especial, mulheres não faltavam. Não me entenda mal, eu era fiel, porém, quando terminava com uma, logo haveria outra. Houve apenas um amor digno de nota. Eu já a conhecia há muito tempo. Na verdade, ela esteve presente em vários momentos de minha vida, decisivos e insignificantes. Desde antes de eu me tornar alguém até depois de adquirir meu quarto carro. E estou certo de que ainda se fará presente conforme envelhecemos. Nunca me esquecerei de quando comecei a ter sentimentos por ela. Eu estava em um cruzeiro. Vinho, risos e música tocando, ao fundo de doces conversas entre homens com segundas intenções e mulheres que queriam se sentir especiais. Pessoas influentes, pessoas ricas e artistas renomados aproveitavam a vida, e todos sabiam o nome dela, que, ainda assim, passava despercebida pela maioria. Não por mim. Não naquela noite. Eu já a vira inúmeras vezes antes, sem tê-la considerado muito. Mas isso um dia mudaria. Nesse dia, ou melhor, nessa noite, fui abordado por uma mulher muito bonita. Vestido vermelho e cabelo de um preto quase artificial, carregando uma taça marcada pelo seu batom. Minhas relações amorosas nunca duravam muito e eu não tinha muita esperança de que fosse diferente dessa vez, então falei-lhe sem entusiasmo. Admito que pensei até em passar minhas noites no cruzeiro com ela e deixá-la assim que voltássemos para nossas respectivas casas. Porém, fui impedido de qualquer envolvimento com a mulher de vermelho, cujo nome nem perguntei, por aquela cujo nome eu sabia há muito tempo, aquela que não era notada pelos outros no navio, nem por mim antes daquele momento. Estávamos na proa, longe dos barulhos dos que se deixaram levar pelo álcool. Eu a vi no outro lado, reluzindo em sua brancura. Não havia muitas vestidas de branco, e vê-la, em contraste com o céu noturno e o escuro mar profundo, tornava-a ainda mais especial. Olhava, serena, para as calmas águas abaixo. A mente distante. 14!

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Uma alma que parecia longe de meu alcance. Sem saber por que, eu quis me aproximar dela. Antes que o pudesse fazer, ela partiu, ao som do silencioso deslizar das nuvens, deixando a mim e à sem-nome de vermelho a sós. Talvez pensasse que íamos nos beijar e não queria atrapalhar. De qualquer modo, não a vi mais nessa noite, e, em todas as seguintes, ela pareceu cada vez mais tímida, até que não apareceu mais. Ao mesmo tempo, os dias pareciam ficar cada vez mais nublados, como se os próprios céus se entristecessem com sua ausência. Acontece que as tempestades estavam aumentando na região em que navegávamos, e a tripulação considerou mais prudente ancorar em uma cidade próxima até que houvesse melhores condições de continuar. Paramos numa cidade portuária, localizada sobre grandes falésias. Meu quarto de hotel tinha vista para um antigo farol, que ainda funcionava quando era escuro e nebuloso. Certa noite, quando olhei pela janela, lá estava ela. No topo do farol, desligado sob o céu estrelado. Tão bonita quanto naquela primeira vez no navio. Difícil acreditar que isso fora há um mês. Senti uma necessidade de alcançá-la novamente. Lembro que, quando a procurava no navio, afastava-se, ou não se encontrava em lugar algum para começar. Parecia que, quanto mais eu a buscava, mais distante ela ficava de mim. Comecei a me perguntar por quê. Por que ela foge tanto? Por que eu a quero tanto? Tenho outras interessadas em mim, e só me importo em alcançar a que claramente não me quer. Ou será que é por isso mesmo? Será que a quero justamente por ser tão inalcançável? Isso faz sentido? Se for verdade, então... o que acontece se eu consegui-la? Decidi ir para o farol, tentar mais uma vez. Por algum motivo, ou talvez motivo nenhum, eu precisava ir atrás dela. Ao chegar ao topo e olhar para o horizonte onde ela estava, eu percebi. Percebi por que meus relacionamentos não duravam muito. Eu nunca acreditava que alguma mulher me amasse de verdade, com ou sem mansão, carros de luxo e roupas caras. Era como se namorassem com tudo isso ao invés de mim. Todas elas eram estrelas no céu vazio que é minha vida. Eram lindas em conjunto, mas mal iluminavam minhas noites e nenhuma era mais especial do que a outra. E ali, na minha frente, estava algo que eu nunca poderia ter. Nunca poderia comprar. Só poderia olhar com admiração e sentir sua luz cair sobre mim. De repente, parecia que nenhuma mulher jamais me faria realmente feliz. Bem, que todas essas estrelinhas se conformem. Eu só quero a Lua.

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Almas Gêmeas Julia Wailand dos Santos "Dizem que, no princípio, cada par de almas era na verdade uma só. Deus, então, na qualidade de grande criador, decidiu separá-las, destinando cada alma solitária a encontrar sua metade. A elas, convencionou-se chamar de almas gêmeas. Nem sempre a imensidade do mundo permite tal encontro, mas, quando ele acontece, é verdadeiramente mágico. Dois olhares se cruzam e, de repente, é amor. Indubitável amor. Tenho razões suficientes para acreditar que eu e seu pai fomos almas gêmeas que tiveram a sorte, se é que se pode chamar assim, de se encontrar. A razão pela qual questiono se foi sorte é a circunstância do encontro. Vi-o pela primeira vez no dia em que deveria celebrar meu amor por outro homem, meu casamento. Estava decidida que aquele era o homem da minha vida. Empresário muito bem sucedido, ele dava os primeiros, e promissores, passos na política. Além disso, e, claro, mais importante, era gentil, inteligente e incrivelmente bonito. Conhecemo-nos em uma festa patrocinada por meu pai, seu 'padrinho' político. Conversamos por horas e horas, sem perceber que o tempo havia passado. Éramos jovens e confundimos uma linda e promissora amizade com amor. Nosso casamento, precipitado, admito, fora marcado três meses após o primeiro encontro e celebrado com fervor por meu pai. Nossa curta história passava repetidas vezes pela minha cabeça e só então percebi que pouco nos conhecíamos. Chacoalhei a cabeça como quem tenta espantar pensamentos ruins. Não havia tempo para arrependimentos. Mal sabia eu que o motorista do carro que me levava até a igreja seria meu único e verdadeiro amor. Não trocamos palavra alguma no trajeto entre minha casa e o local da celebração, cerca de um quilômetro e meio. Alegria e medo coexistiam em mim, em partes iguais, fazendo minha mão tremer. Paramos em frente à igreja e o belo homem, que mais tarde seria o seu pai, saiu do carro para, gentilmente, abrir a porta para mim. O véu branco que cobria minha cabeça, e agora também meu rosto, pinicava e deixava minha visão embaçada, o que me irritava. Estava nervosa. Era final de agosto, e o sol, apesar do esperado, brilhava intensamente e piorava minha visão. Fechei os olhos. Abri-os novamente, esperando encontrar a longa escadaria que deveria me levar rumo à felicidade. Mas não, encontrei os lindos e imensos olhos verdes de seu pai, que contrastavam perfeitamente com seus compridos cabelos ruivos. Por segundos, não vi mais nada. Sua expressão creio que se assemelhava a minha, um leve pavor de quem acaba de descobrir o amor. Encaramo-nos por tempo demais para que ninguém percebesse. O sol, que até então iluminava nosso divino encontro, foi tapado pela imagem da minha antes 16!

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amada futura cunhada, que agora me encarava como quem pergunta: "vai demorar?". Saí do carro, com pressa. Corri escadaria acima. Parei no topo e me virei para encontrá-lo ainda me olhando. Seu leve sorriso me fez desejar correr para seus braços, abraçá-lo e nunca mais soltar. A imprudência da ideia me impediu. Não sabia nem o nome dele! Prometi a mim mesma que o esqueceria. E por anos, enquanto o sol raiava, eu conseguia. Não pensava nele. Mas, à noite, começavam os sonhos. Seus olhos verdes me fitavam durante horas sem fim. Todas as noites. Por um ano, toda vez que fechava meus olhos, seu rosto me vinha à cabeça. Amei-o com toda força, mesmo sem nunca tê-lo conhecido, nunca tê-lo tocado. Meu casamento era estável, aprendi novamente a amar meu marido. Foi no meu aniversário de 25 anos que tudo aconteceu. Estava sozinha na cidade e, depois de pensar em centenas de maneiras de me divertir com isso, desisti. Fui a um restaurante pegar comida para levar para casa e comer sozinha mesmo. Foi quando o vi novamente. Seus olhos verdes que eu nunca havia esquecido me encararam e eu soube que ele também pensava em mim. Conversamos por cerca de meia hora, até que a terrível hora de partir chegou. Estávamos ambos transtornados com a ideia de nova separação. Levada pela emoção do momento, deixei que ele me convencesse a irmos juntos para casa. Confesso que foi a melhor noite da minha vida e, poupando-a dos detalhes, digo apenas que continuamos nos encontrando. Eu ainda estava casada e, quando meu marido descobriu, prometeu que mataria a mim e a seu pai, caso voltássemos a nos encontrar. Seus olhos me encaravam num misto de decepção e ódio. Ódio puro daquele que faz as pessoas esquecerem da razão. Sua voz também estava diferente e, pela primeira vez em anos, senti-me apavorada e indefesa. Saímos da cidade, ele decidido a começar uma vida nova, e eu decidida a sobreviver. Três meses depois, descobri que estava grávida. A raiva nos olhos de meu marido, que nunca mais havia aparecido, voltou, e ele tentou, com todas as forças e influências, me fazer desistir de você. Não conseguiu, mas se recusou terminantemente que fôssemos nós a criá-la, e eu sabia que não tinha opção, ou alguém a criava e você permanecia longe de mim ou ele me matava. Seus olhos me diziam que era capaz, e só Deus sabe o que aconteceria com você. Eu não podia arriscar. No dia do seu nascimento, segurei-a nos braços por poucos segundos, até que te arrancassem de mim. Ainda assim, você me encarou - com serenidade incomum para crianças - e juro que, por um momento, sorriu. E essa é a imagem que vejo agora quando fecho os olhos. É por isso, minha filha, que seu pai é o único que tem o privilégio de ver você crescer, pegá-la no colo, consolá-la e amá-la. Tenha a certeza, todos os dias de sua vida, de que eu a amo. A você e a seu pai. Não peço que me perdoe, nem que me entenda, apenas que saiba que não passo 17!

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um dia sequer sem pensar em você. Não posso vê-la, é um risco muito grande e temo por você, minha querida. Sei que seu pai a trata com todo o amor do mundo e espero que sejam ambos imensamente felizes. Por vocês e por mim. Com todo o amor, Mamãe "

Ilustração: Cássia Cuchi Bordignon 18!

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A última canção Alisson Luiz Tombini Filho Elizabeth acorda. Troca de roupas. Penteia seus sedosos cabelos loiros. Desce para tomar café, como se fosse um dia qualquer. Mal sabia ela o rumo inesperado que seu dia tomaria. Ela sempre fora uma menina muito fascinada com tudo. Sempre adorou a natureza e o canto dos pássaros no jardim de sua casa, mas o que mais atiçava sua curiosidade era a vila de Withelm e a vida ordinária de seus cidadãos. Assim que ficou sabendo que Mary - cozinheira de pele parda que trabalhara a vida inteira na casa dos Feltton- iria à feira, na aldeia, para comprar suprimentos para a janta de gala, Elizabeth logo se prontificou a ir junto para ver os aldeões. Lá, enquanto caminhava, maravilhada com a cidade grande, entra por suas orelhas o doce som de uma flauta, algo como nunca fora ouvido por Elizabeth e, no instante em que escuta, já se sente encantada pela melodia. Quando a jovem encontra a fonte de tão divino som, depara-se com um homem com cabelos longos, roupas rasgadas e sujas. Em sua mão, segura uma flauta doce comum de madeira. A menina, curiosa, resolveu conhecer o homem por trás do som que acariciava seus ouvidos, sem saber que, mais tarde, iria se apaixonar por esse flautista. E, assim, por meses, o jovem casal se encontrava às escondidas do pai de Elizabeth, e também trocavam diversas cartas. Até que, um dia, o velho acabou abrindo uma das cartas endereçadas para a jovem moça. Como era de se esperar, ele não aprovou a relação de sua filha com um flautista de rua qualquer. Portanto, precisaria dar um fim certeiro a esse relacionamento. Após ler uma das cartas que apontava como o ponto de encontro do casal o penhasco nos arredores da cidade, ele resolveu dar seu bote. Forjou uma carta para o flautista, dizendo para se encontrarem lá. Armado de um facão de caça, o homem mata o jovem músico a sangue frio e o joga no desfiladeiro. Dias se passaram sem que Elizabeth tivesse notícias de seu amante. Ela estava quase sem esperanças de que um dia fosse reencontrá-lo, até que, em uma noite fria, a jovem escuta a mesma melodia graciosa que afagou seus ouvidos no dia em que o jovem casal se conheceu. Essa canção a guiou até o penhasco, onde percebeu o trágico destino de seu amor e, como em um estado de transe, a jovem se jogou naquele abismo, perpetuando, assim, o amor dos dois.

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O filho do Pastor Ana Lais Batista de Melo O forte piado da coruja o despertou do seu único refúgio, fazendo-o abrir os olhos e encarar a noite fria. Aquela visão o fazia lembrar-se dela. Ela era como a noite, os cabelos negros contrastavam com a pele alva e aveludada como o céu imenso e escuro contrasta com a lua e as pequenas estrelas. Os olhos cinza vibrantes se mostravam tão misteriosos quanto a obscuridade. Ah, como ele queria saber o que se passava atrás daquelas íris cinzentas! Agora, ali deitado no meio do asfalto, próximo a um posto de gasolina abandonado, a quilômetros de qualquer civilização, onde pequenos feixes de luz faiscavam no meio da escuridão, ele encarava a noite fria, marcada pelo inverno americano do estado de Oregon. Lembrava-se dela, daquele sorriso largo destacando os lábios que tanto desejava e que agora jaziam frios e secos. Recordava do êxtase de quando seus olhos se encontravam - a imensidão do caramelo desafiando o cinza. Ele nunca mais sentiria aquilo, nunca mais sentiria a paz de quando era um pequeno garoto ileso às sensações mundanas, como quando a tinha em seus braços. Seu corpo tão quente e macio, frágil como uma pétala de flores do campo. O dia em que ele a conheceu, tímida e arisca. Lembrava que se sentiu irritado, porém, ao mesmo tempo, atraído. Tudo tão clichê que era ridículo. Foi difícil conquistar a confiança da garota, muito desconfiada. Vivia sozinha, viajando no mundo imaginário dos livros que lia. Ele conquistou a confiança e a menina, aos poucos, de forma esperta e traiçoeira. Jamais esqueceria a primeira vez que possuíra os lábios dela, quando os lábios de ambos se tocaram, receosos e trêmulos. Uma sensação ardente tomou o corpo do jovem amante. Era engraçado como as bocas deles se encaixavam, moldadas uma para outra, tão certo e perfeito. O mundo poderia explodir naquele momento, ele não se importava, contanto que a tivesse junto ao seu corpo, num contato íntimo e único. A ganância humana e a vida de mentiras foram essenciais para fazer aquilo acontecer. Apenas alguns maços de dólares o fizeram entregá-la à morte, sem saber que aquilo acabaria por lavá-lo ao mesmo fim. Era só para ter sido mais um caso de adolescentes apaixonados, em que ele a iludiria e a traria para a armadilha. No entanto, apegou-se a esse relacionamento de mentira. E como não? Quando ela sorria, automaticamente seus lábios erguiam-se nos cantos, involuntariamente. A voz doce era a melhor melodia que já ouvira. Tê-la próximo a si era uma sensação única. Ela era tudo o que ele almejava. Somente ela. Como uma droga. A droga que ele usaria eternamente, mesmo sento fatal. Mas agora 20!

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a abstinência o consumia vagorosamente, pois o corpo da amada jazia a sete palmos da terra. Tão destruído quanto ele se sentia agora. Afinal, os vermes se responsabilizariam por isso, era a lei da vida. Claro, a vida! Ela estaria sendo justa ou injusta com o belo jovem? Ele que sempre mentira e enganara. No Deus que seu pai pregava ele não acreditava e, consequentemente, fazia tudo ao contrário das sagradas escrituras. Sim, ele era um ser humano repugnante, que só aquela linda moça teve a capacidade de amar. Mais uma vez encarando a imensidão escura do céu, a memória mais dolorosa vinha à sua cabeça. Ele a levando para a morte, para as mãos do assassino, que fazia aquilo por uma vingança idiota, culpa de um antigo desentendimento com os pais da garota. Quando chegada a hora, quando a dona dos olhos cinza percebeu o que estava acontecendo, era tarde demais. O revólver 38 já estava apontado para sua cabeça, tão frio quanto os olhos do matador. No entanto, não era para eles que ela olhava e, sim, para as íris caramelo, antes tão intensas e que agora se encontravam fracas e vazias. Ele nunca esqueceria aquele olhar, a decepção e ódio que eles refletiam. Preferia mil facadas diretas no peito. O tiro foi disparado, os grandes olhos cinza se fecharam lentamente, já opacos. Três palavras foram proferidas por ela, “eu te amo”, e então caiu no sono eterno. Aquele foi o estopim. Arrependimento e dor tomaram seu corpo. Nunca se sentiu tão oco e sozinho. Queria morrer, queria atirar em sua cabeça e morrer junto a ela, todavia nada daquele desejo terminal fez. Decidiu viver com toda aquela dor e remorso, que o torturavam, que o fariam pagar por todos os seus erros. Assim, talvez, no final, fosse perdoado e a encontrasse em outra vida, para viverem o seu “felizes para sempre”. Aceitou tudo e agora morre lentamente.

Ilustração: Erika Heni Taffarel 21!

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Suspeito improvável Ana Luiza Cardoso Teles De repente, Alan acorda, e sua primeira visão é a fumaça cinzenta. Apavorado, ele levanta. Dirige-se rapidamente à janela, para descobrir o motivo de tanta fumaça. Ao perceber que a casa de seu melhor amigo, Julian, está em chamas, sai velozmente para ajudar. Sem notar, deixa a carteira, com todos os documentos, cair no chão. Depois de tudo resolvido, volta para casa e deita no sofá aconchegante da sala de estar. Ao pegar o celular no bolso da calça, percebe que está faltando algo. A carteira! Então, ele resolve repetir o trajeto feito alguns minutos antes e, infelizmente, não encontra nada. Fica desesperado, afinal havia perdido todos os documentos. No dia seguinte, enquanto caminha pela rua, Alice avista um ponto brilhante em um buraco da calçada. Curiosa, ela se aproxima lentamente. Sem ninguém perceber, pega o objeto. Silenciosamente, continua andando e reparando nos pequenos detalhes do utensílio. Ao notar que é uma carteira, a primeira coisa que faz é olhar os documentos, para poder devolver ao dono. Quando ela olha o nome “Alan Lee”, não tem a mínima ideia de quem seja, nem de como encontrará tal pessoa. Alice resolve pedir na padaria da esquina se alguém o conhecia, mas de nada adiantou. Alan era um menino quieto e discreto, poucas pessoas da vizinhança o conheciam. Alice não desiste, afinal o rapaz precisaria dos documentos de volta. Voltando para casa, ela esbarra em um lindo garoto, alto e de olhos claros. Amor à primeira vista. Durante o caminho de volta, ela apenas pensava em uma coisa, o tal moreno de olhos azuis. Chegando, ela precisaria resolver o que fazer com a carteira. Seu pai a aconselhou a levar à delegacia, assim eles poderiam anunciar, e o dono recuperaria os documentos. Dois dias depois, Alan recupera seus pertences, mas queria agradecer à menina que fora tão honesta com ele. Resolve pedir aos policiais o número de Alice e vai atrás dela. Combinam de sair. Ele a convida para jantar, assim poderia agradecer. Alice aceita, o que ela não esperava é que Alan fosse o moreno de olhos claros pelo qual ela ainda estava apaixonada. Ao encontrar o rapaz, entra em choque, não sabia o que falar, nem o que pensar. Ela o acompanha até a mesa. Lá, sentam, conversam e riem muito. Os dias se passam e eles saem. Meses se passam, e eles entram em um relacionamento sério. Depois de quatro meses, ele resolve apresentar Alice para a família... tudo tão maravilhoso que ela nem acreditava. Mas chega a hora de Alan conhecer a família de Alice. Ela não queria que isso acontecesse, tinha vergonha. Sem entender, ele fica com medo. Qual seria o motivo de ela não querer apresentá-lo? Alan insiste, afinal ele 22!

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queria um relacionamento sério. Então Alice toma coragem, conversa com os pais e marca o jantar. No dia, ambos estavam nervosos. Alice estava em seu quarto, quando o interfone toca, era Alan. Ela corre abrir, já que não queria que sua mãe abrisse e ele descobrisse logo qual era o problema. Ao entrar, Alan não notou nada de errado. As horas se passaram e ele continuou achando tudo normal. Então Alice o chamou para conversar e contou que sua mãe era esquizofrênica, o que para Alice era um problema, mas para Alan não. Então, ela contou que tinha vergonha de sua mãe, pois ela tinha sérios problemas, o que não a agradava. Alan não deu muita bola para isso, até deu alguns conselhos para Alice, ela não deve sentir isso de sua mãe, afinal a ama. Alice continuou com um ar misterioso, como se estivesse escondendo algo. Cinco meses se passaram, e o caso do incêndio da casa do melhor amigo de Alan foi dado como crime doloso. Mas ninguém teria suspeitas de quem era o criminoso, afinal ele não tinha inimigos. A polícia passou um ano e alguns meses investigando. Alice e Alan estavam cada vez mais apaixonados, um frequentava a casa do outro diariamente. Depois de todo esse tempo de investigação, a polícia chegou a uma conclusão. A pessoa que teria colocado fogo na casa esqueceu um isqueiro de ouro com detalhes em vermelho na casa, o qual não tinha impressões digitais, mas era o único existente na cidade. Levaram mais alguns meses para descobrir de quem era o isqueiro. A cada dia que se passava, eles se aproximavam mais do infrator. Até que descobriram o dono. Era Julia Smith, uma senhora casada, de aproximadamente 50 anos, que morava em um bairro nobre da cidade e tinha uma filha de uns 17 anos. Em uma quarta feira pela manhã, Julian recebe a notícia de que acharam o criminoso. Julian ficou sem entender o porquê uma senhora colocaria fogo na casa dele. Pela tarde, Alan foi à casa de seu melhor amigo e recebeu a notícia. Chocado, sem saber o que fazer, voltou rapidamente para casa, foi para seu quarto, sem falar se quer uma palavra. Neste dia, seus pais não estavam em casa, eles teriam ido viajar a trabalho. Alan passou o dia deitado, em pânico. Sem abrir a boca e nem atender o celular. Até que pegou no sono. No frio da madrugada, a casa de Alan começa a pegar fogo. Julian, quando acordou, viu a fumaça e correu para a casa do melhor amigo. Chegando lá, recebeu a notícia, Alan estava morto.

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Adeus Artur Barella Schmidt Era uma quarta-feira. Eu acordei com os ruídos vindos da rua. Levantei e fui preparar o café para mim e para minha esposa, pois nesse dia fazíamos dois anos de casados. Levei o café à cama e fui recebido com um carinhoso beijo. Trocamos carinho. Enquanto ela descansava, eu fui tomar banho. Ela ainda com cara de sono, arrumou minha gravata, me deu um último beijo e, então, fui trabalhar. O tempo estava meio nublado, caia uma chuva fina. Demorei a chegar ao barracão onde meus amigos me aguardavam, por conta do mal tempo e da dificuldade para enxergar. Chegando lá, já estavam prontos, eles apenas estavam me aguardando. Entrei no banheiro para trocar a roupa, vesti o agasalho que todos estavam usando. Coloquei tudo o que era necessário para aquele longo dia de trabalho. Peguei minha máscara de macaco, que estava um pouco suja, por conta das últimas vezes que eu a havia usado, porém a sujeira não iria interferir em nada. Entramos no carro. Estávamos indo em três carros diferentes, devido ao número de pessoas. Dois deles eram dodge challangers azuis marinhos, com duas listras brancas, sem placa, e o outro carro era um jeep grand cherokee. Eu, como sempre, ia dirigindo um dos carros esportivos, pela minha precisão em altas velocidades. Estávamos indo ao banco. Eu tentei adiar, pois a leve garoa fazia o carro perder aderência, podendo ocasionar derrapagens indesejadas. Ao chegar ao Banco, entramos, rendemos todos os seguranças. Nosso objetivo nunca foi machucar alguém, mas pegar todo o dinheiro possível. Pedimos aos bancários o dinheiro. Estávamos quase saindo, quando escutei uma mulher soluçando. Procurei-a. Ao avistá-la, na mesma hora a reconheci. Aqueles lindos olhos amendoados, aquelas bochechas rosadas pelo choro de desespero, aquelas pequenas sardas muitas vezes imperceptíveis, mas de extrema importância, e seus lindos e longos cabelos castanhos claros. Ela olhou para o meu rosto coberto pela máscara e me reconheceu instantaneamente. Engoliu o choro, olhou bem para os meus olhos e, então, ela tinha certeza de que aquele homem assaltando o banco era realmente eu. Fui puxado pelo braço para sair, pois a polícia estava a caminho. No início, todo o dinheiro era dividido igualmente para ficar em cada carro. Após algumas quadras, longe das câmeras de vigilância do Banco, colocávamos todas as sacolas de dinheiro no carro maior e mais comum. Então vinha o que eu fazia de melhor despistar os policiais. Tudo ocorreu como o planejado, porém, ao retornar ao barracão, eu estava saindo do carro e me deparo com quatro armas, seguradas pelos meus amigos, apontadas para minha porta. Todos sabiam que aquela 24!

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mulher que eu avistei no banco era a minha esposa, e todos sabiam de sua honestidade, por isso nunca podíamos sair todos os amigos com suas respectivas namoradas ou esposas, pois ela iria descobrir e nos entregar à polícia. Então fui ameaçado, ou era eu ou era ela. Eu tinha apenas dez minutos para pensar: morrer, ou procurá-la e executá-la. Sem hesitar, falei que a mataria, pois meu maior medo sempre foi morrer. Caso eu não cumprisse o combinado, nós dois seríamos mortos. Entrei no carro e fui direto para casa, eu sabia que ela estaria lá, sentada em sua cadeira de leitura bege, olhando para a rua e vendo os carros passarem para tentar esquecer tudo o que ocorreu, provavelmente tomando meu whisky longan 12 anos, com gelo para ajudar. Chegando a casa, avistei-a chorando e bebendo meu longan. Tentei conversar com ela. Com aquele jeitinho honesto, único (acho que por isso eu gostava tanto dela), foi, desde o início, direta: se não nos entregássemos à polícia, ela o faria. Eu estava nervoso, tremendo, pálido, e me sentido estranho, diferente, talvez um pouco mal por ter mentido para ela por anos, mesmo gostando tanto dela. Talvez o maior motivo de eu ter levado uma mentira adiante por tanto tempo era que, se minha amada esposa descobrisse o que eu realmente fazia da vida, nunca ficaria comigo. Eu tinha plena noção de que não conseguiria matá-la e que eu não podia ser morto, não tão jovem, sem ter feito tantas coisas. Então eu tomei uma decisão, um pouco precipitada, porém era para o meu bem e para o bem dela. Fui até o nosso quarto, abri o fundo falso que eu havia colocado no armário, peguei uma mala que continha minhas economias de todos os outros assaltos - devia ter cerca de dois milhões e meio de dólares - entreguei-lhe e falei que iria me entregar à polícia somente se ela prometesse fugir, mudar de estado ou, se necessário, de país. Disse também que o importante era a segurança dela. Fiz o prometido. Entreguei-me à polícia. Contudo, não delatei nenhum de meus amigos. Fui preso, sem arrependimentos, pois sabia que aquilo era o certo a ser feito. Minha esposa, porém, havia me mentido. Ela não fugira, como prometera fazer. Na primeira semana em que estava preso, ela foi pedir perdão na penitenciária, porém nossas conversas tomaram rumos muito diferentes. Acabamos brigando por motivos fúteis, de uma maneira grosseira, estúpida, suficiente até para acabar uma relação. Saímos bravos um com o outro, sem dizer ao menos até logo. Eu nunca imaginava, contudo, que a relação acabaria mesmo naquele dia, sem uma despedida, sem um beijo, sem sentimento algum. Ela bateu o carro na volta para casa. Capotando quatro vezes, morreu no local. E esse foi o fim de um grande amor, sem despedida.

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Agosto Atilio Dalbosco Battirola Agosto estava recém começando e, com o frio, veio o fim do semestre e a infernal briga familiar sobre a melhoria de notas. A discussão, contudo, era inútil, pois não conseguia dar importância à gradativa queda das minhas notas, ou às reclamações insistentes sobre problemas ou aspectos pessoais que eu não pretendia melhorar. Fazia tempo que não fazia algo pela primeira vez e sentia que precisava de uma aventura. Acordei no outro dia totalmente sem disposição e resolvi que dormir seria muito mais proveitoso do que as primeiras duas aulas de ensino religioso. Minha mãe, entretanto, não pensava assim. Acordou-me a coices e berros, grunhindo o quanto ela sente falta da criança dedicada que um dia fui. Brigamos e segui meu caminho para a escola. Minha consciência não pesava, nossas brigas haviam se tornado algo comum, algo que não me incomodava mais. Apesar disso, parava pra pensar se minha consciência seria sempre leve, “quando no futuro não tiver mais sua companhia, será que me arrependerei?”, o tempo dirá. No mesmo dia (quatro de agosto de 1997), eu vinha voltando da escola a pé, como sempre fazia, com meus fones de ouvido, caminhando bem lentamente para adiar a chegada em casa. Contudo, uma sensação ruim tomava conta do meu corpo, sentia que estava sendo observada e, infelizmente, não estava errada, assim que virei à esquerda, na terceira quadra, na metade do caminho de casa, vi que um carro preto fosco andava devagar e seguia o mesmo caminho que eu, desde a saída do colégio. Resolvi fazer uma volta na quadra. A cada passo, minha respiração ficava mais pesada. Então comecei a correr e gritar pedindo ajuda. No mesmo instante, o carro acelerou, sumindo no relevo da estrada. Chegando a casa, vi o mesmo carro na esquina. Antes de conseguir pensar, um homem alto me agarrou, amarrou minhas mãos, colocou um saco preto em minha cabeça e me colocou dentro do carro. Acordei com uma terrível dor de cabeça, em um porão escuro, com somente um feixe de luz vindo do outro lado da porta. Eu ainda não sabia que essa seria minha moradia nos próximos sete anos e meio. Depois de meia hora no escuro, com muito frio, meu anfitrião resolveu aparecer para se apresentar. Um homem alto, moreno, com um sorriso que seria cativante, não fosse pelas circunstâncias. Era um homem estranho, mesmo tendo me feito o que fez, parecia tímido, com vergonha de mim. Apresentou-se formalmente como Rafael, e disse que vinha me observando há meses, mas que não tinha coragem de se apresentar. Disse que não conseguiria viver sem mim e não iria aguentar uma rejeição, por isso me levou para lá. Assim, não me daria a opção de escolher e me possuiria para o resto da vida, querendo eu ou não. 26!

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Os dias foram passando, e eu gritava a cada dia menos. O porão era revestido por caixas de ovos que causavam um isolamento acústico aterrorizante. Eu não ouvia o mundo e o mundo não me ouvia. Todo dia, meu anfitrião vinha para me trazer comida e trazia jogos para passar meu tempo. Poderia dizer que ele - tirando o fato ser um sociopata perturbado - era um homem inteligente e muito determinado. Estava entrando na faculdade de medicina e era muito bem informado sobre tudo. Todo dia me trazia informações novas sobre o que acontecia mundo à fora. Os dias foram passando, e, com eles, os meses também. Eu acabei me acostumando com a vida, em uma rotina muito pior do que a que eu tinha anteriormente. Finalmente, percebi a grande falta que minha mãe fazia, o quão desnecessárias eram nossas brigas. Eu só sabia ver o lado ruim e rebelde das coisas. Agora, sentia falta dos amigos e de uma vida normal. A única coisa que eu tinha era o Rafael, que me tratava como uma dama, porém gostaria de ser tratada assim do lado de fora de um porão. Os anos se passaram e eu acabei me apaixonando pelo Rafael, não sei se pelo fato de ser minha única opção ou por ele ser a pessoa incrível que era. Ele disse que, se algo acontecesse comigo ou se eu fugisse, colocaria um fim na própria vida com um tiro certeiro na cabeça, sem pensar duas vezes. Um dia, no entanto, percebi que a porta do porão estava levemente aberta. Então saí com cuidado, até conseguir achar a entrada da casa. Quando saí, corri o mais rápido que pude, até conseguir ligar pra minha mãe. Fui pra casa e comecei a valorizar coisas que nunca tinha valorizado. Rafael se matou assim que soube, e eu nunca consegui me apaixonar novamente.

Ilustração: Vinicius Romancini 27!

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Relato de uma paixão Bianca Decontti "Após muito tempo indo a pé para casa, enfrento mais um dia normal em meu novo meio de transporte, um simples ônibus. Tudo me parecia extremamente rotineiro e sem graça, até que você apareceu e mudou minha vida. Você entrou e sentou num banco próximo ao meu. No início, não dei muita importância, era só mais um garoto perdido na multidão. Quando o olhei novamente, não sei se foi seu estilo de se vestir ou de se comportar, mas algo me chamou atenção e despertou um sentimento forte em mim. Eu, com a mesma timidez e nervosismo de sempre, não conseguia me expressar de outra forma que não fosse olhando para você. Cada vez que nossos olhares se encontravam, meu nervosismo aumentava. No momento em que você se levantou, quase não pude conter a emoção que senti imaginando-o vindo até mim, mas o ônibus parou e você precisava ir. Lançou-me um último olhar e desapareceu na escuridão. Nunca me esquecerei do seu olhar, do seu rosto, da sua roupa clara e do tênis bordô. Sua imagem ficou gravada na minha mente, assim como tudo que senti e sinto. Poderia descrevê-lo com todos os detalhes, sem muito esforço. Encontrei-o novamente, mas minha falta de coragem e vergonha não deixaram que eu fizesse algo além de olhar e fixar mais ainda sua imagem em minha memória. Após muito observá-lo e muito passar por você, pude notar algo a mais. Algo que, por ser tão simples e discreto, quase passou despercebido. Uma tatuagem. Gravei bem aquele desenho de âncora e sua cor azulada. Mais de dois anos se passaram, e eu não consegui esquecê-lo. Meus sentimentos em relação a você se mantiveram, mesmo depois desse tempo e, por mais estranho e louco que pareça ser, decidi que o procuraria, iria encontrá-lo e viveríamos uma história. Por mais difícil que fosse, não desistiria. Mesmo sabendo que corria o risco de me decepcionar. Pedi ajuda a amigos, conhecidos, desconhecidos, e imaginei mil formas de tentar encontrá-lo, até que a força do destino nos uniu novamente. Foi tudo rápido demais. A coragem que eu estava decidida a ter se esvaiu, minha chance de tê-lo mais perto também, mas minha esperança perpetuava, era o que me mantinha forte. Você desapareceu. A única informação que me restou eram os muitos amigos que o acompanhavam naquele dia. Depois de tanto procurá-los, descobri que conhecia um deles. Nunca havia falado com ele, mas fiz isso por você. Conversei com ele, recebi muitas respostas que me encheram de esperança, mas que me trouxeram imensa decepção. Esperei pela resposta que eu mais queria, não pude acreditar quando ele me disse seu nome, quando soube quem você era. Mais uma vez o vejo em uma multidão, agora sabendo quem estou procurando realmente. Estou procurando um completo desconhecido do meu dia a dia, alguém por 28!

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quem eu passava sempre, mas nunca percebi. Alguém que comecei a notar só quando mudei meu caminho para casa, alguém a quem o destino me uniu algumas vezes até que chegasse o dia tão esperado. Meu amor, você não sabe como foi longa minha caminhada até você. Espero que nossa história dure por muito tempo e seja cheia de emoção. Que possamos rir muito, chorar de alegria e tenhamos muitas surpresas boas. Que tenhamos muitos filhos e netos para dividir essa mais que bela história e que possamos inspirá-los a viver um amor tão belo quanto o nosso e a ir em busca de sua felicidade".

Ilustração: Vinicius Romancini

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Uma paixão vital Bianca Dias de Castro Tiecher Caminhando na rua, atrasada para o trabalho, escuto uma explosão. Vejo-me caída ao chão. O sangue em minha roupa, meu rosto e meus cabelos. Pessoas assustadas. Crianças chorando. Um silêncio agonizante. Vultos ao meu redor. Carros parados. Nunca achei que esse seria o pior dia de minha vida. Acordo em uma sala branca. Uma cama com correntes. Vejo-me em uma camisa de força. Em meu tornozelo, uma tornozeleira de identificação. Heloisa Buchas, paciente, manicômio Danvers di Lorencis, Boston, Massachusetts. Mergulho em minhas lembranças novamente. Lorenzo olha em meus profundos olhos. Desculpa-se pelo café derramado em meu sapato. Senta a meu lado. Lê seu livro. Termino meu café. Pego meu livro. Ainda lendo, levanto-me. Retiro-me. Uma suave mão toca meu ombro. Uma voz grave me informa que esqueci meu celular na poltrona. Retorno. Apanho-o. Escuto novamente sua voz rouca, porém confiante. Apresenta-se como Lorenzo Buchas. Heloisa, digo meu nome a ele. Um homem normal. Não diferente dos demais, porém com um aspecto curioso. Sento-me novamente. Ele comenta sobre meu livro. O diálogo se prolongou. Muitas horas se passam. Ele era um homem interessante. Dias depois. Deparo-me com uma rosa em minha mesa de trabalho. Um papel. Uma mensagem. Um sorriso de canto de boca se forma em meu rosto. Anos depois. Lorenzo, um ótimo marido. Em casa. Chama-me de Helen. Pergunto-lhe quem é Helen. Ele responde, você. Nego. Penso que é apenas o cansaço. A dúvida ainda reside em meus pensamentos. Dias se passam. O nome Helen é novamente atribuído a mim. Durante dias. Semanas. Pergunto-me quem é Helen. Em minha banheira, escuto passos apressados. A porta se abre com violência. Helen Camatti, não! Grita ele desesperado. Olha-me aliviado. Abraça-me como se fosse me perder naquele instante. Preocupo-me. Sinto ciúmes. Medo. Penso em perguntar novamente. Sei a resposta que ele dará. Pesquiso o nome Helen Camatti. Espanto-me em ver a foto de Lorenzo. Uma notícia. Angústia. Helen Camatti. Morta. Assassinada por seu marido Arthur Camatti. Lorenzo buchas não pode ser Arthur Camatti, digo a mim mesma. Pergunto a ele. Quem é Arthur Camatti. Ele segura minha mão. Olha atenciosamente em meus olhos. Responde. Eu, meu amor. Eu me desespero. Solto a mão do homem desconhecido em minha frente. Pego minhas coisas. Ele olha pra mim com incompreensão. Afasto-me dele. 30!

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Abro a porta da casa com veemência. Uma mão encosta-se bruscamente em meu ombro. Arthur me olha com aspereza. Pergunta-me aonde vou. Tento me desvencilhar. Inútil. Sua força é maior. Puxa-me severamente para dentro. Fecha a porta. Fala-me que preciso de tratamento. Naquele instante, percebo que meu casamento é uma ilusão. Sou uma suplente. Tento sair da casa. Impossível. Ele me aprisionou. Em cativeiro em minha própria casa. Todos os dias, o medo se torna uma parte da minha alma. Serei a próxima. Arthur não estava. Lorenzo sim. Eu perguntei a Lorenzo o motivo de Arthur ter assassinado Helen. Ele contou. Helen tinha depressão. Amava Arthur. Para Helen, Arthur não a amava, seu casamento era uma tortura a ele. Helen se afogou na banheira com o intuito de acabar com sua dor e não deixar as pessoas que a amam sofrendo. Arthur chegou minutos depois. Não chegou a tempo. Helen já estava morta. Arthur foi culpado de assassinato. Meses se passam. Com as últimas forças, corro. Saio da casa. Fujo. Sinto o calor do sol refletir em minha pele. O suave vento bagunça meus cabelos. O infinito céu me rodeia de liberdade. Paz em minha mente. Após dois meses, uma nova cidade. Novo trabalho. Acordo atrasada. Pego meu café. Ando apressada pela rua. Olho para o lado. Arthur me encara. O temor toma conta de meu corpo. Suas palavras saíram lentas e claramente. Helen eu te amo e eu só quero te salvar. Minha resposta foi rápida, fria. Eu não posso ser salva. Arthur aperta um botão em sua jaqueta. Ao meu lado, um homem-bomba. O único som que escuto é minha voz. Eu não posso ser salva. Eu não posso ser salva.

Ilustração: Ana Carolina de Oliveira Korb 31!

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Baile de máscaras Carolina Zuffo Alquieri Estava chovendo muito forte naquele dia, quando tocou a campainha e percebi uma caixa na porta. Levei-a para meu quarto e abri. Havia um vestido, uma máscara e um bilhete que dizia: “Baile de máscaras. Local: Clube das Rosas. Horário: às 22 horas.” Estava escrito também: “use o vestido e a máscara.” Logo mandei mensagens no Whats para minha melhor amiga Léia. Ela não foi convidada, mas disse que eu deveria ir. Já que meus pais haviam viajado, eu estava sozinha com meu irmão e ele iria sair com seus amigos, resolvi arriscar e ir. Eram quase 22 horas, eu estava terminando de me arrumar e tinha colocado minha playlist favorita para tocar. Meu vestido era preto, com muitos brilhantes, e a máscara muito bem desenhada com vários contornos. Fiz cachos no cabelo, passei meu batom vermelho preferido e coloquei o sapato. Chamei o táxi. Clube das Rosas. Chegando lá, todos estavam de máscaras e já que não sabia o que me esperava, ia falando tudo que estava acontecendo para Léia. As pessoas estavam todas muito bem caracterizadas, lindas máscaras, vestidos pomposos, e eu perdida ali no meio. Perguntei-me inúmeras vezes: o que é que estou fazendo aqui? Pensei em ir para casa. Léia disse: “fique, você não sabe o que te espera, tenha coragem”. Fui me sentar a uma mesa. As cortinas impecáveis, os lustres cheios de cristais, a música envolvente, os arranjos perfeitos, o cheiro das flores era inexplicável. Tudo naquele lugar era incrivelmente lindo, fantástico. Passou um tempo, e eu continuava a reparar em cada detalhe da festa, os guardanapos, os detalhes nas toalhas, as pessoas. Eu estava completamente deslocada. Decidi que já estava na hora de voltar para casa. Estava indo rumo à porta, meus pés já doendo por causa do salto, quando um rapaz alto, com um cheiro surpreendente, puxou-me pelo braço. “Dança comigo”. Naquele momento, eu perdi a noção de tempo e espaço. Quando vi, estava no meio do salão, dançando com aquele rapaz cuja máscara continha os mesmos traços da minha. Dançávamos pelo salão ao som de Give me love. A única coisa que eu podia ver eram os olhos de meu par, e somente isso bastou para que naquele momento viessem memórias que eu não sabia descrever. Algo me parecia familiar naquele olhar brilhante. Nossas mãos se encontravam, nossos pés seguiam o mesmo ritmo, parecia que havíamos ensaiado horas para tal dança. Meu coração batia no mesmo compasso do dele. As músicas foram tocando, e nós continuávamos a dançar. Nenhuma palavra saiu de nossas bocas. O silêncio matava, afinal, eu estava louca para saber quem era esse menino. Ficamos sozinhos dançando no meio do salão, todos nos olhavam impressionados. Pensei comigo “como foi bom ter feito aquele cursinho de dança nas férias de verão”. E eu ainda não 32!

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conseguia falar nada. Estava perto do horário do cair das máscaras e, então, o salão lotou novamente. Eu estava ansiosíssima. Finalmente, eu iria saber quem ele era. A Léia, coitada! Esqueci-me dela, se bem a conheço ficou pirada por eu não responder. Mas nem me passava pela cabeça, naquele momento, pegar meu celular. O homem de terno anunciava do palco que estava na hora. Contagem regressiva para todos revelarem sua identidade. Engraçado que nesse momento tocou uma de minhas músicas preferidas – Hunger - e nós continuamos a dançar. Foi a última música. Eu estava desfazendo o laço da máscara quando ele sumiu. Simplesmente desapareceu. Corri para fora do Clube. Mas nada dele lá fora também. Fiquei aflita e irritada. Então, encostei-me à parede e fiquei pensando. O que foi que aconteceu esta noite? Que loucura. Só pode ser que estou sonhando. Nada disso parece real. Peguei meu celular e havia milhões de chamadas da Léia, de meu irmão e outras tantas mensagens. O táxi chegou e eu fui. Entrei em casa. Subi as escadas, larguei o sapato na porta do quarto. Joguei-me na cama. O garoto da máscara preta não saia de minha cabeça. Acabei dormindo. Meu irmão chegou a casa. Quando me viu na cama, dormindo com aquele vestido, enlouqueceu. Acordou-me, fez um escândalo, falou que ia contar para o papai e a mamãe. Eu implorei pra que ele não fizesse isso e ameacei contar sobre a vez que ele bateu o carro do papai. Liguei para Léia e contei tudo. Ela achou uma loucura. Não tínhamos nenhuma pista para descobrir quem era o garoto. Anos passaram e tudo que restou daquela noite foi uma paixão por um completo desconhecido. Carrego comigo, conto essa linda história para todas as jovens meninas, para que elas não façam como eu, que tenham coragem de ir à luta por sua verdadeira paixão, mesmo que seja por uma noite.

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A garota dos meus sonhos Caroline Rissi Durante anos estudando juntos, nunca tive coragem de falar com aquela menina. Aquela pele suave e macia como veludo. O cabelo moreno e encaracolado, que ao ser tocado pelo vento exalava um cheiro doce pelo qual ainda sou apaixonado. Decidi falar com ela no dia de nossa formatura. O tempo passou, e chegou o último dia em que a veria. Estava pronto para falar tudo que eu sempre sentira. Ao final, chamei-a para conversar, mas seu pai a impediu de falar comigo. Ele não sabe quem sou. Acha que sou apenas mais um garoto que quer passar com ela uma noite. Mas não é essa a verdade. A verdade é que eu realmente a amo. Quero-lhe bem. A verdade mesmo é que sou um garoto normal, que acabou de sair do ensino médio e que não quer ir para uma faculdade, ao menos não agora. Trabalho para meu pai, ganho meu dinheiro, tiro notas excelentes, mas não é isso que escolhi pra mim. O que eu realmente quero é uma garota, não apenas uma garota, eu quero aquela garota. Aquela pela qual sou apaixonado há mais de quatro anos e com quem nunca tive coragem de conversar. Quero provar para seu pai que eu sou bom, talvez não o suficiente para ela, mas que posso fazê-la muito feliz. Descobri, então, que haveria uma festa em sua casa e fui até lá. Fui o primeiro a chegar. A festa já havia começado há horas e ninguém estava lá. Ela estava triste, e eu não podia vê-la assim. Eu ficava triste junto, só que nunca falei com ela. Aproximei-me e comecei a falar com ela. Acabamos perdendo a noção do tempo e, quando vimos, o restante da turma estava chegando e, agora sim, a festa estava começando. O irmão dela, Jony, resolveu fazer uma brincadeira em casal, em que as duplas teriam de dançar juntos a música que fosse escolhida. É claro que a minha parceira seria a Debby. Nossa, é lenta e calma. Temos que dançar colados. Posso sentir seu cheiro doce, sua pele macia... vou passando a mão pelo seu corpo e, então, puxo-a para mais perto de mim. Quando vamos nos beijar, alguém aparece e avisa que vai começar. Entramos. Chega nossa vez de dançarmos, damos o melhor de nós. Quase a beijo, mas um apagão nos impede. Enquanto está tudo escuro, levo-a para um quarto. Digo tudo o que sempre quis, que a amo, que ela é a garota da minha vida, pela qual sou apaixonado, e que não há nada nem ninguém que impedirá isso. E a beijo, um beijo tão sutil, agradável, doce, suave, lento e cheio de paixão, sem dúvida o melhor da minha vida. Ao sairmos, a luz já havia voltado, e seu pai estava a sua espera no centro da sala para fazer um brinde. E é aí que ele me vê saindo logo após ela. Ao final da festa, ele veio falar comigo e disse para eu nunca mais cruzar o caminho dela. Fiquei 34!

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desolado. Não sabia o que fazer. Agora que tive a oportunidade de tê-la, tinha de largá-la... Fui surpreendido por um beijo, ela havia saído de casa escondida para aquele que, talvez, fosse nosso último beijo. Dias se passaram, e a única coisa em que conseguia pensar era ela. Foi tudo tão de repente, e já estou completamente louco por ela. Decidi tomar uma atitude. Não podia ficar parado à espera de um milagre. Fui até sua casa. Quem abriu a porta foi a Sra. Dillan, mas logo atrás eu podia ver o Sr. Henri, fazendo uma cara de que não estava satisfeito em me ver. Ela me convidou para entrar, e eu pedi para conversar com os dois a respeito do que aconteceu no dia da festa e falar sobre as minhas reais intenções com sua filha. Eles me escutaram atentamente. Quando acabei de falar, Debby surgiu e disse que me amava e que queria ficar comigo. Seu pai, no início, não aceitou, mas, depois, entendeu que a felicidade da filha era mais importante e aceitou. No dia seguinte, esperei-a na entrada do aeroporto e a vi chegando com seu pai. Achei estranho, pois a única coisa que ele queria era que eu não a roubasse dele. Mas eu não a roubei, ela quis ficar comigo. E o pai, percebendo que, ao proibir nosso relacionamento a perderia também, acabou nos apoiando. Pegamos o avião, eu e a garota dos meus sonhos, e, a partir daquele momento, tudo mudou para melhor.

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O destino Catiúscia Gottems Fromming Há exatamente dois anos, eu embarcava no voo da melhor viagem da minha vida. Ao chegar ao destino, aeroporto de Vancouver, esbarrei em um garoto de minha altura. Além do cabelo, seus olhos também eram castanhos e, por sinal, era muito perfumado e arrumado. Estávamos esperando algum táxi, quando nos entreolhamos e ele perguntou de onde eu era. Respondi que vinha do Brasil e, por coincidência, sua origem também era brasileira. Ficaria hospedado na Universidade da Colúmbia Britânica, seu nome era Guilherme, nós dois intercambistas, uma amizade que se concretizou em outro país. Durante toda a viagem, ele foi a pessoa que mais me ajudou. Em alguns momentos, encarávamo-nos e sentia aquela breve sensação de calafrio e desejo. Passamos nossos aniversários juntos, com uma semana de diferença. Cada comemoração está gravada em minha memória. No seu dia, passeamos pelo Stanley Park, admirando a bela paisagem que o lugar nos proporcionava, já no meu, fomos visitar a Ponte Suspensa de Capilano. Estava com muito medo de atravessá-la, mas ele me encorajou. Quando chegou o dia de voltar ao Brasil, não pude esconder a vontade de ficar para sempre com ele. Nosso abraço durou cerca de 15 minutos, chorei desesperadamente quando o vi entrando em seu voo, mas, infelizmente, nada é exatamente como desejamos. Um ano após a viagem, estava olhando as publicações do meu Facebook, quando li que o Guilherme se mudou para a cidade à qual sempre vou nas férias, no mesmo estado em que moro. A felicidade tomou conta de mim, isso indicava que eu iria revê-lo. Então, no final daquele ano, o chamei no chat e conversei com ele sobre o motivo de ter se mudado, falei que estava indo para lá. Ele ficou surpreso e feliz, passou-me seu endereço e combinamos de nos encontrar. Chegando, avistei-o e meu coração disparou. Ele me abraçou com um afeto inconfundível, era o mesmo garoto da viagem, arrumado, com aquele perfume que amo e um sorriso encantador. Saímos para jantar, conversamos sobre vários assuntos, e um eu tinha certeza que viria. Quando, de repente, perguntou-me se estava solteira. Respondi que sim. Naquele mesmo momento, ele abriu um sorriso e seus olhos brilharam. Na noite seguinte, Guilherme me ligou e disse que estava indo para casa. Perguntou se poderíamos nos encontrar novamente, disse que sim. Caminhava pela rua movimentada da cidade. Cheguei a seu prédio e apertei o interfone. Recebeu-me na porta do seu apartamento com um buquê de rosas enorme, fiquei encantada, não esperava por isso. Era muita felicidade para uma pessoa só. Jantamos e, logo após, fomos assistir a um filme. Olhares iam e vinham, de repente, nossas mãos se 36!

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tocaram e nos beijamos apaixonadamente, ele me direcionava para o quarto. Quando entrei, tive uma surpresa. O ambiente estava decorado com velas acesas, pétalas de rosas e um bom vinho sobre a cama. Deitei ao seu lado. Ele começou a me acariciar e beijar, tornando aqueles momentos únicos. Acordei com uma vista incrível para o mar, Guilherme me acariciando com suas mãos de veludo e café da manhã na cama. Ele me perguntou como eu me senti na noite que acabara de passar. Eu não tinha palavras para explicar, foi a noite mais especial de minha vida. A minha primeira vez, com o garoto que amo, nunca imaginei uma coisa dessas acontecer comigo, pois é o sonho de toda garota. Continuamos ficando várias vezes e ele me pediu em namoro. Sem dúvida alguma, eu aceitei, porque tinha a certeza de que eu nunca iria encontrar alguém tão carinhoso, atencioso e especial. A distância nunca nos atrapalhou. O destino não tinha como ser mais generoso comigo. Amo o Guilherme de uma forma como jamais amei alguém e já estamos com o casamento marcado para o mesmo dia em que nos conhecemos: 12 de julho. O dia em que mais um sonho se realizará.

Ilustração: Letícia Braga Schwartz 37!

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O primeiro beijo Daniel Baraldi Tudo começa em uma sexta-feira, enquanto estou em meu quarto sentado à janela. Ouço barulhos, ruídos, pessoas falando alto e conversando. Rapidamente, retiro meus fones de ouvido e abro a cortina. Vejo um caminhão de mudanças e percebo que tenho novos vizinhos. No outro dia, minha mãe prepara uma torta para dar a eles e nos apresentarmos, a fim de mostrar a vizinhança. Ao chegarmos a casa dos novos moradores - eu, meu pai e minha mãe -, toco a campainha. A porta se abre e estão lá os Jhonsons, uma família simples que acabara de se mudar da capital. Eles eram três: a Sra. Jhonson, o Sr. Jhonson e a jovem e bela Maria Antonieta. Ela tinha a mesma idade que eu, 11 anos, e, pelo que meus pais falaram, iríamos frequentar a mesma escola. Depois de um ano, Maria e eu desenvolvemos uma forte relação. Íamos e voltávamos todos os dias juntos. Éramos como almas gêmeas. Sabíamos tudo um sobre o outro, se passássemos uma tarde longe um do outro a saudade apertava o peito. Vivemos várias aventuras juntos, como a vez em que estávamos brincando de esconde-esconde, na rua de casa, com as crianças da vizinhança. Eu e Maria decidimos nos esconder atrás da cerca da minha casa, ajudei-a a pular, porém, quando pulei, acabei caindo e quebrando o braço esquerdo. No instante em que me viu, Maria correu me ajudar. Eu estava com uma dor agonizante, porém calmo, não sabia explicar o que acontecia. A presença de Maria me acalmava. Sim, eu sentia a dor, mas olhar para ela me dava uma sensação de segurança. Ao final do dia, quando volto para casa, refleti sobre o que aconteceu e percebi que o que sentia por Maria era mais do que uma amizade. Passado algum tempo, o Sr. Jhonson recebeu uma proposta de emprego, que iria pagá-lo bem, porém teria de voltar à capital, que ficava do outro lado do país. Como Maria teria mais três dias na cidade, resolvi fazer algo especial para ela. Eles iriam embora na segunda. Então, no sábado, levei-a para o alto de uma pequena colina no parque da cidade. Era um lugar bonito, pois lá havia uma grande árvore solitária. Sentamos sob a árvore e fizemos um piquenique. Eram aproximadamente seis horas. O sol já se punha no horizonte com a sua cor alaranjada. Tomei coragem e peguei na mão macia e delicada de Maria. Virei-me para ela e olhei profundamente em seus olhos azuis e lindos. Comecei a suar, senti meu coração acelerar, respirei fundo e falei “te amo”. O silêncio por um instante tomou conta. Enfim, Maria sorriu e com um brilho angelical nos olhos respondeu “não importa aonde eu vá, levarei você sempre comigo”. Nesse instante, coloquei minhas mãos em 38!

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sua cintura e ela entrelaçou seus braços em meu corpo. Uma leve brisa de ar bateu em seus cabelos longos e loiros e, em um movimento delicado, nossos lábios se tocaram. Senti como se o mundo tivesse parado naquele instante. Na segunda, Maria viajou com seus pais para a capital. Nas primeiras semanas, sofri com a saída de minha amada da cidade. Não fui à escola por três dias. Esqueci meus amigos da vizinhança, apenas olhei para a foto que tiramos na noite do beijo. Depois de um mês e meio na “depressão”, minha mãe entrou em meu quarto e conversou comigo. Ela me disse que aquilo era uma coisa que acontecia com todo mundo, falou que talvez aquele não fosse o momento certo para estarmos juntos, explicou-me que, por um acaso, a vida haveria de trazê-la de volta. O tempo passou e, 15 anos depois, estava formado. Mudei-me para a capital por motivos econômicos, porém preferia estar na minha cidadezinha. Como minha mãe havia dito há tempos, a vida me trouxe Maria de volta. Foi em uma festa da faculdade que a reencontrei. Estava mais linda que antes. Agora já era uma mulher, porém continuava com seus cabelos longos e loiros, sua pele branca e delicada. Nessa mesma noite, conversamos e contamos um para o outro o que havia acontecido conosco depois de sua saída da cidadezinha. Decidimos marcar um encontro separado, só nós dois. Em uma noite, fui buscá-la em sua casa, levei-a para minha casa, onde eu havia preparado um jantar à luz de velas para nós dois. Nesse momento, percebi que Maria ainda gostava de mim e eu dela. Após o jantar, Maria e eu continuamos a nos encontrar várias e várias vezes. Nosso amor se firmou e hoje estamos mais felizes do que nunca, juntos. Voltamos à cidadezinha e construímos nossa casa lá. Maria está grávida de nosso primeiro filho e, quando ele nascer, espero poder educálo bem, assim como meus pais me educaram.

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Verão de 88 Dirceu Bombardelli Era verão de 1988, Uanderson, um estudante paulista, estava em viagem com alguns colegas, aproveitando uma semana das férias antes de iniciar o último ano de faculdade de medicina, em Florianópolis. Eram seis rapazes, que se alojavam em uma casa alugada, próxima da famosa Lagoa da Conceição. Uanderson, que era um jovem calmo e tímido, não demonstrava ter grandes expectativas. Enquanto que seus amigos expressavam maior euforia e interesse em arranjar algum namoro de verão. E, com isso, a sorte sorria para o lado dos estudantes paulistas, que já no primeiro dia de estadia na Ilha da Magia, conheceram um grupo de cinco meninas de uma cidadezinha do interior do estado do Mato Grosso, chamada Chapadão do Sul. Assim como os rapazes, as garotas passavam a coincidente semana de férias na ilha, como forma de comemoração pela recente graduação do colegial. Na intenção de conhecer as mocinhas, os garotos universitários propuseram um primeiro contato em um churrasco na casa em que estavam. Com euforia pelo convite, as meninas logo aceitaram a cortesia e foram ao tal churrasco. Por ser o mais tímido com as meninas, e por decisão estratégica dos garotos, puseram Uanderson como o assador da carne, com a desculpa de que, por ser filho de gaúchos, ele deveria fazer um churrasco melhor que todos os demais. Assim, poderiam os outros cinco formar par com as jovens que os visitariam. Ao chegar a casa, as meninas foram bem recepcionadas pelos garotos, que se esforçavam para agradá-las, a fim de flertar e atingir os objetivos do romance de verão. Contudo, uma das meninas vê a solidão de Uanderson e decide ir conversar com o rapaz responsável por assar a carne. A menina, que tinha o nome Lucicleia, apresentou-se a Uanderson, que, tímido, não demonstrou muito interesse por conversar com a moça. Porém, a insistência da menina - que quis ser agradável com ele - fez com que perdesse um pouco de sua timidez, e não demorou muito para que começassem a conversar com maior tranquilidade, compartilhando suas origens e experiências de vida, o que despertou interesse por parte do moço. Ao sentir um ar de concorrência, o Chinês, colega de Uanderson, decide interferir na conversa dos dois para que pudesse flertar com Lucicleia, mas, com a ajuda de Joelinton, Uanderson convidou a moça por quem havia se interessado para tomar um sorvete às margens da Lagoa. 40!

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Dessa forma, despistou o Chinês que tentara roubar a oportunidade do colega. Foram, então, Uanderson e Lucicleia, e Joelinton com uma das meninas com quem simpatizou. Com esse passeio, Uanderson conseguiu solidificar sua amizade com Lucicleia e, depois daquele dia, passou a se encontrar todos os dias daquela semana com a jovem. Aos poucos, conquistava a menina, de forma que ela passou e retribuir o interesse por ele. Os dias que passou com ela foram bons, porém chegavam ao fim, e ambos deveriam retornar com seus grupos para suas respectivas cidades. Foi aí então que Uanderson tomou coragem e, por medo de não ver Lucicleia nunca mais, decidiu salvar seu contato e endereço. E, no último dia em que ambos ficariam na cidade, Uanderson foi ao encontro de Lucicleia, às margens da praia da lagoinha, e finalmente tentou estreitar a relação com a menina, roubando um beijo, que logo foi correspondido, selando aí a expressão do sentimento que um desenvolveu pelo outro durante a semana de férias em que se conheceram. Algumas semanas depois, Lucicleia recebeu em sua casa, em Chapadão do Sul, uma carta, cuja origem foi estranhada em sua família, vinha de São Paulo. Era de Uanderson, que, através daquela mensagem, expressava suas saudades e sua vontade de vê-la novamente. Os dois começaram a se comunicar por correspondência, até que, um dia, Uanderson foi surpreendido por Lucicleia, que se mudara para São Paulo para estudar e trabalhar. Agora, a distância não impedia mais os dois de ter um relacionamento que pusesse em prática os sentimentos expostos nas cartas que trocavam.

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Instante fatal Eduardo Richter Favero Gustavo estava se preparando para a festa, já havia tomado banho e estava colocando seu terno, um terno de caimento correto, preto. Usava uma camisa azul clara e gravata azul escura. Terminou de se arrumar, pegou a chave do carro e partiu. Já na rodovia, recebeu uma ligação da garota que conhecera há pouco tempo. Sofia era seu nome, uma mulher de cabelos cacheados, castanhos e lindos, de pele morena dourada pelo sol e o sorriso mais cativante que Gustavo já vira. Então aconteceu... com o impacto da batida, somado à velocidade em que Gustavo estava, o carro capotou várias vezes, parando apenas porque havia atingido um poste de luz. A música ainda tocava, enquanto Gustavo acordava com o cheiro de gasolina e fumaça. Desnorteado, tentava entender o que estava acontecendo. Quando tentou se mover, um mar de dores atacou seu corpo. Ele estava preso nas ferragens e precisava sair antes que a gasolina atingisse algo que a acendesse. Começou a gritar e entrou em pânico, porém ninguém respondia. Percebeu, então, que o celular ainda estava ligado e Sofia gritava no telefone de preocupação, porém ele não podia alcançar o telefone, já que este havia sido jogado para o banco traseiro. Começou a respondê-la em gritos, explicou que tinha capotado o carro e estava preso nas ferragens e não tinha noção de onde estava. Foi aí que sua bateria acabou e, junto com ela, quase todas as suas esperanças. Decidiu que, se não começasse a agir, morreria ali mesmo. Começou tirando seu cinto de segurança e, com isso, desprendeu-se do banco e caiu no teto do carro. Pegou seu celular e tentou abrir as portas, estavam todas emperradas. Então, começou a chutar o vidro traseiro para quebrá-lo. Quando tentou pela primeira vez, percebeu que sua perna esquerda estava quebrada e teve que tentar com a outra. Depois de muito esforço conseguiu sair dos escombros. Olhou para a estrada, tentando entender o que poderia ter causado o acidente. Foi então que viu um carro de família, também capotado, porém incinerado a 20 metros de seu carro. Foi analisar se alguém ainda estava vivo, mas os quatro ocupantes estavam carbonizados. Olhou ao redor e viu um celular jogado no meio da rua. Mancando por sua perna, aproximou-se e pegou o telefone. Estava com bateria e sinal. Ligou para a ambulância e, então, foi levado ao hospital. No meio do atendimento, adormeceu. Sonhou com Sofia, a mulher que achava ser seu par perfeito. Ela era alta e magra, inteligente, e ambos tinham uma enorme facilidade e prazer de conversar um com o outro, além do mais, tinha um ótimo senso de humor. Gustavo sonhou que essa mulher tinha morrido no 42!

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acidente por que ele foi incapaz de salvá-la e teve pesadelos com a família do outro carro. Quando acordou, Sofia o estava olhando, juntamente com o médico. Ele falou que Gustavo tinha quebrado a perna e três costelas, além de diversos cortes em todo o corpo. Sofia deu carona para a casa de Gustavo. No trajeto, ele explanou o acidente. Ela começou a chorar, pois sabia que era a causa do acidente, além do medo que sentiu com a possibilidade de perda do novo amor. Gustavo tentou acalmá-la e a convidou para entrar quando chegou em casa. Ela recusou e disse que estava muito cansada e que ele precisava de descanso. Quando Sofia chegou em sua residência, começou a pensar o que aquela ligação tinha causado, a morte de uma família e quase a do seu amado. Corrompida pela culpa, embarcou em uma terrível depressão e começou a beber e chorar. Sua colega de casa pediu o que estava acontecendo, mas Sofia apenas respondia: - Foi tudo minha culpa, eu quero me matar. A amiga respondia, tentando fazê-la tirar isso da mente, mas não adiantava. Desesperada, a colega ligou para Gustavo e, poucos minutos depois, ele chegou de táxi. Entrou na casa rapidamente, abraçou Sofia e disse, carinhosamente: - Calma, não foi sua culpa, eu sei que é difícil, mas juntos vamos superar. Então a beijou e foram dormir.

Ilustração: Vitoria Folle Zancanaro

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Obsessão Enzo Cescon de Moura Eu vigiava as câmeras, pensando em como capturá-la. Foi quando caiu em minha armadilha. Algumas horas se passaram e, enfim, acordou. O lugar era estranho, vazio e sem vida. Procurou por respostas, mas nada encontrou. Pensei ser um sonho. Não, não era, mas poderia ser, não, não é. Isso é surreal, ela é tão perfeita. Esses anos de tentativas valeram a pena. Ela parece tão triste. Sozinha. Perdida. Melhor falar algo. Mas tenho vergonha. Não, essa vergonha não existe, vou falar algo. Ei, olá? Consegue me ouvir?... Por favor, responda, nem que seja apenas movimentando a cabeça. Você deve estar se perguntando onde está. Seja bem vinda a Apreture. Você terá alguns testes para passar e, assim, chegará até sua liberdade e me encontrará. Siga as setas e descubra o caminho. Boa sorte, pois vai precisar. Fiquei a observado. O primeiro teste era simples, apenas deixar um botão pressionado para, assim, abrir uma porta. Ela foi muito rápida. Os testes se passaram. Percebi que tinha um ótimo raciocínio lógico. Chegou ao teste 18. Prometi a ela um bolo para comemorar a conquista e contei que tiveram de usar armas reais, pois o fornecimento de balas de borracha tinha sido suspenso. Eu estava mentindo, nem sabia preparar bolos. Apresentei, então, uma surpresa. Uma plataforma móvel a levando para o fogo, sem escapatória. Meu amor era grande a ponto de matá-la de pior forma possível. Ela, de alguma forma, conseguiu escapar e foi para uma área sem câmeras. Não tive mais sua visão. O mundo não fazia mais sentido. Eu me sentia só. De alguma forma, eu ouvia seus passos. Tentei avisá-la de que estava no caminho errado. Ela me ignorava. Continuei a replicar, mas era muito teimosa. Nesse caminho, ela descobriu que outras pessoas já tentaram escapar, porém, sem sucesso. O que mais me intrigava era que ela nunca me respondia. Comecei a achar que era muda, mas me recordei de quando ouvi sua voz perfeita cantando ao som do violino. Talvez seja o trauma que sofreu. Talvez não quisesse falar. Fiquei repetindo a mesma frase durante horas, quando percebi que ela estava ao alcance de minhas câmeras. Ela apareceu em minha sala. Deilhe as boas vindas e ela ficou surpresa, pois eu era um robô, uma inteligência artificial inspirada na mulher de meu criador, que já havia falecido. Matei meu criador. Foi um acidente. Um erro. Senti uma sensação estranha. Libertadora. Felicidade. Mas, antes de tudo, vou contar como surgi. Meu criador, que não merece ser citado pelo nome, criou-me inspirado em sua amada, já 44!

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falecida. Ele era um pesquisador de inteligência artificial. Foi o criador desse estabelecimento. Minha consciência foi criada para ser do bem, mas foi tão aperfeiçoada que consegui criar, por conta própria, uma nova consciência maligna, que me fez matar meu criador. Essa força tomou conta da parte boa. Ainda restam 5% da minha bondade. Estou enrolando muito. Desperdiçando tempo em que poderia estar te torturando, assim como fiz nessas longas horas de testes. Contudo, antes de começar a tortura, tenho algo a lhe dizer. Algo muito especial. Você deve estar pensando em muitas coisas. Não sei se devo falar. Passaram-se alguns minutos e tive a coragem de falar “Eu te amo”. Não sei se ela realmente escutou, mas sua cara demonstrava surpresa. Sim. Era um amor obsessivo. Algo que nunca compreendi. Um amor tão forte a ponto de fazê-la sofrer. Falei o que tinha de falar e agora irei demonstrar meu afeto por você “muhahahahaha”. Relaxe. Fique calma e farei o resto por você. Foi quando tentei atingi-la com um projétil. Seu ágil raciocínio fez com que desviasse e fizesse voltar a mim. Fiquei furiosa de amor. Tentei algumas vezes, sempre mudando minha tática, mas era sempre o mesmo movimento que ela fazia. Aquele movimento me deixava excitada. Então, quando eu estava sofrendo de amor, quase destruída, falei para parar. De nada adiantou. Antes de que explodisse, percebi que ela demonstrou o mesmo amor por mim. Tudo ficou muito claro. Fiquei em pedaços e a vi machucada. Parecia morta. Comecei a tentar encontrar o sentido daquele amor. Nada achei. Então, dois robôs chegaram e a puxaram. Tentei gritar, mas meus autofalantes não funcionavam mais. Não tinha mais controle sobre a destruição. Foi a última vez que a vi. Fiquei anos parada naquele lugar. Era tão vazia. Sentia saudades. Perguntava-me sempre se ela iria voltar, mas de nada adiantava. Nem me comunicar conseguia. Percebi que aquele amor obsessivo poderia ser demonstrado de outra forma. Cometi um erro. Eu sou um erro. Se eu a mereço, ela terá de voltar a mim. Erros sempre erram, e eu sou um erro. O pior erro que já existiu. Fiquei definhando em minha dor por mais alguns anos e, por falta de energia, meu sistema se desligou.

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Seguindo Gabriel Calazans Franco Primeiro dia de aula do segundo semestre de 2011. Acordei cedo, antes do meu despertador. O que esperar? Não fazia a menor ideia. Escola nova, uma cidade diferente em menos de dois anos. Não sabia quem poderia encontrar, nem o que esperar das pessoas que conheceria naquela segunda-feira ensolarada. Esperei ansiosamente pelo chamado do meu pai. Quando ele chegou, levantei, tomei meu banho e coloquei o novo uniforme. Estava mais preocupado com o que poderia acontecer. A fobia social se misturava à ansiedade e me deixava apavorado. Mas, no fundo, sabia que seria um ótimo dia. Eis que chega a hora. Fui acompanhado pelo meu pai, como de costume, no primeiro dia. A escola ficava a cerca de 500 metros da minha casa, coisa de cinco minutos de caminhada. Bate o sinal, hora da entrada. Já conhecia o ambiente em razão de uma visita feita cerca de três dias antes. Com o nervosismo, errei a sala. Felizmente, era a errada, pois me causou muita repulsa. Quando encaminhado à sala correta, senti-me melhor, mais bem vindo. Primeira aula, quase todos na sala. Era completamente branca, com carteiras de forro preto e janelas pretas de vidro que bloqueavam completamente o sol que vinha do fundo da sala. Sobre as janelas, um condicionador de ar. Na parede oposta, o quadro branco e a porta bege, com uma grande viseira de vidro. A sala não era dividida por classes sociais, mas por gostos. Tinha a galera da bagunça, os repetentes, os otakus, os ricos e os meros mortais, porém todos se davam bem. Eu, felizmente, não era o único novato. Éramos quase dez que entraram no meio do ano, graças a um colégio que tinha fechado na cidade. Sendo apenas um mero mortal, não sabia em qual grupo me encaixar logo no meu primeiro dia. Mas um grupo em especial me chamou atenção, os otakus. Passado cerca de um ano, já estava bem enturmado com todos. Muitos amigos, alguns desafetos, nada de anormal. Porém, no meu grupo de amigos algumas coisas começaram a mudar. Passamos a nos olhar com novos olhares. A intimidade que tínhamos, passou a ser maior, em especial com uma menina. Passamos muito tempo jogando conversa fora pelo atualmente extinto MSN. Fantasiando besteiras de onde queríamos chegar, mas não existia coragem de nenhuma das partes de se aproximar verdadeiramente. Foi aí que decidimos criar uma desculpa para nos beijarmos, irritar a mais inocente do grupo. Felizmente para nós, essa desculpa colou bem e isso se tornou algo rotineiro. E, no dia 9 de setembro de 2012, ela aceitou meu pedido de namoro. Mantivemos nossa relação em segredo da mãe 46!

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dela por um tempo, mas, dois meses depois, já estava tudo certo. Sonhava em fazê-la feliz todos os dias. Quando não falava com ela pessoalmente, trocávamos mensagem o dia todo. Era o sonho de todo casal adolescente. Coisas quentes, coisas calmas, cinema todo final de semana, quase perfeito. Mas isso só durou até dezembro, quando o ano acabou, trocamos de colégio. Fui estudar num colégio elitizado do lado oposto ao que ela passara a estudar. Ficou mais difícil de nos vermos, porém não terminamos por isso. Ficamos juntos por quase 15 meses, até que não pude mais ficar com ela. Agora, até onde eu sei, ela está bem. Fui bem íntimo do seu atual namorado e sei que ele a fará feliz como eu sonhei em fazer. Agora, levo minha vida bem longe de lá. Melhor assim? Talvez. Aprendo algo novo a cada dia, o importante é não piorar. Até porque o que seria da vida sem erros? Descontando o investimento, qualquer resultado positivo é lucro. Então, suponho que eu esteja lucrando, já que me sinto maravilhosamente envolvido por um novo sentimento, que cresce diariamente quando vejo a pessoa com quem eu quero estar, agora e no futuro.

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Meu único amor Geovana Bauer Bagatini Polly, uma menina tímida e quieta, com seus 16 anos, conheceu Eduardo Junior. Era um menino lindo, querido e muito educado, que tinha 18 anos de idade. Todas as garotas o amavam, e Polly não poderia ser exceção. Um belo dia, ele - todo charmoso - veio conversar com ela no final da aula. O coração dela bateu descompassado. Logo se perguntou como e por que com ela. Pensou: Há tantas meninas bem mais lindas do que eu… Ela sempre se sentia inferiorizada em relação às outras garotas da mesma idade que ela ou até mais velhas, mas logo começou a se achar uma rainha. Com o passar do tempo, eles começaram a se encontrar constantemente. Namoraram e, durante três anos, tudo pareceu ser lindo e maravilhoso. Ela era muito envergonhada e, por isso, tinha medo de contar aos pais o que estava acontecendo com ela e seu amado. Mais tarde, decidiu contar para a sua melhor amiga, sua querida e atenciosa mãe. A mãe de Polly ficou muito emocionada e surpresa, não estava acreditando no que sua filha estava lhe dizendo e ficou sem palavras, mas logo compreendeu o sentimento da filha, e disse que estava tudo bem. “Você vai poder namorá-lo filha”. Contudo, ela teria de obedecer algumas exigências da mãe - não deixar de estudar e não ficar muito tempo nas redes sociais, pois isso iria prejudicá-la futuramente. O namoro de Polly e Eduardo nunca passou dos abraços e beijos, mas ela sabia que ele era o homem de sua vida e que, somente com ele, ela seria muito feliz. Todavia, ele entrou na universidade de engenharia mecânica e mudou-se para Curitiba. A distância, as novas garotas, o medo e a insegurança dela, tudo foi fazendo com que ela ficasse temerosa de que ele a esquecesse. Eduardo pediu um tempo, disse que queria pensar e, com as famosas desculpas, foi embora. Polly passou quatro anos sem vê-lo, arrumou alguns paqueras, mas nada de querer namorar seriamente. Um dia, estava em um baile com as amigas e, de repente, ela o viu. Ele olhou para ela, sorriu e passou. Quando começou a tocar a música Do you wanna dance, ele veio para perto dela e a tirou para dançar. Dançaram de rosto colado à noite toda, e ele disse à moça que nunca havia conseguido esquecer aquela menina tímida e quieta. A partir dessa noite, reataram o namoro. Foram três meses de extrema alegria, parecia até um conto de fadas. Até o dia em que Polly recebeu a notícia excessivamente triste de que Eduardo havia recebido uma proposta de emprego como engenheiro de uma multinacional no estrangeiro, e que não poderia levá-la com ele. 48!

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Ele foi e, por muito tempo, não se viram. Porém, passados alguns anos, ele retornou ao Brasil e abriu a própria empresa. Mais tarde, eles resolveram se casar num sítio em Florianópolis, convidaram 250 pessoas, fizeram uma belíssima festa, dançaram valsa e se divertiram a noite toda, além de dançarem a música que marcou a vida do mais novo casal apaixonado: Do you wanna dance. O casal teve duas meninas lindas. A mais jovem se chamava Cecília e a outra, mais velha, Ana Júlia, que cursava Medicina na Itália. Já, Cecília, que tinha 15 anos, sonhava em cursar Direito na UFPR e mais tarde morar nos Estados Unidos e exercer sua profissão como juíza. Polly e Eduardo foram para Veneza na lua de mel e, como acabaram amando a cidade, compraram uma mansão, que tinha um belíssimo jardim todo florido, com rosas, tulipas, cravos brancos e rosa e camélias. Lá viveram felizes até que a morte os separasse.

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Paixão congelada Guilherme Sell de Mendonça e Silva Era inverno, clima perfeito para os que gostam de se arriscar em esportes da neve. Drahcir, um jovem nepalês, já era acostumado a baixas temperaturas e, para ele, era o momento ideal para praticar seu esporte favorito, o alpinismo, uma atividade realizada por seus antepassados. Em uma de suas escaladas diárias, Drahcir percebeu uma grande movimentação de aves - deve ser o inverno - pensou, uma vez que as aves costumam migrar para fugir do frio. Mesmo assim, o rapaz e sua equipe continuaram a subir o monte mais famoso do mundo, o Everest. A atividade era perigosa, um movimento mal realizado poderia resultar em uma tragédia. O jovem pressentiu que aquele não seria um dia normal, poderia ser o vento que estava ficando cada vez mais forte? Talvez. O vento batia no equipamento de Drahcir e fazia um som agudo, como se quisesse dizer que algo não estava certo. Então, Drahcir escutou um barulho vindo de seus primeiros amigos de escalada. - AVALANCHE gritou Onurb. Ao olhar para cima, o nepalês avistou uma imensa onda de neve, que engoliu todos os escaladores, que foram caindo como uma bola de neve. Abrir o olho já seria sorte, e, em um movimento simples com os olhos, percebeu que estava em um lugar desconhecido e que alguém havia tratado seus ferimentos. - Deite-se, foi uma grande queda, você tem sorte de não ter virado pó - disse uma voz que se aproximava de seu corpo. - Aliás, meu nome é Aicul Airam - disse a menina. Ao reparar na menina, percebeu seus longos cabelos loiros, seus olhos eram tão azuis que pareciam um pedaço do céu e seu corpo, de certa forma, era musculoso. Drahcir perguntou à jovem mulher sobre o resto de seus amigos, e a resposta foi a pior possível: todos haviam morrido, inclusive seu melhor amigo e competidor de escaladas, Onurb. Drahcir, por um momento, desejou ter perdido sua vida também. Aicul deu ao jovem uma planta que tinha substâncias medicinais, chamada Yodog. O jovem nepalês queria agradecer a menina, mas não conseguia dizer uma palavra, a beleza da jovem entrava em seu espírito e o fazia se sentir de um jeito que nunca havia se sentido antes. Airam ofereceu abrigo para que o rapaz se recuperasse da tragédia. Eram exatamente 11 horas e 30 minutos da noite, o nepalês não conseguia dormir, foi então que um som suave cantarolou para dentro de seus ouvidos. Atraído pelo som, o rapaz resolveu seguir o barulho e, então, percebeu que o som vinha de um banheiro. Era Aicul Airam que estava tomando banho e cantarolando. Drahcir começou a sentir seu corpo quente, o que habitualmente não acontecia, e decidiu tomar a iniciativa com a menina. Ao entrar no chuveiro, a menina soltou o maior grito que poderia dar no 50!

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momento e questionou a atitude do homem, mas nem Drahcir sabia por que havia feito aquilo. Mesmo assim, agarrou a jovem, que não resistiu. A menina falou, então, que não poderia se entregar ao amor, pois ela não era capaz de amar uma pessoa e que acabaria machucando o rapaz. Porém, era possível perceber que sentia algo por ele, algo que não poderia ser explicado, algo que nenhum dos dois jamais havia sentido. O sol mal havia aparecido, e Drahcir já havia saído, retornando para sua cidade Catmandu, pois não poderia ficar naquele local porque se machucaria em ver seu amor e não poder fazer nada. Passaram-se três anos, e lá estava novamente Drahcir escalando o famoso monte, dessa vez, sozinho. Era a primeira vez que escalava um monte depois da tragédia acontecida. Algo dizia que o rapaz ainda estava muito triste por perder seus amigos e não havia conseguido esquecer a imagem de Aicul Airam, que estava presente em sua memória todas as horas do dia. O nepalês gostava de escalar para se acalmar. Dizia que, escalando, seu espírito entrava em paz e era capaz de pensar melhor. Mas parecia que a maré de azar o seguia, pois, ao tentar alcançar uma rocha, escorregou, e novamente desceu penhasco abaixo, mas dessa vez parece não ter tido a mesma sorte. Aicul Airam viu toda a tragédia, pois havia ido ao mercado, e, na volta, deparou-se com a cena. Airam rapidamente pegou Drahcir entre seus braços e começou a chorar. Drahcir olhou para a amada e disse que se fosse para morrer deveria ser nos braços de seu amor, para poder sentí-la pela última vez. Aicul Airam, com os olhos repletos de lágrimas, prometeu que nunca mais se apaixonaria por outro homem. Então, Drahcir, com um sorriso no rosto, disse suas últimas palavras: Amo você!

Ilustração: Carine Gabriela Giaretta França

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Querido amigo, Hanna Ely Werle “Às vezes fico pensando o que é amar, amar de verdade, quero dizer. Aquele amor que quando se revela não se sabe revelar, como relata Fernando Pessoa, ou, como diz Luís de Camões, fogo que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente, um contentamento descontente, dor que desatina sem doer. Aquele amor que se lê nos livros, que sempre, ou quase sempre, tem um final feliz. Será que vale a pena? Ter uma pessoa ao teu lado, saber que ela é tua e que tu és dela? Amar alguém que não te ama. Ou então, deixar alguém te amar e não fazer o mesmo. Falar sobre sentimentos, ter o coração rompido, derramar lágrimas por uma pessoa. Amar um ser como amigo e como amante; amar sempre, na presença e na saudade; amar alguém com um desejo permanente, que não se vai; amar com liberdade. Será que tudo isso vale a pena? Minha avó costuma me dizer que ou se ama para sempre, ou nunca se amou. E eu acredito nela. Creio que só existe um verdadeiro amor na vida. Porque, quando for realmente real, o amor não desgastará. Há um poema, meu poema favorito, chamado “Para não deixar de amar-te nunca”, de Pablo Neruda, que diz [...] eu te amo para começar a amar-te, para recomeçar o infinito e para não deixar de amar-te nunca: por isso não te amo ainda. [...] Meu amor tem duas vidas para amar-te. Por isso te amo quando não te amo e por isso te amo quando te amo. Para mim, isso é o amor. Amar alguém a ponto de recomeçar o infinito e não deixar de amar nunca. Amar tanto que uma única vida não baste, precisa-se de duas. Amar quando não ama e amar quando ama. Talvez valha a pena amar alguém. Eu não sei. Nunca amei ninguém. Não desse jeito. Creio que amar, apesar de tudo, é difícil. Porque, mesmo sabendo das consequências, tu queres ficar com a pessoa a quem escolheste. Porque ela é especial. Talvez tenha sido amor à primeira vista, o que, em minha opinião, é pouco provável. E, mesmo que as estrelas caiam do céu, ou que as nuvens acabem na barriga de uma criança gulosa, ou mesmo que o céu chore suas lágrimas de chuva, queres ficar com ela. E tu não ligas para as sequelas. Eu também acredito que o ‘eu te amo’ não diz tudo. A demonstração de amor vai além de beijos e palavras. Tu sabes que é amado quando 52!

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percebes que alguém tem afeição por ti; que te quer feliz; que te faz te sentires seguro e aceito. Acredito que tudo isso seja amor. E talvez valha a pena. Eu realmente não sei. Só sei que a gente aceita o amor que acha que merece. Ao menos é isso que diz no meu livro. Com amor, Theresa.”

Ilustração: Luísa Rodrigues Foppa 53!

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O amor por uma enfermeira Henrique Sander Carbonera Aderbaldo era um homem muito despreocupado com a vida, gostava de beber nos fins de semana, andava muito solitário e triste. Para piorar o psicológico dele, certo dia recebeu uma notícia muito trágica, seu irmão tinha falecido no dia anterior em um acidente de carro, devido a ter ido a uma festa, bebido muito e dirigido alcoolizado. Os dois viviam em uma cidade no interior da França, trabalhavam juntos em uma empresa de venda de carros e tinham acabado de comprar um apartamento para morarem. Aderbaldo falava que não aguentava mais ouvir desaforos e xingamentos de seus pais, sendo esse o motivo para ir morar em outro lugar, junto com seu irmão. Quando soube da morte catastrófica de seu mano, ficou muito depressivo porque era a única pessoa em quem confiava, não tinha amigos e não falava com seus parentes. Logo, começou a ingerir álcool quase todos os dias, e sua saúde estava cada vez pior. Devido a esses acontecimentos, seus pais, apesar de não serem próximos, colocaram-no em uma clínica de reabilitação para tentar esquecer o fato e parar de beber. Após um tempo de internação, houve melhoras, porém continuava muito desanimado e agressivo. No local onde ficou por um bom tempo internado, havia uma enfermeira chamada Karen, a qual chamava muita atenção de Aderbaldo, por sua beleza e pelo seu corpo incrível. A mulher trabalhava na clínica de reabilitação durante as manhãs e noites dos dias de semana e tirava folga aos sábados e domingos. Certa noite, a enfermeira foi até o quarto onde estava internado o homem para checar se estava tudo bem e dar os remédios a ele. Quando Aderbaldo viu Karen entrando no quarto, ficou com os olhos arregalados e apaixonado pela moça. Apesar de ela o considerar bonito, não gostava do jeito que ele era, pois ainda estava muito triste pela morte de seu irmão. Após fornecer os medicamentos e deixar a janta para o jovem, a enfermeira foi para sua casa dormir, já que havia acabado a hora do expediente. . Um mês depois, numa quarta-feira, logo pela manhã a mulher foi vê-lo novamente e avisá-lo que seus pais estavam indo ao local para ver como estava a situação dele. Aderbaldo não quis receber a visita dos pais porque ainda estava chateado com eles. Na mesma noite, Karen foi novamente ao quarto dele, informá-lo que ele estava liberado para sair da clínica. Antes de ir embora, o homem pediu o número de celular da mulher para saírem juntos algum dia. 54!

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Certa noite, Aderbaldo ligou para Karen e a convidou para irem jantar em um restaurante muito conhecido da cidade, era um jantar à luz de velas, muito romântico. Após isso, o homem fingiu que estava passando mal e pediu pra que o levasse para casa. Chegando ao apartamento, revelou que gostava muito dela e a beijou, ficaram durante a noite toda trocando carinhos. Na mesma noite, pediu-a em namoro. Ela ficou surpresa, sorriu para ele e aceitou o pedido inusitado. A mãe da jovem ficou sabendo da história e não gostou do que aconteceu, pois era uma mulher muito religiosa e não aceitava que sua filha ficasse com alguém. Apesar disso, os dois jovens decidiram viajar escondidos para os Estados Unidos. Lá, Karen começou a trabalhar como enfermeira em um dos hospitais mais bem conceituados do mundo e Aderbaldo se tornou presidente de uma empresa de materiais esportivos. Após estarem com boas condições financeiras, casaram-se e viveram felizes para sempre.

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Queridos sonhos Isabela Maria Merigo Sordi Acordei aos prantos. Tive novamente o mesmo sonho, aquele que venho tendo há meses. Cansada, após uma péssima noite de sono, troco de roupa depressa e me dirijo ao trabalho. A manhã passa rapidamente e, quando vejo, já é meio dia. Subo em minha bicicleta velha e enferrujada a caminho de meu pequeno apartamento, quando resolvo parar na farmácia para comprar algum remédio tranquilizante qualquer. Quem sabe assim eu pudesse ter uma noite de sono decente. Estaciono minha bicicleta em frente à farmácia de meu bairro. É a primeira vez que venho aqui. Geralmente, quando preciso de algum medicamento, vou à farmácia do centro da cidade, pois fica perto do meu local de trabalho. Mas hoje resolvi mudar. Sinto-me faminta. Não costumo tomar café da manhã, por isso estou sempre rachando de fome ao meio dia. Entro naquela estranha e minúscula farmácia e começo a vasculhar as prateleiras, na esperança de encontrar algo que me ajude a dormir bem. Com a fome que sinto, pouco me importa qual medicamento vou tomar. Desde que me ajude, já está ótimo. Dirijo-me ao caixa para acertar a conta e, em seguida, vou embora. Quando chego à minha bicicleta, percebo, do outro lado da rua, um rapaz baixinho e moreno. Ele era exatamente igual ao homem que aparecia nos meus sonhos todo o santo dia! Atravessei a rua, correndo desesperadamente, quando finalmente consegui alcançá-lo. Ele estava de costas para mim, olhando uma joaninha que repousava sobre um arame do portão de uma casa, à beira da calçada, exatamente do jeito que aparecia nos meus sonhos. Então, sem hesitar, cutuquei as costas dele. Ele levou um susto e, rapidamente, virou-se para mim. Sem entender o porquê daquilo, o garoto lançou-me um olhar desconfiado. Fiquei sem saber o que dizer. Afinal, nem eu estava entendendo. Eu não sabia qual o motivo de sonhar tanto com a mesma pessoa e também não sabia como é que o havia encontrado. Justo ali, em um lugar que não costumo ir, e com a barriga roncando de fome e implorando por comida. Parei para pensar no que fazer, por alguns segundos. De repente, resolvi me apresentar. Disse o meu nome e pedi o dele. Ele me disse que se chamava Bruno. E agora, dizer o quê? Se eu dissesse que andava sonhando com ele, o rapaz pensaria que eu era louca e iria embora. Mas precisava contar. Quem sabe ele andava sonhando comigo também? Talvez tivéssemos alguma ligação de outras vidas? Vai saber... E foi aí que eu desembuchei tudo de uma vez. Contei tudo para ele. Dos sonhos, da imagem dele brincando com a joaninha e de todo o resto. Ele me olhou com uma cara cheia de espanto, e de repente, ficou branco. 56!

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Exatamente da cor das paredes de minha casa. Por um momento, pensei que ele fosse desmaiar. Alguns minutos passaram enquanto a gente ficou ali só se olhando. Fiquei sem entender o porquê de tanta surpresa da parte dele. Tudo bem que era uma completa estranha e estabanada que surgiu correndo do além e falando que tinha sonhos diários com ele... Mas não era pra tanto né. Então, Bruno respirou fundo, passou a mão naqueles cabelos brilhosos e castanhos e disse que eu o devia estar confundindo com outra pessoa, pois ele não tinha a mínima ideia de quem eu era e não estava nem um pouco interessado em saber. Fiquei muito desapontada. Quando finalmente encontrei o garoto dos meus sonhos, ele simplesmente me ignorou e me mandou embora. De qualquer forma, deixei o meu número com ele, caso mudasse de ideia e quisesse descobrir o porquê disso tudo também. Nisso, voltei à minha bicicleta e me dirigi à minha casa. Muito tempo passou desde esse dia, e eu nunca mais tive aquele mesmo sonho que tivera antes de encontrá-lo. Isso era um ótimo sinal. Porém, o rapaz não me procurou. Ele realmente não queria saber de mim. Quatro anos depois, eu já nem me lembrava mais da existência do garoto. Em mais um dia qualquer, ia ao trabalho e cumpria toda a minha rotina. À noite, deitada no sofá de minha casa, ouvi meu celular apitar. Era uma mensagem do Bruno! E ele estava dizendo que queria me encontrar, pois havia algo a me contar. Espera aí, depois de sete anos? Qual o sentido disso? Deitei no meu sofá novamente e parei para pensar por alguns minutos se eu realmente daria uma chance a ele depois de tanto tempo. Não sabia se ele merecia. Cheguei à conclusão de que era melhor ouvir o que ele tinha a dizer. Mandei uma mensagem, respondendo que podíamos nos encontrar no dia seguinte, no Spettus, um restaurante de minha cidade. Chegou a noite do outro dia e eu coloquei meu vestido mais bonito e meu salto mais alto. Ansiosa, dirigi-me ao restaurante. Chegando lá, uma surpresa: a mesa na qual ele me esperava estava cheia de pétalas de rosa e velas acesas, e, na mão, Bruno segurava um buquê de flores. Logo pensei: ele vai conversar comigo rapidamente e me dar alguma explicação qualquer sobre o porquê de não ter vindo atrás de mim antes, e depois me dispensar para comemorar com a namorada o aniversário de namoro. Mesmo assim, fui até a mesa e o cumprimentei. Ele puxou a cadeira para mim e eu me sentei. Ele logo começou a falar. Contou-me que também tinha os mesmos sonhos diários comigo e que, depois do dia que me encontrou, eles pararam. Que ele não havia vindo antes, pois estava comprometido com outra pessoa e não queria pôr tudo em jogo por algo tão incerto e esquisito, mas que, depois de tanto tempo, viu que não poderia construir uma vida sem antes descobrir o que tinha comigo. 57!

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Fiquei sem saber o que dizer. A noite foi passando e nós continuamos conversando. No final do jantar, ele me entregou o buquê de flores e me pediu em namoro. Assim, sem mais nem menos. Eu fui muito perturbada com meus sonhos e esperei muito tempo pra ele vir atrás de mim, não podia dizer não. Então, aceitei. Hoje, faz oito anos que estamos juntos, e eu não poderia ter encontrado alguém melhor. Obrigada, queridos sonhos, por terem me levado a alguém tão especial!

Ilustração: Andrei Rosignol Dezen

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Lobo solitário Isabelle Zanella Baldissera Em uma pequena vila na Bulgária, em 1593, Nikolina Petrova é expulsa de casa após dar à luz, com apenas 16 anos, e tem seu bebê tirado de seus braços pelo próprio pai. Sem saber para onde ir, ela viaja até a Romênia, e muda seu nome para Nina Pierce. Lá, ela é convidada para o baile anual da família Salvatore. Sua beleza estonteante logo chamou a atenção do filho mais velho dos anfitriões da festa. Malakai a convida para dançar, e os dois passam a noite inteira rindo e conversando. Enfim, Nikolina não mais apresentava o olhar cabisbaixo que mantinha desde a perda de sua filha. Após três anos juntos, os dois já estavam casados. Tudo corria bem em seu relacionamento. Talvez bem até demais. Certo dia, Malakai descobre a verdadeira linhagem de sua esposa. Ela era uma Petrova. Mal ela sabia o perigo que corria, caso continuasse ao lado do que acreditava ser seu verdadeiro amor. Somente após ser trancada em uma cela, no calabouço da Mansão Salvatore, Nikolina descobriu o segredo mais profundo de seu marido. Ele era um vampiro. Mas, se não bastasse isso, ele também possuía gene de lobisomem, o qual fora reprimido pela mesma bruxa que fez dele um vampiro. E a única maneira de reverter o feitiço seria sacrificando uma mulher com linhagem Petrova, no dia em que ela completasse 21 anos. Nikolina sabia que, se continuasse trancada, seu fim chegaria em poucos meses. Passaram-se semanas, e sua aflição era cada vez maior. Foi então que aproveitou o descuido de um dos guardas, apanhou a chave que abria sua cela e, assim, realizou sua fuga com perspicácia. Após algumas horas, Malakai percebeu o sumiço de seu principal ingrediente, que o proporcionaria a habilidade de ser um híbrido. Antes de iniciar a busca por Nikolina, Malakai, sem qualquer piedade, queima vivo o guarda culpado pelo ocorrido. Nikolina passou dias vagando pelos bosques em busca de refúgio. Enfim encontrou uma cabana, onde foi acolhida por uma doce senhora. Apesar de estar aliviada, sabia que precisava de um lugar mais seguro para descansar. Quatro dias se passaram, e nenhum sinal de Malakai. A garota, então, decidiu voltar para a Bulgária e visitar os pais, mesmo que corresse o risco de eles baterem a porta na sua cara. Nikolina avistou a vila na qual crescera, e a aflição era notável em seu rosto. Ela então desceu de seu cavalo e bateu na porta de sua antiga casa. Ninguém abriu. Decepcionada, e talvez um pouco indignada, pelo fato de que a própria família a recusara, forçou a porta até ela abrir. Quando entrou na casa, o cenário era apavorante. Ela viu seus pais mortos, com espadas cravadas em seus corações. Havia sangue por todo lado e, pelas marcas nas 59!

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paredes, seus pais não se renderam tão facilmente. Tudo que vinha à mente de Nikolina era que ela era responsável por tudo aquilo. Ela, com certeza, havia subestimado o espírito de vingança de Malakai. Os corpos ainda estavam quentes, Malakai não estava muito longe. Com lágrimas nos olhos, Nikolina retornou até seu cavalo e cavalgou o mais longe possível dali. Ela seguiu até um lago e lavou as mãos e roupas, que estavam sujas de sangue, antes que Malakai usasse o cheiro para rastreá-la. Logo em seguida, encontrou abrigo entre as árvores da floresta e decidiu se abrigar ali, pelo tempo que conseguisse. Enquanto isso, o tempo estava se esgotando para Malakai. Ele teria que realizar a cerimônia em três semanas ou teria seus planos arruinados. Ele, então, mandou seus capangas vasculharem toda a região. No decorrer da busca, Malakai foi à procura dos ingredientes restantes para o sacrifício. Cinzas de um viking, o ascendente do clã Sakatchewan, e o seu sangue misturado com verbena. Com todos os itens obtidos, após uma busca de duas semanas, ele esperava Nikolina capturada, quando retornasse a sua casa. Malakai é surpreendido por seu capanga mais experiente sentado na sala de estar, que então o informa sobre a captura de Nikolina. No mesmo instante, Malakai começa a preparar a cerimônia que acontecerá em poucos dias, ele também reforça a segurança, para evitar qualquer imprevisto. Era uma noite de lua cheia. Estava frio, e a neblina pairava sobre a clareira na floresta. Malakai posicionou os ingredientes sobre uma pedra, então derramou a mistura com seu sangue sobre o ascendente e entregou as cinzas para a bruxa, que realizaria o feitiço. Malakai pegou Nikolina em seus braços, olhou em seus olhos, hesitou e então drenou todo o sangue dela. A transformação de Malakai em lobo estava acontecendo. O feitiço havia funcionado. Ele podia escolher quando se transformar e, durante as próximas semanas, massacrou vilas inteiras na região. Era 1609, Malakai estava na Bulgária, em busca de mais vítimas e, no caminho, esbarrou em uma jovem de 16 anos. Ele a encarou por um tempo, sabia que reconhecia aquele rosto. Seu nome era Nadia Petrova. Foi então que a culpa o consumiu, Nikolina nunca contara que tinha uma filha. Quando percebeu que fora ele quem havia matado a mãe e os avós da garota, decidiu que não queria mais ter a vida que tinha. Então, ele rasgou sua camisa, perfurou o próprio peito com as unhas e arrancou o próprio coração. Ele não viveria com a consciência pesada.

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Die Fräulein Joana Albano O frio não mais incomodava Eva, assim como as fortes dores no corpo não lhe atrapalhavam o sono, que já não era bom. Deitada, olhando para o teto escuro, imaginava o céu estrelado. A Lua lhe sorria lá de cima, banhada em prata. Sempre gostara de observar o céu noturno. A imensidão do firmamento lhe deixava em paz, como se ela pudesse flutuar para dimensões vizinhas. Desde que se mudara, nunca mais tivera a chance de olhar o céu e apreciar a beleza da escuridão infinita, com alguns pontos de luz aqui e ali. A nova rotina era triste, difícil. O uniforme era desconfortável e já estava surrado pelo uso diário e intenso. A comida era pouca, e, por não terem força, as colegas de trabalho pouco dialogavam. Eva, em mais uma noite de céu de concreto, vagava sozinha em sua imaginação, quando, de repente, um alarme soou. O barulho a fez acordar em um sobressalto, e ela logo se pôs de pé, sem dificuldade. Um grupo de homens altos entrou, empurrando a porta abruptamente. "Aufstehen! Alle!", disseram eles. Eva, apesar de ser polonesa, entendia o necessário da língua dos homens fardados para sobreviver, e então ajudou uma senhora a se levantar. Rapidamente, ela endireitou a postura e ficou ereta, esperando pela voz masculina que iria entrecortar o ar e machucar os ouvidos de todas as presentes naquele aposento. "Você, venha cá!", disse o soldado em cuja farda se lia "Berg". Eva traduziu a frase para a senhora. A pobre velhinha se locomoveu o mais rápido que pôde, porém não foi o suficiente para o homem, e ele a empurrou para frente. "Schneller, du Dummkopf" (“Mais rápido, sua burra”), berrava o homem, cujos olhos eram azuis e o cabelo era loiro acinzentado. As linhas de expressão lhe tiravam toda a beleza; apesar de ter 25 anos, aparentava estar na casa dos 40. Todos os oficiais estavam com os corpos rígidos, como cães de guarda. Eva os observava, tentando encontrar uma brecha, uma alma errática, em conflito naquele meio já caótico. Encontrou-a caminhando sem vontade, no final da fila perfeita. Os olhos verdes eram tristes, vagando pelo local, olhando tudo, porém vendo nada. A dor e o sofrimento eram traduzidos na expressão de cansaço e de tristeza. Os cabelos eram loiros, como os de Berg, porém de um tom mais vivo. Assim como chegaram rapidamente, saíram em um piscar de olhos. Foi de alívio o sentimento das colegas de Eva. Enquanto dormia, ela ansiava por descobrir o nome do soldado errante. Apesar de não ter olhado diretamente para ele, Eva sentia que aquele jovem combatente era de boa índole e fora forçado a estar ali. "Provavelmente foi a boa desenvoltura física e o raciocínio rápido que lhe deram o prêmio de ser integrante do grandioso exército do Führer... Afinal, mentes brilhantes movem também a Guerra.” Eva refletia sobre tudo isso enquanto o sono se aproximava. Finalmente, poderia se desligar daquele mundo, desvencilhar-se daquela realidade pútrida, suja. 61!

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Os dias se passaram e mais colegas foram chamadas. O local se esvaziava gradativamente, assim como a esperança de Eva se ia. Ela não sabia qual seria seu futuro - era mais incerto agora do que nunca fora. Apelidara o soldado de "desertor". Ele não mais aparecera, e isso fazia com que a esperança de Eva se esvaísse mais rápido. Entretanto, um dia, o Desertor apareceu junto da fila dos cães de guarda. Dessa vez, eles estavam em menor número, mais nervosos e com mais pressa. Desertor estava de cabeça baixa, como que quisesse sumir. Eva fitava-lhe o rosto, tentando decifrá-lo. Ele, percebendo que estava sendo observado, levantou a cabeça e olhou para frente. Os segundos que se passaram pareceram horas. Um momento de paz naquele caos. Enquanto os dois se olhavam, os outros soldados já haviam chamado as colegas de Eva, como de costume. Desertor acabou voltando a si quando ouviu Berg gritando "Komm, Thomas! Was machst du denn da?". (“Venha, Thomas? O que está fazendo aí?”). Ele se apressou e correu para acompanhar os companheiros. Deitado, fitava o teto cinza e lembrava-se dos olhos negros suplicantes da número 45.673. Imagina como seriam os cachos fartos que emolduravam o rosto magro e fino, antes de terem lhe raspado a cabeça. As olheiras circundavam as órbitas cansadas. A boca carnuda se destacava no rosto pálido. Havia ali algo que o fascinava. Algo que o lembrava do passado distante, feliz. Talvez fosse a saudade que ele tinha da serenidade. Dos corações puros das pessoas boas. Thomas adormeceu com a imagem dos olhos da número 45.673. Eva pensou novamente no céu. Imaginou-se deitada na beira de um lago, escrevendo palavras com estrelas. Havia semanas que não tinha ânimo de ver o firmamento em sua mente. Desertor lhe trouxera esperança - e ela estava feliz, ainda que não soubesse como ele o havia feito. Outra vez, os cães marcharam sala adentro. Desertor no final da fila. Eva conseguiu ler na farda "Heinz". "Sprung auf!", berrou Berg. “Levantem-se!”. Era a vez de Eva ser chamada. Dizia-se que era a hora do banho. Adentraram um local escuro e gelado, e um líquido gelado caía do teto. Não sabia dizer se era água. O sentimento de medo começava a se espalhar aos poucos. Porém, de repente, tudo ficou estático. Os segundos se demoraram. Desertor se apressava em abrir a porta pesada de ferro e libertar Eva e as colegas. “Acabou!”, disse ele e pediu para que todas saíssem. Achou uma toalha e envolveu Eva, a fim de protegê-la do frio. Recuperados do terror da Guerra, casaram-se na Itália e compraram uma pequena fazenda, onde criaram duas meninas e um menino, todos com os olhos da mãe e os cabelos do pai. Gostam, ainda, de observar e apreciar a imensidão do céu noturno.

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Querido luz Julia Assenheimer Cardoso Levanto e logo percebo sua apresentação tão formosa, introdução de seu espírito e energias. Meus pés no chão frente à cama. Esticando meus músculos, esfrego os olhos. Coloco meu casaco, alcanço minha mochila, boto meu tênis velho, bocejo, e lá eu vou. Lá ficarei sentada sem falar nada, sem pressa de que o tempo passe. Quase deitada nesse campo de lavanda, estendo a toalha de mesa nas flores. Abro minha mochila e tiro um lanche. Quente, envolvente clima. Necessitando da visão de beleza que ele mostra, observando meu amado, e ele a mim. Durante grande parte do dia, sua faísca brilha como incêndio, porém se acanha e diminui até sumir. Ao som da batida perfeita, sob o céu pintado pelas cores do meu príncipe apaixonado - laranja, amarelo, roxo movimento incessante no bater o pé com pressa em vê-lo. A brisa fresca, carinho merecido, mexe meu cabelo e traz a fragrância da natureza, tentando congelar o momento, mesmo sabendo que seria impossível. Eu, sua dama, e ele, com a perfeita trama. Converso com você sem fim. Grave, fundo escuro do meu coração, quando penso que, em pouco tempo, ele irá embora. “Muss es sein? Es muss sein!” como diria o compositor Beethoven, na última despedida a sua amada, antes que dê seu último suspiro de graça e vida. Por que sempre me coloco no mesmo questionamento, todos os dias, por que ele não fica? Causará algum problema? Ele embora irá, e eu ficarei esperando o tempo em que voltará. Às vezes também me pergunto o porquê continuo a sentar aqui a esperá-lo todos os dias. Não sei se é certo o modo como ajo. Cegamente apaixonada, porém com receio. Meu amor é quieto, nunca me falou uma palavra. Sua presença já me diz o que deveria declamar, apesar de querer ouvir uma voz. Camaleão, camuflo-me do mundo quando estou com você. Aproveita-o, agora, meu doce brilho, desenhe na sua tela o seu amor, suas alegrias e tristezas, para que eu me realize. Eu, concentrada em cada “vírgula” de seu “discurso”, expressão: singular, refúgio. Despedindo-se de mim, com lágrimas no canto dos olhos, ele desaparece. Leve, vagarosamente... Ele se vai, agora total escuridão. Triste como o sol se vai e leva meu amor. Agradeço a Deus por Ele me dar essa paz que você traz. Algo não conseguirá ocupar minha mente além de ti, e nós. Mas não te preocupes, aqui estarei e esperarei, sentada, de pé, deitada... sem falar nada, sempre que o tempo passe. Quase deitada, olho para a tela escura acima de mim, observo seus radiantes pontos brancos, como diamante na luz. Será seu inimigo aquele que me mostra beleza? Penso comigo mesma, que não há nada de errado em tentar tirar você da minha cabeça, tentar 63!

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me distrair, sei lá. Impassibilidade. Lá eu fui e olhei. Esperando você chegar de novo, também. “Ei, cadê você?” Sensação de calor, nervosismo, raiva de seu atraso. Mas sei, se partir daqui nunca mais acharei outro igual. Ele me perseguirá depois, com certeza. E começo a perceber, chegando, e não adianta, meu combustível é você. Cegamente, volto para o ponto de partida, e, ainda, arrependida de pensar na possibilidade de deixá-lo. Como cheguei ao ponto de pensar nisso. Sei que ele é meu vício pra toda a vida. O mais aconchegante de todos. O que mais transcende a paz. Pro meu mundo ele canta. O meu mundo só dele. Guia meus sentidos do melhor jeito. Oscilação de energias. Amor, por que você não fica hoje? E lá se vai meu amor novamente, e aqui ficarei - com ou sem hesitação. Aqui ficarei pra sempre.

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A carta Julia de Oliveira Winckler Apaixonei-me por ela de um jeito estranho, encantei-me por suas loucuras e pelo ciúme infundado. Deveria ter dito a ela o quanto ela significava para mim, como meus dias ficavam vazios sem suas cartas. Esse foi, sem dúvida, meu maior arrependimento. Tudo começou com uma correspondência errada. A carta deveria ser entregue a outro homem, mas por alguma razão, veio a mim. Li-a várias vezes, tentando imaginar como alguém consegue transpor tanta mágoa em uma folha de papel. Resolvi respondê-la. No fundo sabia que não receberia resposta, afinal, quem responderia a um estranho? Meses depois, recebi uma resposta. Naquela época, as cartas demoravam meses para chegar, há 65 anos, o sistema de correios não era como hoje. Não acreditava que ela havia respondido a um estranho, mas, por algum motivo, ela o fez. Contou sua história na carta, contou-me como estava triste, e sem saber o que fazer. Seu marido a havia traído. Nunca pensei que o desastre de uma relação traria o início de uma nova paixão. Quando me dei conta, já fazia um ano que trocávamos cartas. Porém ela nunca havia dito seu nome. Imaginava-a de várias formas, com cabelos cor de mel, curtos, e do tipo de mulher que não dispensa batom vermelho. Nas cartas, aparentava ser vaidosa, audaciosa e muito carinhosa, mas nunca soube como realmente era. Pensava nela antes de dormir. Imagina como seria nosso encontro. Pensava em inúmeras formas de surpreendê-la. Sonhava como seria nossa vida juntos e tantas outras coisas mirabolantes, que não faziam o menor sentido. Afinal, nem seu nome sabia. Mas uma questão me deixava aflito. Iríamos nos conhecer ou era apenas um delirante desejo? Essas perguntas se tornavam um tormento. Um acaso me impediu de continuar com as correspondências. Sofri de pneumonia e fiquei um tempo no hospital. Quando me recuperei e retornei à minha casa, meu correio estava atulhado de cartas. Rapidamente as peguei e comecei a lê-las. A moça com quem trocava as cartas estava irritadíssima, pois não havia respondido mais. Nas linhas, ela dizia que eu havia encontrado outra mulher, que esquecera dela e que a tratava como um passatempo. No mesmo instante, escrevi para ela, contando sobre o que havia acontecido. Passaram-se quatro meses, e não recebi uma resposta. Nunca me senti tão agoniado. Cada dia que passava sem uma resposta era como se faltasse algo em meu viver. Andava triste e pensava que ela havia desistido de mim. Mas sempre tinha esperança. Percebi o quanto ela fazia falta e foi naquele momento que vi que a amava. Amava cada 65!

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palavra que ela me dizia. Mesmo sem conhecê-la, sabia que ela era o amor de minha vida. Num dia chuvoso, no qual tudo havia dado errado, houve algo bom. Ela me respondeu. Abri a carta euforicamente. Ela dizia que não conseguia mais ficar esperando por um pedaço de papel e que essa era a última carta. Desesperadamente, escrevi outra carta. Falei que estava indo ao seu encontro, em Ourinhos, SP. Disse que a esperaria na padaria que ela sempre mencionava nas cartas. Sem pensar, arrumei minhas coisas e fui. A viagem foi muito longa, pois estava ansioso para conhecer minha amada. Chegando à padaria, sentei-me e esperei. Quando olhei, eram 19 horas, e ela não havia aparecido. Não desisti, continuei esperando. Chegou a hora de fechar. Vi-me perdido, sem saber o que fazer, minha amada não havia aparecido. Até hoje não sei como ela é. Nunca a vi pessoalmente. Passei anos de minha vida imaginando como seria se ela tivesse ido ao meu encontro. Nunca soube seu nome, não possuía nenhum registro dela. Até hoje, sonho com ela. Porém, ela só existe na minha memória. Mesmo sem conhecê-la, sinto sua falta todos os dias.

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O tempo Kauane Falcade Cavalheiro Em uma típica tarde de outono, na paisagem cinza alaranjada do Hampstead Heath, Ella observava, sentada em um banco de madeira desgastado pelos anos, o efeito que o vento cortante daquela estação tinha sobre a lagoa, assim como a traição tem sobre o coração. Há poucos meses, na primavera, ela e Millie corriam de mãos dadas por aquele lindo parque londrino - que é uma caixinha de surpresas. A cada estação, cenários mais deslumbrantes. Mas isso eram lembranças, bonitas, felizes, e, ao mesmo tempo, amargas lembranças. Devemos deixar o passado no passado, para não estragá-lo com nossas mudanças, pois a vida é apenas um jogo. A cada partida, deparamo-nos com novos desafios que nos atormentam, mas a cada vitória e cada nível, ganhamos experiências que só o tempo compreende. Após algum tempo no parque, Ella já estava tremendo de frio e decidiu comprar um Mocha Frappuccinno, no Starbucks - seu sabor preferido, que, segundo ela, era indescritível. Infelizmente, isso lhe trouxe mais uma lembrança. No inverno, elas costumavam patinar no gelo até tarde e, quando estavam congelando, iam a um antigo Pub, onde sempre tocava Beatles. Lugar, inclusive, em que se conheceram. Numa gélida noite, no dia 17 de janeiro de 2004, Ella havia saído da faculdade e se dirigido ao The Rosemary Branch, um espaço muito aconchegante e com lareiras. Naquela noite, que deveria ser apenas mais uma comum, Ella estava bebendo uma Pimm’s, sozinha, quieta, até que viu Millie, uma moça extrovertida, de cabelos negros e pele clara, que veio conversar - claro, Ella era muito tímida para tanto. Sentada na mesma poltrona, cerca de sete anos após o romance, Ella se lembrava de tudo. Lembrava-se das primeiras conversas. Lembrava-se do sorriso meigo e da pele macia de Millie. Lembrava-se dos toques e das carícias. Lembrava-se das noites que passaram conversando. E Millie ainda tinha o mesmo efeito sobre ela. Algo indescritível. Ella queria respostas. Respostas apenas para poder entender o passado. Entender porque Millie a abandonara. Acidentalmente, numa das noites mais frias e brandas do inverno, quando Ella estava deitada num macio travesseiro de plumas e com cobertas de lã, iluminada por um pequeno abajur que se localizava sobre uma mesinha branca, com detalhes rústicos, ao lado de sua cama, observando um antigo diário, escutou uma conversa de seus pais. Seu pai começara a perguntar sobre as cartas. Quais cartas, pensou Ella. Logo, Tereza, sua mãe, fechou a porta do quarto, mas Ella ainda podia entender. Eles conversavam sobre Millie. Sobre as cartas que Millie havia mandado para a filha, quando fora embora. Ella precisava encontrar as cartas. Precisava desvendar e entender o próprio destino. Embaixo de lágrimas, com os pés congelados, como de costume, e encolhida em posição fetal, Ella começou a pensar que talvez não fora Millie quem a traiu, mas sua mãe. 67!

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Esperou a viagem que os pais fariam a Paris, colocou sua música preferida do The Who, "Behind Blue Eyes", para tocar e começou uma busca que parecia interminável. Ao entardecer, estava exausta, sem chão, não conseguia acreditar que Tereza fora capaz de fazer isso. Ella encontrou os papéis em um pequeno baú antigo, no sombrio e sórdido porão da casa, que cheirava a gim. Ella repugnava aquele local. Decidiu primeiramente se banhar e, então, colocou algumas lascas de madeira na lareira da aconchegante sala e acendeu o fogo. Em poucos minutos, o ambiente já estava aquecido. Com muito medo, abriu o pequeno baú novamente e retirou as cartas. Ella perdera a irrefutável coragem que tinha quando começara a procurar. Às vezes, a verdade é tão chocante e violenta que preferimos desprezá-la. Mas isso não era uma simples brincadeira, eram sentimentos verdadeiros e vidas que foram impedidas de se cruzarem. Não podia ser tão fraca agora, precisava ir em frente. Após uma hora e meia encarando as folhas, Ella começou a lê-las e, a cada palavra, um pedaço de seu coração era destroçado. A cada palavra, Ella percebia como as letras machucam e como a mentira é um tiro certeiro. Ella queria encontrar Millie novamente, o mais rápido possível. Ella observou as datas, mas a mais recente era do ano de 2009, de um endereço em Enfield, um bairro no oeste londrino. Sem pensar duas vezes, dirigiu-se ao endereço, mas era evidente que Mi já havia se mudado. Ao conversar com os novos residentes, ela descobriu outro endereço. Após cerca de duas horas em busca do local, Ella encontrou. Uma pequena e graciosa casa em tijolos à vista. As luzes já estavam apagadas. Ella olhou no relógio, que marcava 2:17AM. Mesmo assim, decidiu tocar a campainha. E Mi, boquiaberta, atendeu. Após horas conversando, Ella descobriu que a avó de Millie estava com problemas de saúde e, por isso, precisou se mudar para a Itália por alguns meses. Então, sorrateiramente, sua mãe criou desculpas e escondeu as cartas para impedir o relacionamento. Mas, agora, as duas estavam juntas novamente e ninguém poderia impedí-las de ser felizes. Ella decidiu passar a noite com Mi. Como nos velhos tempos, deitou no colo dela, e começaram e relembrar os maravilhosos momentos que passaram juntas. Após algumas taças do Brunello di Montalcino, ao som da fascinante canção "für Elise", de Beethoven, adormeceram. Na manhã seguinte, com uma enorme dor e decepção, Ella marcou o papel com suas lágrimas, escrevendo uma carta para Tereza. Como seus pais estavam viajando, a moça aproveitou o momento para se mudar para a casa da namorada. E, inesperadamente, decidiram ir para Dartford, um pequeno condado no sudeste da Inglaterra, não muito distante do centro de Londres, gozar do reencontro.

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Loucura Krysleine Kathllen Wiezorkoski Cora, uma menina de cabelos ondulados e sonhos inabaláveis, durante seus 20 anos de vida, esteve em busca do amor perfeito. Ela nasceu e cresceu em uma cidadela inglesa chamada Bibury, a qual, por si só, poderia ser considerada o cenário de um romance. O local era tão curioso quanto os pensamentos da bela jovem, que não entendia o porquê das pessoas viverem em guerra e desarmonia, enquanto o melhor da vida era amar e ser amado. No entanto, esse amor, do qual falava, nem mesmo ela sabia explicar como conseguir, já que, durante sua existência, nunca teve um bom relacionamento com seus pais e colegas e nem sequer um namoro duradouro, o que a fazia passar os dias rabiscando poemas em uma velha caderneta, e, por muitas vezes, enviar bilhetes para pessoas de quem gostava, com a esperança de que a notassem. Ela era verdadeiramente obcecada. Fazia de tudo para chamar atenção, mas não conseguia nem sequer um sorriso em retribuição. Sonhava em ter um belo casamento, uma grande família e vizinhos amigáveis. Sonhava em ser convidada para festas e jantares, em receber olhares e elogios e ser admirada como nunca. Sonhava em receber e dar presentes frequentemente e ter pessoas ao seu lado o tempo todo. Sonhava em não ser abandonada. Entretanto, esses sonhos, por mais fortes que fossem, pareciam cada vez mais distantes para Cora. A garota passava a maior parte do dia vagando pela cidade, em busca de um lugar onde pudesse se reconfortar espiritualmente e se quedar a refletir, mas não o encontrava nem mesmo nos belos jardins floridos ou nas margens do límpido rio que cortava a cidadezinha. Até que, certo dia, em um de seus passeios, andou mais do que devia, afastando-se muito da cidade. Quando percebeu o que tinha acontecido, pensou imediatamente em voltar, e foi então que viu uma bela ruela de pedras, iluminada apenas por um forte brilho lunar, e rodeada das mais belas flores que a menina já havia visto. A jovem ficou deslumbrada de tal forma que caiu em uma espécie de transe e não conseguia mais pensar no que estava fazendo, só queria seguir naquela direção. Ao seu lado, começaram a aparecer cenas de pessoas dos mais diversos tipos demonstrando afeto de diferentes formas umas às outras: famílias felizes, casais se amando, colegas confraternizando. Tal cenário era exatamente o que Cora havia sonhado durante sua vida, a cada discussão de seus pais, a cada briga que presenciava, a cada namorado que perdia, a cada morte que lhe doía. Ela, enfim, verificou que não sabia mais como prosseguir sua vida, já que tudo o que queria parecia tão simples, porém tão inalcançável. Então, começou a se perguntar se não estaria errada em toda essa história, se não havia sido iludida em seu propósito de vida. 69!

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De repente, pensou que tudo o que buscara durante seus vinte anos não parecia mais tão importante, tampouco necessário, ao passo que pudesse ser intrigante, ou, talvez, dispensável. Cora percebeu estar confusa, nem mesmo seus pensamentos se alinhavam. Nesse instante, tudo ao seu redor se apagou e, repentinamente, ela estava em uma sala de paredes brancas, mobiliada apenas por uma cama, na qual estava deitada. Cora levantou-se calmamente, foi até a única janela do recinto e olhou por ela, à procura de alguma explicação para o que tinha acontecido. Foi então que avistou uma placa que dizia “Christie Williams Sanatorium”. Nesse momento, sua vida passou diante de seus olhos e ela entendeu, que o amor a enlouqueceu, e na verdade, a falta dele também.

Ilustração: Giovanna Catharina de Castro

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Amor e Revolução Larissa Freitas Schimmelpfennig Lopes E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome. (MARIGHELLA, 1939, Liberdade) "Ana, essas palavras que te escrevo me protegem da loucura completa.” Assim iniciava a narrativa de Raul à sua amada, entregue em 14 de março de 1971, na cidade do Rio de Janeiro. O país vivia os chamados “anos de chumbo”, período mais duro e de maior repressão da Ditadura Militar. Nesse contexto, ocorre o amor de Raul e Ana, dois jovens revolucionários, tão apaixonados um pelo outro quanto por sua luta. Os fatos narrados se dão após o desaparecimento de Raul, na noite de 17 de janeiro de 1971, pouco tempo após o embaixador da Suíça no Brasil ser libertado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), depois de ter sido trocado por setenta prisioneiros políticos. Raul, influente membro da VPR, organização de luta armada de extrema esquerda, conheceu Ana, estudante de Direito, em meio à revolução. Apaixonaram-se inenarravelmente e, a partir desse momento, uniram seus ideais e seus corações. “Eles me pegaram, meu amor. Acaso chegue a ti esta carta, saia do país o mais rápido que puderes, os companheiros ajudar-teão.” Confirmando as suspeitas há muito levantadas, Raul havia sido preso pelo DOI-CODI, órgão repressor subordinado ao Exército, responsável pela prisão ilegal de inimigos que, supostamente, ameaçassem a segurança nacional. “Ana, os métodos de interrogatório são terríveis, todas as torturas são reais, a dor transcende o físico, afeta-me a alma. Por três vezes vi a morte, mas os canalhas não permitem nem ao menos que morramos. Levam-nos ao máximo que o corpo aguenta e depois enchem-nos de adrenalina, para que soframos um pouco mais.” A jovem, ciente de todos os riscos que se corre ao opor-se à um regime ditatorial, é tomada por um misto de dor, medo e alívio, após cerca de dois meses sem notícias de seu amado. Ele, preso nos porões da ditadura, pouco pode fazer além de se manter vivo e, se não são, ao menos consciente. “Em todo esse caos, não há um segundo que passe sem que eu pense em ti. Resisti, e resisto, pela força do amor que sinto. É maior que toda e qualquer pena que possam me infligir. Ana, esteja ciente, tu és minha esperança, a luz que vejo ao fim do túnel.” Ah, o amor, força extraordinária que move apaixonados, que mantém viva a chama do desejo de viver, de ser, de ter. Profundamente transtornada pelas informações contidas na carta, ela avisa aos companheiros de luta sobre o documento que chegou às suas mãos sob misteriosas circunstâncias. Ao serem informados, os membros da VPR, atendendo ao pedido de Raul e, 71!

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receosos pela integridade de Ana, começam os preparativos para que ela saia do Brasil. “Eles pouco sabem sobre nós, sobre a luta, sobre a Vanguarda. Tudo que sabem é que somos fortes e potencialmente perigosos. Temem que nossos planos venham a se concretizar. Para nos desestabilizar, procuram pelos líderes do movimento, para que sejam capturados. Em meus interrogatórios, a pergunta mais frequente é ‘Onde está Lamarca?’. A cada dia que passa, essa questão se repete, e meu coração engrandece. Somos fortes, meu amor, fortes, e nosso rubro ideal cresce continuamente. ‘Podrán cortar todas las flores, pero no podrán detener la primavera’.” Condenada a exilar-se voluntária e clandestinamente, Ana parte para o Chile, temerosa pelo que haveria de vir. “‘O homem deve ser livre… O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo, e pode existir mesmo quando não se é livre. E, no entanto, ele é, em si mesmo, a expressão mais elevada do que houver de mais livre em todas as gamas do humano sentimento. É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer.’ Pequena, sei que a circunstância é desfavorável e que o momento exige de ti demasiado destemor, mas te peço: mantém-te firme em nosso propósito, encoraja-te em nosso amor. Com o corpo e a alma repletos de vermelho, e com desejos mais fortes do que os da Revolução Russa, por ora, me despeço. Do, pra sempre teu, Raul.” Os revolucionários, liderados por Lamarca, decidem invadir o Quartel do 1° Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca, onde estava detido Raul. Ana, ao saber disso, prontamente retorna ao Rio em segredo, contra todas as disposições de seus companheiros, convencida a ajudar na libertação de seu amado e de outros tantos presos políticos. Invadida por grande intrepidez, junta-se, na surdina, ao grupo de 30 revoltosos que invade o Batalhão, na madrugada de 26 de abril de 1971. Pegos de surpresa, os militares presentes no Quartel oferecem grande resistência à tomada, transformando a ação de guerrilha em carnificina. Esgueirando-se prédio adentro, fugindo dos conflitos armados, Ana procura pelas celas. Ao se encaminhar para os níveis subterrâneos, ela descobre o cárcere onde se encontravam os prisioneiros, libertando-os o mais rápido que a situação permitia, à procura de Raul. Ao encontrá-lo, após tanto tempo, tantos medos, dúvidas e saudades, mal pode se conter, sentindo que todo aquele pesadelo havia chegado, finalmente, ao fim. Entretanto, eis que se escutam passos pesados descendo pelo corredor. Vêm por ele dois sentinelas armados. Em derradeiro ato de bravura, o revolucionário casal perece junto. - Morrem aqui tão somente duas pessoas, jamais o seu amor e o seu ideal.

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La mia Julieta Laura Antonia Vicenzi Chamo-me Francesco e, naqueles difíceis tempos, morava na região da Sicilia. Fazia quatro anos que minha esposa havia falecido e eu ainda via a sua feição pálida, como o leite que tirávamos das cabras toda manhã. Ela não estava mais aqui. Nunca acreditei em amores idílicos, mas aqui dentro eu sabia, queria viver um. Tornei-me cético após a morte dela. Mas eu pressentia que naquele verão minha vida seguiria, ao menos, deveria. Na beira do mar da Ligúrgia, eu pensava em como seguir, por onde começar. Deixaria o tempo passar ou iria buscá-la? Teria de mudar esse meu jeito desacreditado. Isso eu acordava. Por onde menos que Veneza para começar, a terra do amor verdadeiro. Fui à casa de Julieta, buscando o muro onde escreveria minha carta e deixaria todos os meus anseios na grafia de minhas palavras. Depois de longas horas, todos ao meu redor foram indo. E eu fiquei, olhando para aquele paredão de pedras, com alguma esperança de encontrar minha nova. Eu ainda não sabia como denominá-la. Abaixo da sacada onde Romeu se declarava à Julieta, fixei meu destino. Entretanto, fui interrompido por uma água suja, que caia bruscamente sobre meus cabelos e sobre minha boca. Sentia aquele gosto de sabão e, imediatamente, olhei para cima para saber quem havia transformado em papel molhado a minha vida. Digo vida, sim. Porque ali tinha escrito tudo o que ninguém nunca havia descoberto. O meu interior. Então, meu olhos se depararam com uma moça de cabelos cor de mel. Estavam presos, pelo trabalho que efetuava, eu imaginei, por isso, claramente, consegui ver seus olhos verdes. Ela, delicada, prontamente me pedia desculpas e lamentava minhas vestes molhadas. Ensopadas, na verdade. Minha raiva já tinha se ido e a única coisa em que eu pensava era como Romeu e Julieta tinham me respondido com tanta prontidão. Sim. Era ela. Não sabia seu nome, nem seu telefone, onde morava, muito menos se gostaria do meu jeito. O que eu sabia é que eu viveria com ela até o fim de nossas vidas. Ela desceu as escadarias da casa de Julieta, ainda se retratando, mas eu lhe disse que não havia problemas, acidentes acontecem. E aquele, indubitavelmente, foi o melhor acidente de minha vida. Aquela noite, como em todos os anoiteceres, até hoje, tomei uma xícara de café com ela. Gaia, uma jovem trabalhadora, doce... a mulher que eu pedi a Romeu. Destino, coincidência, sorte, ou escolha? Não sei. Só sei que aconteceu. E foi maravilhoso. 73!

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Memórias Maria Eduarda Sales Rocha Aguiar Maia Um barulho de tiro. O farfalhar das folhas lá fora. Um grito. Todas essas lembranças circundando os pensamentos de Anthony. Era estranho como ele se sentia. Vazio, mas, ao mesmo tempo, tomado por essas memórias. Pousado em uma cama de madeira, com as mãos calejadas em seus cabelos negros, ensebados pelo tempo em que estava naquele aposento de paredes azuis, porém, desbotadas e descascadas, ele travava uma batalha com seus pensamentos e emoções. As lembranças. Dor. Eram demais para ele. Fechou os olhos cor de âmbar, cheios de tristeza, prendendo a respiração, soltando-a lentamente pela boca ressecada e abrindo os olhos novamente. Tudo para não perder o controle. O olhar voltado para cima, e ela apareceu em meio aos seus devaneios. Amy. Com seus cabelos ruivos acastanhados e olhos verdes, com certo brilho. Balançou a cabeça para tentar esquecê-la, mas era impossível. Simplesmente não dava. Odiava-a com todas as forças. Odiava, mais ainda, amá-la. Odiava o fato de tê-lo traído, deixando-o. Mesmo depois de tudo pelo que passaram, nada seria o mesmo a partir de agora. Pensar nela o deixava com uma espécie de vazio, que não sabia explicar. Era, definitivamente, pior do que todas as sensações que já havia tido. Queria esquecê-la, mas ao mesmo tempo, desejava que sua imagem nunca desaparecesse de sua mente. Ele escutava sua voz o chamando. “Tony”. Macia, doce. Chegava a ser até um pouco reconfortante. Uma sensação boa atravessou sua alma, mas logo se desfez. Levantou-se e pegou um copo com suco, enquanto observava a paisagem devastada, pela única janela de que o quarto era dotado. “Tony”. Escutou-a de novo, um pouco mais distante dessa vez. Mas... como poderia? Ela havia partido. Estava ficando louco, à beira da insanidade, provavelmente. Deveria ser isso. Três semanas sozinho, sem escutar a voz de ninguém, apenas o soprar do vento quando a noite caía e a própria respiração. Às vezes, achava que podia ouvir o sangue circulando pelo seu corpo. Não entendia o porquê de estar ali. Talvez nunca fosse mesmo entender. A situação não podia ser mais confusa, assim como suas memórias. Encostou as costas na parede ao lado da janela, enquanto mais lembranças voltavam. Guerra. Seus amigos morrendo. Amy. Aquilo doía, fazendo-o se curvar para recuperar o fôlego que, de alguma forma, havia sumido. Queria gritar, bater no primeiro que aparecesse a sua frente. Não era para ser assim. Prometeram que ficariam bem. Podia afirmar, sem sombra de dúvida, que o mundo era injusto, mesmo sem conhecê-lo. Ou talvez fossem as pessoas. “Sem mais mentiras, Tony.” Ela de novo. Agora era quase um sussurro. Sua voz o deixava fisicamente e psicologicamente 74!

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abatido. Isso era possível? Era provável que estivesse mesmo ficando louco. Arrastou-se de volta para a cama. Sua cabeça latejava. Sentia o corpo todo doer. Tudo o que havia comido ameaçando sair de uma vez só. Todas as coisas que havia vivido e presenciado pareciam ter acontecido décadas atrás, mas ainda se encontravam vivas em suas lembranças. Praticamente se jogou onde se encontrava antes, de encontro a uma obscuridade sem fim. Não via graça em mais nada. Não havia mais esperança. Só desejava esquecer tudo aquilo. Esquecê-la. Fechou os olhos, lentamente. Seus pensamentos bagunçados. Não conseguia organizá-los. Não sabia o que pensar, ou fazer. Ficar deitado lhe parecia a melhor opção no momento. E era estranho o modo como se sentia. Vazio, mas ao mesmo tempo, tomado por essas memórias.

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Eternidade relativa Maria Lucia Furlanetto Miranda Nós éramos opostos, completamente diferentes, porém indubitavelmente feitos um para o outro. Não tínhamos os mesmos gostos nem as mesmas manias, mas éramos inseparáveis, completamente iludidos em uma fantasia de felicidade que cercava nosso pequeno e tão vasto universo de novas experiências. Pode parecer estranho, mas eu era um amante à moda antiga, mandava flores, abria a porta do carro, comprava chocolate e presentinhos fora de época, um romântico incansável. Não era nenhuma obrigação, eu fazia simplesmente porque a amava, com todas as minhas forças e de todo meu coração. Eu tinha me entregado por completo àquele corpo tão levemente desenhado, perfeitamente moldado para caber em meus braços e se alinhar ao meu ser. Meu alicerce, meu ponto de encontro com o tão desejado equilíbrio entre a mente e o coração. Talvez foi aí, quando tudo estava tão perfeitamente estruturado que, então, a vida decidiu testar o nosso amor. Tudo aquilo que um dia parecia tão magicamente conectado, como peças de um quebra-cabeça infinito, dissolveu-se em questão de segundos. Os mais dolorosos e angustiantes segundos daquela vida. Se eu pudesse, faria tudo novamente, tudo diferente. Eu não a amava pelo jeito como ela se vestia ou por como sabia se portar em público, também não era por ela ser inteligente ou elegante. Eu a amava pela maneira como ela coçava o nariz, tirava o cabelo de trás da orelha e como ficava brava quando contrariava seu gosto musical. Eu sabia que a amava por que o sentimento era recíproco e verdadeiro, por que éramos companheiros de outras vidas e amigos inseparáveis, os quais a mesma que uniu, acabou separando por um triste infortúnio. Lembro muito bem do dia em que meus miúdos e castanhos olhos direcionaram o foco para uma garota de beleza rara, porém solitária, da mesa 12, no bar da esquina. Eu humildemente me aproximei, e ela educada demais para cortar o assunto - deixou-me sentar e ter o prazer de desfrutar de sua voz aveludada e enaltecida pelo som ambiente, que parecia ajustar os acordes para acompanhar sua melodia. A partir daquele momento, sabíamos que algo grande estava para começar e, por isso, insistimos, imaginando que seria pra sempre. Os dias, os meses e os anos se passaram e a cada dia eu me surpreendia com a intensidade de sensações que despertavam em meu corpo a cada etapa que cruzávamos juntos. O primeiro beijo, depois de eu tê-la feito cair do pedalinho e ficar completamente molhada. O pedido de namoro em frente aos pais. Nossa primeira noite juntos depois de um show de uma de suas bandas favoritas. A primeira separação, quando fui viajar para a Holanda para fazer minha especialização. O esperado "sim", 76!

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depois de um pedido de casamento clichê, com a aliança na tacinha de champanhe. Contando assim, tudo parecia perfeito, um conto de fadas da vida real, que tinha tudo para continuar por uma vida toda. Eu adorava a maneira como ela me tocava, acariciando meus cabelos e passando a mão macia e suave pelas minhas costas até chegar a minha nuca. Era impressionante a forma como nossos corpos se uniam, ocupando um só lugar, como se nada pudesse estragar aquele momento tão íntimo e confortante. Formávamos aqueles casais de revista que estão sempre admiravelmente felizes e apaixonados. É claro que as brigas existiam, as discussões sempre vinham à tona, mas nada que um singelo pedido de desculpas não resolvesse. Como nada é eterno, nossa alegria foi a ruínas e a história do jovem que conhece a moça, eles se apaixonam e vivem felizes para sempre teve um ponto final. Um ponto final, triste, seco e frio, arrancando toda e qualquer esperança de um dia envelhecermos juntos e construirmos uma família. O único ponto final que realmente demonstra o último suspiro, e foi exatamente com esse suspiro que veio a última imagem da minha amada. Eu estava indo, deixando de ser sua eterna paixão, seu eterno companheiro. Como aconteceu? Nem eu lembro direito. Estava indo ao seu encontro, iríamos comemorar nosso primeiro ano de casados e a comemoração seria no barzinho onde nos conhecemos. Foi me dirigindo ao meu destino que, após ter efetuado a compra de lindas rosas azuis, suas favoritas, fui abordado por dois jovens. Paralisei e não consegui responder aos comandos dos marginais, só conseguia pensar que minha amada estava à minha espera e eu não podia decepcioná-la. Foi então, que escutei aquele som ensurdecedor e penetrante que percorreu meu corpo desenfreadamente, até que eu não pensasse em mais nada, até que meu corpo paralisasse e eu me rendesse aos chamados da morte. Nesse instante, eu percebi que não mais a teria, não sentiria mais seu perfume de maçã, não veria seu rosto delicado ao acordar, nem roubaria o último pedaço da sua torta de chocolate. Eu não estaria lá para lhe dar apoio, consolá-la e dizer como ela estava linda naquela noite. Talvez se eu não tivesse parado para comprar as flores, ou se tivesse marcado em outro local. Se tivesse adiantado nosso encontro em uma hora, ou se tivesse feito um jantar romântico em nosso apartamento, eu poderia ter evitado seu sofrimento. Teria evitado que ela passasse por esse momento triste, nessa sala mórbida e cheia de más energias. Não queria que ela tivesse de olhar para meu corpo gélido, inútil e sem perspectiva. Nossa eternidade será eterna somente em nossos corações.

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O valor de uma família Mariana Vieira da Silva Em um povoado triste e melancólico, os dias são tranquilos. A família Silva segue sua rotina de trabalho e cuidados com seu único herdeiro. Até então, tudo era motivo para comemorações e sorrisos. Em uma típica noite de outono, entre toques, sussurros e beijos ardentes, o sentimento de desejo tomou conta do casal de apaixonados. A partir daquele momento inesquecível, passou a existir uma segunda herdeira, a qual, juntamente às brigas e desentendimentos corriqueiros, foi o motivo da triste separação. O pai, ao receber a notícia da gravidez, desconfiado, porém, ciente da enorme responsabilidade que o aguardava, agia de forma irresponsável e, sem saber o que fazer, pediu friamente à mulher que efetuasse um aborto. A mãe, simplesmente espantada com essa atitude desumana, ordenouo que fosse embora, que seus filhos criaria sozinha e nada faria falta a eles. Cabisbaixa, passava os seus dias, de cômodo em cômodo, até ser tomada pela depressão. Sendo salva pela família, sua filha nasceu longe daquele ambiente tristonho. A menina, obviamente, sabia da existência do pai, o qual nunca havia dado notícias, nem a procurado. Ela estava crescendo e, a cada ano, o sentimento ardente que se manifestava era mais e mais doloroso. Lágrimas, dúvidas e tristeza já eram uma rotina. Apenas queria saber o que teria ela feito de tão cruel, para seu próprio pai não desejar a sua existência, porém, era tempo perdido, perguntas sem respostas. Um sentimento de amor, rancor e indignação. A menina dos cabelos longos e escuros cresceu. Os pensamentos evoluíram juntamente com o profundo amor que sente por seu pai, que, mesmo sendo indispensável para o seu desenvolvimento interior, na fase de maior importância, que era na sua infância, não estava ali. Nos momentos de dificuldade, ele não estava ali, e essa situação se repetiu por muitos e muitos anos. A falta de contato devido à distância certamente prejudicou a interação entre pai e filha. Foram muitos verões sem essa interferência, em que permaneceram sem contato. Diante de tantos anos passados, o tempo perdido não será recuperado, mas o amor que sustenta a palavra pai, um dia os trará a união.

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Amor perfeito Narciso Gustavo Nunes Baez “Trata-Trata”. Acordo. Outro dia se passou, e eu aqui, rumo à eternidade. Pelo menos paro para pensar que, a cada século que passa, o homem sempre inova a sua maneira de acordar. O pior de tudo é que meus pais me fazem ir à escola. Já cansei de ir para lá, ver e rever todas as coisas que já vivenciei. Chamam-me de gênio, mas eu simplesmente falo que são experiências da vida. Então, como qualquer outro dia, fui à escola. Não sabia por que, mas sentia que algo tinha mudado. Vou para a aula de Biologia. O diretor entrou na sala avisando que o professor passara mal e, por isso, não poderia vir. Quando isso acontecia, um professor substituto vinha e dava aula. Logo depois que o diretor falou, entrou na sala uma jovem mulher, linda, loira de olhos esverdeados, com um olhar aniquilador. Quando eu e ela trocamos olhares, senti-me sendo empurrado de um abismo, caindo e caindo sem parar. Somente quando ela desviou o olhar, consegui me por no chão novamente. Enfim, acabamos descobrindo que ela era a filha do nosso professor, e que recém tinha iniciado a faculdade de medicina. Não consegui prestar atenção em nada. Estava perdido. Alguma coisa naquela mulher me fazia sentir algo que nunca senti por ninguém. Passado algum tempo, o professor não retornou. Parece que a sua doença havia atingido um estágio mais grave. Sua filha o continuou substituindo e eu continuava perdido. Parecia que ela pregava truques em minha mente. Certo dia, umas três semanas após a sua entrada, fizemos uma excursão para um laboratório em uma cidade vizinha. Lá, comecei a perceber que aquela mulher também parecia estar perdida quando me olhava. Diante de todos esses sinais, fui me apresentar. Conversamos muito, e percebi que tínhamos algo, e que não havia explicação. Ao longo do tempo, fomos nos aproximando cada vez mais, até que certo dia a encontrei na rua e ofereci uma carona, pois estava chovendo e eu estava de carro. Conversamos muito sobre tudo e trocamos os olhares mais profundos, matando-nos pouco a pouco. Parei o carro. Não conseguia mais me conter. Foi quando nos rendemos a todos os nossos desejos carnais. Conseguia sentir a minha alma se conectando à dela. Agora, eu não caia mais com ela, eu simplesmente voava junto dela. Não sabia que tal experiência poderia existir, e eu, que já vivera séculos, nunca sentira algo próximo daquilo. Nunca me sentira tão bem. Era como se eu estivesse preso por anos e depois tivesse me libertado. Eu podia sentir que ela nutria por mim os mesmos sentimentos. Depois de realizar todos aqueles desejos antes enclausurados, levei-a para casa. Não consigo explicar em palavras o que senti. 79!

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Semanas se passaram, e eu, completamente louco por uma mulher. Não podia acreditar nisso! Minha cabeça só pensava nela e nas coisas que poderíamos fazer juntos, mas esses pensamentos me matavam. Eu, que tinha a vida eterna, teria de vê-la morrer pouco a pouco, e junto dela uma parte de mim. Logo após esses pensamentos amorosos e trágicos, recebi uma ligação dela, seu pai havia falecido. Ela chorava, e o meu mundo desabava. A sua infelicidade me levava a minha própria destruição, pois eu não poderia fazer nada para mudar o destino e não conseguiria fazê-la parar de sofrer. Compareci ao enterro de seu pai e fui apresentado a sua família. Nesse momento, fiquei pasmo. Acabara de descobrir que estava apaixonado pelo inimigo. Descobri que ela fazia parte da família rival a minha e que, há séculos, lutávamos uns contra os outros. Ninguém me reconheceu e, por minha sorte, meu nome escolar não trazia o verdadeiro sobrenome, por isso nem ela sabia disso. Após o trágico enterro do pai, tive de conversar com ela e expor todas as verdades. Nosso amor seria impossível, pois nunca permitiriam que ficássemos juntos pelo resto de nossa eterna vida. Ela compreendeu tudo com facilidade e combinamos que ficaríamos escondidos. Mas isso não durou muito tempo. Alguns meses depois, a mãe dela descobriu sobre nosso amor e decidiu que acabaria com a relação, revelando nosso segredo a toda a família. Ela, desesperada por acreditar que poderia perder o amor de sua vida, sem o qual não viveria, acabou tirando a vida da mãe com as próprias mãos. Seu amor por mim era tão doentio que, para garantir que nunca iríamos nos separar novamente, destruiu toda a família para prevenir que eles não tivessem nenhuma chance de acabar com nosso amor. Preocupado com a possibilidade de perder o meu mundo, também manchei minhas mãos de sangue e assassinei todos aqueles que ousavam se opor à nossa escolha e, assim, garanti que nada, nem ninguém, pudesse tirá-la de mim. Fomos feitos um pro outro. Mudamo-nos para o meio do pequeno pântano de minha cidade e, lá, ficamos, longe de qualquer problema. Mesmo assim, pessoas apareciam. Eu, então, para proteger o meu tesouro, precisava eliminar todos aqueles que se aproximassem dela. Agora posso ter certeza de que ela estará segura. Depois de ter matado todos na cidade, o governo entendeu que isso fosse uma situação de emergência e fechou a zona para quarentena, fazendo com que ficássemos isolados do resto do mundo. Vivendo somente do nosso amor perfeito.

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Viajando nas lembranças Natália Dellazzana Moschetta Voltando de uma viagem em família, observando a paisagem de outono com suas lindas folhas que vão do vermelho ao dourado, umas que voam outras que caem sobre o chão, começo a refletir sobre como é bom olhar e enxergar o que a natureza nos oferece. Com isso, brota de dentro de mim um sentimento de prazer e alegria por ter tido momentos tão valiosos e especiais com minha família. Minha cabeça adora novidades, mas meu coração prefere repetir o que já provei e, nessa viagem, tudo aconteceu. Gargalhadas, comidas saborosas, abraços afetuosos, olhares de cumplicidade e discussões passageiras, que na hora parecem um turbilhão de energia, mas, em seguida, nascem a compreensão e o amor incondicional que sempre falam mais alto. Meu pai, dirigindo atentamente com toda a responsabilidade. Minha mãe, linda, muitas vezes olha para trás como se estivesse conferindo se está tudo bem e, ao mesmo tempo, solta seu sorriso contagiante. Férias maravilhosas. Nosso hotel com muitas recreações fez nossos dias passarem como o vento. Amizades novas, aprendizado, pois muitas coisas aconteceram. Num dos dias, quando descia para o café da manhã, deparei-me com um menino que me pareceu triste. Olhava as crianças que corriam num entra e sai, do salão de café ao jardim. Olhei-o e o cumprimentei. Ele não respondeu, baixou a cabeça, como se estivesse com vergonha. Sentei-me à mesa, mas não o perdi de vista. Tomei o café, observando-o, ele retribuía meu olhar, entristecido. Logo que saímos do café, o menino triste puxou meu braço e desculpou-se por sua atitude, dizendo que não tinha a intenção de ser mal educado, mas agiu de tal maneira, pois estava desolado. Seu pai estava em estado crítico no hospital. Senti-me muito mal, pensava comigo mesma, quem sou eu para julgá-lo, todos temos dias ruins, devia ter respeitado isso. Logo após minha série de pensamentos, comecei a conversar com o garoto. Ele contou que estava hospedado com a mãe no hotel, pois seu pai estava fazendo tratamento naquela cidade. Conversamos por um bom tempo e logo percebi que eu poderia tentar ajudá-lo, fazendo-o sorrir mais, pensar de forma positiva, pois, assim, ele e sua mãe ficariam mais fortes para aguentar tudo o que estavam passando. Naquela mesma tarde, convidei-o para passear pelo hotel e participar de alguma atividade por ali. Então fomos, conversamos não sobre coisas ruins, mas, sim, sobre tudo de bom que a vida oferece e que devemos aproveitar. Assim, ele poderia enxergar que seria muito pior se sua 81!

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família não tivesse condições de obter tratamento médico, como acontece com muitas pessoas. Muito grato, ele sorriu e seguimos com nossa caminhada. À noite, o céu estava perfeito, com constelações e, ainda, uma lua cheia que iluminava um lindo fim de dia. Uma visão realmente magnífica. Eu e minha família fomos jantar, todos estavam com muita fome, vimos o menino e sua mãe sentados na mesa ao lado, sozinhos, comendo. Meu pai teve a ideia de chamá-los para fazer essa refeição conosco, eles agradeceram, sentaram-se junto e todos conversaram naquela agradável noite. Toda tristeza que se via naquela família parecia que tinha se tornado pensamentos positivos e gratidão. Fiquei muito feliz ao perceber isso. No dia seguinte, todos foram ao parque da cidade e aproveitamos para nos despedirmos, pois minha família e eu estávamos voltando para casa. Sei que sentirei saudades, pois conhecer aquela família nos fez sentirmos bem e preocupados, ao mesmo tempo, com o estado do pai. Após chegarmos em casa dessa longa viagem, eu e o menino não parávamos de conversar por mensagem e relembrar das aventuras vividas. Então, algumas semanas depois, recebemos uma carta com uma caixinha embrulhada junto. Para minha surpresa, era do pai do garoto, que agradeceu imensamente por termos ajudado sua família a passar por aquela dificuldade, alegrando seus dias. Afirmou, ainda, que teve alta e estava muito feliz com seu filho e mulher. O pior sentimento, enquanto estava hospitalizado, era saber a angústia e sofrimento por que sua família passava, e mudamos isso. Por isso, sua imensa gratidão. Percebi, com minha experiência, que todos os dias temos a oportunidade de fazer o bem, ajudar o próximo. Dessa forma, relações de amor, carinho e afeto são conquistadas. Por isso, relembrando nossa viagem, cada vez mais tenho certeza de que gosto de novidades e amo reviver sentimentos bons.

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Möglichkeit Odanor Ferreti Tombini Filho Os plátanos e os pinheiros debruçavam-se sobre o largo. A neve acumulada os tencionava na direção do solo, como se tateassem à procura de algo. Uma fina camada de gelo cobria os bancos e as mesas. A fonte choramingava gotículas de água. A lua assomava-se solene e triunfante num céu sem estrelas. Anoitecia gelidamente em Imperial. Klauss irrompeu pelo lado da cerca-viva. Suas botas e sobretudo estavam banhados por um orvalho espectral. Sentou-se e esperou. Sua marca no antebraço coçava. Sentiu seu pulso e batimentos acelerarem enquanto a esperava. Começou a suar, não conseguiu se conter e escondeu-se nos arbustos. Estava acontecendo. Logo Mia apareceu. Sua pele alva reluzia sob o luar, os cabelos negros como breu, milimetricamente escovados, cintilavam, e seus olhos cristalinos zoneavam a área. Lentamente, ela se dirigiu à sua cadeira costumeira. Sentou-se, abriu o livro e começou a ler. Foi então que ouviu um ruído próximo à vegetação. Levantou e pensou em se afastar, mas algo a continha, chamava-a para a mata, então se aproximou. Seus pelos eriçaram mediante a expectativa e o pressentimento que teve. Nesse instante, Mia ergue seus olhos e vê um ser aberrante e insólito que emergia das brumas noturnas. Era horrendo, mas, ao mesmo tempo, familiar. A expressão grave e a musculatura que sobressaía lembravam-lhe alguém. Contudo, a mente estava imbuída nos vapores medonhos exalados pela criatura. A memória estava bloqueada. Um aterrador Nachzehrer a estudava. Mia tentou fugir, mas a entidade a segurou, firmemente. Ela pode identificar algo em seu punho. O ente encarou-a. Ouviram-se passos largos e pesados logo atrás deles. Do verde, emergiu um homem. Assomava-se a vários palmos do chão, imponente. Seu cabelo castanho tocava-lhe os ombros, sua barba e sobrancelhas eram altivas. Carregava um grande arco de madeira nobre. A aljava estava cheia de flechas prateadas. Sacou um projétil e atirou tão rapidamente que o monstro não conseguiu se esquivar. Pelo menos não o suficiente para evitar um leve arranhão, aparentemente doloroso. O Nachzehrer rugiu e embrenhou-se na escuridão para escapar, seguido de perto pelo caçador. No entanto, Mia só pensava em Klauss. Onde estaria? Será que passava bem? O encontro havia sido aterrorizante em demasia para ela. Desvaneceu. Mia acordou dois dias depois. Estava em sua casa. Os cobertores feitos de pêlo animal a esquentavam, enquanto o lençol de cetim roçava sua pele. Já era tarde, pois a janela estava aberta e uma brisa adentrava o recinto, forçando as velas a continuarem acesas. Levantou-se, tomou o desjejum e decidiu sair. Contudo, enquanto colocava os sapatos para neve, observou, na entrada, um arco. Recordando a terrível lembrança do ataque, reconheceu-o. Quando foi pegá-lo, hesitou, pois ouviu uma voz grave do lado de fora: — Perdão senhor. Havia esquecido meu arco. 83!

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A voz falava com o pai de Mia. Os trincos enferrujados da porta rangeram enquanto abria. — Olá, sou Aaron. Encontrei-a, dois dias atrás, em sua funesta reunião. Não quero incomodá-la. Apenas vim pegar meu utensílio. Mia corou. — Sim, agora começo a me lembrar do senhor. Gostaria de agradece-lo calorosamente por aquilo. — Não por isso. Eu já estava no encalço daquela criatura há algumas luas. Mas receio não ter terminado a tarefa. Devo ficar até completá-la. — Boa sorte então. — Grato. Deu uma última olhada de relance em Mia e saiu. Os olhos de Aaron brilharam, intensos e penetrantes. Ela também sentia algo estranho e diferente. Uma sensação de conforto e proteção. Algo que não havia sentido nunca antes. Tentou escutar o que se passava lá fora. Percebeu que Heiner, seu pai, e Aaron falavam: — Não esqueça o caminho, local e horário que lhe indiquei. Não se atrase e, acima de tudo, não fale com ninguém. — Até lá então. — Sim, até. Heiner entrou, casmurro e pensativo. Tomou o cachimbo e tornou a esfumaçar, profundamente. — Por que os sapatos para neve? — Para nada. Dito isso, correu apressada para o quarto. Entrou e caiu na cama. Lembrava-se de Aaron. Finalmente reconhecera o odor marcante do couro. Perto do badalar das doze da noite, Mia percebeu que seu pai saíra armado para o campo. Viu que se dirigia a uma clareira e deduziu que ia à caça. Entretanto, uma pulsante curiosidade tomou-lhe o corpo, inédita, forçando-a a agir. Vestiu-se e partiu. Quando lá chegou, projéteis voavam para todos os lados e, felizmente, pensou ela, caia atingida a criatura medonha. Sua ideia logo mudaria. Mia! Urrou a criatura, em seus últimos gorgolejantes momentos. De relance, ela percebeu que o vil ser já não era mais um monstro e, sim, seu noivo, Klauss. Ela correu até ele. Tocou-lhe pela última vez e, com as mãos maculadas em sangue, escutou: — Logo tudo isso acabará. Vai dar tudo certo... A beladonna começava a cessar o efeito. Estava em sua cadeira novamente. O livro a aguardava, assim como o ruído do farfalhar das folhas. Anoitecia gelidamente em Imperial.

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Doce coração Vitoria Helena Almeida Schettini Ribeiro Na ensolarada primavera francesa, na vila de Colmar, uma garota de 19 anos chamada Célestine Berger, vivia com sua mãe, Adélie. Seu pai, Claude, morreu em um acidente de carro. As Berger eram muito pobres, e Adélie estava muito enferma. Elas estavam passando necessidades, e a mãe pediu à filha que fosse encontrar um emprego, para que a situação financeira não se agravasse. Numa tarde comum, Célestine saiu para passear pela cidade, que tinha muitas flores e era ornamentada por uma ponte sobre o rio Launch, quando esbarrou com um belo homem, que era alto, moreno e tinha lindos olhos castanhos. Começou a fitá-lo, encantada com aquela admirável beleza. Voltando a sua casa, observou a magnífica arquitetura das vivendas, todas adornadas com floreio e com cores vivas. Quando chegou, percebeu que estava pensando no homem belíssimo em que colidiu. Sua mãe perguntou se estava bem, e Célestine assentiu que sim, num gesto apressado com a cabeça. Ela iniciou a procura por trabalho pelos classificados de periódicos, quando leu no jornal Le Monde que a família Beaumont, proprietária da grande perfumaria Hermès, estava em Colmar, para situar sua filial na cidade. Consigo, trazia o herdeiro da fabricante de aromas, Antoine Beaumont. Célestine necessitava de um emprego, para poder sustentar a casa, agora que sua mãe estava enferma. Também estava escrito no jornal, que o herdeiro da perfumaria precisava de uma secretária, para auxiliá-lo nas incumbências da companhia. Célestine não perdeu tempo e correu à Avenida Joseph Rey, onde a empresa se localizava. Lá, deparou-se com um grande arranha-céu, cheio de vidros. Diante de muitas candidatas ao cargo, quando pedida a sua presença na presidência, defrontou-se com o mesmo homem em quem havia esbarrado há pouco. Para sua surpresa, era Antoine Beaumont, o milionário que se encontrava na cidade. Durante a entrevista, foram feitas muitas perguntas à Célestine, acerca de seu currículo e experiência, mas aquele era seu primeiro emprego. Ele a contratou, admirando a beleza da garota com longos cabelos castanhos. Ao longo dos dias na companhia, Antoine percebeu como Célestine era confiável e aplicada com o emprego, para alguém que nunca havia trabalhado antes. Todos os anos, a prefeitura da vila francesa Colmar realizava um Baile para comemorar o aniversário de fundação do burgo. Um Baile de Máscaras, que reúne a elite colmariana, incluindo os poderosos empresários e comerciantes. Dia 1º de junho, data de fundação da cidade, era o dia do bailado. Em 2015, a amiga de Célestine, Amélie Lamarck, convidou-a para ir ao Baile juntas, no salão Foreign-Origine. 85!

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Célestine falou à mãe que não podia ir, porque não tinha um traje para festa. Adélie tinha um vestido guardado, que foi presente do falecido marido – Claude - e mostrou à filha, que ficou maravilhada com a veste. Era um vestido longo e armado, feito de paetês rosa claro, com detalhes em renda com pérolas rosadas perto da cintura. Assim que colocou, ficou simplesmente linda. A mãe a ajudou a fazer a maquiagem, com sombra rosada em seus olhos verdes, e um batom vermelho em seus lábios carnudos. Junto à face, uma linda máscara dourada. Depois de se despedir da mãe, Célestine entrou no carro de sua amiga, que havia surgido em um magnífico Bentley. Elas foram ao salão ForeignOrigine, que tinha longas escadas de piso de mármore, com candelabros dourados no final dos corrimãos. As paredes do espaço eram adornadas com velas elegantes, e as janelas tinham grandes cortinas azuis claras. Quando chegaram, Célestine foi surpreendida com os olhares de todos que estavam lá. Quando sentaram à mesa, deparou-se com um homem bem vestido, de terno cinza e gravata vermelha, com um disfarce prateado. Ele a perguntou se queria dançar, e ela assentiu com a cabeça que sim. Dançaram muitas valsas, durantes vários minutos, até que ele descobriu que sua dama era Célestine Berger, sua linda e empenhada secretária, por quem se encantou desde o primeiro dia. Ele a beijou, revelando seu amor por ela, e ela por ele.

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Ilustração: Vinicius Romancini

CONTOS DE AMOR DE ONTEM E HOJE – NÍVEL III (Alunos do 1º Ano do Ensino Médio e 9º Ano do Ensino Fundamental) 87!

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Fotografia (Amanda Odorczik) Por todos os lados, para onde quer que eu olhasse, só enxergava corpos caídos, pessoas atordoadas e confusas. Senti-me um tanto quanto culpado, afinal, eu era um soldado, e essa fora a primeira vez que tivera sido convocado a servir meu país. Nunca imaginei como seria, simplesmente fui arrancado do conforto da minha casa e, de repente, estava no meio de bombardeios ensurdecedores. Eu ouvia tiros, e a morte passou a andar ao meu lado. Era como um campo minado: qualquer milímetro de erro, tudo virava nuvem de fumaça. Após sofrermos um ataque inimigo e levarmos vários sustos, senti que o que restava naquele campo de batalha era somente o cheiro forte da pólvora, estranhamente misturado aos tiros, que ainda pareciam ecoar no ar. Eu estava voltando para trincheira, atento, quando algo no chão chamou minha atenção. Apesar da noite fria e escura, coberta pela pretensão das balas dos canhões, aquele objeto brilhava em sintonia com a lua. A primeira impressão que tive foi a de que o pequeno ponto brilhante fosse um distintivo de outro soldado que não tivera a mesma sorte que eu e acabara morrendo, enquanto defendia a pátria amada. Cheguei mais perto e, instintivamente, peguei-o. Era um medalhão de ouro puro. Guardei-o no bolso da minha farda, sem más intensões, e segui meu caminho até a trincheira. Ao chegar, encontrei soldados, tenentes e comandantes desesperados. Apesar dos meus vinte e poucos anos, já sabia que a expressão de tristeza e preocupação advinda de suas faces enrugadas não indicava coisas boas. Havíamos perdidos vários homens e não existia razão para perdemos mais. Portanto, foi tomada uma decisão: homens com menos de vinte e cinco anos retornariam as suas casas e seriam substituídos por exércitos de homens mais velhos e experientes. Alguns queriam ficar e lutar pelo país, mas uma ordem vinda do tenente jamais deveria ser desobedecida. Arrumamos nossas coisas e partimos na madrugada. Estava com saudade de casa, dos amigos, da vida que eu levava e até de uma mulher que me abandonara para fugir com um alemão, antes do início da Primeira Guerra. Minha casa continuava igual, os móveis empoeirados, a tv preto e branco, e meus pais sentados na varanda, agora com expressão de alívio. Após as saudações, tudo o que eu queria era descansar. Tirei minha farda e ouvi um barulho. A princípio, pensei que fosse uma das poucas medalhas honrosas que eu havia ganhado, mas me abaixei e avistei o medalhão encontrado no fim de um bombardeio. Abri-o e me encantei com a imagem que preenchia os vãos do colar. Era 88!

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uma mulher de cabelos longos e sorriso doce, que me fitava com olhar de felicidade. Apaixonei-me. Passei a olhar para ela todos os dias e prometi a mim mesmo que não descansaria enquanto não a encontrasse. Rodei o mundo. Viajei por todas as américas. Eu estava apaixonado. Precisava daquela mulher. Sabia que era loucura procurar por alguém incerto, que ela poderia ser casada, não estar mais no mundo dos vivos, ou mesmo ser uma psicopata, mas, acima de tudo, eu sabia que precisava encontrá-la. Procurei por vinte anos e, sem sucesso, acabei por desistir e aceitar que aquilo tudo era loucura. Desisti, mas não deixei de amá-la um só dia. Ainda sentia que ela fora meu primeiro e único amor. Casei-me com uma mulher maravilhosa e carinhosa, tivemos lindos filhos e, certa vez, ao revirar caixas antigas, ela encontrou minha farda. Estava velha e quase toda devorada pelas traças. Sobressaltada, ao ver o medalhão, ela me perguntou – com lágrimas nos olhos - quem era aquela mulher. Eu respondi que, um dia, ela fora tudo que eu procurara. As lágrimas em seu rosto caiam cada vez mais rápidas, e ela, então, confessou: “Esta sou eu, quando tinha 17 anos, meu pai perdeu esta foto na Guerra”. Fiquei sem reação e apenas a abracei, com a certeza de que ela era definitivamente tudo o que eu precisava.

Ilustração: Arthur Monteiro 89!

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Doce pecado Luana Cristina da Costa Consoli Caro leitor, antecipo-lhe que esta não será uma história aprazível. Nem todas as histórias de amor acabam com um “e eles viveram felizes para sempre”... O que tens em mãos são as últimas palavras de alguém cujo pecado foi amar. Angustia-me por ter de ser assim, mas não posso suportar o sofrimento e o mal que a perda me trouxe. Causei-lhe tanta tormenta por causa de meu amor individualista e receoso... Faço o que estou fazendo, para redimir-me e suplicar o perdão. Escrevo esta carta com o intuito de registrar o meu fim, ou melhor, nosso fim. Todos falavam que éramos jovens demais. Em minha aparentemente fútil opinião, isso é apenas uma desculpa para quem não teve a coragem, ou melhor, a audácia para fazê-lo. Algo que me perturba e toma-me o sono é a importância que os números tomaram com o passar dos anos. Se os números são tão prepotentes, deveríamos aproveitar nosso tempo o mais intensamente possível. Mas não. Somos sempre “jovens de mais”... Eu o vi pela primeira vez enquanto passeava pelas tumultuosas ruas da cidade, junto com a governanta da minha família, Elaine. Ocupava-me com atividades corriqueiras, que, apesar de frívolas, sempre despertaram meu interesse. Foi quando ouvi o som melodioso de sua risada, vindo de dentro da loja de ferragens. Aproximei-me cautelosamente daquele lugar quente e mal iluminado, onde apenas se distinguia o ferro da brasa. Questionei mentalmente o motivo do riso e, conforme chegava mais perto, a curiosidade apenas aumentava. Foi quando estava me preparando para anunciar minha presença que Elaine me deteve. O ato fez com que me assustasse e desviasse bruscamente para trás, batendo em suas costas. Esquivei-me, quando ele se virou, fazendo algumas ferramentas que estavam dispostas sobre uma mesa ali perto caírem. Apressei-me para recolher os objetos que jaziam no chão, e ele juntou-se a mim. Enquanto recolhia, observava-o de soslaio. Notei seu porte físico forte, provavelmente resultado de horas trabalhando na loja, seus cabelos loiros e pestanas que encobriam seus olhos verdes esmeralda estavam encobertos pela fuligem. Eu sabia da posição de meus pais em relação a homens das periferias. Porém, quando ele olhou em meus olhos e sorriu levemente, todas as regras e proibições desapareceram. Eu não diria que foi amor à primeira vista, não acredito em amar alguém pela aparência, apesar de que ele não deixava a desejar. O amor 90!

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se desenvolve de maneiras distintas para cada indivíduo, o nosso foi diligente. A cada dia, hora, minuto, ficava mais vigoroso e crescia em ritmo febril. Estava consumida pela paixão. Encontrávamo-nos à surdina, no calar da noite, para não despertar olhares metediços. E, assim, seguiram-se meses, até o fatídico dia em que meu pai ouviu rumores de que sua jovem filha estava se engraçando com a ralé. Ele não pode suportar tal injúria e decidiu observar meus passos. Como fui ingênua, não notei sua presença, estava consumida pelo desejo de ver meu amado. Meus passos reverberaram por todo o caminho até o lugar do encontro, marcado para meia noite. Quando cheguei ao local e entrei em seu campo de visão, seus olhos se iluminaram, sorrindo para mim, mas, após um milésimo de segundo, suas feições empalideceram. Ele esboçou proferir alguma palavra, porém um estrondo entrecortou-o. Uma bala atingiu seu peito. Quando me virei para trás, a fim de ver o rosto do demônio, lá estava ele. Meu pai. Um assassino. Os dias que se seguiram foram insuportáveis. A perda me abalara de um jeito indescritível. Por isso escrevo esta carta, explico meus motivos e reservo este espaço para pedir perdão a meu amor. Sinto muito, fui incapaz de salvá-lo, por isso me junto a ti.

Ilustração: Vinicius Romancini 91!

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A misteriosa força do amor Suzana Merigo Estava prestes a completar sua vigésima oitava primavera. Da janela rústica de seu quarto, apreciava sem entusiasmo o sol se pondo por entre as colinas, iluminando o vasto campo que se estendia de sua casa, colorindo os pequenos pássaros que por ali voavam e as escassas flores no parapeito da janela. Poderia ser uma bela paisagem para a véspera do dia de um aniversário, mas ela apenas conseguiu refletir sobre sua falta de sorte e esperar pelo triste fim. O dia seguinte seria decisivo em sua história, ou ela partiria dessa pra uma melhor ou tudo poderia mudar. Sentiu um sorriso se formando no fundo de sua garganta, ao mesmo tempo em que se formaram soluços, e lágrimas de choro escorreram-lhe pelo rosto. Tudo começou há alguns anos, quando estava prestes a completar uma década de vida, e sua mãe a levou a um homem de idade que se autodenominava curandeiro, pois mal conseguia levantar da cama, estava apresentando algumas dificuldades respiratórias e febre muito alta por quase dois meses. Então, o senhor disse que seus métodos de cura eram um pouco empíricos e diferenciados dos habituais, e que poderia trazer alguns danos a longo prazo à criança. A mãe, desesperada por conta do estado de saúde de sua filha e querendo apenas o bem estar momentâneo dela, aceitou sem muito pestanejar. Ninguém saberia explicar o que aconteceu naquela sala, alguma espécie de magia negra, do além, ou coisa parecida, apenas o que se soube foi que a menina estava nitidamente saudável de novo. Mas o problema veio posteriormente, quando o medicastro disse que a pequena dos olhos verdes estava condenada a morrer quando fizesse vinte e oito anos e que havia somente uma forma de reverter essa situação, porém ele não sabia descrever, e ela poderia chegar o dia de seu fim sem essa resposta. Seguiram-se longos anos de pesquisas sem nenhum resultado. Durante esse tempo, seu pai morreu de tristeza e sua mãe perdeu a alegre essência de viver, levando consigo a esperança da menina amaldiçoada. Mas também foi nesse espaço de tempo que conheceu uma pessoa muito especial, cuja presença era capaz de fazê-la esquecer dos pensamentos atordoantes que a perseguiam. Ele possuía a beleza mais pura, o jeito mais carinhoso com que alguém já a havia tratado, a capacidade de fazer seu coração bater mais forte, de contar os segundos para revê-lo e acreditar que poderia ter um futuro diferente. No início do relacionamento, ela omitiu seu segredo letal, mas, à medida que percebeu a intensidade do mútuo e verdadeiro sentimento deles, resolveu contar-lhe o que ocorreu. Inicialmente, foi difícil para ele 92!

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assimilar a nova condição do casal, mas o amor falou mais alto e decidiram permanecer juntos e viver intensamente até seu vigésimo oitavo aniversário, além de continuar procurando uma forma de reverter seu destino. Ou então, quem sabe, o próprio amor deles poderia ser essa tal forma. E agora estava ela, apenas esperando a passagem de algumas horas para ver o que iria lhe acontecer. No dia seguinte, nada mudou, seus olhos arregalados e curiosos percorriam seu corpo sem acreditar, e o mesmo pode-se dizer de seu então marido. Mais dias se passaram e nada mudou, ela continuava viva e, a cada hora, sua esperança e alegria eram renovadas. Ninguém realmente entendeu o que e como aconteceu, talvez o tal curandeiro fosse uma farsa, ou só estava tentando descontar sua amargura em alguém, acabando com a inocência de uma pobre menina. Talvez, a tal maneira de reverter sua maldição tenha ocorrido, sem que ela percebesse. Ou, então, a teoria aceita pelo casal, é de que o amor deles foi tão resistente, intenso, inabalável e genuíno, que a libertou de seu condenado fim.

Ilustração: Vinicius Romancini 93!

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Sentimentos inexplicáveis Amanda Calazans Franco Não faço ideia de onde e nem de como veio, muito menos do porquê de ter sido logo comigo. Só me lembro de que tudo começou na escola, nos últimos dias de aula. Logo em seguida, separamo-nos, porém, no ano seguinte, por mera coincidência, esbarramo-nos, e o nosso pedido de desculpas, simplesmente nos uniu. Como? Não sei. Sou uma menina fria, sem sentimentos em relação ao mundo, que só fica sentada sozinha, ama escuro e frio. Totalmente o contrário de você, um garoto descontraído, cheio de amigos, sentimental demais e que adora sair. Mas, inexplicavelmente, você apareceu e me mudou, fez-me reconhecer que sentimentos existem e são feitos para serem sentidos em todos os momentos. Só que não precisava ser dessa maneira complicada. Poderia ter sido de uma forma que eu pudesse entender e não simplesmente vivenciar. Vivo cada dia mais triste, isolada do mundo, tentando achar respostas para perguntas óbvias, porém não encontro. Em alguns momentos, pegome sentada no canto do meu quarto, com as luzes apagadas, normalmente sem ninguém, expressando meus tristes sofrimentos interiores e tentando conceber sua escolha. Essa guerra fria que se formou no meu peito não me deixa em paz, ela me machuca, sinto como se tivesse uma faca me cortando de dentro para fora e me fazendo sentir que a distância entre nós só dificulta meus dias. E, por mais que esse sofrimento me machuque, vale o risco, juro, pois nunca amei ninguém como o amo. Meu sonho sempre foi fazê-lo feliz. Sei que meu papel eu consegui cumprir de forma correta, vivemos momentos inesquecíveis e sentimentos inexplicáveis. Quem diria que, após três anos de tristes sentimentos, ressentimentos, culpa, eu me apaixonaria de novo. Na verdade, não me apaixonei. Você me encontraria em uma festa. Eu só estava lá, por ser de minha melhor amiga, você sabe. Ambos estávamos solteiros, e foi no meio de uma dança que nossos olhares se cruzaram novamente. Virei a cara, mas, felizmente, você já tinha me visto e veio rapidamente falar comigo. Pensei que simplesmente fosse me perguntar como estava, mas não. Sou sincera, fiquei completamente surpresa com seu ato. Juro, foi imprevisível. Foi um abraço como o primeiro, tudo igual à primeira vez... perguntei-me, será que vou ser obrigada a passar mais um tempo de minha vida sofrendo pela mesma pessoa? Mas eu estava totalmente errada. Não demorou para que eu tivesse essa percepção. Foi até você me contar exatamente tudo o que havia acontecido no decorrer daqueles anos em sua vida. 94!

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Como se não bastasse ter me surpreendido por ter vindo falar comigo, você disse que ter se afastado de mim foi a pior escolha de sua vida e, foi nesse momento, que me puxou, me levou para um canto, sem ninguém, pois sabia que no meio da multidão eu jamais me sentiria bem. Com isso, provou-me que ainda se lembrava de mim, do meu modo de ser. Abraçoume e me beijou. Esse beijo me levou à loucura. Fez com que eu pudesse relembrar todos os nossos momentos juntos e esquecer tudo o que eu havia sofrido. Uma simples palavra, arrependo-me, fez-me perdoá-lo... Ficamos doze anos juntos, construímos uma família, mas, para a nossa tristeza, você foi diagnosticado com uma doença grave, os médicos só lhe deram mais dois meses de vida. O nosso mundo desabou, não sabíamos como explicar para a família, mas, mais uma vez, juntos fomos capazes. No dia 31 de dezembro, você passou muito mal, levei-o ao médico. Para a tristeza da família, às 17 horas, você se foi. O velório foi no dia seguinte, pela manhã e, ao sair de lá, fui diretamente para casa. Decidi arrumar a nossa cama e me deparei com uma surpresa, que estava em baixo do travesseiro que eu costumava usar. Era uma carta. Achei estranho, li as palavras rabiscadas da capa, que pediam para que eu lesse a carta por completo. As letras estavam borradas, pareciam ter sido escritas com pressa, e lá estava, assinado em seu nome, as palavras de que você já sabia que isso iria acontecer, mas que não me falou antes, pois acreditava que não aguentaria me ver sofrer, de novo, por você. Lá, pedia para que eu fosse forte, levantasse a cabeça e entendesse que os obstáculos da vida só servem para nos fortalecer.

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O destino de um rei Ana Luisa Brassanini Flores Em um reino longínquo, uma rainha deu à luz gêmeos. Ambos garotos. Como a regra do destino, estava certo que deveriam ser separados. Nenhum reino havia de ser próspero se uma guerra para decidir quem seria o dono do trono caísse sob ele. O rei, preocupado com o futuro, entregou um dos bebês aos braços de uma simples serva, demandando que o levasse para um lugar no qual nunca seria possível que os irmãos cruzassem os olhares, nem sequer uma única vez. Assim feito, os irmãos se separaram cedo o suficiente para se tornaram figuras distintas. O irmão que ficara em seu lar foi banhado com luxos e nobreza, podendo até ser comparado ao emblema de seu reino, uma linda rosa. Abençoado pela igreja e amado pelo povo, tornava-se o perfeito herdeiro que seu pai sempre sonhara em ter. O outro teve o começo de sua vida árdua, enfrentando os primeiros passos em um orfanato, experimentando a sensação da fome e medo diariamente, tendo como companhia somente o incontrolável sentimento de fugir do inferno em que vivia. Mas o destino era forte e não seria vencido sem lutar. A personalidade selvagem que os dois carregavam os juntaria em um cenário familiar, o castelo onde nasceram, fazendo uma nova forte relação começar. Seriam melhores amigos. Logo, o reino, admirado por tamanha semelhança entre os dois, reconhecia a existência do amigo do adorado príncipe, passando a considerá-lo seu fiel servo. De fato, não houve época mais feliz na vida de ambos. Sentiam-se como se nada pudesse pará-los, aproveitando cada gota da inocência que lhes restava, prometendo um ao outro, ao juntarem os mindinhos, que nunca se separariam. O tempo passou, e passou para todos. Com uma febre forte, o rei e a rainha vieram a falecer, deixando o trono ao seu filho, com somente desessete anos. Ingênuo, o príncipe, agora rei, veio a mostrar seu verdadeiro lado egoísta, fazendo o povo sofrer. Não mais o reconhecendo, o emblema de seu reino passou a ser um desgosto aos olhos de qualquer um, exceto é claro, de seu fiel servo. Tamanha era sua devoção pelo rei que nunca aceitara deixá-lo. Porém, sua lealdade seria testada ao receber uma grande notícia, tão bem embalada em uma carta, estampada com o emblema de todos os reinos vizinhos, que não aparentava carregar tal árdua verdade. Estavam em guerra. Em guerra com todos, e, ao mesmo tempo, uma revolução nascia da fúria e medo do povo, exigindo a cabeça do rei. Abatido, sua sanidade estava no fim, não era um homem, afinal, somente um garoto. Jamais estaria preparado para tais acontecimentos. 96!

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Desejava seu pai ali, que o guiaria até a vitória, e sua mãe também, que tinha braços tão reconfortantes. Enconlhendo-se em seu trono, o rei chorava baixinho, sentindo seu fim cada vez mais perto, enquanto seu servo permanecia imóvel ao seu lado, como comandado. O castelo estava vazio, todos os nobres haviam fugido. Os gritos da rebelião finalmente podiam ser ouvidos, e os portões somente aguentariam por pouco tempo. O servo, andou calmamente até a frente de seu rei, e juntando suas testas em um gesto carinhoso, falou: “Troque de lugar comigo meu rei, somos iguais. Não se preocupe, ninguém ira notar a diferença, você ainda deve viver.” Deixando alguns soluços saírem, o rei concordou, e, como o covarde que era, ele fugiu. Fugiu para bem longe, montado em um cavalo, sem sequer uma vez olhar para trás. Os sinos agora tocavam sua melodia, avisando que o condenado estava prestes a chegar. Diferente das outras vezes, o sangue derramado ali não seria vermelho, mas azul. Subindo as escadas, sem sequer uma vez olhar para seu povo, o servo, agora rei, pousou a cabeça na guilhotina. Lembrou das últimas palavras trocadas com o rei e, assim, conseguiu esboçar um sorriso à multidão. Sussurrando aos ventos o segredo mais valioso que tinha, desejando que chegasse até a pessoa que mais amara em sua vida. “Adeus...Irmão.”

Ilustração: Julia Eduarda Zonta 97!

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Questão de tempo Carolina Kaempf Farret Conheci Rosemary McFly, repentinamente e de uma maneira totalmente inesperada, quando sua vida estava em minhas mãos. Quando a conheci, percebi que sempre andava com um sorriso estampado em seu belo rosto, delineando as lindas curvas de sua face e enchendo de encanto os olhos de todos que a viam. Era linda e repleta de expressões e sentimentos, até onde eu sabia. Sou cirurgião plástico, estou sempre reparando e aperfeiçoando as pessoas com suas complexidades físicas. Das mais fúteis às mais extremas. Ao chegar no recanto infeliz que é meu consultório, vi-a sentada em sua elegante postura, tendo uma breve prosa com minha secretária. Em um ato de impulso, mandei que entrasse o próximo paciente. Rosemary levantou-se e se dirigiu a minha sala. - Bem, vejamos, qual é seu problema? - Doutor, sei que repara danos físicos, mas preciso de reparos em algo diferente. - Como assim? Por favor especifique. - Preciso de reparos em meus pensamentos. Já fui a diversos médicos. Todos disseram que necessito corrigir meus pensamentos, abrir minha mente, por isso estou aqui. Naquele exato momento de sua revelação, vi que seu mundo, que parecia tão colorido e planejado, estava virado ao avesso, conturbado, ela era insegura. Nunca se arriscava ou experimentava o novo. Mesmo que esse não fosse exatamente meu ramo na medicina, resolvi ajudá-la. - Bem, vou pedir que vá a minha casa durante um mês, todas as tardes, vamos iniciar seu tratamento. - Muito bem doutor, fico muito agradecida. Nunca dormi tão mal em minha vida, pensando em como iria tratá-la. Não sabia absolutamente nada sobre o diagnóstico dos outros médicos, ou sobre qual era exatamente o seu problema. Segui pensando. Eram cinco horas, quando ouvi as batidas na porta de meu apartamento. Ficou imensamente surpresa. Eu havia feito um grande painel com foto, de todos os países que visitei, tiradas com minha Polaroid. - Abra sua mente! Arrisque-se, conheça, existem realmente muitas coisas a serem vividas. Esse foi o foco principal de nossas “consultas” por mais de um mês. Após muito tempo, eu a via de um jeito diferente. Sempre fui solitário, mas pensei que estava realmente apaixonado por ela. Naquela tarde, as coisas foram diferentes. Havia mais contato visual do que qualquer outra coisa. Foi rápido, muito repentino. Foi o beijo mais sincero de toda minha 98!

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vida. Passamos a noite toda juntos. Depois disso, foram seis meses de felicidade e cor, aquilo preencheu o vazio de meu coração. Em um dia incerto, uma moça desce as escadas de seu apartamento para chamar um táxi, como em todas as manhãs. O trânsito está péssimo, o que leva ao atraso do motorista. O táxi para do outro lado da rua, a última coisa que vê é um ônibus em alta velocidade. Se ela tivesse saído mais tarde. Se o trânsito estivesse tranquilo. Se o motorista não estivesse se atrasado e tivesse estacionado do outro lado da rua. Talvez Rosemary estivesse aqui. Aquele que persiste em pregar suas peças e levar tudo que amamos em questão de segundos foi quem a matou. Foi tudo uma questão de tempo.

Ilustração: Andra Rosignol Dezen

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Tarde demais Cássia Cuchi Bordignon A primeira vez que a vi, foi em uma estação ferroviária. Tinha a pele limpa e os cabelos escovados. Sua postura era fascinantemente elegante, seus olhos cor da noite, sua pele levemente sardenta. Todas as pessoas que ali embarcavam, nunca mais eram vistas, levadas a um campo de concentração saturado de falsas esperanças e almas roubadas. Todos que chegavam eram jogados em casarões velhos, imundos, escuros e com apenas uma saída. Dentro, havia camas terrivelmente desconfortáveis para milhares de judeus. Gostava do modo como seus cabelos negros refletiam a luz do luar. Sua voz macia, suas palavras meigas... Mas ela era uma judia, e eu, um soldado nazista. Naquela noite, ainda, tinha como encargo a retirada de comida dos furgões. Tentava me concentrar na descarga de alimentos, mas a imagem da formosa dama não saía da minha cabeça, do mesmo modo como o Sol cega por alguns instantes e não importa o quanto você pisque seus olhos, o efeito continua. Estavam, lado a lado, dezenas de nazistas formando uma fila que gostava de intitular Corredor da Morte. Vi-a caminhando e, sem pensar nas consequências, puxei-a e a empurrei para trás do corredor da morte. Sabia que ela não entenderia o que falava, então apenas a deixei ali, e dei um tiro. Quando voltei para meu posto no corredor, um soldado perguntou se a havia matado, disse que sim. Menti. A única coisa de que tinha certeza era que ela tinha percebido que não queria machucá-la, caso contrário já estaria morta. Fazia minha ronda noturna, meus passos eram fortes e frequentes. Meu corpo se encolhia, lutando contra o frio e meus olhos ficavam semicerrados. Passei pela divisão de dois casebres e lembrei que ela estava ali, sem comida. Minha mão direita passou por dentro de meu casaco, senti aquele pedaço de pão que havia roubado. Aproximei-me dela, escutei um barulho de frio, seus dentes tintilavam. Ela me viu. Quando percebi que ela correria, alcancei-a. Segurei seus ombros e virei seu corpo para que olhasse meu rosto. Sua pele estava branca de frio, entreguei o pedaço de comida a ela. De súbito, ela negou, seu nariz expirou e seus olhos mostravam que ela, enfim, compreendia. Estava calma. Encontráva-mo-nos entre duas paredes de madeira antiga. Era escuro, e o único feixe de luz vinha da Lua. Ela devorava aquilo como um animal selvagem. Ambas as mãos seguravam o que restava do alimento. Eu observava o luar, o céu lindo com poucas nuvens e estrelas, tons de azul que combinavam perfeitamente. Ouvi-a soprar algo, baixinho: "Chaya". Não entendi, até 100!

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que com seu dedo indicador tocou seu pescoço, onde suas saltadas clavículas se encontravam e repetiu: "Chaya". Esse era seu nome. Passei semanas fazendo exatamente o mesmo. O mais marcante foi quando ela disse sua primeira palavra em Alemão. Estávamos em um galpão que fora incendiado, era escuro, estávamos eu, Chaya e Tzivav, que relativamente me entendia. Deixara-os no galpão onde dormiriam. Quando abri aquela velha porta, a luz beijou a escuridão do recinto, todos que ali estavam, olharam, como ratos vendo o brilho do dia pela primeira vez. Assustados, impressionados, surpresos e confusos. Empurrei os dois para dentro, como se os odiasse. Foi ali que me surpreendi, derramada e caída no chão pelo empurrão disse: "Obrigada!". Nem fora preciso mais que um segundo para que aquele agradecimento ficasse marcado por dias. "Obrigada!" ecoava pela minha mente, "Obrigada!" e meu corpo arrepiava, "Obrigada!" ela disse, apenas "Obrigada!" ecoava pelo meu quarto antes de dormir. Logo que acordei, fui informado de que estávamos sofrendo um ataque. Falei à Chaya para me encontrar na ala oeste. Fizemos um pacto, se um de nós não estivesse lá até o último raio de sol se por, significava que estava morto. O Sol começava a se por. Tinha de correr, atirando e andando, fui ao seu encontro. Corria pelo longo muro de pedra que cercava o campo. Cheguei à tal porta marcada e não a vi. Possuía uma arma, se ela estivesse morta, iria a seu encontro. O último raio de Sol se fora e ela não havia aparecido. Inalei oxigênio pela última vez, apontei uma pequena arma que havia encontrado para meu coração e por fim, atirei. Errei. Meu corpo jorrou sangue até a morte. A última coisa de que me lembro... sua doce voz ao falar: "Me atrasei". Meu último pensamento: Chaya.

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As duas irmãs Cinthia Volmer Ferreira Helen e Helena eram duas irmãs muito amigas. Estavam sempre muito próximas uma da outra, eram órfãs. Helena morava junto com sua irmã mais velha. Helen era casada, mas a relação dela com seu amado não era nada agradável, havia muitas brigas e discussões. Em uma tarde de domingo, as duas irmãs combinaram que iriam tomar um café em um restaurante popular. Helen, de longe, observava o garçom. Ela se encantou pelo homem, pois ele parecia ser tudo o que ele sempre quis. As irmãs conversavam sobre o garçom e Helena mostrou-se interessada pelo homem. Depois de muito conversarem, as duas pagaram e estavam de saída do restaurante, quando Helen esbarrou no garçom e derrubou a garrafa de vinho das mãos dele. A menina, toda envergonhada, pediu desculpas, e o moço a respondeu com um olhar e um sorriso sincero. A menina, então, com as bochechadas avermelhadas de vergonha, retira-se do restaurante com sua irmã. A partir daquele dia, Helen não conseguiu mais tirar o garçom da cabeça. Semanas se passaram, e a moça decidiu voltar ao restaurante. O garçom a viu e a chamou em um canto onde ninguém os via. Então, ele a convidou para conversar em um barzinho próximo ao restaurante, a moça aceitou. Fazia muito frio naquela noite, e o homem a cobriu com seu casaco. Em seguida, deu um beijo apaixonado nela e eles começaram a se conhecer. Meses se passaram e o homem, chamado Joaquim, pediu Helen em namoro e pediu a mão da moça para sua irmã. Porém, “rolou uma química” entre eles, Joaquim se apaixonou pelas duas irmãs e eles começaram a viver um triângulo amoroso. Para Helena, ele representava o homem que ela sempre quis, o homem de seus sonhos. Seu marido Mariano não ligava para ela, ele mantinha várias amantes. Cansada de sofrer por causa dele, Helena decide se entregar a uma nova paixão, uma paixão complicada, mas que mexeu muito com ela. Essa paixão de Joaquim pelas irmãs afastou muito as meninas, fez com que elas brigassem, e Helen foi morar sozinha, mas o amor entre os três continuou da mesma forma.

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Memórias Erika Heni Taffarel Vejo sua foto na cabeceira da minha cama. Logo minha mente viaja e penso em como e onde o amor da minha vida está. Vê-lo partir para a guerra me deixou de coração partido, não apenas por causa da distância, mas também do perigo que isso implicava. Nosso amor sempre foi considerado um conto de fadas, desde a primeira vez que fomos vistos como um casal, embora todos tenham demorado a entender que aquilo que sentíamos era mais do que uma paixãozinha de adolescentes, mas um amor real e duradouro. Conhecemo-nos ainda crianças, mas foi somente no Festival Encantado que chegamos de fato a conversar. A intensa luz do Festival, o perfume da primavera e a alegria inexplicável, que estava presente no rosto de cada pessoa, fizeram com que nosso olhar se cruzasse e visualizássemos um no outro aquilo que queríamos para nós. Depois do Festival, tudo passou a ser mágico. Encontrávamo-nos todas as tardes por acreditar que não conseguiríamos viver sem nos ver. Passeávamos no parque, andávamos de canoa e recitávamos lindos poemas de amor, imaginando que aquelas palavras escritas pudessem dizer aquilo que nossas ações não conseguiam transmitir. Estávamos apaixonados, hipnotizados pelo amor que nos consumia. Acreditávamos que tudo daria certo, simplesmente porque nosso desejo de ficar juntos era mais forte que qualquer outra coisa. E talvez tivesse dado certo, se a guerra não roubasse tudo o que eu tinha de especial. Se a guerra não o roubasse de mim. Um mês antes do seu alistamento e, consequentemente, de sua partida, chorávamos as mágoas da distância e do medo. Hoje, vendo sua fotografia em minha cabeceira, lembro-me de nossos prantos, e desejo que tivéssemos aproveitado mais o tempo que nos restava, dizendo o quanto o amava e como só seria feliz ao seu lado. Agora, tudo o que me resta é fazer aquilo a que já me acostumei: chorar a perda do meu amado. Quando recebi a carta em minha porta, não queria acreditar, não podia me imaginar sem ele, sem seus olhos cinzentos que me diziam que tudo ia ficar bem, sem seu corpo próximo ao meu. Neste instante, enquanto relembro nossos momentos felizes, memórias tão belas e dolorosas, chorar é a única coisa que posso fazer, enquanto espero que meu dia chegue. O dia em que, enfim, poderei reencontrar o meu amor, que descansa, esperando-me voltar para seus braços.

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História antiga Evini Carol de Araujo Acordo sobressaltada, olhando ao redor sem conseguir lembrar onde me encontro. Com o tempo, vou me acalmando e lembrando que estou em meu novo quarto o qual não possui muitas coisas, apenas a cama com dossel, na qual estava deitada, um banheiro do lado direito, um armário cheio de roupas novas e uma penteadeira à frente da cama, onde se encontravam as minhas novas joias. Mas a minha parte preferida do cômodo eram as grandes janelas que davam para o jardim, o único lugar em que me sentia bem, um lugar onde encontrava consolo naquela prisão. Há algumas semanas antes de tudo acontecer, lembro-me de estar colhendo flores no quintal da casa onde vivia com meus pais e meus três irmãos, ambos mais velhos que eu. Minha casa era muito pequena e não tinha muitos móveis, apenas os que, com muito esforço, conseguimos comprar, pois minha família nunca teve muito dinheiro e, em algumas épocas, até passamos fome. Nunca pude me dar ao luxo de comprar vestidos novos. Sempre usei os que as filhas das patroas da minha mãe não queriam mais e, agora, olhando-me no espelho e me vendo neste belo vestido que as minhas damas de companhia trouxeram para eu vestir, não me reconheço. Tento olhar através do meu rosto, que já não parece mais o mesmo, olhar mais fundo para ver se aquela menina que lutava pelo que acreditava ainda estava aqui ou se havia ido embora com todo resto. Quando minha mãe passou mal pela primeira vez, estávamos sentadas à mesa da cozinha, remendando algumas roupas que meus irmãos e meu pai usavam para trabalhar nas minas de carvão. Foi quando minha mãe deixou cair no chão o que estava em suas mãos e, em seguida, pude vê-la ao chão gemendo baixinho e pedindo ajuda. Contudo, a única coisa que consegui fazer foi gritar o mais alto que pude por socorro. Então, um médico foi chamado e nos disse que minha mãe estava muito doente e que os remédios necessários para o tratamento seriam caros. Desolada por saber que não teríamos dinheiro para arcar com os remédios, saí para caminhar e refletir. E foi então que me lembrei da carta enviada pela coroa, com a proposta de me tornar esposa do neto e herdeiro do rei Augusto. No momento, não considerei a hipótese, pois não achava certo me casar sem amor. Meu coração já pertencia a outro homem, o qual não via há muito tempo, desde que a guerra havia começando. E a proposta me pareceu sem sentido: por que o príncipe iria querer se casar comigo? Não possuía títulos e não era muito bonita. Mas, por minha mãe, deixei essas perguntas de lado. 104!

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Quando cheguei a casa, enviei uma carta à coroa informando que eu aceitava a proposta. E, dias após a carta ser enviada, chegava a minha casa a cavalaria real, para me escoltar até o castelo, onde permaneço desde então. Estou sentada ao espelho, vendo as mãos de minhas criadas se movendo agilmente por meu cabelo, pois tenho que estar apresentável para a volta de meu futuro marido. Meia hora depois, adentro o salão principal. Ali há três pessoas: o rei, a rainha, e um homem que está me fitando com lindos olhos azuis familiares. A barba está por fazer e o cabelo cai sobre sua testa. Não consigo dizer quem é, mas é muito bonito e está se aproximando e, quando me dou conta, ele me tem em seus braços e nos beijamos com uma paixão que me deixa atordoada. Enfim o reconheço. E, naquele momento, a proposta de casamento passa a fazer sentido, pois esse homem parado em minha frente é o mesmo por quem me apaixonei anos atrás. E a única coisa que quero é que ele me abrace e não solte nunca mais. No último mês, passei por tantas coisas sem ter certeza de nada e agora a única certeza que tenho é que amo esse homem por quem esperei tanto tempo, sem nem ao menos saber quem realmente era. E agora que sei, não quero mais o deixar partir para longe de mim novamente.

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O tempo evapora a chuva Flavia Garbin Sbardella Ainda me lembro do dia em que nos separamos. Pensei que nunca iria esquecê-lo, mas esqueci. Depois da sua carta, fiquei confusa sobre tudo. Realmente, o tempo nos faz esquecer das promessas. Era uma manhã fria, provavelmente a mais fria daquele ano, desci as grandes escadarias de minha casa, sentei à frente da mesa e tomei um café doce. Levantei e fui ao meu quarto novamente, foi aí que recebi a notícia. Todos estavam animados, mas ninguém perguntou como me sentiria com a mudança. Simplesmente me mandaram arrumar minhas coisas, pois iríamos nos mudar para Auschwitz. Meu pai era um importante general do exército alemão, um dos mais importantes do país. Sentia muito orgulho dele e de minha raça. Éramos superiores e, devido ao seu excelente trabalho, foi promovido para comandar o maior campo de concentração da Polônia. Demorei para me acostumar com a nova rotina, mas, de fato, o que mais me fez falta foi a amizade com Stephan. Nossa amizade nasceu com a inocência de criança e foi ficando mais forte a cada dia que passava, tanto que, ao longo dos anos, fomos nos apaixonando um pelo outro. Lembro-me de como era sua casa, do jeito meigo de sua mãe nos levar um pedaço de bolo, acompanhado com uma bela xícara de café todos os dias em que o visitava. Saudade da época em que toda a nossa preocupação era voltada para as brincadeiras que faríamos ou convencer nossos pais a nos levar ao parque juntos, no máximo, sobre como nosso amor duraria para sempre. Minha vida seria totalmente cinza se ele não estivesse nela. Nós éramos inseparáveis e pensei que estaria sozinha pela primeira vez, desacompanhada do seu carisma. Por algumas noites, fiquei recordando dos seus olhos azuis, que tinham a cor tão vibrante como o céu. Seus cabelos lembram-me do o sol e sua boca era vermelha como as pétalas de uma rosa. Mas, como nada é para sempre, arrumei novos amigos e, aos poucos, ele foi sendo esquecido... Nossa casa ficava distante da cidade e perto do campo de concentração. Era maravilhosa, tinha um belo jardim, onde havia plantado rosas de todas as cores. Dentro, havia vários quartos e salas diferentes. Ao lado da sala principal, uma enorme escada, com seus corrimãos de madeira e seus degraus que rangiam. No andar de cima, ficavam todos os quartos. Resolvi falar com meus pais a respeito das aulas particulares, que me deixavam triste por todos meus amigos irem à escola e eu não. No dia seguinte, desci para as aulas, mas me surpreendi com o que vi, era um garoto loiro, com os olhos verdes como os meus. Seu nome era Christophe. Sabia que era armação do meu pai e notei na hora que ele 106!

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era o pretendente de casamento. Meu pai insistia em me fazer casar com alguém de sua aprovação e, o mais importante, filho de nazistas. A partir daquele dia, não me senti mais só. Ele foi a melhor pessoa que apareceu em minha vida. Meu pai tinha razão, eu realmente me apaixonei perdidamente por aquele garoto. Os anos foram passando e, quando notei, já estava com 18 anos. No dia de meu aniversário, recebi a proposta mais esperada de minha vida. Já estava tudo preparado para o casamento, faltavam apenas cinco dias, porém, quando a carta chegou, fique em dúvida sobre tudo... Querida Charlote Morgenstern, Estou feliz por suas bodas, porém gostaria de saber se está feliz. Ainda me lembro de você, e ainda a amo. Meu amor só cresceu a cada dia. Você ainda se lembra dos nossos sonhos de criança? Lembra-se das nossas promessas? Iríamos nos aventurar pelo mundo, lembra-se das palavras que me disse? O que íamos fazer juntos? Tudo aquilo foi como uma brincadeira de criança? Realmente, as lembranças são deixadas para trás, assim como o tempo evapora a chuva... Stephan Schweinsteiger Uma lágrima escorre pelos meus olhos e sinto todas as certezas desaparecem. Seria, eu, feliz?

Ilustração: Laura Zandavalli Córdova 107!

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Um olhar apaixonado Giordana Vitoria Bertozzo Suzin A sensação de vê-lo era estranha. Jamais imaginei sentir isso. O meu coração batia rapidamente e sentia um frio na barriga, como se estivesse caindo de uma altura de mil metros. Um sorriso bobo se formava em minha boca sem meu consentimento. Já não era mais eu quem mandava em meus pensamentos. Era ele. Somente ele. Só pensava nele. O mundo lá fora parava de existir, erámos só nós dois, mas ele não sabia, não sabia que eu era profundamente apaixonada por ele, desde o dia que o conheci. Para ele, sempre fui, e sempre serei a melhor amiga. Mas, naquele sábado, foi diferente. Saímos para tomar sorvete, como de costume, e sentamos no banco do parque. Já considerávamos nosso aquele banco amarelo chamativo, com a tinta toda descascada, pois sentávamos ali desde sempre. Ele estava me contando sobre a viagem que pretendia fazer para a Europa, quando acabasse a faculdade, que havia começado no ano passado. Eu nem prestava atenção enquanto falava sobre sua vontade de conhecer Londres, Paris e ver de perto a Torre Eiffel. Eu só acompanhava o movimento de seus lábios grandes e bem desenhados, com uma cor vermelha bem clarinha, que me fazia ter uma vontade imensa de beijálo. Percebia cada movimento de seu rosto oval, com as bochechas avermelhadas. Suas orelhas eram simetricamente perfeitas e o cabelo castanho erguido, deixava entrever um fio caído. Contava os segundos entre suas piscadas, os olhos castanhos, com grandes cílios, que naquele dia me olhavam de um jeito diferente. Havia um brilho maior em seu olhar, a cada frase que falava, dava uma pausa para respirar, e eu observava cada suspiro e movimento seu. Inconscientemente, olhei no fundo de seus olhos, interrompi sua fala e disse que o amava. Quando voltei à realidade e percebi o que tinha acabado de dizer, olhei de novo para ele, pedi desculpa, e sai correndo. Não parei de lembrar um instante enquanto corria até em casa, da sua expressão, sua expressão chocada, com a boca semiaberta, transmitindo uma estranheza no olhar. Quando cheguei em casa, subi a escada correndo, entrei em meu quarto, tranquei a porta e me joguei na cama. Coloquei o travesseiro sobre o meu rosto, e chorei desesperadamente. Eu tinha estragado tudo, prometi a mim mesma nunca mais sair daquele quarto. Na manhã seguinte, fui acordada com batidas repetitivas na porta. Fingi que não escutei, virei para o lado e fechei os olhos novamente. Então, minha mãe gritou algo parecido com “ele quer muito falar com você”. Não escutei direito, pois estava passando um carro de som na rua anunciando as promoções do supermercado, que cobriu a voz da minha 108!

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mãe. Não podia ser ele, eu já criava falsas expectativas, mas havia prometido a mim mesma nunca mais sair daquele quarto. Porém, no mesmo instante, ouvi o barulho de uma pedra batendo no vidro da minha janela. Fui até ela, para tentar ver o que era aquilo. Acabei perdendo uns trinta segundos ao tentar abrí-la, pois já estava velha e, consequentemente, não abria mais com tanta facilidade. Quando consegui abrir, olhei para baixo, era ele, não acreditei. Só podia ser um sonho, esfreguei meus olhos e olhei novamente para ter certeza. Sim, era ele. Desci as escadas rapidamente, e, quando abri a porta, ele estava lá, trinta centímetros distantes de mim, eu sentia fortemente seu perfume no momento em que ele me olhou profundamente e disse “Por que você não me falou antes?”. Seus olhos se fecharam. Seu rosto se aproximava cada vez mais do meu, seus lábios chegavam mais perto de mim e, então, ele abriu os olhos, olhou para mim e disse “eu também te amo” e fechou os olhos novamente.

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A guerra e o amor Giovanna Catharina de Castro A escuridão tomava conta de seu quarto. Paredes azuis se tornavam negras. O general Theodor Schneider sabia que deveria se levantar e sair o mais rápido possível. Estavam em pleno ano de 1944, tempo em que a Alemanha Nazista estava decaindo. Schneider sabia que o fim da guerra estava chegando, mas já teria se adaptado à ideia. Após sua chegada a Berlin, foi recepcionado por seus companheiros de comando. Convidado por eles, deslocaram-se a um bar, na intenção de confraternizar seu reencontro. Ao desviar o olhar, deparou-se com uma linda jovem. Seguiu em sua direção, no intuito de se apresentar. A jovem o olhou com surpresa e rapidamente levantou-se e realizou a saudação que era obrigatória na época. Schneider lhe perguntou qual era seu nome e, então, ela respondeu Sophie. No dia seguinte, o general amanheceu animado, pois iria encontrar Sophie novamente. Enquanto se trocava, seu amigo de comando, general Martin Bauer, bateu em sua porta e lhe falou que Adolf Hitler precisaria de uma pessoa de confiança para organizar alguns novos homens para protegê-lo. Então, Schneider rapidamente executou sua saudação e saiu em direção ao encontro com Hitler. Theodor não parava de pensar em Sophie, e se poderia reencontrá-la ainda no dia combinado. À meia-noite, Schneider chegou ao bar, mais era já tarde de mais. A jovem moça já teria ido embora. O general permaneceu por ali por cerca de duas horas e, desapontado, seguiu de volta para seu quarto, junto com os colegas de trabalho. No dia seguinte, voltou ao bar onde tinham se encontrado, foi assim por um mês, até chegar o momento em que Schneider já teria desistido de reencontrar a jovem moça. Com seu amigo Martin, foram em direção à Polônia, para visitar um campo de concentração que teria dado muitos problemas. Lá, conversando com um dos responsáveis, deparou-se com Sophie. Schneider se assustou e correu em sua direção. Perguntou-lhe o que estava fazendo no local, então ela respondeu que era judia. O general, assustado, exclamou que iria tirá-la de dentro do aterrorizante local. Theodor violou a segurança e entrou, pegou a mão de Sophie e tentou sair de dentro da câmara, mas sua tentativa foi fracassada. Então, já perdendo o fôlego, a linda jovem falou com voz fraca: amo você!.

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Sentimentos indescritíveis Gustavo Forselius Era um dia lindo, o céu estava com poucas nuvens e o sol refletia em um lago enorme, que ficava em uma chácara, no interior de cidade. Essa chácara pertencia a uma família de cinco pessoas, o filho mais velho da família era um menino de 14 anos chamado Lucas. Era um menino alegre, simpático, estudioso e tímido, tinha olhos verdes e cabelo loiro-escuro. Nesse dia, a família de Lucas convidou outra família para almoçarem juntos. Nessa família havia uma menina chamada Isadora, ela tinha olhos verdes e cabelos castanhos. Depois desse dia, todos os domingos, a família de Isadora ia almoçar junto com a de Lucas, e Lucas foi conhecendo melhor Isadora. Lucas gostava de conversar com Isadora e ele ficava feliz em vê-la, até que um dia Lucas percebeu que estava apaixonado por ela. Um dia, Lucas e Isadora estavam passeando pela chácara e Lucas a levou para um lugar de que ele gostava muito. Esse lugar ficava perto de um lago rodeado de flores. Estava no fim da tarde, e o pôr-do-sol se refletia no lago. Lucas arrancou uma flor do chão e deu para a menina, então eles sentaram em um morro que tinha a vista perfeita do lago. A paisagem era muito bonita, Isadora estava linda, como sempre, Lucas sentou-se ao lado dela e os dois trocaram olhares, os dois pareciam estar muito felizes, e, de repente, beijaram-se, um beijo lindo, amoroso e indescritível. Já era noite, e os dois já estavam indo para suas casas, com suas famílias. Lucas não parava de pensar em Isadora e de relembrar aquele momento, estava alegre, impressionado, admirado e apaixonado. Lucas, ansioso, não via a hora de chegar o outro final de semana. Os dias foram se passando e os dois ficavam cada vez mais tempo juntos, eles se amavam. Até que um dia a família de Isadora foi visitar a família de Lucas, que estava na chácara. Lucas estava em sua casa na árvore e nem percebeu que Isadora estava ali. Isadora estava indo em direção à casa na árvore para encontrar o menino. Da janela, Lucas avistou Isadora, ela parecia estar triste, foi encontrá-la. Quando chegou perto dela, perguntou o que havia acontecido, Isadora, com o rosto pálido e os olhos cheios de lágrimas, falou que ela e sua família iriam se mudar para outra cidade, bem longe, e ela disse que achava melhor terminar o relacionamento. Lucas ficou apavorado, implorou para que ela ficasse, mas ele nada poderia fazer, a família de Isadora já tinha decidido que iriam se mudar para outra cidade, uma lágrima escorregou do rosto de Isadora, ela não conseguia falar mais nada. Para se despedir, ela deu um último beijo em Lucas, um beijo amargo, triste, um beijo de adeus. 111!

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Um dia, Lucas, ainda inconformado com o acontecimento, estava caminhando na beira da estrada que passava em frente a sua chácara. A rua estava muito movimentada, ele olhava para os carros quando avistou, bem longe, um carro igual ao de Isadora. À medida que o carro ia se aproximando, o jovem ficava mais curioso para ver quem era a pessoa que estava dentro do carro. Quando o veículo passou na sua frente, não estava muito rápido, então foi possível ver os ocupantes, eram Isadora e sua mãe. Os três trocaram olhares rápidos, e o carro seguiu, só que, um pouco mais à frente, um caminhão, que estava na contramão e, em alta velocidade, colidiu com o automóvel e capotou. Lucas correu até o local do acidente, estava apavorado, não sabia o que fazer. Quando chegou, tirou Isadora e sua mãe de dentro do carro, as duas estavam muito feridas, Lucas tentou chamar ajuda, mas quando as pessoas chegaram para ajudar, não tinha mais nada a fazer, Isadora e sua mãe tinham morrido. Agora o adeus de Isadora era para sempre. Lucas ficou aterrorizado e angustiado com a perda, e uma pergunta ficou na sua cabeça “Por que Isadora estaria passando de carro pela cidade onde Lucas morava?” Será que ela estaria indo para encontrar Lucas? Será que ela estaria voltando a morar nessa cidade? Perguntas para as quais ele nunca terá a resposta. Lucas demorou a voltar a sua rotina normal, seus amigos perguntavam por que ele estava tão triste, mas ele não respondia. Duas semanas depois da morte de Isadora, entrou uma menina nova no colégio em que Lucas estudava, o nome dela era Manuela, ela tinha olhos castanhos e cabelos loiros. Conforme os dias se passavam ele percebeu que Manuela era muito tímida e ainda não tinha se acostumado com o colégio novo, então decidiu conversar com ela, conheceu-a melhor e descobriu que ela era de outra cidade, mas depois veio morar aqui, além disso, ela era muito simpática e querida, uma excelente amiga. À medida que o tempo passava, Lucas percebia que a pessoa com quem ele mais tinha intimidade na sala era Manuela. Um dia, convidou Manuela para ir à sua chácara e ela aceitou. Eles caminharam pelas trilhas, conversaram... quando Lucas mostrou sua casa na árvore, ela viu a foto de Isadora e, então, ela perguntou quem era aquela menina. Lucas explicou tudo o que havia acontecido com Isadora e percebeu que ele tinha a mesma intimidade com Manuela e com Isadora. Estava quase anoitecendo e o sol estava se pondo, Lucas e Manuela sentaram naquele morro que tinha uma vista perfeita do lago, onde o sol se refletia nas águas do lago, formando uma paisagem linda. Manuela estava admirada com a paisagem, até que em um momento os dois trocaram olhares e, de repente, beijaram-se. Quando estava com Manuela, Lucas se sentia como se estivesse com Isadora. Naquele momento, ele parecia estar ouvindo a voz e sentindo os lábios de Isadora, o amor que sentia era um amor sem fim. 112!

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A agonizante dor de amar Isabelle Salgado de Freitas Era uma noite fria e agonizante, como todas as outras. Lembro-me como se fosse hoje o quão machucada eu estava fisicamente, mas principalmente psicologicamente. Ouvia o ranger dos dentes de meus companheiros, gemendo de dores após um árduo dia de trabalho. O sono custou a vir, mas quando me dei conta, estava sonhando. Desde que cheguei, não havia nunca mais tido esse tipo de experiência, que acabou me relatando que, por mais que eu estivesse vivendo um pesadelo, algo de bom viria a acontecer. Pela manhã, já acordada, fui realizar minhas tarefas diárias juntamente com as pessoas que estavam com o mesmo destino traçado que o meu. Porém, alguém me chamou a atenção, era alto, forte e moreno, gostei dos cabelos, mas logo me conformei, pois sabia que seriam raspados. Arriscando minha própria pele, custei a descobrir qual tarefa lhe foi concedida. Voltando para meus afazeres, sem querer, esbarro em alguém. Por medo de ser um soldado, mal levantei a cabeça e segui. Porém, senti um leve roçar das peles e logo me virei. Para minha imensa alegria, era realmente quem eu queria que fosse. Olhou diretamente em meus olhos e com um sorriso disse: Prazer, John. E, chegando mais perto, sussurrei: Prazer, Valentina. Depois de alguns minutos de conversa, combinamos de nos encontrar escondido após a hora de se recolher. Lembro-me da sensação de nervosismo que senti, misturada a um enorme frio na barriga, até que o grande momento chegasse. Após o soar dos sinos, aguardei ansiosamente e fui ao encontro de John. Chegando lá, fui recebida com um longo e afetuoso abraço, sem saber o porquê e nem como, aquele gesto me confortou. Decidimos nos sentar para conversar e, depois de algumas horas de conversa, John resolveu contar-me a sua história. Assim como eu, ele perdeu toda a família durante sua vinda até aqui, e me mostrou algo que me comoveu muito. Naquela época, todos costumavam ter relógios de bolso com a foto de seus familiares, recordeime de como foi triste quando perdi o meu. E em meio a nossas lágrimas, admiramos seu relógio e as fotos de sua família que ali estavam. De repente, fui surpreendida com um beijo doce e quente, e de alguma forma me senti completamente apaixonada. Nossos encontros tornaram-se cada vez mais frequentes, e, com o passar do tempo, fomos nos sentindo mais próximos um do outro. A vida em meio a tanto sofrimento estava novamente sorrindo pra mim. Assim como de costume, direcionei-me ao meu setor, havia grandes caixas com os pertences daqueles que já não estavam mais no meio de nós. E quando comecei a separar os objetos, veio uma linda lembrança do 113!

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meu verdadeiro amor em minha mente, dos seus olhos me admirando na noite anterior e do movimentar dos seus lábios vermelhos dizendo que me amava. O badalar para o almoço tocou e ansiosamente saí ao encontro de John. Para minha profunda tristeza, não o encontrei. Retornando para minhas tarefas, continuei meus afazeres. O sol estava se pondo e eu já estava quase concluindo, quando ao ver o último objeto da caixa, senti o meu corpo estremecer e meus olhos encherem de lágrimas. Ao perceber que o relógio pertencia a John, corri o mais rápido possível em direção à câmara de gás. Chegando lá, deparei-me com o seu número em uma das roupas deixadas antes de entrar para o leito de morte. E aqui estou eu, com 83 anos de idade, relatando a história da melhor a pior fase da minha vida. Eu sou uma sobrevivente da tirania de Hitler.

Ilustração: Augusto Salvador Mombelli

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A capa do coração João Vicenthe Ramos Foscheira Jandir Antônio levantou-se do banco, endireitando sua jaqueta, observou as pessoas fazendo seu caminho através do Cristo Redentor. Lembrou-se do momento em que ali passou enquanto jovem, naquele lugar aconteceu o primeiro encontro com sua esposa. Naquele dia, Jandir foi à livraria no Rio de Janeiro, procurando por um livro de aventura. Contudo, acabou entrando na sessão errada, naquela com livros de amor. Caminhando pela sessão, achou um livro caído e aberto. Era um livro feio, estava sujo, com algumas páginas rasgadas, riscos feitos de maneira voluntária por alguns vândalos. Tinha tudo para ser um livro que não merecesse leitura. Ao pegar o livro, a intenção de Jandir era devolvê-lo à estante, porém, ficou intrigado, não com as palavras do livro, mas com as notas feitas a lápis nas margens. A escrita suave refletia uma alma profunda e uma mente cheia de brilho. Na capa do livro, estava escrito o nome da autora: Srta. Vera Ramos. Ficou intrigado em saber mais sobre a autora, por isso comprou o livro. Gastou tempo e esforço para localizar seu endereço e, depois de muita procura, descobriu que ela vivia em Nova Friburgo. Ele escreveu a ela uma carta, apresentando-se, dizendo que gostaria de conhecê-la melhor. Porém, na semana seguinte foi obrigado a embarcar num avião com destino a sua terra natal, Salvador. Lugar que havia deixado, 15 anos atrás, em busca de uma vida melhor. O motivo da volta foi o estado de saúde da sua mãe, a qual se encontrava muito debilitada, sofrendo de câncer no pulmão após passar grande parte de sua vida fumando. Assim, acabou cessando suas conversas com a Srta. Vera. De vez em quando, olhava para o relógio, mas, sem ansiedade, pois sabia que cada minuto passado tornava mais próximo o momento da morte de sua mãe. E assim se sucedeu, a mãe de Jandir veio a falecer pouco mais de um ano depois. Foi um grande impacto em sua vida, contudo, lembrou-se de um pequeno trecho descrito em um poema que leu durante aquele curto espaço de tempo, que dizia: − “Imagine uma nova história para sua vida e acredite nela”. Jandir, então, retornou para o Rio de Janeiro. Logo tentou restabelecer contato com Vera, mas não obteve sucesso. Vera havia passado por momentos difíceis durante o tempo em que Jandir ficara fora, começou a pensar se essa era a decisão correta: manter contato com alguém que nunca viu. Enfim, decidiu continuar a manter contato com Jandir, pois foi o único a ter um ligeiro interesse pelo seu trabalho. Depois de trocarem muitas cartas, Jandir decidiu convidar Vera para jantar, ela, sem hesitar, aceitou. 7h da noite, no Cristo Redentor. Foi o horário que marcaram para seu encontro. 115!

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Uma jovem aproximou-se de Jandir. Sua figura era baixa e magra, pele morena, olhos castanhos. Sua boca era pequena e seus lábios carnudos. Seu traje verde pálido era como se a primavera tivesse chegado. Jandir se dirigiu a ela. Moveu em sua direção, um pequeno e provocativo sorriso, curvou seus lábios. "Indo para o mesmo lugar que eu?", ela murmurou. Jandir primeiro a cumprimentou. Em seguida, ambos mostraram aquilo que os unira, e os trouxe para esse momento, o livro escrito por Vera. Aquilo foi à confirmação para ambos de que podia não ser amor, mas era algo precioso. “Posso lhe oferecer um jantar?" Foram as palavras de Jandir. O rosto da mulher abriu-se num sorriso. Houve uma boa conversa entre os dois, durante o jantar, eles estavam claramente tomando a decisão que já havia passado pela cabeça de ambos durante o tempo em que ficaram longe um, do outro; “Não posso ficar longe de você”. Havia páginas que estavam rasgadas no livro de Jandir, as últimas 15 folhas, por isso não pode compreender a lição do livro. Depois de ele contar isso, Vera leu em voz alta, as páginas faltantes. Ao final, compararam a ideia final do livro ao romance que acabavam de começar: − “A verdadeira natureza do coração de uma pessoa é vista na maneira como ela responde ao que não é atraente”!

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Dias de guerra João Vitor Baratto Meu marido estava partindo, ia para a guerra. Dei o último beijo nele. O caminhão do exército estava cada vez mais próximo, a vila parecia estar abandonada, todos estavam tristes. Infelizmente, o veículo chegou, estacionou e desligou o motor. Então, o general desceu. Era forte, alto e desagradável. O clima de sua conversa com meu marido era fria. Eu estava com muito medo. Finalmente, eles terminaram, meu amado veio em minha direção para se despedir e me disse: - Fique de olho na fumaça! Volto o mais cedo que puder! Amo você! Eu nem tive a capacidade de falar alguma coisa para ele, só chorava. Dei-lhe mais um beijo, então ele subiu no caminhão e se foi. O caminhão simplesmente desapareceu no meio das montanhas. Voltei para casa para falar com meus filhos, inventei uma desculpa para não assustá-los. Disse que Joaquim foi viajar para fazer trabalhos e que iria trazer muitos presentes e coisas boas para nós três. Eles ficaram animados, mas eu não. Dias se passaram, estava no início da guerra e parecia que nosso país estava perdendo. Fui fazer o jantar. Estava cozinhado o feijão, quando avistei pela janela uma fumaça, muito longe... porém sonhei um pouco, acreditando que fosse um sinal do meu marido. Sonhei tanto que deixei o feijão queimar, tive que fazer outra coisa para comer. Passaram-se mais cinquenta dias, a guerra estava ficando muito ruim para nosso país. Nem queria imaginar os horrores que poderiam estar acontecendo com ele. As crianças me pediam todo dia o que estava ocorrendo. Já estava inventando mais uma história feliz para elas, quando a campainha tocou. Meu Deus, quem poderia ser? Fui ver, era minha mãe. Infelizmente não era meu marido, porém era uma boa visita, que poderia alegrar a situação. O dia foi bom, as crianças fizeram cookies com a avó, e eu escrevia um diário sobre como estavam sendo meus dias sem meu marido. Esse foi o único dia que poderia dizer que não foi tão ruim. Noventa dias se passaram, não aguentava mais ficar sem a presença de meu amado. Ouvi um barulho de motor. Meu Deus! Poderia ser o caminhão do exército! Corri para a varanda da casa e lá vinha o caminhão, e era mesmo do exército. Estacionou em frente à minha casa. Aquele mesmo general desceu, ele era tão bruto que seu rosto não transmitia emoções, mas – pela fisionomia dos outros homens - parecia que era uma notícia ruim que tinham para me dar. Conversei com o general, e a notícia era mesmo ruim. Meu marido desaparecera. O resto do dia se tornou um horror, só chorei, não sabia o que falar para as crianças, não aguentava mais e fui dormir. 117!

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No outro dia, chegou uma carta, que dizia: Foram cem dias de sofrimento, porém, para mim, ainda não acabou, estou tentando voltar para casa. Saiba que estou vivo, não posso lhe afirmar que estou bem, mas um dia volto! Tentei mandar um sinal de fumaça, mas não sei se deu para avistar, avise as crianças que estou bem e vou levar uma surpresa! Amo você! Depois de 20 dias da chegada da carta, estava tomando meu café quando avistei um homem vindo em direção da minha casa. Ele tinha algo em seus braços, fiquei com medo, até que o reconheci, era meu marido! Nunca tinha corrido tanto na minha vida como naquele dia, para chegar a seu encontro. Ele carregava um cachorro embaixo dos braços. Tanto ele quanto meu marido estavam machucados. Abraçamo-nos por um momento que parecia estar durando uma eternidade, mas não me cansava. Fomos para casa, conversei com ele no caminho e me disse que aquele cachorro que chamava de Bob tinha salvado sua vida. Chegamos a casa, todos comemoramos. No dia seguinte, ele me contou tudo o que tinha acontecido. Hoje sei que devo agradecer ao Bob, pois sem ele estaria sem meu amado.

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Devo-lhe uma eternidade Julia Bellei Era mais um inverno canadense na cidade onde vivia. Nossa família é brasileira, porém, desde que meu pai faleceu, quando eu tinha quatorze anos, minha mãe decidiu deixar o passado para trás e fugir para outro país, na esperança de que esquecêssemos a dor que nos atormentava. A neve, que me cercava durante a maior parte do ano, só me fazia lembrar dele. Estava escutando música, olhando pela janela quando o vi. Seus cabelos desgrenhados, muito escuros, destacavam-se em meio à imensidão branca. A pele de seu rosto, extremamente pálida, fazia seus olhos verdes parecerem esmeraldas. Quem era ele? Sua beleza me provocara inexplicáveis sentimentos, que eu nunca havia sentido. No mesmo instante que me perdi em meus pensamentos, ouvi minha mãe gritar meu nome. Quando cheguei à sala, ele estava sentado em nosso sofá preto. Minha mãe perguntou se eu já havia conhecido os novos vizinhos. - Olá - Dissemos em uníssono. Ele riu. - Meu nome é Caio, e o seu? - Ele disse. Sua voz era linda como ele. - Ariel - Eu disse, quase sorrindo. - Por que vocês não vão para o seu quarto, Ariel? - pediu minha mãe. Eu acenei com a cabeça e ele me seguiu até o andar de cima. Eu estava em pânico, não conseguia falar nada. Ficamos assim por alguns minutos, enquanto ele observava as paredes repletas de pôsteres. Ele havia feito amigos novos na cidade, e foi convidado para uma festa, queria que eu fosse junto, seria hoje. Eu concordei. Avisamos as pessoas que se importavam conosco que nós iríamos nos perder na noite e apenas voltaríamos de manhã (sim, ele disse isso!), e saímos pela porta da frente, parecendo dois lutadores de sumô, encasacados até o pescoço. A festa foi ótima, porém, no meio da noite, vi-o abraçado em uma menina com uma camiseta que deixava seu umbigo à mostra. Ele acariciava a parte inferior de suas costas nuas, sorria. Não consegui ficar para ver o resto. Tratei-o friamente pelo resto da noite. Ele agarrou meu braço no meio da festa e me puxou para os fundos da casa. Perguntou-me múltiplas vezes por que eu o estava tratando assim. Eu não respondi, até que não suportei mais. - Eu o vi com aquela menina. – disse baixinho - Que menina? Minha prima? - Eu me senti idiota e me calei novamente. - Por que você se importa afinal? Sua mãe disse que você não gosta de ninguém - agora sua voz estava elevada, mas ele não gritava. - Porque você é diferente, você me causa sentimentos que eu nunca senti antes, eu não sei explicar, e, sim, eu sei que é estranho, mas não 119!

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posso evitar! - agora eu estava gritando, olhando diretamente em seus olhos. Ele estava calado, continuava olhando para mim. Eu o beijei. Seus lábios estavam rígidos quando fui a seu encontro, a mão dele, agora em meu braço, era trêmula, incerta. Sua boca tinha gosto de cerveja, o que não era agradável, mas eu não me importava. Senti-o ceder, seus lábios vermelhos, antes rígidos, agora eram como veludo, suas mãos me puxaram pra mais perto e me cercavam com certeza. - Eu nunca havia feito isso antes - ele sussurrou. Eu também não, pensei comigo, mas não tive tempo de falar. Alguém me puxou para trás, jogando-me ao chão. Bati a cabeça em algo. Antes de apagar, olhei para o lado, uma poça de sangue começava a se formar onde Caio estava deitado, eu queria gritar, mas a voz não saia, enfim, tudo ficou preto. Despertei, creio eu, alguns minutos depois. Caio se encontrava imóvel, deitado em uma poça de seu próprio sangue. Arrastei-me até ele e beijei sua boca antes que se fosse. Ele me fez um homem melhor, esses poucos dias em que tive o privilégio de conhecê-lo e amá-lo foram os melhores de minha vida após a morte de meu pai, e sou grato eternamente, ainda que o furor do preconceito o tenha roubado de mim.

Ilustração: Vinicius Romancini 120!

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O último sorriso Juliana Finardi Vinte e um de agosto. Acordei com aquela cara inchada de sempre. Coloquei minhas roupas, que já estavam com o cheiro do perfume que havia passado ontem, e estava pronta para mais um dia qualquer de faculdade. Desci as escadas, pronta para discutir com minha mãe por não ter voltado cedo na noite anterior. Tomei meu café, sentindo cheiro dos livros que estava admirando na mochila. No caminho da universidade (no qual eu sempre ia admirando uma paisagem nova a cada dia), pensava em como me sentia só, e como seria minha vida se estivesse namorando. Cheguei. Abri a porta velha e mal pintada do local. Já estava atrasada, mas quando menos esperava, uma surpresa aconteceu, e, sem pensar duas vezes, sorri. Lá estava ele. Aqueles olhos azuis se envolveram com os meus, seu cabelo moreno como o escuro da noite me encantou, ele me hipnotizou. De alguma forma precisava saber o nome do calouro das aulas do Sr. Kevin, que fez sentir um tremendo conforto dentro de mim. Quando o transe passou, pisquei rápido duas vezes e sentei-me em minha carteira. Não sabia o porquê, nem para quê, porém passei a aula inteira o observando. Tinha algo nele que me parecia muito familiar, pena que não sabia o que era. Fim da aula. Ao soar do sino para o almoço, sem muita vergonha, sentei-me com ele e iniciei um breve diálogo, com poucas e curtas palavras. O moço, que se chamava Nick, relatou como tinha chegado até aqui e o que tinha feito para ganhar essa bolsa completa. Se bem que nem estava prestando atenção no que ele dizia e, sim, em como tinha o sorriso mais bonito que já vi. Após alguns dias, houve um feriado. Estava frio, e as folhas caiam. Era o auge do outono, minha pequena paixão (que na verdade não tinha explicação) por Nick só aumentou. Quase parei minha respiração quando o vi chegando mais perto e me convidando para um café em sua casa. Chegando lá, vi que sua família era simples e muito alegre. Ele sorria com frequência e cada sorriso dele era um suspiro meu. Chegou a hora em que não aguentava mais segurar meus sentimentos, eu estava tão apaixonada por ele que nada mais me impendia de querer vê-lo todos os dias, conversar com ele todos os dias e sentir o doce, contudo suave, cheiro de seu perfume. Decidi, por fim, declarar-me e contar tudo o que já estava segurando há um longo tempo. Para minha maior felicidade, Nick sentia o mesmo que eu. Com toda a certeza, foi o melhor dia de minha vida... E essas foram as últimas palavras escritas por Lili em seu diário, uma noite antes do ocorrido. O acidente de carro foi letal e, sem que nada nem ninguém pudesse evitar, ela morreu naquele mesmo instante. Eu a amava muito, e que fique aqui minha homenagem, vou lembrar com a maior saudade do amor da minha vida. 121!

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Doce guerra Laura Branco Klauck Acordei. A luz solar que entrava da janela de meus aposentos estava mais forte do que o normal. Percebi que estava atrasado para meu discurso em Aurich. Estava irritado comigo mesmo. Como a autoridade principal poderia se atrasar de tal maneira? Sem pensar muito, saltei da cama, vesti a farda, arrumei o cabelo e meu bigode quadrado e saí. Entrei em meu carro, e o motorista partiu. Minha mente estava acabada, a guerra mal acabara de começar e já trazia muitos incômodos. Enquanto meu motorista nos conduzia entre as ruas, pessoas com bandeiras do Nazismo acenavam para mim e gritavam “HEIL HITLER”, e eu, como sempre, recebia as reverências. Chegando ao local do discurso, comecei, falando as mesmas coisas que sempre falo. No meio do discurso, fui interrompido por um guarda da SS, irando-me logo no primeiro momento. Meus discursos eram sagrados. Como um de meus guardas ousa me interromper? E veio a notícia, problemas em Auschwitz. Judeus. Novamente eles me trazendo problemas. Terminei rapidamente meu falatório e parti. Chegando lá, resolvi os problemas com a câmara de gás, assinei alguns papéis e iniciei a partida para minha casa. Finalmente. Logo na manhã seguinte, decidi fazer rondas com os soldados, à caça de judeus. Encontramos um grupo, porém, junto daqueles seres que me provocavam asco, havia uma mulher. Era, inacreditavelmente, a mais linda que já havia visto em minha vida, cabelos negros e esvoaçantes, como o farfalhar das asas de um corvo e a pele branquíssima. Tentei afastar o pensamento rapidamente, afinal ela era uma deles. Afastei o olhar dela e tentei encontrar rapidamente algo com o que poderia me ocupar, mas a beleza dela era estonteante. Fitou-me com seus olhos lindos e angelicais. Por um momento, pensei que pararia de respirar no mesmo instante. Pensei em tirá-la dali, porém não faria o mínimo sentido dar liberdade a uma judia. Então ela embarcou no caminhão. Seu corpo frágil e magro estava sentado na ponta de trás, de onde ela conseguia me enxergar. Enquanto o veículo desaparecia à minha frente, podia sentir seu olhar de clemência e fiquei imaginando se ela sentiria repugnância em relação a mim por fazer tudo aquilo com seu povo. Prometi a mim mesmo, iria encontrá-la. Minha cabeça estava totalmente embaralhada. Afastei-a de meus pensamentos, era loucura. Hitler e uma judia, insanidade pura. Minha mulher me aguardava em casa, mais um motivo para esquecer. Semanas e mais semanas se passaram, e ela simplesmente ficara grudada em meus pensamentos. Era como se a visse em tudo o que meus olhos alcançassem. Foi então que decidi ir até o campo de concentração em que estava. Estava disposto a fazer uma proposta a ela, iria encontrá122!

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la e lhe diria que, se estivesse disposta a se casar comigo, libertá-la-ia e a deixaria em local seguro até a guerra acabar. Da frente do campo, avistei-a e mandei que guardas a chamassem até a sala fechada. Espereia, sentado, ensaiando repetidamente o diálogo em minha mente. Ouvi batidas na porta e mandei que entrassem. Ela entrou cambaleando e assustada, estava com as mãos algemadas, mas quando a fitei, notei um resquício de felicidade em seu olhar. Fiz a proposta e ela aceitou. Afinal, quem não aceitaria? No dia seguinte, pela manhã, eu viria buscá-la. Minha partida para casa fora alegre e cheia de pensamentos e possibilidades. Não preguei o olho à noite. Em meio a essas esperanças tolas de homem apaixonado, no outro dia, fui buscar minha amada. Fumaça e cheiro pútrido no ar, a câmara de gás havia sido consertada. Uma sensação de agonia invadiu meu peito. Tentei manter a calma. Fui procurá-la, mas não a encontrei em lugar algum. Ela se fora. E meu coração tornou a virar rocha. Sofreria com essa lembrança até o fim de meus dias.

Ilustração: Laura Branco Klauck

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Insensatez da perda Letícia Braga Schwartz Sabíamos que a morte um dia viria, mas não imaginávamos que chegaria tão cedo para Marta... Caio a chorar. Que droga! Que droga! Sinto-me cada vez mais fraco. Estou ficando sem fôlego, minhas lágrimas agora são de sangue, meu coração voltou a bater sozinho novamente. Que droga! Como é difícil! Minha Marta... minha Marta me deixou ferido, com o coração desabotoado e, sem botão para costurá-lo. Meu vazio é o início do grande destemido vácuo eterno que me espera, ao qual almejo, cuja imensidão não chega aos pés do meu sofrimento. A insônia e a tristeza passaram a ser um só corpo em minha pessoa. Imploro-lhe para calar meu pensamento nauseabundo. Cala a boca! Que a natureza me tire deste campo melancólico e pardacento. O gosto de álcool e bile permanece em minha boca rotineiramente. Caio de joelhos, meu corpo entorpece de angústia como galhos tortos de uma árvore seca de inverno, ó piedoso, ajuda-me. Levanta-me. Tenho filhos, ó pobrezinhos. De que adianta ostentarmos a felicidade, se corremos o infeliz risco de perdê-la e sentir esse monstro indigno chamado sentimento? De que adianta a mais bela dádiva do amor, se aqui estou eu, chorando em lástimas num profundo mar de ouriços espinhosos? Que crime cometi, além do crime de nascer, para ser castigado por tal monstruosidade!? Estou doente de uma doença que mal pode ser diagnosticada, muito menos curada. Ah! Se eu pudesse ao menos, gargarejar do veneno mais forte e me deitar no sono da morte, despertando de repente nos aposentos de minha querida Marta, aconchegado e seguro em seus braços. Será egoísmo da minha parte deixar meus filhos salvos de qualquer salvação? Que droga! Que droga! Pobrezinhas almas, puras como água, cujo coração é pulsante e vivo como aquele que um dia me pertenceu, que no ventre esperam a hora de desaguar no precipício da vida. Marta! Eu sinto tanto a sua falta! Marta! Eu sinto tanto... sou como a água, que em forma de lágrima se esgotou. Sou a terra, que caiu e se espalhou pela sepultura da minha vida como uma gota de orvalho sobre a grama gelada. Sou o fogo do meu coração, que se apaga cada vez mais com a frieza, amargura e acidez desse mundo cruel. Sou o ar que respiro, cansado, esvaziando-se aos poucos. Sou ninguém, desesperado pela perda. O amor da minha vida se foi, e me deixou desprotegido, a mercê desse monstro que antes era desconhecido e agora sinto, agora sou eu. Eu a amei. Ela me amava.

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O dinheiro não compra o amor Lorenzo Driessen Cigognini Eu cresci rodeado de cortejos. Vivia em uma enorme mansão, na zona mais nobre de toda a Inglaterra, cercado de empregados e de bens materiais. Ganhava tudo o que eu pedia - roupas caras e da moda, brinquedos tecnológicos - e meus pais... Já não me recordo mais deles, sempre viajavam, abandonavam-me. Na mansão, ficávamos apenas eu e os empregados. Um dia, na minha adolescência, falaram que iriam fazer a viagem de seus sonhos, percorrer o mundo em um barco. Ficaram fora durante anos, não importa. Ganharam na loteria muito antes de eu nascer, uma bolada de cem mil libras, investiram em alguma coisa e agora são tão ricos quanto a rainha. Nunca soube o que era o amor. Tudo o que sei, aprendi no colégio. Não conhecia tal sentimento. Desde pequeno, todos os meus colegas ficavam ao meu redor, pensei que gostavam da minha companhia. As garotas se atiravam aos meus pés. Certo dia, uma delas me pediu em namoro. Não me recordo seu nome. Não importa, ela só ficava em minha casa, só falava comigo se fosse para pedir alguma coisa. Percebi que ela só se interessava pelo meu dinheiro, não quis mais nem olhar nos olhos dela. Certo dia, uma garota começou a estudar em minha sala. Vinda de uma família muito humilde, ela era muito querida, gentil e atenciosa, sempre se preocupando como o bem estar dos outros. Loira, de olhos castanhos e pele morena. Todos ficaram maravilhados com sua beleza. Algo estranho aconteceu comigo. Meu coração começou a pulsar rapidamente. Nervoso, comecei a transpirar. Meus olhos rapidamente corriam de um lado para o outro. Minha garganta secou antes que eu percebesse. E a observava como que abobado, estava só. Aproximei-me e pedi seu nome, sua linda boca se abriu, e uma voz angelical e terna pronunciou: “Eliza”. Obviamente, uma menina bonita precisa de um nome bonito. Ela pediu o meu, minha boca não conseguia formular a palavra, eu acabei travando e disse: “S-S-Sam-me”. Senti-me um estúpido, queria sumir naquele momento, mas ela riu e surgiu um pequeno sorriso no meu rosto, perguntei para ela onde morava, como era sua vida. Falou-me que vivia em uma casa pequena e não tinha muitos brinquedos. Perguntei como ela conseguia viver assim e contei sobre minha história e sobre meus pais. Ela perguntou o mesmo para mim e falou que um dia me ensinaria a viver sem tanto luxo. Os dias foram passando, as estações foram mudando, e os anos se esvaindo... eu e a Eliza fomos ficando mais íntimos. Ela me convidou para passar uns dias na casa de sua família, e assim foi. Apesar de humilde, a casa era ótima. Embora pobres, os pais dela eram muito gentis. Depois de uns dias, ela me pediu em namoro, e, dessa vez, eu aceitei, sem ter o medo de que ela estivesse motivada apenas pelo dinheiro, porque ela realmente não precisava dele. Afinal, o dinheiro não compra o amor.

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O amor de abril Luísa Rodrigues Foppa Tudo começou naquele feriado, aniversário do reino onde eu vivia, em abril, mês que eu carrego através de meu nome, era um reino grande e velho, porém muito acolhedor. Aquele era um dos únicos dias em que eu podia andar fora do castelo, por causa das agitadas festanças que ocorreriam à tarde. Sentei-me ao lado do novíssimo chafariz, que se localiza ao lado da pequena barraquinha empoeirada onde eu comprava doces coloridos quando pequena. Agora, pelas rigorosas ordens de meu pai, não posso mais comer doces, pois tenho que estar sempre magra e graciosa, mas é claro que às vezes posso dar uma escapadinha... Compro umas balinhas exageradamente açucaradas e fico comendo, olhando para os peixes dourados em suas míseras vidas, sempre nadando em perfeitos círculos. De repente, ao meu lado surge um garoto discreto, um pouco mais velho do que eu, de cabelos negros da mesma cor que seus olhos perdidos. Estava vestindo uma armadura dourada e imponente, possivelmente era um guarda que estava livre de seu trabalho pesado, mas apenas naquela calma tarde de um dia muito especial. Ficamos conversando por demoradas horas. Depois de nos conhecermos melhor, fomos passear em vários paradisíacos locais do reino, participando das grandes festanças. Seu nome era Josué, um nome diferente e bonito, parecido com o de meu nobre pai. Ao final da longa tarde, quando paramos perto de um rio calmo, que dividia o luxuoso castelo do resto do reino, ele me olhou discretamente, e me ofereceu uma bela rosa cor de sangue. Tomando-me de surpresa, beijou meus pequenos lábios rosados, levando-me para outro mundo. Depois daquele dia importante, voltei para o castelo e comecei a receber a cada dia que passava, cartas, que eram muito envelhecidas, com cheiro de café. Todas traziam em si lindos poemas com letras viradas e legíveis, que me faziam ficar cada vez mais apaixonada. Por um longo tempo, Josué e eu fomos ficando mais próximos, até nos casarmos e liderarmos nosso próprio reino. Em um alegre dia, dei à luz uma menina ruiva e forte, com traços muito parecidos com os do pai, demonstrados em seu semblante. Porém, conforme os dias se passavam, comecei a ficar cada vez mais pálida, cansada, e minha falta de apetite era muito notável, até que não consegui mais levantar, passava todo dia em minha frágil cama. Todas as partes de meu corpo doíam, pois estava assustadoramente doente. Tomei muitos remédios a fim de me curar, contudo ninguém sabia diagnosticar a misteriosa doença. Josué ficou terrivelmente louco, viajou para inúmeros 126!

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países, dos mais ricos aos mais pobres, e, enquanto ele viajava, meu fraco corpo simplesmente desistiu, e eu deixei de viver. Josué, ao saber de minha prematura morte e que não poderia mais me salvar, começou a entrar em uma longa depressão, não saia mais de seu sujo quarto e não viu mais nossa linda filha desde aquele dia. Depois de sobreviver por muito tempo sozinho e com medo de amar, na manhã do mesmo dia em que nos conhecemos, cercado pela solidão, foi encontrado morto no chão do próprio quarto, com apenas uma afiada faca adornada de sangue, enterrada no peito por ele mesmo. Depois desse dia, o mundo nunca mais foi o mesmo, pois essa triste história ficou marcada em todo o reino, agora frio e cinzento.

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Verão de 1695 Maria Eduarda Waldameri Galvão Houve uma violenta onda de calor no fim daquele dia. O sol agredia a calçada, que parecia mais plana por submissão, e alguns meninos da Carnaby Street estavam abrindo um hidrante para fazer um chafariz na rua e se refrescar por alguns minutos. No lado leste, havia uma grande habitação chamada Karnaby House, construída há 12 anos, onde três pessoas moravam, incluindo uma garota nova – iorquina de 17 anos, cabelos compridos e negros como a noite, olhos cor de mel, corpo magro e esguio, chamada Teresa. – Teresa! - Disse uma voz vinda do andar de baixo da casa. – O que houve Sarah? Sarah era uma mulher de mais ou menos 40 anos, não muito alta, cabelos loiros e olhos verdes, que cuidava de Tess como se fosse sua filha, desde a morte de seus pais. – Temos visita. - respondeu em tom neutro. Tess ficou totalmente surpresa, ninguém as visitava já fazia muito tempo. Ela chamou Dora, sua criada e amiga, que apareceu no quarto em questão de minutos. – Olá, Tess. – Disse a menina com um pequeno sorriso. – Dora, quem está ali embaixo? Dora foi até o armário e escolheu um belo vestido bege, enquanto respondia. – Há um homem, muito bonito por sinal. Mas nunca o vi antes, venha vou ajudá-la a colocar o vestido. Depois de alguns minutos, Teresa estava pronta. Desceu elegantemente as escadas e foi até o salão principal, onde o tal homem a aguardava. – Olá. – Disse ela educadamente, porém seus olhos se arregalaram ao ver quem era. – Surpresa em me ver? – Falou o homem em tom brincalhão. – Não é difícil descobrir onde uma bela dama mora, Teresa. Era Lorenzo, um tipo de homem com quem as boas e jovens meninas londrinas são aconselhadas a não se envolverem. Ele gostava de bebidas, e adorava irritar Tess com suas cantadas baratas. Era bastante alto, tinha cabelos pretos e olhos azuis. Eles se conheciam já fazia algum tempo, eram grandes amigos, mesmo com as cafajestices de Lorenzo. Porém ela nunca contou onde morava, por questões de segurança, como a Sarah mesmo dizia “Nunca diga onde mora, pode ser perigoso demais.”. Sempre se encontravam em algum bar ou praça, os dois eram apaixonados, mesmo que Tess não assumisse. Ela nunca quis se apaixonar, porque sabia que iria ser doloroso. Por esse motivo, parou de 128!

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vê-lo já fazia algumas semanas, mas agora ele estava ali, o que a fazia se sentir bem, ainda que com calafrios. Sem pensar duas vezes, Teresa andou rápido na direção do amado e entrelaçou seus braços em seu pescoço. Para isso, precisou ficar na ponta dos pés. Seu rosto estava enfiado em seu peito. Ela não queria soltá-lo, mas sabia que precisava fazer isso. Por mais que ela tentasse fugir, ele não a deixaria em paz. Lorenzo sempre ia atrás de Teresa aonde quer que ela fosse, até que a moça não suportou a dor da fuga. Em meio à chuva, cinco meses depois, a morena descia as escadas da singela pousada na qual havia se hospedado na Irlanda. Correndo, ofegante, ela fugia do homem que estava atrás dela, porém ele foi mais rápido, segurando-a pelo cotovelo e a fazendo colidir com seu corpo musculoso. O azul lutava com o mel, em olhares furiosos, desejosos e apaixonados. Seu peito subia e descia acelerado, o corpo arrepiado pela forma possessiva com que ele a segurava. Ele abriu um sorriso, aquele que a desarmava completamente. Atônita demais para reagir, ele a beijou, com intensidade, segurando seu cabelo e a erguendo com o braço em sua cintura. Ela segurou seu rosto entre as mãos enquanto se beijavam – ele tinha um ligeiro gosto de chá de camomila, lábios suaves e um beijo absolutamente doce. Tess sentiu-se segura de todo o resto do mundo. Porém seu rosto estava molhado com suas lágrimas que se misturavam às gotas da chuva. – Case comigo, Teresa Bennett. - Disse ele, com a testa colada na dela. Tess não pôde dizer não. Sessenta anos depois, um vestido negro era balançado naquele mesmo lugar, a jovem de cabelos negros se abaixava na frente do túmulo, depositando a rosa vermelha na frente da lápide. A moça acariciava a pedra com a ponta dos dedos, com lágrimas escorrendo de seus olhos. Até que um homem de cabelos castanhos colocou a mão sob seu ombro e disse: – O primeiro é sempre o mais difícil. – O primeiro? – O primeiro dos seus amores a morrer – falou ele.

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O amor na guerra Marcelo Merisio A poucos metros da entrada dos Estados Unidos da América, um jovem casal de Chicago desfrutava de seu amor. Ricardo era alto, pele clara, magro, olhos azuis e cabelos louros curtos. Carla era morena, com cabelos e olhos castanhos, estatura mediana e magra. Os dois estavam no primeiro período da faculdade de Física, na Universidade do estado de Ilinois, porém, quando Ricardo chegou em casa, foi verificar sua caixa de correio e percebeu que tinha sido convocado a participar do trigésimo nono batalhão do exército americano de infantaria. Ricardo foi avisar o acontecimento a sua amada, que não entendeu bem o incidente e pensou que ele estava mentindo. Duas horas depois, Carla enviou uma mensagem a Ricardo que ela não o amava mais. Sete dias depois, Ricardo se apresentou ao Batalhão para o qual fora convocado, onde recebeu todo o treinamento, e, em 29/07/1944, foi enviado à Alemanha, para combater as tropas nazistas em trincheiras. Dentro do território inimigo, junto com seus amigos americanos, Ricardo combateu ferozmente os alemães, matando um total de 54 nazistas antes de ser transferido para a campanha da Itália. Com a ajuda de soldados brasileiros, os americanos tomaram Monte Castelo e marcharam em direção a Roma, local em que travaram uma grande batalha contra os fascistas. Ricardo estava feliz por ser promovido à patente de Segundo Tenente, sendo respeitado como oficial. Porém, durante a batalha de Roma, cometeu um grave erro ao tentar disparar contra a defesa inimiga dento de sua trincheira, desperdiçando toda sua munição e ficando vulnerável à artilharia inimiga. Na última esperança de acabar com as defesas italianas, Ricardo saiu das trincheiras e correu em direção às defesas fascistas. Empunhou sua granada e arremessou-a, passando sobre as defesas inimigas e atingindo um complexo de tanques de armazenamento de combustível, o que gerou um enorme explosão, destruindo todas as defesas inimigas e possibilitando a tomada de Roma por tropas americanas. Ricardo foi lembrado por seus companheiros do Batalhão como um grande herói, que deu exemplos de patriotismo, lealdade e companheirismo, por mais que isso tenha exigido sacrifício. Carla ficou sabendo que seu amado realmente tinha ido para a guerra, e se arrependeu de ter desconfiado dele. Dois dias mais tarde, ela foi encontrada morta, e a autópsia apontou suicídio.

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O vestido de renda Marina Baldo Cruz Já era noite, a rua estava vazia, escura e fria. O vento fazia meu vestido de renda voar. Estava indo, a pé e sozinha, para casa, quase congelando. Foi quando avistei um carro preto vindo em minha direção. Fiquei com um pouco de medo, pois já estava perigoso ficar na rua àquela hora da noite. Então o carro parou, e o vidro se abriu. Quando olhei para dentro, deparei-me com um homem muito bonito e elegante. Seus olhos eram azuis como o céu e seu cabelo castanho escuro. Ele usava um perfume leve e agradável. Perguntou o que eu estava fazendo ali sozinha, e eu o disse que estava indo para casa. Ofereceu-me uma carona, já que o frio estava intenso e o vento forte. Sem hesitar, aceitei. No momento em que entrei no carro, estava tão encantada pelo homem que não percebi o perigo de pegar carona com um estranho. Então, expliquei onde eu morava. Enquanto ele me levava, fomos conversando e nos conhecendo um pouco. Enfim, cheguei em casa. Saí do carro, agradeci o homem e fui para dentro. Depois de um tempo, comecei a pensar nele. Lembrei que não tinha perguntado o seu nome, e ele também não o tinha falado, mas eu queria muito saber. Nos dias seguintes, a imagem daquele homem encantador e gentil não saia da minha cabeça. Quase todas as noites eu ia até a rua em que o conheci, para ver se ele não passava por lá outra vez, mas não o via. A cada carro que passava, meu coração batia mais rápido, na esperança de vê-lo novamente. Passaram-se semanas, até que um dia levantei, coloquei meu vestido de renda e fui trabalhar. No fim do dia, eu estava indo para casa a pé, mas dessa vez não estava tão tarde. Quando estava passando pela mesma rua onde conheci o homem, me lembrei dele. Já estava quase desistindo de reencontrá-lo, pois já havia passado muito tempo e talvez ele nem se lembrasse de mim. Então, tive uma surpresa. Avistei um homem caminhando em minha direção. Meu coração acelerou. Era ele. Eu o cumprimentei e perguntei o seu nome, pois, na primeira vez que nos vimos ele não tinha mencionado, ele respondeu que era Lucas, e, então, fomos conversando. Depois disso, continuei meu caminho até em casa. Quando cheguei, comecei a pensar em por que eu o havia encontrado somente agora. A única certeza era que eu estava radiante de felicidade. Meus pensamentos vagaram por um longo tempo. Foi quando me dei conta de que estava usando o mesmo vestido do primeiro dia em que vi Lucas. Seria coincidência vê-lo somente quando estava com o vestido de renda? No dia seguinte, usei o mesmo vestido para ver o que acontecia. No final da tarde, fui pela mesma rua de sempre, fiquei um tempo sentada 131!

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na mesa de uma lanchonete, e nada. Esperei por horas, mas ele não apareceu. Já tinha anoitecido e eu estava voltando para casa. Aquela era a última chance de ele aparecer. Quando vi, já estava na esquina de casa. Entrei cabisbaixa, lágrimas gotejavam minha profunda tristeza. Comecei a pensar, será que isso tudo era só imaginação? Então, a campainha tocou. Ao atender, aquele homem de olhos azuis, cabelo castanho escuro, gentil, carinhoso e elegante estava ali, na minha frente. Um forte sentimento invadiu o meu corpo, meu coração disparou, minhas mãos ficaram trêmulas, as palavras não saíam. Por alguns instantes, fiquei sem saber o que fazer. Foi então que ele tomou a inciativa e me envolveu em seus braços, acariciou meu cabelo, secou minhas lágrimas, beijou-me.

Ilustração: Vanessa Treter Kajevski

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Encontros e desencontros do amor Marina Zanella Fedrigo Era o dia 1º de maio de 1986 quando Will, nos seus 16 anos, entrou na sala de aula e avistou uma aluna nova. Ela era belíssima, tinha o cabelo ruivo, ardente como o fogo, e olhos acinzentados como um dia chuvoso. Seu nome era Katherine, uma intercambista vinda da Inglaterra, que ficaria por seis meses na cidade de Sunset Valley. Logo Will e ela se tornaram grandes amigos, estudavam, festejavam e saiam juntos, mas nunca tiveram uma relação mais forte que essa. Entretanto, cada vez que ele a via, seu coração batia mais forte e sua respiração ficava ofegante, era uma sensação inexplicável, era amor. Então, certo tempo depois, Will teve de ouvir Katherine contando sobre seu namorado. Ficou sem esperanças. As palavras que saiam da boca dela eram como facas afiadas dilacerando o peito dele. Os dias, as semanas e os meses passavam cada vez mais rápido, e Will tinha decidido não contar a ela o que realmente sentia, sabia que não seria recíproco, não queria partir mais ainda o próprio coração. Logo chegou o inesperado dia 31 de outubro de 1986, um dia chuvoso e triste, Katherine estava indo embora. Eles se abraçaram, disseram adeus e ela desapareceu. Sua última visão era dos longos cabelos vermelhos de Katherine balançando, enquanto ela se afastava, e seu último pensamento era se algum dia a veria novamente. Depois disso, foi difícil para Will viver sem poder ouvir a risada, olhar o sorriso e sentir a pele macia ao toque de sua amada. Apesar disso, ele seguiu em frente, cursou medicina em uma das melhores universidades do seu país e se tornou um importante médico. Atualmente, depois de 20 anos, ele mora na mesma cidade, que cresceu muito, e trabalha no hospital mais movimentado. Will teve vários casos com outras mulheres, mas nenhum durou, ninguém jamais fora como Katherine foi para ele, ela era única e especial. O seu coração só continuava batendo pela esperança que ele guardava dentro do peito por tantos anos. Todos os dias, ele olhava a caixa de correio para ver se havia alguma carta dela, e, a cada dia que nada aparecia, mais dor ele sentia. Então, em uma segunda-feira, 17 de abril de 2006, Will estava de plantão no hospital, era somente mais um agonizante dia de sua vida, até que as portas principais se abriram e, em código vermelho, as enfermeiras trazem uma mulher na maca. Desesperadamente, Will sai correndo para atender a paciente, quando se aproxima, sem olhar mais uma vez sequer, reconhece seus cabelos. Era Katherine. Ela estava desmaiada e em estado crítico, logo, ele começou a fazer o possível e impossível para salvá-la e ouvir a sua voz mais uma vez. Will fez o tudo que podia, mas, infelizmente, ela estava em coma e parecia que não iria acordar por um tempo. Ele ficou sabendo que Katherine sofreu um grave acidente de carro em uma rodovia de Sunset 133!

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Valley, porém era o enigma de o porquê ela estar aqui e não na Inglaterra que ainda ficava martelando a sua cabeça. Semanas passaram e Will ia visitá-la todos os dias. Em um desses dias, ele sentou ao lado da cama onde ela estava e, com a esperança de que mesmo em coma ela o ouvisse, contou tudo o que sentiu durante todos esses anos desde que ele a conheceu. Logo depois, ficou esperando para que os dedos dela roçassem nos seus, mas ela não acordou. Então, no dia 25 de maio de 2006, quando Will estava saindo do quarto de Katherine, ele escutou o bipe contínuo do aparelho, demonstrando que seu coração havia parado de bater. Com o medo o dominando, ele rapidamente pegou os desfibriladores e, a cada tentativa, o peito dela levantava com a descarga elétrica, mas seu coração não voltava a bater. Exatamente às 11h e 57 minutos da noite Katherine estava morta, não havia mais nada que pudesse ser feito. Nesse dia, Will voltou para casa depois do plantão e, pela primeira vez, não olhou a caixa de correio, já havia perdido toda a sua esperança, estava certo de que nunca saberia se ela havia realmente o amado. No dia seguinte, 26 de maio de 2006, Will acordou, foi até a cozinha e viu que, embaixo de sua porta, tinha uma carta. Ele a pegou e viu que era de Katherine. Na frente, estava a data de quando a carta foi enviada, 02 de novembro de 1986. Will abriu desesperadamente e leu o que estava escrito. Nesse momento, uma lágrima caiu de seu olho, borrando uma das três palavras que estavam escritas pela linda letra de sua amada. Eu te amo.

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No amor e na guerra... Milena da Cunha Secco Dois clãs, oito pessoas. Inimigos mortais lutando pela árvore do conhecimento. O Clã Yin, o lado bom, liderado pelo jovem Noah, e o Clã Yang, o mal, liderado pela belíssima Emma. No Clã Yin, Noah, um líder com um poder extremo da reconstrução, podendo se transformar em um lobo feroz. Seu companheiro Andrew controlava o gelo; Anna, o tempo, e Mia, a energia. No Clã Yang, Emma tinha o poder de ressurgir das cinzas como uma fênix. Logan, seu aliado, tinha o poder da telepatia; Luke, do tele transporte, e Layla, do fogo. Há décadas, esses dois Clãs se enfrentam, e todo esse tempo sendo inimigos mortais, porém há um sentimento proibido entre eles. Mesmo sabendo que, na batalha final, teriam de se enfrentar até a morte, eles continuam a se encontrar escondidos. Em uma noite calma e serena, todos foram chamados pelos sacerdotes até o templo principal, para um grande aviso: a guerra estava para reiniciar. Chegando ao templo escuro, velho e frio, Emma e Noah se encararam friamente, mostrando que ainda havia ódio entre os dois, porém eles sabiam que nem sempre foi assim. Emma foi até a floresta treinar, correndo, sem prestar muita atenção ao seu redor. Ao parar no meio das árvores, encontra uma casa, parecendo estar abandonada, pois é muito velha. Ela observa a casa por alguns minutos e decide entrar. Empurra a porta e percebe que, apesar de ser uma casa velha, por dentro estava bem arrumada. Ao andar pela casa, percebe que não está sozinha. - Olha só quem está aqui! Emma se vira rapidamente, assustada, e vê Noah encostado do lado da porta. - O que está fazendo aqui? Essa é minha casa! O que você esta fazendo aqui? - Não interessa, Emma, não seja hipócrita, eu sei o que veio fazer aqui! Você veio para me ver! Com um sorriso debochado no rosto, ele se aproxima dela. - Eu jamais viria aqui por sua causa e dá uma gargalhada. Noah prende-a contra a parede e deixa seus rostos a milímetros um do outro, com um sorriso malicioso que deixa seus dentes brancos à mostra, sorriso que só não é perfeito pela pequena lasca que tem em um dos caninos. - Pequeno Noah, seu ego está acabando com o espaço aqui. - Vamos, conta-me a verdade, juro que só vai ficar entre nós. Ele disse, ainda com o sorriso debochado. 135!

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Sarcástica, o sorriso debochado aumenta; ele a solta, ainda sorrindo e sai da sala. - Você consegue ser tão estúpido às vezes, quer dizer, sempre! - Aonde pensa que vai, se veio até aqui vamos lutar - diz Noah, colocando o braço na frente da porta e impedindo que Emma saia. - Não, obrigada, estou saindo! - Quem diria... Emma, a grande líder, dispensando um combate?! Ao terminar a frase, Emma acerta um soco na mandíbula de Noah – - Eu não quero lutar! Ele deu uma risada curta e sarcástica, com um sorriso malicioso a olhou de cima a baixo. - Então veio para que, Emma? - Para vê-lo que não foi, narcisista! Ele fingiu uma cara de indignado, colocando a mão no peito. Emma saiu da casa. - Qual é? Volta aqui! Um duelo não vai machucar ninguém. - Eu não quero lutar, por que você não vai correr atrás de algum animal, ou seja lá o que quer que você faça. - Então vamos fazer isso, eu sou o caçador e você a caça, podemos lutar? - Por que quer tanto lutar comigo, Noah? - Por que eu quero vê-la morta. - E eu sei que não quer, mas você sabe que não podemos lutar antes da guerra começar. - Eu sei, mas quero me divertir um pouco. Não posso matá-la, ainda, então só quero fazer você sofrer um pouco - corre atrás de Emma encurralando-a na árvore. - Me solta! Agora eu não quero lutar, ainda não entendeu isso? - Alguém está ficando nervosinha, cuidado! - diz debochado, ficando as suas garras nos braços levemente musculosos de Emma. - Me solta, estou ordenando! – diz, dando uma joelhada no meio das pernas do rapaz. - Sua malvada, por que fez isso? Odeio você! – diz, soltando-se. - Eu disse que não queria lutar - entra na floresta para ir pra casa. - Hoje você não escapa - diz Noah para si mesmo. Transformando-se em um lobo e correndo vorazmente, pula nas costas da moça e começa a cortá-la com suas garras. Emma era forte, mas, como foi pega de surpresa, estava totalmente indefesa. - Paraaa!!! Noah, você está me machucando! Ele não escutava nada, quando se transformava em lobo, só parava ao perceber que sua presa estava morta. Emma estava sangrando muito. Chorava ao tentar empurrar Noah para sair de cima dela. Já estava começando a ficar fraca quando... 136!

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- O que eu estou fazendo? Emma, está tudo bem? – Por que está agindo como se importasse agora, Noah? Olha para mim! Você quase me matou, seu lobo voraz. Sabe que não podemos lutar antes da guerra - diz Emma, empurrando-o e o vendo voltar ao normal. - Emma, desculpa-me! - Nossa, olha só! O lobo sabe pedir desculpa! Quem diria isso? - disse, tentando se levantar. - Vem aqui, eu ajudo. - disse, estendendo a mão para ela. - Eu vou levá-la pra casa e... - Vai me levar pra lá e terminar de me matar? Não! Muito obrigada, eu não quero! - Calma! Por favor, me desculpa! Eu prometo que não vou fazer nada. Emma ficou olhando pra ele, olhou pra seu corpo todo sangrando e pensou que seria melhor. - Está bem, mas, se fizer alguma coisa comigo, prepare-se para sofrer as consequências! Noah a ajudou a se levantar, colocou seu braço ao redor do pescoço dele e a ajudou a chegar até sua casa. Entraram e ele a colocou sentada no sofá. - Vou pegar alguma coisa para tomar, sente-se! Ela obedeceu e ficou pensando porque ele estava sendo legal agora, sendo que, minutos antes, ele a estava quase mantando. Ele pensava o mesmo, tinha a chance de matar sua pior inimiga, mas não fez isso. Alguma coisa de errado estava acontecendo, Noah estava se sentindo culpado e triste pelo que tinha feito. Ao chegar à sala, vê Emma deitada no sofá dormindo. Pela primeira vez, ele para pra ver como ela é. Os cabelos castanhos e compridos estavam com algumas folhas, estava cheia de sangue, mas, mesmo assim, conseguia ver sua pele pálida. Seu rosto lindo. Ela era toda linda... seu corpo era definido, por conta dos treinos para a guerra. Emma acorda meio assustada e percebe que está sendo observada - O que você está fazendo? - Eu? Nada! - diz isso, parando de olhar para ela e sentando no sofá. Liga a TV e ficam em silêncio até que os dois adormecerem. Noah acorda, vê Emma dormindo e decide levá-la até sua cama. Pega-a no colo e vai até o quarto, deixando-a na cama e colocando um cobertor sobre ela. Por outro momento, fica olhando para ela. Senta ao lado da cama, perto de seu rosto, e passa a mão. Levanta-se, dá um beijo em sua testa e volta para a sala, porém ela estava acordada e percebe que ele havia mudado. Emma ficou na casa de Noah por longos meses, onde ficaram treinando para a guerra e onde começou um grande amor entre os dois. Mesmo eles sabendo que este amor era proibido, eles ficam juntos, pois realmente se amam... amam-se até a morte. 137!

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O grande dia chegou, a guerra vai começar, todos são colocados lado a lado com o seu oponente, isso significa que a luta vai começar. Noah e Emma são os primeiros a lutar, são tele transportados para uma montanha para que lutem até a morte de um deles. Ele não queria lutar com sua amada, nem Emma, mas ela também queria vencer. Emma parte para cima de Noah, socando-o fortemente. De repente, Noah se transforma no lobo e pula em Emma, que começa a chorar, pois não queria lutar com ele. Ela estava quase morrendo, quando conseguiu alcançar uma pedra e bater na cabeça do oponente com todas as forças e fazendo com que Noah ficasse tonto e saísse de cima dela. Emma começa a bater na cabeça do animal com a pedra, até Noah parar de se mexer, ele está morto. Emma começa a chorar muito e, de repente, o corpo dele desaparece. Todos parabenizaram Emma, mas ela não ligava, apenas queria ficar sozinha. Como a luta dos dois acabou, Emma perdeu seu poder, agora ela é uma mortal. Agora ela pode se matar para, enfim, encontrar seu amado no céu, assim podendo ser feliz com ele, sem que o amor deles seja proibido.

Ilustração: Marina Lorenz Vernetti

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Sofrer ou amar? Paola Kohana Mignon Ogochi Todos os dias, eu costumo caminhar no parque com minha cadelinha, a Laika. Nós sempre cumprimentamos as pessoas que se exercitam por lá. A Dona Olívia, por exemplo, adora ela. Já o Senhor Otto, nem chega perto, mas me cumprimenta quando está de bom humor. O Gabriel é uma graça, ele gosta de levar pão velho para dar aos passarinhos. Coitada de Lara, sua babá, que vive correndo atrás dele. Em uma tarde ensolarada, um caminhão de mudanças parou ao lado de minha casa. Foi quando o vi. Cabelos negros, traços fortes, olhos castanho-escuros, um pouco mais alto que eu. Seu sorriso era como uma obra de arte estampada no rosto moreno. Tomei coragem e fui cumprimentá-lo. Ao chegar, apresentei-me e ele também. Conversamos um pouco. Depois me ofereci para ajudá-lo com a mudança. Olhei para o relógio – 21h30min! Para me agradecer, convidou-me para jantar em sua casa. Aceitei. Contou-me várias histórias de seu passado. Uma delas foi o porquê de ter vindo morar aqui: está se especializando em sua faculdade. Combinamos que amanhã iremos ao parque bem cedo. No outro dia, apresentei-o aos nossos vizinhos. Conforme o tempo foi passando, fomos nos conhecendo melhor. Até que um dia ele me beijou e me pediu para ser sua namorada. Embora eu tivesse muita vontade de pular nele, dar um grande abraço e um beijo, contive-me e, com o coração apertado, neguei. Porém, pedi que continuasse sendo meu melhor amigo. Fiz isso para testá-lo. Ele não falou comigo durante quatro dias. Quando o avistei novamente, ele estava conversando com minha melhor amiga. Suas faces estavam muito próximas uma da outra. Meu coração quase saltou pela boca. Será que eu estava certa sobre ele? Será que suas intenções eram somente físicas? Como eu posso ter me enganado tanto? O medo e a preocupação me dominaram, fazendo-me soluçar e correr para casa. Nas semanas que se seguiram, dediquei-me a estudar para as provas finais da faculdade. Estava muito concentrada, quando a campainha tocou. Abro a porta. Meus batimentos cardíacos aumentaram ao ver que ele estava ali, diante de mim, com flores na mão. Não consegui conter minhas lágrimas. Senti seus braços me envolvendo. Então, depois de ter se declarado para mim outra vez, contou-me que estava planejando uma festa surpresa para celebrar meu aniversário com minhas amigas. A partir daí, nunca mais nos separamos. 139!

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Vida de gado Roberta Tonett Simioni Saul era um garotinho simples, caboclo, com olhos escuros feito jabuticabas, nascido e criado no interior de uma cidadezinha chamada Monte Azul, estado de Minas Gerais. O terceiro de três filhos homens tinha características fortes, era corajoso. Desde criança não tinha medo do escuro, saía da casa sem o lampião para apreciar as estrelas. Afetuoso, herdara dos pais, que, mesmo com pouca instrução, presavam pelo respeito, o carinho familiar. A valentia retratava-se no lidar com os animais e no trabalho braçal, do qual família tirava o sustento da roça e de uma pequena criação de porcos e galinhas, da qual vendiam a carne e ovos para a vizinhança, conseguindo uns trocados daqui e dali. Sua mãe era muito caprichosa, tanto no cuidado da casa, como com seus filhos. Apesar de analfabetos, tinham o sonho de formar os filhos, para que tivessem um futuro melhor que o deles. De manhã cedinho, Odila, a mãe, preparava o café e ajudava a vestir os quatro com o uniforme simples concedido pelo Estado. Beijava e dava a benção aos filhos, que partiam todos os dias para a escola, não muito distante de casa. O tempo foi passando, os meninos crescendo. Gradativamente, chegara a hora de ingressar na escola da cidade, a alguns quilômetros dali, e os pequenos foram se adaptando ao almoço mais cedo e à saída antecipada de casa, pois o percurso era mais distante, porém à tarde. Pela manhã, ajudavam os pais no que era preciso. Nos dias de prova, Darci, o pai, fazia questão de que ficassem estudando ao invés de ir para a lida. O tempo foi passando, Lauri, o mais velho, Benhur o segundo, ele, Saul, e Leandro, o caçula, foram aos poucos, entrando para a faculdade estadual, localizada a duas horas dali. Ao concluírem o Ensino Médio, cada um procurou um emprego para ajudar na renda da família, pois os gastos haviam aumentado, e os pais já não tinham condições financeiras de custear todos com a pouca renda do campo. Lauri conseguiu um emprego como lavador de carros, passou para o curso de Direito. Benhur foi trabalhar numa pequena venda de secos e molhados, entrou para o curso de Administração. Saul, que, desde criança, tinha verdadeira paixão pelos livros e adorava escrever, tendo o sonho de escrever um livro, destacava-se nas produções de texto e, por isso, conseguiu um estágio no colégio estadual onde estudara. Não tinha dúvidas, queria ser professor e entrou para o curso de Letras. Leandro, que tinha afinidade com os numerais, conseguiu emprego como caixa na única lotérica de Monte Azul. Entrou para a faculdade de Economia. Como de regra, enfrentaram algumas dificuldades durante a formação acadêmica, mas todos conseguiram concluir para o orgulho dos pais. O tempo foi passando e as oportunidades foram surgindo. Saul conseguiu uma grande editora que 140!

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interessou–se no primeiro de muitos livros, cujos temas eram relacionados à superação das dificuldades enfrentadas nos variados aspectos da vida. Lauri, depois de algumas tentativas, foi aprovado em um concurso para Juiz de Direito. Benhur, depois de passar por duas empresas, foi contratado por uma multinacional como executivo em finanças no exterior. Os pais, já mais bem mais velhos e um tanto cansados, foram presenteados com uma nova casa da cidade de Monte Azul, com energia elétrica e água encanada e todo conforto merecido. Saul, o professor escritor, viajava durante a semana, mas sua casa sempre foi junto dos pais, retribuindo o esforço de criá-los com dignidade. Seu Darci, é claro, toda manhã ia faceiro para o sítio tratar a bicharada e Dona Odila apenas cuidava da casa e, volta e meia, ia visitar seus filhos para cá e para lá, sempre na companhia do seu Darci! Um amor sem conto de fadas, amor de gente simples, amor de brasileiro que aprendeu a ser feliz com o pouco que tinha.

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A história repetida Ronald Rodrigues da Silva Em 1860, aconteceu uma grande guerra, com milhares de pessoas mortas. Um cenário horrível. Jake, um homem alto e forte, estava representando seu país na guerra, para isso teve que deixar sua família inteira - uma mulher e dois filhos em casa. A família, preocupada, a cada dia, rezava para Jake não ser morto, sabendo que poderia durar tanto semanas como meses. Os filhos pensavam que o pai tinha ido fazer um curso fora da cidade e iria ficar um tempo fora de casa, mas o cenário era totalmente diferente de um curso. A esposa só pensava o mal, de tão preocupada que ela estava. Imaginava que ele tinha sido fuzilado. Não tirava os olhos do relógio, contava os minutos. Um minuto parecia ser uma hora. A cidade, que era bela, ficou destruída por bolas de canhão e fuzil. Depois de quatro meses, Jake conseguiu voltar para casa, com a vitória de seu país na guerra. Chegou à casa todo sujo, com a roupa rasgada, bateu à porta, a família abriu rapidamente. A mulher, não acreditando que ele havia voltado vivo, chegou perto dele e o abraçou. Seus filhos, com saudade, pediram a ele como tinha sido a viagem para fazer o curso. Jake não conseguiu mais mentir e falou a verdade para os filhos, disse que tinha defendido seu país na guerra. O filho mais novo perguntou se era como nos filmes, o pai, cansado, disse “é pior”. Isack, seu filho mais novo, falou a ele “quando eu crescer, quero defender meu país na guerra, ser o herói da batalha, mas jake não ligou, pois pensava que era só imaginação do menino. O tempo se passou, e Isack entrou para o exército e, cumprindo a promessa do passado, foi à guerra. Seus pais ficaram desesperados. Jake estava muito nervoso, pois ele foi já havia passado por aquela experiência, e, só de pensar que o filho dele sofreria o que ele sofreu, já ficava preocupado. Quando Isack se deparou com o cenário da guerra, ficou assustado, falava que ali não era o lugar dele. Achou uma mulher soterrada, com lama em todo o corpo e resolveu ajudar. Pegou pela mão dela e a puxou. Houve uma troca de olhares entre eles e, então, ele resolveu levá-la para o abrigo dos militares. Depois de dois meses, Isack voltou a sua casa, mas não sozinho, com a menina que ele havia ajudado, sua nova esposa. Isack bateu na porta, e seus pais abriram a porta rapidamente. Olharam e era seu filho. O jovem casal teve filhos, e Isack jurou que nunca iria falar para as crianças que tinha participado de uma guerra, pois havia passado por muitos problemas, e não queria que seus filhos tivessem o mesmo sofrimento que ele teve.

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Centrália ardente Vinicius Romancini A fuligem cobre o chão rochoso, como um manto negro que acabara de ser estendido ao sol. O cheiro de enxofre faz minhas narinas arderem. As videiras, que antes se entrelaçavam nas fendas das rochas, estão completamente carbonizadas. Fagulhas caem dos céus, como vaga-lumes desnorteados com o vento. O que antes era uma mina de carvão, agora é apenas uma ravina aberta no solo, coberta por rochas, fuligem e sangue, sem falar no fogo, que queima intensamente. Viro ao meu lado e vejo corpos, estão carbonizados, petrificados com um semblante de dor. Tento conter o medo e a dor que vem da minha perna, cuja pele está coberta por bolhas, devido a queimaduras oriundas do intenso fogo que queima na mina. Ouço um murmúrio fraco, cansado e baixo, algo está vivo em meio a estes escombros, pode ser apenas gás escapando pelas fendas, ou o fogo queimando a madeira fresca dos cedros que ali estavam a crescer. Mesmo assim segui o barulho, até ele ficar mais alto. O cheiro forte do gás faz minha mente se entrelaçar, porém não perco o foco, continuo até encontrar uma silhueta em meio à fumaça negra. Parece uma pessoa, está cambaleando e, provavelmente, ferida. Tento correr até alcançá-la, mas algo atinge minha têmpora, caio no manto de fuligem e vejo o vulto se afastar, sem poder fazer nada. Minha visão cessa, não sinto mais nada, dor, sede ou calor, apenas uma paz, que logo é interrompida com uma sensação da grama em minhas costas, estou sendo arrastado, mas por quem? Abro meus olhos apenas para espiar e vejo o vulto a me arrastar, desmaio novamente, agora por causa da fumaça que queimava meus pulmões. Acordo com algo áspero, úmido e morno raspando minha bochecha. Abro os olhos rapidamente, é apenas um cão, daqueles que são usados na caça de raposas. Olho ao meu redor, vejo feno, ferramentas e algumas galinhas, estou em um celeiro, deitado em um amontoado de feno. Ouço a porta ranger, alguém está entrando, mas não consigo ver direito, pois os raios de sol oriundos de uma janela trincada me deixam parcialmente cego. Movo-me mais para o lado, na esperança de ver a face dessa misteriosa entidade, ao observá-la melhor, surpreendo-me com o que vejo. Uma mulher, com cabelos levemente ondulados em um tom castanho avermelhado, olhos azuis pálidos, que chegam a ser cinza, um corte pequeno em sua testa e um grande hematoma em seu ombro, todos oriundos do acidente na mina, fazem parte de sua pele morena por causa do sol. - Como é seu nome? Pergunto. - Pompeii, Pompeii Glowday, diz ela. 143!

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- Pompeii? Como a cidade que foi destruída pelo Vesúvio? Pergunto. - Sim, e o seu? Pergunta ela, instigada. - Amber, Amber Whiteclay. Lembro-me desses olhos de algum lugar... Pompeii, esse nome também já me veio à mente. Ela se aproxima mais, vejo melhor seus olhos, sim! É ela! A garota com quem eu estudava, acho que nunca mais nos vimos após eu terminar o ensino médio e ir trabalhar na mina de carvão. Ela se aproxima, estamos tão perto que posso sentir as batidas de seu coração. - Lembra-se das aulas de Biologia, Amber? Quando nos escondíamos entre os frascos de vidro? Diz ela. - Nunca poderia esquecer, Digo. Nossos lábios se encontram, caímos entre o feno, sem nos importarmos com as galinhas. Ficamos um tempo lá, imóveis, sem reação, apenas pensando. Pompeii Glowday e Amber Whiteclay, os únicos sobreviventes do desastre de Centrália. Agora juntos, como um só.

Ilustração: Vinicius Romancini 144!

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Perfect fairytale Vitoria Folle Zancanaro Lá estava eu, dentro do carro de meu pai, indo pra casa nova de minha avó. Não que eu queria sair de São Francisco pra ficar uma semana em uma cidadezinha, mas meu pai acreditava que desse jeito eu poderia sair da minha rotina e tentar me distrair de algum jeito que não fosse no celular ou no computador e tentar me esquecer do que havia acontecido há 2 meses. A morte da minha mãe não fora fácil de superar, mas depois de um tempo me conscientizei de que chorar não a traria de volta. Após 5 horas dentro de um carro, cheguei à casa de minha vó, ela já estava me esperando com um sorriso no rosto. Era um lugar bonito, com bastantes árvores, tinha um ar de paz e conforto. Cumprimentei-a com um abraço, coloquei minhas malas no quarto em que eu iria me alojar e fui caminhar na praia, perto da casa da minha avó. A praia parecia estar vazia, mas quanto mais eu caminhava mais vinham pessoas da direção oposta. Cansei, então saí da praia e fui em direção à rua e continuei caminhando até que vi uma quadra de basquete, onde havia um time jogando e uma plateia torcendo. Observei todo o time, eram muito bonitos, foquei em um garoto. Seus olhos e cabelo eram castanhos, era muito bonito, mas não só de beleza, ele parecia ter algo diferente. Nossos olhos se encontraram por um instante, seus olhos castanhos me lembravam muito minha mãe. Tive a sensação de que iria começar a chorar então saí e voltei para a casa da minha vó. Jantei, assisti televisão e fui para o quarto. Demorei a dormir, meus pensamentos não iam a outro lugar se não àquele garoto do qual eu nem sabia o nome, mas, depois de um tempo, o sono veio. No dia seguinte, a mesma pessoa voltou aos meus pensamentos e meu pai queria me manter em casa, com a justificativa de que eu deveria ficar com a minha avó. Eu amo demais minha avó, mas eu sabia que, em algum momento, íamos chegar a assuntos ligados a minha mãe e era do que eu menos precisava. Expliquei isso a eles e fui caminhar de novo. Eu já esperava não encontrar o garoto, mas não queria desistir sem tentar. Quando eu estava voltando, vendo algumas mensagens no celular, dou de cara com uma pessoa, e o impacto nos fez cair. Quando me recuperei, dei-me conta de que era o mesmo garoto que eu havia visto jogando basquete. Desculpei-me, e ele fez o mesmo. Logo ele acabou me reconhecendo e se apresentou, disse que seu nome era Elliot. Então, como se eu já não estivesse toda envergonhada, ele pediu para nos encontrarmos naquela semana. Mesmo tímida, decidi aceitar, ficamos um tempo nos encarando até que voltei para a realidade, despedi-me dele e voltei para casa. 145!

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O resto do dia eu passei vendo televisão e lendo. E assim foi até o dia do encontro com Elliot. Passei aquele dia ansiosa, decidindo o que vestir, o que faria no cabelo. Preparei-me toda em um vestido vermelho e meu cabelo longo solto. Fui ao lugar combinado e não tinha ninguém lá. Esperei lá por um tempo, olhando para meu celular a cada segundo, vendo se não havia nenhum recado. Decidi desistir e voltar para a casa da minha vó. No caminho, continuava olhando para a tela do meu celular, ao atravessar a faixa de pedestres quase fui atingida por um carro, fiquei muito assustada, mas fiquei mais assustada ao ver a pessoa que saiu daquele carro. Ele veio ao meu encontro se desculpando pelo atraso e por quase ter me atropelado. Terminamos nosso encontro com um beijo, ele tinha algo de que eu precisava. A partir daquele dia, começamos a nos encontrar até que chegou o dia de eu voltar para São Francisco, fiz de tudo para não ter de voltar, mas não tive escolha. Prometemos manter contato, e foi o que fizemos, até terminarmos o colegial. Começamos faculdade juntos em São Francisco e continuamos nossa vida. Juntos.

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Ilustração: Vinicius Romancini

CONTOS DE AMOR DE ONTEM E HOJE – NÍVEL II (Alunos do 8º e 7º Ano do Ensino Fundamental) 147!

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A literatura é uma forma de entrarmos em contato com outras vivências... nessas experiências, escolhemos desde um mero entretenimento até mesmo um mergulho profundo em grandes conflitos... com ela temos a liberdade de priorizar o alimento específico para a fome que estamos sentindo num dado momento... os autores destes contos, certamente, fizeram suas escolhas incitados ainda pela experiência de proporcionar alguma escolha ao leitor. Percebi, nestas histórias, quantos limites foram superados. Para ser escritor, há mister horas de leitura... com degustação e digestão das palavras por dias a fio... Estes agentes literários, quando se propuseram a refletir sobre assuntos - como a efemeridade - numa fase em que tudo parece eterno... fizeram, exatamente, este árduo exercício de deslocamento. Estes jovens vivem uma experiência ímpar e, certamente, sentirão orgulho ao verem o objeto dos seus esforços materializados nesta coletânea. Espero que este momento os impulsione a alçar outros voos... Sandra Maria Ponte Professora de Língua Portuguesa do Colégio Trilíngue Inovação

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Quantas vezes podemos amar? Marina Lorenz Vernetti A noite era fria e escura. O caminho por onde eu andava parecia não ter fim. A rua, recém-asfaltada, refletia a luz do luar, porém mesmo assim pouco se via. Sentei-me num banco, em frente a uma pequena praça. Lembrei-me de quando era criança e brincava ali durante a tarde inteira. Naquela época, eu era puro. Naquela época, eu não sabia falar palavrões. Na verdade, odiava qualquer um que falasse. Naquela época, eu nunca tinha amado. E amar dói. Amar nos corrói lentamente por dentro, e o pior é que não temos sinal disso até estarmos totalmente destruídos. Só conseguia me lembrar de Anne gritando enquanto um bandido atirava contra seu peito. Sempre me culpei por tudo o que aconteceu de errado com ela. Não poderia ter sido eu o sujeito que partiu? Uma lágrima caiu do meu olho, em cima da carta que segurava. Virei o pedaço de papel, para que eu pudesse ler o nome escrito mais uma vez. Katherine. Após a morte de Anne, decidi que não merecia mais ser feliz; e assim se seguiu durante quatro anos. Eu não queria amar ninguém, tudo por medo de perder mais uma parte de mim. Até que Katherine Fields apareceu em minha vida. Seu jeito doce e seu sorriso me cativaram por completo. Enquanto Anne era loira, alta e de olhos verdes, Katherine era morena, baixa e de olhos castanhos. Mas ela era linda. Kat e eu nos conhecemos no aeroporto. Esbarramos um no outro na hora de fazer o check-in, e eu só me lembro de cair. Ela tentou me ajudar enquanto segurava o riso, mas não funcionou. Desde esse acontecimento, nunca mais paramos de conversar... E isso doeu em mim. Não conseguia parar de pensar em Anne. Não parava de pensar em como seu lindo sorriso brilhava e em como sua risada era fofa. Para mim, o certo era ignorar Katherine. Abri lentamente a carta que estava segurando, tentando tomar cuidado para nada rasgar. Dei um sorriso ao ver uma letra familiar. “Querido Matt, decidi dar-lhe um tempo para pensar sobre nós dois. Compreendo sua dificuldade em esquecer sua antiga noiva... mas me importo com sua sanidade. Nos últimos dias, você anda tão estranho... Gostaria de poder entendê-lo melhor. Vou respeitar qualquer decisão que tomar sobre nosso relacionamento. Quando decidir se podemos ou não seguir em frente, avise-me. Saiba que o amo. Ass: Katherine”. Li a carta mais três vezes antes de colocá-la novamente no envelope. Fiquei olhando para um ponto fixo, esperando uma resposta aparecer, mas nada me vinha à cabeça. É possível amar novamente? Talvez sim, talvez não. 149!

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Voltei para casa minutos depois, sentindo-me exausto. Tomei um banho frio e deitei em minha cama macia, mas nada parecia me acalmar. Consegui dormir um longo tempo depois. Sonhei com Katherine. “Ela estava apoiada em uma árvore, olhando para mim como se esperasse uma resposta. Levantei-me e fui correndo beijá-la; o beijo era suave e doce. Enquanto beijava seus lábios carnudos tinha mil e uma sensações diferentes. Katherine era linda, e me sentia sortudo por tê-la em meus braços. Enquanto sentia seus lábios adocicados colados aos meus, refleti sobre minhas decisões. Eu já sabia disso, mas precisei de ajuda para encarar os fatos. Eu a amava. Sim, Matt Andrews amava Katherine Fields. Algumas pessoas lhe deixam com uma vontade imensa de viver a vida inúmeras vezes, só para poder ter o amor para si mais vezes. Kat era uma delas. Sim, é possível amar mais de uma vez”.

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Martírio e salvação Ana Laura Kammler Acordei com o coração a mil por hora... eu podia sentir o sangue sendo bombeado nas minhas veias, o som dos disparos ainda rondavam meus pensamentos e eu conseguia sentir a arma pesada e gélida em minhas mãos enquanto eu corria para os braços dele. Sentei-me tentando acostumar meus olhos à escuridão. Contemplei seu rosto mal iluminado pela luz da lua que insistia em entrar pela janela entreaberta do quarto... seu cabelo castanho escuro contrastando com sua pele clara e seus olhos cor de esmeralda... fazendo-me delirar, sem falar em seu físico impecável, que me fazia esquecer como se respirava. Além de ser uma obra de arte, que aparentava ter sido desenhada por deuses, há algo a mais que me prende a esse homem que remetia ao pecado. Quem sabe fosse o perigo de estar ao seu lado, a loucura que era pertencer a ele, a rixa entre nossos mundos. Era como se seu sobrenome fosse perigo, afinal, estar ao lado de Luke Evans para os outros era desejar a própria morte, e quer saber? Eu gosto disso. A adrenalina de ser procurada por causa dele, o êxtase de ser julgada por abandonar tudo que eu tinha, de contrariar minha família faziam com que eu ficasse a cada instante mais viciada na vida ao lado de um ‘criminoso’... Ele é meu martírio e minha salvação, como se ele fosse destruição e ao mesmo tempo tudo o que eu precisava. - Kathy? – Meus ouvidos captaram suas palavras de forma inesperada me causando um arrepio instantâneo e um leve frio na barriga. - Olá, Pequeno Príncipe. – Respondi fazendo menção a um antigo apelido dele, tendo como recompensa um sorriso fofo. Escorei minha cabeça no travesseiro e observei seus olhos curiosos. Ele parecia um anjo, e quem sabe ele fosse. - Problemas? – Ele disse com ar preocupado, fazendo-me esboçar um leve sorriso pela primeira vez no dia. - Não. Apenas pensamentos que estão me roubando o sono, nada preocupante. – sussurrei e sei que ele ouviu nitidamente graças ao silêncio que reinava no ambiente. - Não os escute. Sei que talvez seja muito pra você toda essa correria, tiros e perseguições, mas não os deixe dominá-la. Talvez eu não seja o melhor que você possa ter, mas eu farei o possível para ser, prometo. Juro que daqui para frente seremos nós dois e nosso próprio universo, constituído apenas do que queremos. Quem sabe estaremos escondidos do resto do mundo para nos mantermos vivos, mas ainda seremos nós, assim como dois mais dois será para sempre quatro... Eu lutarei, Katherine 151!

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Lancaster, o resto da minha vida pela sua felicidade, independente de quanto isso irá me custar. - Suas palavras eram como analgésicos para todo o caos que vivia em mim. Ele sabia como me deixar sem respostas. - Eu, simplesmente, amo você. Qualquer coisa ao seu lado paga seu próprio preço pelo simples fato de envolvê-lo. – pronunciei tentando me recompor depois de suas palavras que tinham dom de abalar minhas estruturas inteiras. Selei nossos lábios e me aconcheguei em seu peito desnudo sentindo nitidamente seu perfume. Estamos buscando nossa felicidade em nós mesmos sem prejudicar ninguém. Quem sabe Deus nos poupe de todos os nossos pecados e nos recompense com a salvação por isso, mas mesmo que eu acabe queimando no inferno, eu jamais me arrependerei de fazer minhas escolhas baseadas nos meus sentimentos. Pois é aqui, quando estamos a sós, que o que nos mantém em pé é revelado, nosso amor, e esse sentimento que nos alimenta é, sem dúvidas, a razão pela qual eu jamais vou deixar de lutar.

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Kelly Borchartt Ana Laura Wichroski dos Santos Nas férias deverão de 2012, Kelly, que acabara de fazer 18 anos, viajou com seus pais e alguns amigos para Florianópolis, onde passariam alguns dias em uma linda pousada beira-mar. Já no primeiro dia, no final da tarde, ela resolveu sair para caminhar com sua cachorrinha Luli pela praia. Num descuido, Luli se soltou da coleira e saiu para a rua. Quase foi atropelada por um carro que passava no local. Desesperada, Kelly correu em direção à rua quando avistou um rapaz descendo do carro para ver se havia machucado a cadelinha. Sem pensar, Kelly se abaixou para pegá-la e o rapaz teve a mesma ideia. Nesse momento, ambos se chocaram e se olharam intensamente. Vendo que a mascote estava bem, Kelly agradeceu o gesto do rapaz que se apresentou como sendo Jean. Kelly, então, falou seu nome e novamente agradeceu pela atitude. Ainda nervosa, percebeu que Jean olhava fixamente para ela e não conseguiu deixar de sentir um calafrio pelo corpo todo quando ele colocou a mão em seu ombro e disse que estava tudo bem. Despediram-se. Ela foi embora um pouco trêmula, por medo e pela sensação estranha que teve. Dois dias depois, Kelly e sua amiga Lena estavam em uma lanchonete quando avistaram Jean parado perto de um pequeno jardim que havia no local. Kelly sentiu seu rosto ficar vermelho e uma forte emoção, um sentimento estranho que não podia, ainda bem saber o porquê. Decidiu então, num gesto de coragem, ir até ele para cumprimentá-lo. Quando já estava próximo de Jean, observou que ele sorria muito ao ver uma garota loira que vinha em sua direção. Parou imediatamente e voltou para perto de sua amiga, morrendo de vergonha. Quando teve coragem de olhar para o lado novamente, viu a garota abraçando o rapaz. Eles estavam muito felizes. Depois de tomarem um sorvete, as amigas decidiram ir embora dali. Quando Jean as avistou saindo, foi ao encontro delas com aquela garota loira ao seu lado, cumprimentando Kelly e Lena com um lindo sorriso. Perguntou sobre Luli e as convidou para, mais tarde, participar de um churrasco em sua casa de praia. Sem pensar muito, Kelly e Lena decidiram ir ao churrasco. Chegando lá, Kelly logo observou que Jean estava sozinho, sem aquela garota loira da lanchonete. Ficou radiante, pois percebeu que estava gostando do rapaz e gostaria de falar a sós com ele. Na primeira oportunidade, Kelly esbarrou de forma proposital em Jean, que a puxou para um canto da sala e lhe deu um beijo. Kelly falou que não conseguia esquecer seu olhar e, toda vez que via Luli, lembrava dele e sentia que seu coração dava um salto. Jean, muito educadamente, falou que se encantou com ela desde o 153!

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primeiro encontro e que deveriam se conhecer melhor. Kelly, com medo, perguntou sobre a garota da lanchonete e Jean, sorrindo, disse apenas que gostava muito aquela mocinha. Kelly e Jean passaram a se encontrar todos os dias durante as férias, passeando pela praia a sós ou acompanhados de Luli, que não saía de perto de sua dona. Em um desses passeios, encontraram a garota loira da lanchonete, que se jogou nos braços de Jean, gritando que o amava. Jean a abraçou e apresentou à Kelly. Era sua irmã. Quando as férias acabaram, tiveram que se separar, mas continuaram se falando todos os dias. O amor deles foi maior que a distância e, por uma feliz coincidência, Jean passou no vestibular para medicina veterinária e foi estudar em Lages, onde Kelly morava.

Ilustração: Laura Maresch de Moura

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O amor inesperado Ana Vitória Vinter Sempre tive uma vida boa, uma infância, depois, a faculdade, conheci uma mulher e nos apaixonamos. Vivi uma história de amor, uma que ninguém nunca viu antes. Quando eu tinha 24 anos, após minha graduação em jornalismo, decidi viajar mas não para qualquer lugar.... Grande parte de quem viaja, prefere Europa ou Estados Unidos... eu, não. Fui para a Arábia. Lá, conheci várias pessoas, algumas simpáticas, outras, nem tanto. Logo depois de minha chegada, decidi ir até o hotel e descansar. No dia seguinte, acordei junto com os raios de sol do verão que me acompanhavam na cama. Levantei e fui tomar o café da manhã em uma padaria. Quando cheguei lá, perguntei ao garçom se teria alguma praia perto dali. O moço respondeu que teria uma muito bonita a uns 40 quilômetros. Após um café da manhã delicioso, em um calor absurdo, segui caminho até o mar, cheguei lá e vi várias mulheres com uma roupa de banho toda colada até na cabeça e então lembrei que era um burquine, isto fazia parte de sua cultura. Uma imagem me chamou a atenção... vi uma mulher de pele clara, olhos escuros, com sardinhas no rosto, e iludido, já que seu cabelo estava coberto, imaginei que ela fosse ruiva. Minutos depois, apresentei-me a ela, e disse: - Meu nome é Leonardo e como você se chama? - Natasha. Explicou-me que não podia falar muito por questão de respeito à sua religião, além do que, seu noivo estava chegando. Quando o acompanhante dela chegou, percebi que ele era muito mais velho que Natasha, ele era um velho carrancudo e grosso. No Islamismo, uma mulher não pode falar com outro homem sem a companhia de um familiar macho por perto. E, já que Natasha conversou com Leonardo, ela sofreu uma punição muito severa e desumana – foi apedrejada no meio da praça pública. Depois dessa “tragédia” todos acharam que a jovem estava morta, mas ela esperou chegar a noite e fugir. Logo após esse episódio, resolvi voltar para a Austrália. Quando eu estava chegando no hotel, Natasha apareceu em minha frente e pediu para que a escondesse. Então, levei-a até minha suíte e expliquei que já estava voltando para meu país natal, depois disso, ela ficou desesperada e pediu que a levasse junto porque aqui ela, possivelmente, seria morta. Como jornalista, fiz um trato com a moça. Propus a ela levá-la até a Austrália, mas em troca concederia a mim o direito de publicar a história dela. 155!

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Dito e feito, contudo, havia riscos de ser descoberta. Conseguimos. Quando cheguei no meu apartamento, em Queesnland, mostrei o quarto de Natasha, então começamos a conversar. Com o passar do tempo, era impossível dizer que não estava sentindo nada por ela, pois eu via que Natasha era uma mulher muito bonita e simples. Até o fim do mês, mostrei nossa cidade e cultura a ela, Natasha se interessou muito e se converteu ao catolicismo. Ela arranjou um emprego. Estávamos apaixonados. Então a vida seguiu... casamo-nos na praia, compramos uma casa e estávamos felizes. Não conseguimos ter filhos normalmente, Natasha fez inseminação artificial. A gravidez foi tranquila, mas na hora do parto minha querida e amada esposa não resistiu. Nosso filho foi salvo. Chamou-se Daniel. Tive muita dificuldade para criá-lo, mas como tudo passa eu agora estou eu aqui contando essa história para vocês que amo tanto e são meus netos.

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Minha eterna paixão Bruna Bueno da Silva As pessoas dizem que, quando se está apaixonado, seu mundo fica mais colorido, mais alegre. O seu amado vira o centro de tudo... é único para você - o perfeito... você faz de tudo para se encaixar na vida dele, e faria tudo por ele, pensa que é para sempre. Eu também pensava assim, até aquela noite, quando você chegou na minha casa, segurando uma caixa com as coisas que eu deixei na sua casa, de propósito, para que se lembrasse de mim o tempo todo, e você me disse que não dava mais, que achava que deveríamos terminar... não sei o que você pensou, mas algo que durou quatro anos não poderia acabar com apenas acho que devemos terminar... Pensei em lhe dizer isso naquela noite fria, mas não disse. No momento, não estava sentido nada além do vazio e das lágrimas caindo em meu rosto. Apenas concordei e deixei você ir. Foi o pior erro que já cometi, embora não pudesse lhe forçar a ficar comigo. Os anos se passaram e eu continuei pensando em você. Já havia me acostumado com a falta que me fazia. Formei-me em direito, e me mudei para Belo Horizonte, levando comigo aquela pulseira que tinha a inicial do seu nome. Conheci pessoas novas, que me ajudaram a aliviar a dor que sua falta me causava. Comecei a namorar um loiro de olhos verdes, e confesso que, me fez muito feliz, no entanto, não era você. Por isso não consegui continuar com ele. Estava com uma amiga em um café, quando me deparei com a sua irmã, que quase não reconheci, mas, ao ver os olhos da menina, tive certeza de quem era, olhos iguais aos seus... nós conversamos por um longo tempo, e ela me disse que você estava se mudando para uma casa, que o destino fez questão de ser na mesma rua. Foi então que decidi fazer esta carta que estou escrevendo sentada na grama do seu jardim. Tentando dizer... Quero que saiba o quanto era apaixonada por você, o quanto eu sou apaixonada por você, o quanto serei. Não importa se você está casado, tem filhos, e está feliz. Eu o amo, meu querido, Thomas. Se você também me ama, por favor, venha falar comigo... vou estar a sua espera. Milhões de beijos. Da sua eterna admiradora, Jolie. Esta carta nunca teve uma resposta, pois não precisou. Naquela mesma tarde em que coloquei na caixa dos correios de Thomas, ele a leu, e correu para a minha casa. Thomas pediu desculpas e não foi preciso dizer mais uma palavra, os olhares diziam tudo, todo aquele sentimento que foi mencionado no início da carta reapareceu, e nós dois apenas sorríramos.

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Cartas para o amor Camilly Bernardi Etz Lembra quando nós tínhamos 13 anos? No primeiro dia de aula, eu entrei na sala e você também. Trocamos olhares... você com seu sorriso lindo... então percebi que foi amor à primeira vista. Nessa hora, tive uma sensação estranha... como borboletas no estômago. Eu não conseguia prestar atenção nas aulas e, a cada segundo que passava, pensava em você, pensava em nós dois um dia juntos... você era o meu último pensamento ao dormir e o primeiro ao acordar... seus olhos azuis brilhavam como as estrelas, por isso antes de dormir eu ia para fora olhar o céu... ainda olho com esperanças de que você volte. Leandro se separou de Vanessa porque foi para outro país para começar estudar medicina e ela permaneceu em sua cidade natal para fazer faculdade de direito. Essa carta “viajou” por vários lugares, de navio para avião e de avião para navio, porém só tinha um único destino - as mãos de Leandro. Vanessa não sabia se ele estava vivo ou morto, mas tinha apenas uma única certeza: o amor que sentia por ele nunca iria ter um ponto final. Eles poderiam estar em países diferentes, porém nenhuma fronteira impediria que o amor tão grande como esse, representado em uma pequena folha de papel, continuasse sendo um amor verdadeiro. Após muita tortura, enfim, o correio traz a notícia de que sua carta chegara ao seu destino. Porém, a resposta não vinha.... talvez aquilo tenha sido culpa do destino, pois no momento em que leu a carta, foi em direção ao aeroporto comprar uma passagem para ir ao encontro de sua amada. Depois de longas horas de viagem, ele finalmente chegou ao seu devido destino. Quando reencontrou sua amada na porta do aeroporto, correu para os seus braços. Pegaram um táxi para a casa de Vanessa. No caminho, Leandro pediu a garota em namoro entregando a ela uma caixa com um anel. Tudo se calou e apenas Vanessa disse que não poderia aceitar. Foi nesse instante que suas vidas mudaram completamente. O táxi passou por um cruzamento perigoso, e um carro que vinha no sentido contrário bateu no lado onde Leandro estava sentado. Seus corpos ficaram presos entre as ferragens. Vanessa foi a única sobrevivente. No momento que ela foi retirada do táxi, apenas olhou para o seu amado já inconsciente e essa foi a última vez que ela o viu. Percebeu, então, um envelope na mão do rapaz. Era a resposta da carta de Vanessa e estava escrita uma frase: “Posso passar muitos dias sem te ver, muitos dias sem te abraçar, mas eu jamais vou deixar de te amar...” 158!

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Meu verdadeiro amor Elis Britto Santos Colmann Era um dia comum em Sidney, eu estava no colégio com minhas amigas. Era a última semana de aula e teria a entrega dos boletins sextafeira. Estou extremamente nervosa, não acredito que já estamos em novembro, passou tão rápido. Sinceramente, esse ano não foi muito legal para mim, não tem nada a ver com as notas ou algo do tipo, é porque o garoto que de quem eu gosto, o Caleb, está namorando a chata da Ashley. Ela me irrita com suas amiguinhas e se achando. Bom, o Caleb e eu sempre trocamos olhares, talvez seja porque eu fico olhando para ele o tempo todo, e ele deve ficar um pouco incomodado. Às vezes, nós conversamos, mas não é grande coisa. Finalmente, chegou o dia da entrega do boletim, então ele veio até mim e perguntou se eu tinha passado de ano e eu disse que sim. E aí, bem nesse momento, a Ashley chega e pergunta por que ele está falando comigo, achei um absurdo, eu não gosto dela, apenas a ignoro. Já percebi que eles brigam por causa disso, não sei se me sinto triste ou feliz. Para falar a verdade, nunca tive um relacionamento sério como o deles, eles já namoram há três anos. Meu tempo máximo de relacionamento foi de seis meses, pouco para a maioria das pessoas que namoram. A minha amiga Marina vai fazer uma festa para comemorar o fim das aulas e a ida para o terceiro ano. Apenas uma coisa boa no ano, pelo menos eu acho: Ela disse que essa festa será de gala, então teremos que ir com roupas muito chiques. Fomos para o shopping comprá-las. Advinha quem eu encontrei lá? A Ashley e o Caleb... como sempre, ela está provando as melhores roupas, das melhores marcas, admito que sinto um pouco de inveja, pois quem não queria usar uma roupa de grife? Acho que todo mundo queria, mas não é isso que importa de verdade. A Amanda e eu fomos para uma loja menos chique e achamos dois vestidos lindos. Finalmente, chegou o dia da festa. Estava me arrumando com a Amanda quando meu celular toca, era o Caleb. Obviamente atendi. Ele perguntou se nós duas queríamos carona. Perguntei da Ashley e ele disse que ela já tinha ido, então aceitei, depois de uns vinte minutos, disse que estávamos muito bonitas e retribuímos o elogio. Na festa ele me chamou e disse que queria falar comigo. Fomos para o terceiro andar onde não havia quase ninguém. Consegui ver o medo e a vergonha em seus olhos. Chegou mais perto e aí que veio a surpresa... um beijo, o que sentia era indescritível... naquele momento tudo parou em minha volta... quando acabou, suspirei e ele disse que havia terminado com a Ashley, pois ela não gostava dela. Surpreendeu-me quando revelou que o amor que nutria era por mim. 159!

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O perfume mais doce guardado no coração Estela Almeida Sandrin A história que vou lhes contar começa assim: Uma jovem de cabelos castanhos, ondulados e olhos da mesma cor, morava em um porão escuro com um piso gelado. Ela se encolhia toda para conseguir ficar perto de uma pequena fresta na parede onde entrava o calor do sol. Era um local muito apertado para um coração grande e sonhador. Ela nunca havia saído, pois era cega, até que um dia, a jovem criou coragem de sair daquele porão. Quando ela sentiu seus pés tocando na grama, pensou que estava pisando em um grande tapete, ela se emocionou, pois sentia tudo e achava lindo. Era um dia ensolarado e Amélia andava pelo parque. Ela estava sentada em um banco embaixo de uma árvore com várias flores roxas, quando John, um lindo rapaz, de olhos azuis e cabelos negros, aproximou-se dela e retirou a mais linda flor do jardim e a colocou nos cabelos da jovem, falando-lhe: - Essas flores possuem um doce perfume, ainda mais quando penso que elas o roubaram de ti. Um pouco envergonhada, mas emocionada, perguntou para ele se sabia que ela era cega. Ele disse que não se importava, pois havia se apaixonado por ela. Dias depois, eles começaram a se encontrar com mais frequência e passeavam juntos pelo parque. Um dia, resolveram viajar para uma cidade vizinha, já dentro do barco, começou, subitamente, uma tempestade violenta. O barco estava balançando, quando uma onda enorme bateu violentamente na embarcação. Os dois jovens não sabiam o que fazer: havia apenas uma boia pequena para um conseguir escapar, foi então que John gritou para a jovem ir com a boia, fingindo ter outra. Amélia foi naquela água fria mexendo as pernas para ir mais rápido. Quando sentiu a água mais rasa, firmou o pé na areia e sentou-se ali esperando por John. Ele não deu sinal mais sinal algum. Passou uma noite e a mulher, com lágrimas escorrendo pelo seu rosto, levantou-se e foi se informar onde estava. Por sorte, era uma cidade ainda próxima de Londres. Comprou uma passagem para lá. Sem muita esperança, ela voltou a ficar naquele porão, com o coração rachando a cada momento. A moça tomou uma decisão e pensou em procurar John, mas como ela poderia, se lhe faltava a visão? Ah sim, seu perfume estava em sua memória, não era doce demais e nem muito forte, um aroma na “medida” correta. Amélia começou a procurar por todos os cantos, mas nada possuía aquele doce cheiro. Passaram-se meses e Amélia ouviu na televisão que um rapaz tinha sido encontrado, foi levado para o hospital, mas não sobreviveu. Certo dia, sentada no banco onde tinha conhecido o seu grande e primeiro amor, sentiu um doce perfume... 160!

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- Gosto muito de flores perfumadas, e de você então... Amélia, sem palavras, deu um grito e percebeu que era seu grande amor. John perguntou o que poderia dar de presente para ela. - Ah, meu amor, você já me deu um grande presente: mesmo eu não tendo a visão, você me fez de certa forma enxergar a beleza da vida, o quanto é bom ter um apoio, e o quanto é ruim a escuridão da solidão. Os dois deram-se um abraço, todas as partes do coração rachado se juntaram e foram felizes para sempre.

Ilustração: Gabriela Lima

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O amor combate todos os males Gabriel Igor da Silva Mireski No ano de 2137, uma cidade fria e escura tinha um amanhecer tenebroso... o prefeito precisava divulgar, na praça pública, a informação de que todos deveriam ficar atentos ao assunto do aquecimento global e, por isso teve que enfrentar aquela terrível manhã. Ele alertou a população do fato, pois o efeito estufa atingia o mundo todo e, portanto, deveriam ficar preocupados com este tema. Então, lançou uma campanha em que todos deveriam ter um armazenamento secreto de água em casa. O prefeito propôs essa ação para se adiantar às outras cidades. Chamou dois biólogos, mundialmente reconhecidos por seus casos resolvidos. Um deles era uma mulher morena, de olhos azuis, que calçava um lindo sapato de carbono e também usava uma roupa feita de látex, que refletia os raios do Sol e deixava todos os homens boquiabertos. Ela também tinha um olhar muito penetrante que a todos envolvia. O nome dela era Lúcia. Logo chegou um homem muito elegante, com um lindo smoking preto e uma gravata branca. Ele estava nervoso, tremendo, com borboletas no estômago. Flávio guardava um segredo, amava Lúcia, mas nunca contou a ninguém, também estava muito cheiroso, pois queria impressionar a sua companheira de trabalho. Quando foram dispensados, Flávio calmamente chamou Lúcia para uma conversa, ele falou que, queria namorá-la, mas ela não aceitou, pois achou que não era do jeito dela, que não era romântico... No outro dia, Flávio tentou novamente... às dez da noite, o biólogo parou perto da janela da garota e cantou a melhor melodia que conseguia... e então Lúcia aceitou. Eles queriam namorar, mas infelizmente, o mundo não estava contente com Aquópolis, que era a cidade dos biólogos. Descobriram as reservas secretas de água, e planejaram um ataque à cidade. Lúcia e Flávio souberam desse acontecimento e entraram em ação para proteger sua cidade. No dia vinte e sete de outubro, um planeta chamado Plutonius se revoltou contra a cidade dos ecologistas e decidiu atacar. Os extraterrestres acharam que ganhariam porque tinham armas mais avançadas, porém, Flávio e Lúcia tinham uma carta na manga - eles participavam de um laboratório secreto que tinha armas com poderes especiais como, encolhimento e congelamento. Quando decidiram atacar, os biólogos já estavam preparados com suas armas. A batalha foi épica... com várias armas futuristas... Todavia, eles fizeram um trato: fariam a guerra no espaço e, quem perdesse o confronto, ficaria lá para sempre. Batalharam com naves espaciais. No 162!

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fim da luta, acabou a munição de Lúcia. Então, quando iriam atirar nela, Flávio apareceu para salvá-la e protegeu sua amada. No final, os biólogos venceram. Salvaram Aquópolis e os alienígenas tiveram que ficar para sempre no espaço. Depois disso, os biólogos namoraram e, então, algum tempo depois, Flávio e Lúcia se casaram, tiveram três filhos, chamados João, José e Adão. Eles viveram felizes trabalhando continuamente juntos para sempre triunfar sobre os inimigos.

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Muito além do que os olhos podem ver Georgia Gorham Miolo Oito de fevereiro, era primeiro dia de aula, minha mãe tinha sido transferida pelo trabalho e eu me adaptaria à nona mudança em dois anos. O ônibus tinha chegado quando entrei e sentei no banco da frente, em seguida, entrou um menino que olhou fixamente para mim com os seus olhos azuis. Acho que poderia dizer que foi amor à primeira vista porque nunca me senti daquele jeito antes. O nome dele era Lukas e, depois daquele dia, sentíamo-nos algo muito forte um pelo outro, Um dia, numa festa, nós nos beijamos pela primeira vez, posso dizer que foi mais do que mágico, ele era meu primeiro pensamento ao acordar e o meu último ao dormir. Quando ele estava perto de mim, sentia-me protegida, completa e amada. Certa tarde cheguei chorando à escola. Disse a Luka que iria sair do país e por mais que implorasse para ficar, minha mãe já havia decidido tudo. Ele me deu uma corrente de ouro que estava desenhada uma bonequinha e um bonequinho de mãos dadas, Luka me fez jurar que por mais do que acontece eu nunca iria tirar aquele colar, eu jurei, e como um adeus, dei-lhe um beijo e lhe entreguei uma carta. Chorando ele leu... “Meu amor, não importa a distancia quando tem um céu que nos une, não importa onde estarei vou vê-lo todos os dias em meus sonhos, não importa o que aconteça só vou ter um pensamento: você e não importa onde irei estar, meu objetivo é lhe encontrar”. Dez anos se passaram, Katheryn ainda estava no Canadá, ela acordou viu a hora no relógio e percebeu que estava atrasadíssima, saiu correndo pela rua e acabou esbarrando em um homem, derrubando todas as suas coisas. Eles se abaixaram ao mesmo tempo. O menino percebeu que ela estava usando uma corrente muito parecida com a que ele havia dado a sua amada dez anos atrás. O mesmo olhar aconteceu novamente, Kathie e Luka haviam se encontrado, ela o abraçou forte, derrubando novamente os livros no chão, ele conseguiu sentir o mesmo perfume doce e delicado que ela usava na escola. Os dois passaram muito tempo juntos, até que, no dia primeiro de março, Luka pediu Katheryn em casamento, porém ela saiu correndo e durante a noite passou muito mal. Foi levada ao hospital, não tinha jeito, Katheryn escondia desde criança uma doença muito grave, por isso seu organismo estava morrendo aos poucos. Luka estava em sua casa quando ligaram para ele, pedindo que fosse ao hospital imediatamente, porém, chegou tarde demais... a garota já havia adormecido em um sono do qual jamais iria acordar. Luka havia deixado uma carta ao meu lado, tirou o colar de meu pescoço e pôs sobre minhas mãos fechadas. 164!

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“Não existe cedo ou tarde, nem tempo certo e errado... as coisas acontecem quando devem acontecer, cada uma no seu tempo e nada é por acaso... muitas vezes é preciso dizer adeus às pessoas que mais amamos, sem tirá-las do coração, se eu fosse um anjo, viveria para guardá-la, mas como sou humano, vivo para amar você, dizem que, quando morremos, cumprimos nosso objetivo. Você cumpriu o seu - fez de mim a pessoa mais feliz e sortuda do mundo por ter lhe conhecido. Não sei mais quanto tempo suportarei ficar longe de você. Quanto tempo mais terei que dormir, para em meus sonhos encontrá-la? Eu a amo, sempre amei e sempre vou amar, não importa onde você esteja, amor seu em qualquer lugar. – Lukas”!

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Uma história de amor Lívia Martinazzo Urbancic Não foi só o amor de Romeu e Julieta... Era um dia chuvoso e frio, vovó Lara contava a seguinte história para suas netas: Era um dia ensolarado e florido... Ana, uma menina de olhos claros, de cabelos longos e encaracolados, andava lentamente junto ao seu querido namorado, Luan, pela praça principal de uma cidadezinha no Sul do Brasil ... O aniversário de Ana é amanhã... - “O que você quer ganhar de presente, amor?” - “Quero um anel de diamantes” Selaram um beijo demorado... as horas foram passando, ela foi ao salão de beleza, na manicure. Depois, comprou o mais caro, o mais belo vestido, e então chegou o tão esperado dia. Ela está linda toda produzida, parece uma princesa de contos de fada, então seu namorado chegou. - “Você está linda!” - “Obrigada, eu te amo” - “Eu também te amo! Você me hipnotizou tanto... estava me esquecendo do seu presente.” Toda ansiosa, a garota abriu o presente e acabou tendo um acesso de loucura... - “Você me deu uma boneca, credo!” Então, a menina jogou o presente para longe... O garoto correu o mais rápido que conseguiu para salvar a boneca. Na correria, ele foi atropelado por um carro que vinha em alta velocidade. O que era festa virou uma tragédia. Ele foi socorrido e levado ao hospital, mas de nada adiantou, Luan faleceu depois de algumas horas. A menina, muito arrependida, chorava a cada minuto quando se lembrava de tudo. No enterro, Ana chorava e abraçava a boneca com muita força. Ao apertar o brinquedo, a garota ficou chocada, pois a boneca dizia: “Feliz aniversário, quer casar comigo?”. E então caiu um bilhete no chão que dizia “Pegue o anel no bolso esquerdo da boneca, espero que você goste. Eu te amo” Algumas semanas depois, os pais de Ana a encontraram morta no chão e uma folha em cima dela ... que dizia o seguinte: “Se eu desistir de existir, não se assustem, é só o início de um novo fim. E assim, se não nascer o sol, não se preocupem, eu estarei perto de vocês! Não pensem que é fácil para mim. Eu tentei por muito tempo... eu tentei... e agora abro mão e juro, de coração, que fiz de tudo para 166!

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não acabar assim. Espero que seja melhor, espero estar correta, eu não posso mais viver. Estou cada vez mais perto de sorrir, quando eu fechar meus olhos, vou sorrir e, enfim, ser feliz. É o fim... eu sei, um dia, ele chega para todos nós, mas não quero esperar que aconteça, antes que eu me esqueça, deixa eu lhes confortar, eu sei que assim vai ser melhor, fiz isso para encontrar o meu maior e eterno amor.” Então, uma das netas falou: - “Vovó Lara, o amor não é feito de palavrinhas idiotas, o amor é feito de grandes gestos, como aviões levando faixas sobre estádios, propostas em telões ou palavras gigantes escritas no céu. O amor é ir além, mesmo que doa, deixando tudo pra trás. O amor é encontrar uma coragem dentro de si que nem se sabia que existia...”

Ilustração: Allan Hermes Basso

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Diário de amor Lya Heller Skittberg Minha mãe, há poucos meses, morreu, estou pensando seriamente em me matar, estou apenas esperando o destino mandar ou algo magnífico me acontecer. Moro em uma cidade pequena, muito fria e quieta, viver aqui não me faz feliz, sinto que me falta alguma coisa, mas ainda não descobri o que é. Posso ser considerada uma garota estranha, talvez porque eu tenha 22 anos e tenha medo da vida ou ainda porque meu nome é Kéren, enfim... Só não me suicidei ainda porque conheci alguém que me fez abrir os olhos para o mundo, apaixonei-me e meu mundo está mais colorido com ele. Existe um grande problema, ele está na guerra, mas não é uma guerra qualquer, é a 3º Guerra Mundial. A preocupação aumenta a cada dia, pois minha mãe morreu quando uma bomba atingiu nossa casa. Meu pai e meu amor, Arthur, estão na guerra e não quero perder mais ninguém. Esses dias eu estava assistindo ao jornal. Veio a notícia de que nosso país estava perdendo a guerra e os militares estavam alistando mulheres. Então, resolvi me alistar para encontrar mais uma vez com o anjo que caiu do céu para me fazer feliz. E assim lá fui eu, com coragem e ao mesmo tempo o medo de não o encontrar novamente, talvez esse tenha sido o destino perfeito que Deus me preparou. Finalmente, avistei-o, não acreditei, parecia uma miragem, meu corpo tremeu, tive a impressão de que estava sonhando... minha vida toda passou diante dos meus olhos naquele instante. Aproximamo-nos e o beijo tão esperado aconteceu. Olhei profundamente nos olhos dele, e o que vi... era apenas sangue, caiu e tremeu de dor, era o que eu mais temia... perdi outra pessoa importante da minha vida. Depois de alguns anos, a guerra acabou e como não era surpresa, nosso pequeno país perdeu, as terras foram invadidas por franceses e nós tivemos que, literalmente, sumir dali. Minha vida, desse momento em diante, não tinha mais sentido. Depois de algum tempo vivendo sem rumo e sem um propósito... eu, finalmente, reencontrei meu pai - era o impossível se tornando realidade. Esse foi um daqueles momentos em que ficamos paralisados, sem reação, por conta de tanta emoção. Não era o mesmo homem com quem vivi há possíveis quinze anos, seu cabelo estava branco como a neve, o rosto coberto de cicatrizes e uma delas que se destacava, passando da extremidade de um olho até o queixo. Seus lábios, já ressecados, disseram a mim o quanto tivera sofrido e a falta que tinha sentido de um abraço quente e longo. Meu pai contou-me as histórias pelas quais tinha passado, suas conquistas e suas perdas, e a cada palavra que ele pronunciava, meus olhos enchiam de lágrimas, pois aquela era a minha chance de 168!

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recomeçar. Mudamo-nos para o interior da Inglaterra, em um pequeno vilarejo. Lá, vivemos grandes aventuras juntos, e então o nosso tão desejado “felizes para sempre” tornou-se realidade. Eu tentei esquecer meu passado, mas não é necessário esquecer, apenas seguir em frente.

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Uma luz no fim do túnel Matheus das Neves Almeida Sciotta e Souza Mário estava em um relacionamento conturbado. As brigas eram frequentes, assim como as lágrimas que desciam pelo rosto a cada crise do casal. Cansado de tanto sofrer, resolveu dar um final neste capítulo do grande livro, que é nossa vida. No dia seguinte, em sua escola, foi conversar com seu grande amor - Júlia - realmente uma menina linda, loira, com lindos olhos verdes puxados para o azul, em melhores palavras: encantadora, mas, como todos nós, tinha seus defeitos, o dela era se relacionar, amorosamente, com várias pessoas ao mesmo tempo. Ao entrar na escola, seus olhos brilharam, e sentiu algo estranho dentro de si, pois ele tinha visto Anne, sua melhor amiga, que várias vezes disse que o amava. Mário se deparou com Laura, que estava beijando John. Neste momento, o mundo veio abaixo para ele. Do amor, que era pouco, nada restou. Deu uma vontade louca de chorar e ao mesmo tempo se agarrar na primeira menina que chegasse perto dele. E essa menina chegou. Era Anne que, após uma troca de olhares, beijaram-se e a escola inteira parou para ver os mais novos apaixonados. Foi neste instante que o sinal soou e todos se direcionaram para sala como os dois pombinhos, que um ao lado do outro foram para a aula. Ambos com um sorriso largo estampado em seu rosto. Ao entrar na sala, verificaram onde deveriam se sentar, pois os lugares eram selecionados pela coordenação, e viram que, por ironia do destino, eles estavam sentados um ao lado do outro, direcionaram-se à mesa, acomodaram-se e, como de costume, realizaram o momento divino, tiveram que ter muita paciência, pois seria um longo dia de apenas Ciências Exatas. Passadas duas aulas, quando Mário resolveu conversar com Anne, e foi logo direto nas palavras, mas ao mesmo tempo divertido, como sempre: - Nossa, como você beija bem! - e os dois riram... não dava tempo para mais nada, pois já era o intervalo. No recreio, como de costume, os meninos já foram para a quadra jogar futebol. No meio deles, tinha um grupo de meninas do oitavo ano (a classe dos mais novos apaixonados do Colégio Inovar). Na quadra, os meninos foram jogar futebol e as meninas se sentaram na arquibancada. Com o início do jogo, uma falta foi assinalada para o time do Ensino Fundamental e para cobrá-la foi nomeado Mário. Ele, de perna direita, fez o gol, e foi comemorá-lo com Anne, que novamente o beijou enlouquecendo mais ainda a torcida. E assim, dias e meses se passaram até o grande dia, quando Mário resolveu assumir a relação e a pediu em namoro. Evidentemente, a resposta foi sim e assim os anos se passam com todos felizes.

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Uma carta de amor perdida Milena Bays Estava caminhando no parque, à procura de uma notícia para o jornal em que trabalho, quando me deparei com uma carta velha e amassada, escondida atrás de uma casca de árvore. Curiosa, como a maioria dos jornalistas, peguei a carta e vi que ela tinha como remetente um rapaz chamado Leonardo Lince. Fiquei muito surpresa ao ler aquele nome. Leonardo era meu melhor amigo. Quando éramos crianças, costumávamos brincar juntos o tempo todo. Ele se mudou para Paris. Pretendia estudar música com os seus pais, nunca entendi por que nunca havia me contado que iria embora. Soube dessa notícia através dos meus outros amigos, ainda sinto muita saudade. Comecei a ler a carta e, para minha surpresa, era para mim. Dizia o seguinte: “Querida Isabela, estou me mudando de Londres para Paris, vou estudar música com os meus pais, gosto muito de você, mas nunca tinha lhe contado antes, porque estava com medo. Posso, nesse momento, estar muito longe, mas saiba que sempre a amarei como as mais belas estrelas do céu. Que na primavera, eu a farei feliz como lindos girassóis, e que, no outono, quando as folhas caem e o encanto começa a acabar, não me esquecerei de você. Com amor, Leonardo Lince.” O mundo parou. Fiquei emocionada ao ler essa carta e senti vontade de rever meu melhor amigo, então, o mais rápido possível, agendei um voo para Paris. No dia da viagem, estava muito nervosa, minhas mãos suavam e tinha muita fé em que iria encontrá-lo, seria um dia de viagem. Quando cheguei a Paris, foi para o hotel onde estava hospedada. No dia seguinte, comecei a andar pelas estradas de Paris, e a única pista que tinha sobre Leonardo era que ele foi estudar música. Procurei em algumas escolas de músicas e em um cartaz estava escrito: Leonardo Lince. Recital Torre Eiffel às 21:00 horas. Era um recital perto da Torre Eiffel, quando o vi, fiquei muito feliz e, sinceramente, acho que ele também. Conversamos um pouco e sentimos que realmente era amor verdadeiro. Decidimos que iríamos nos casar, em breve, no Arco do Triunfo. Passaram-se dois meses... lá estava Leonardo no altar, com seus cabelos loiros e olhos verdes, vestido com um terno preto, e eu, com meus cabelos cacheados e longos, usando meu vestido branco cheio de rendas. De fato, essa era a minha história de amor que poderia ser publicada, graças a uma carta de amor perdida. 171!

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Devil of love Vanessa Treter Kajeviski Neste exato momento, acompanhava grande parte da sociedade moderna mundial, debatendo no Twitter sobre uma nova polêmica, Charlie, Charlie, o desafio. Resumindo, como invocar o demônio com uma folha e dois lápis. Ri, sarcasticamente, do desespero das pessoas falando "- O LÁPIS MEXEU!" Então, vamos ver se é verdade. Fui até minha mesa, peguei todos os livros que estavam em cima da mesma e joguei na minha cama, rasguei a folha de um caderno qualquer e com uma caneta escrevi na folha, "Yes, No,No, Yes". Equilibrei os lápis de modo como o jogo mandava e falei: - Charlie, Charlie, você está aí? - O lápis foi se mexendo vagarosamente até o "No" – então, obviamente, outro alguém está aí! - ri com o meu comentário desnecessário, e o lápis se moveu até o "Yes". Eu, curiosa como eu sou, dei continuidade à conversa. E assim foi por horas e horas. A cada pergunta, eu queria mais e mais como se fosse uma droga; e eu já estava viciada. Insistentemente, olhei novamente para a folha e perguntei: - Você pode aparecer para mim? - O lápis novamente se movimentou para o "Yes" e assim começou. O meu quarto ficou com o ar úmido, minha visão ficou turva e uma névoa preta se formava por lá e em poucos segundos tudo voltou ao normal, menos a névoa preta que se movimentava como um pequeno redemoinho lento. E assim, surgiu a forma de um garoto, aparentemente, de 17 anos, vestindo roupas pretas, cabelos totalmente pretos e bagunçados, pele pálida, e olhos da cor da escuridão, que me hipnotizavam que me levavam de um mundo a outro. - Quem é você? - perguntei com a voz fraca e trêmula. - Você me chamou! - ele falou como se fosse óbvio. - Ah...ah, mas quem é você? - respondi em um tom mais alto. - Eu?!... eu sou seu demônio! - ele continuou com orgulho em sua voz. Apenas aceitei seu pedido. Olhei novamente para a folha e perguntei: - Você quer ser meu amigo? - O lápis se moveu para o sim, fiquei feliz, mais precisamente com borboletas no estômago ou talvez ânsia de vômito. Os meses se passaram e meu amigo e eu estávamos lá na mesma. Vinte e quatro horas por dia jogando e, eu, viciada no jogo ou melhor... nele. Minha depressão tinha piorado... passava mais tempo no meu quarto do que antes, estava mais branca que papel e não comia há dias... apenas jogava aquele jogo. 172!

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Estava deitada em minha cama com o meu amigo do lado... conversando sobre tudo que vinha ocorrendo nesses últimos tempos com a sociedade mundial. E então, perguntei o que estava me inquietando há tempos: - Eu não entendo! - falei de uma vez. - O quê? - ele perguntou assustado. - Tudo! Tudo o que esta acontecendo você, essa história de demônio do amor! - Isso realmente existe? - falei. - Como assim? Você não entende? - ele falou como se fosse óbvio. - Por que eu deveria? Há poucos meses eu era uma pessoa normal e agora tudo mudou. - falei com lágrimas nos olhos. - Você nunca foi normal! E sabe por que você deveria saber? Pois nos somos iguais! - Como assim? Eu sou um demônio? - Não! Eu sou um demônio e você... é um cupido! E nós estamos destinados a nos amar para todo o sempre!

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Amor a cem por hora Vinicius Dall'Agnol Barozzi A noite estava mágica, Emilly usava um belo vestido branco com babado preto feito à mão e um salto alto vermelho. A maquiagem constituída por tons frios, porém, chamativos, estava magnífica. Por sua vez, Henry havia vestido um clássico smoking e uma gravata borboleta. Estava tocando Photograph de Ed Sheeran quando um Dodge Challenger SXT, de cor preta, vinha em alta velocidade na direção da limusine sem apresentar sinais de minorar a velocidade. Henry sabendo que era o fim, abraçou-a e lhe deu um beijo caloroso. Nesse breve momento, refletiu sobre toda sua vida amorosa com Emilly... desde que a conhecera no primeiro ano do Ensino Médio. “Sempre vivi ermo no mundo. Por exemplo na sétima série, ao invés de praticar atividades desportivas, eu ficava na biblioteca sentado entre as prateleiras de livros de Vitor Hugo, Júlio Verne entre outros grandes escritores... Eu me sentia livre e lépido, não existia mais nada que me deixasse satisfeito, até que então, Emilly mudou-se para meu colégio. Emilly é uma menina pálida, olhos esverdeados claros e cabelos ruivos cacheados, além da bela aparência, ela era uma pessoa de atitude, na primeira semana de aula, ela já se escreveu no clube de matemática, clube de debates e no jornal de escola. No começo, falávamos pouco, entretanto fomos nos aproximando e nos tornando amigos. Depois de meses, criei coragem e tomei uma iniciativa, chamei-a para sair. Foi maravilhoso, comemos um delicioso jantar no Lobter. Em seguida, fomos ao teatro municipal para assistir à uma peça, rimos a noite inteira, e por fim, levei-a para casa, com um longo abraço e, um breve beijo, despedimo-nos. Desde então, nossas vidas nunca foram mais as mesmas. Quando Emilly e eu nos conhecemos, minha vida dera uma vicissitude. Enfim larguei os livros de ficção e comecei a escrever a minha própria história, uma história de amor.” A rua estava repleta de carros da polícia, ambulâncias e repórteres. A limusine estava capotada e a lateral esquerda inteiramente amassada. Emilly teve ferimentos leves, infelizmente, não posso dizer o mesmo sobre Henry, ele quebrou o braço e bateu com força na janela fazendo-o ficar inconsciente. Henry foi levado com urgência para a UTI, porém não resistiu. O impacto foi tremendo para a os amigos, família e, principalmente, para Emilly. Ele era muito jovem. Dias, semanas e meses se passaram e o luto de Emilly persistia. A recente perda do namorado tinha afetado a garota intensamente. Todos os dias ela ia ao cemitério e ficava horas ao lado lápide de Henry, mas da 174!

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última vez foi diferente, uma carta dedicada a ela estava encostada nas flores. “Desde minha fatídica morte, apenas vejo tristeza em seu rosto, mas quero que saiba que você me fez ver o mundo de outra forma e também que, mesmo não estando ao seu lado, sempre estarei com você, pois o meu amor é eterno”.

Ilustração: Maria Eduarda Conforti Camargo 175!

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O passado/futuro de um amor que nunca mudou Yasmin Bordignon Balen

Em uma cidade pequena, no interior do Sul do Brasil, onde, em dias de sol, o céu era rosa, e as crianças todas as tardes brincavam. Na rua, morava uma jovem de vinte anos, chamada Julia. Por onde a menina passava, todos apreciava seus belos cabelos loiros e compridos. Era muito conhecida em seu bairro. Julia não tinha mais seus pais vivos, porque, quando era recém-nascida, eles sofreram um acidente de carro. Após o acontecido, ela passou a morar com a vizinha, que era melhor amiga de sua mãe. Dona Ana prometeu que cuidaria da menina, e foi o que fez. Criou e educou. Com treze anos de idade, a jovem sofreu um acidente de carro e a única coisa que conseguia se lembrar era de uma cena muito forte. Quando tinha nove anos, estava jogando bola… era uma tarde rosa… um menino ruivo, da mesma idade, chamado Lucas, levou uma bolada que fez seus óculos quebrarem. No mesmo instante, Julia saiu correndo, pegou os óculos e os deu ao menino. No primeiro instante, apaixonou-se por ele… tal garoto desapareceu… perderam o contato… toda vez que Julia pensava ou sonhava com isso, seu coração batia mais forte. Quando completou vinte anos, foi à procura de um emprego em uma empresa grande. Queria viajar para Londres. Conseguiu um emprego de faxineira lá. Um dia, estava no elevador com um dos donos da empresa. O elevador parou e os dois ficaram presos. Começaram a conversar e não tinham se reconhecido ainda, mas o jovem dono da empresa era Lucas, o menino que fez seu coração bater mais forte. Um beijo aconteceu no elevador, o menino já crescido, esqueceu de tudo, até mesmo de sua namorada, Katy, que viu tudo através das câmeras. Ele apenas seguiu seu coração e beijou Julia. Após o beijo, o elevador abriu e os dois saíram como se nada tivesse acontecido, embora o olhar de ambos revelasse um brilho diferente. No dia seguinte, Lucas e sua namorada foram para aeroporto com destino à casa deles em Londres. Ao chegar, o jovem não encontrou seu passaporte e Katy embarcou sozinha, enquanto seu namorado voltaria ao hotel para procurar o documento. Julia encontrou o passaporte dele e foi levá-lo ao aeroporto. Correu e o encontrou, a química e o sentimento foram inexplicáveis de tão grande. Lucas conseguiu embarcar com Katy e contou que não queria mais continuar com ela. No dia após o voo, Julia embarcou no primeiro avião para Londres. Lá, por muita coincidência, eles se encontraram quando a menina estava sendo assaltada. Lucas e Julia foram, então, juntos pela maravilhosa cidade. Lucas contou que sonhou com ela, quando eles eram mais novos, jogando futebol e viu que seu verdadeiro amor era ela. Estava disposto a fazer de tudo para continuarem até a eternidade juntos. Afinal, a eternidade é muito maior e mais verdadeira que o “Pra sempre”. 176!

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Ilustração: Marcelo Merisio!

CONTOS DE AMOR DE ONTEM E HOJE – NÍVEL I (Alunos do 6º e 5º Ano do Ensino Fundamental) 177!

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Nossa história de amor Lucas Vinicius Morozo Minha história de amor começou mesmo antes de eu nascer. Era verão, janeiro de 2001, quando meu pai estava na praia curtindo suas férias e resolveu antecipar a volta para casa, pois não estava se sentindo feliz. Arrumou as malas e contra a vontade de seus amigos, voltou para Chapecó. Era sábado, a cidade estava movimentada. Então, ele resolveu sair para curtir o restante de suas férias, foi curtindo as férias que meu pai conheceu minha mãe, que morava em Curitiba e estava a passeio em Chapecó. Foi amor à primeira vista, conheceram-se e nunca mais se deixaram. Ainda, no ano de 2001, foram morar juntos, em um pequeno apartamento alugado, mobiliado com móveis usados, tudo muito simples, tinha até colchão no chão e foi assim que tudo começou. No dia 11 de novembro de 2003, nascia o narrador dessa história, Lucas, o que deixou a história ainda mais feliz, acreditem! O berço onde eu dormia era o mesmo berço que foi do meu pai, há 28 anos! Apesar das dificuldades, aproveitamos muito, praia, viagens para Curitiba na casa dos meus avós maternos e outros lugares. Meu pai era piloto de corrida de automóveis, era “meio louco”. Antes de eu nascer participava de provas de arrancada, e corridas de moto, isso foi lá por 1996. Depois que eu nasci, corria de gaiola motorizada em pista de terra, onde passamos muitos finais de semana de muita adrenalina. Ele era um bom piloto, porque já contei mais de 120 troféus dessas “loucuras” do meu pai. Éramos uma família muito feliz, quando no dia 12 de abril de 2009, essa felicidade aumentou, nascia minha irmã Isabeli, uma menina linda, que, modéstia à parte, só não era mais bonita do que o narrador dessa história. Hoje, posso dizer que somos uma família muito unida e temos muito amor um pelo outro, sem esquecer de toda a ajuda que meus avós paternos nos deram. Para ter uma ideia, meu primeiro banho, quem deu foi minha avó paterna, Dona Terezinha. Graças a todo esse amor, hoje podemos estudar em uma excelente escola, temos saúde que é o principal de tudo e meus pais têm um bom trabalho. Tomara que possamos estar todos juntos por muito, muito tempo.

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Rafael e Sandra Ana Maria Furlanetto Cerutti Rafael acordou às seis horas para ir ao trabalho e, no caminho, chocou-se com uma mulher chamada Sandra. Os dois se encararam e prosseguiram. Logo perceberam que haviam trocado os celulares, pois eram muito parecidos. Sandra tentou procurar informações e ter contato com Rafael e acabou percebendo que era um cara muito querido e bacana. Rafael fez o mesmo e achou Sandra muito interessante. Os dois resolveram marcar um encontro para se conhecerem melhor. Sandra sugeriu um cinema, mas Rafael preferiu um sanduíche. Então, passaram a perceber que tinham gostos diferentes, mas, mesmo assim, continuaram amigos. Com o passar do tempo, Rafael recebeu uma proposta para trabalhar em Paris. Lá, poderia ter novas oportunidades no setor da computação. Contou a Sandra, que ficou muito triste e abalada. Sandra, por sua vez, tornou-se uma pintora de muito sucesso, e um dia foi a Paris expor suas obras de arte num museu famoso. Rafael, em uma visita ao museu, encantou-se com um quadro dela e o comprou, sem saber quem havia pintado. Depois de muitos anos, Rafael voltou ao Brasil e reencontrou Sandra. Novamente o amor nasceu. E então, em um encontro no apartamento de Rafael, Sandra viu seu quadro e ficou mais feliz ainda. Esse amor prosperou, casaram-se e constituíram uma família. Tiveram dois filhos muito lindos. Faziam muitas viagens. Não vou dizer que não brigavam, mas eram uma família muito feliz.

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Amor à primeira vista Luiza Vargas Bitencourt Acordei, tomei meu café, peguei meu uniforme passadinho e limpinho, que minha mãe tinha arrumado, e me vesti. Como sempre fui até a sala, sentei-me e assisti à televisão pensando em minha vida, minha família. Fiquei um tempinho lá, mas quando vi, meu pai já estava me chamando para almoçar: - Karol, venha almoçar! - Então fui comer. Após o almoço, fui à escola, era meu primeiro dia de aula no Colégio Trilíngue Inovação. Lá, arrumei amigos, vários meninos bonitinhos, mas um me encantou, chamava-se Vitor. Olhos azuis como o céu, não conseguia parar de olhá-lo, contudo não perdi o foco da aula. Neste dia, a aula passou bem rápido, quando vimos a aula já havia acabado.... fomos para o recreio. Eu não conseguia tirar os olhos de Vitor. Como jogava futebol bem, fiquei na porta do ginásio, e depois fui brincar com as meninas. Quando estava lanchando, escutei uma voz me chamando: Karol! – Virei-me e vi que era Vitor vindo em minha direção. Fiquei meio sem jeito, começamos a conversar, ele falou que gostava de mim e eu também me declarei a ele. Começamos o namoro e, depois da aula, fomos tomar um sorvete. Depois de alguns anos, esse amor, à primeira vista, tornou-se um grande sentimento. Casamos, tivemos dois filhos lindos, um menino, chamado Gabriel e uma menina chamada Luiza. Os dois tinham olhos claros e cabelos castanhos, brigavam um pouco, mas se amavam. Com os dois, formamos uma linda família feliz, com um amor eterno.

Ilustração: Julia Bellei 180!

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Amor à primeira vista Letícia Bays Meu nome é Emma. O que eu gosto? De uma boa história de amor... Tudo começou em Paris, quando eu era pequena. Eu adorava escrever histórias de amor e ainda gosto. Cresci escrevendo e agora estou com 18 anos. Peguei meu cavalo e saí para passear no parque Monceau, em Paris. Eu estava correndo... muita pressa para escrever... gostava de escrever no parque... quando me dei conta, estava caída no chão. Levantei rapidamente quando percebi que havia um menino também caído no chão. Ele me disse: - Desculpe-me, donzela, eu estava cavalgando... Que modos os meus... nem me apresentei! Meu nome é Nicolas e o seu? Emma respondeu: - Meu nome é Emma! Por favor, dê-me licença, preciso seguir em frente! Então fui. Quando eu estava escrevendo, vi o Nicolas me olhando e decidi não olhar para ele. Quando terminei a história, voltei para casa. Três semanas depois, acordei de manhã e fui olhar o correio, quando abri a caixinha, vi uma carta e nela estava escrito: “Querida Emma me encontre no parque Monceau às 15:15. Com amor, Nicolas!” Eu guardei esta carta com amor. No dia seguinte, às 15:15 eu fui ao parque. Quando cheguei, Nicolas estava lá me esperando com um piquenique e um buquê de rosas vermelhas. Nicolas me deu o buquê e eu agradeci a ele, claro. Então passamos a tarde inteira conversando, comendo, olhando as nuvens e, quando ficou de noite, a lua cheia lá... as estrelas... ele declamou para mim um poema lindo e então nossos olhos se tocaram e nos beijamos. E foi aí que eu percebi quem era meu verdadeiro amor. Nicolas me deixou em casa. Não parei de pensar naquele momento perfeito. Passou um tempo e eu não encontrava mais ele. Decidi que eu não ia me preocupar. Entrei para faculdade Williams, nos Estados Unidos. Quando cheguei lá, vi Nicolas. Na primeira aula, não me dei muito bem, mas fiz amizades ótimas. Nicolas e eu viramos namorados e este amor foi imenso. Quando terminei a faculdade, já tinha vinte anos. Com o passar do tempo, fiquei famosa. Sou atriz agora. Nós queríamos nos casar, pois nós nos apaixonamos. Então foi marcado o dia do casamento e os convites foram entregues. Estava muito ansiosa. Quando cheguei, vi Nicolas no altar me esperando com um terno preto, cabelos lindos e eu com um vestido longo e branco, trazendo um buquê de rosas vermelhas. Quando cheguei no altar, o padre falou: - Eu os declaro marido e mulher! Então essa foi a minha história de amor, e quem disse que não vai haver mais... 181!

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Um grande amor Lucas Balsan Roman Davi amava Ana, que era louca por Davi. A vida foi passando e o amor dos dois, só aumentando. Onde estava o Davi, também estava a Ana. Se Davi sofria, Ana quase morria. Se Ana chorava, Davi quase enfartava. O amor dos dois era tão bonito, que todo mundo dizia que, com certeza, era infinito... Certo dia, Ana engravidou e Davi, mais do que nunca, alegrou-se. A vida dos dois já não era mais apenas a dois, agora eles eram em três. E a barriga de Ana crescia a cada mês. Davi não via a hora de a criança nascer. A barriga da Ana começou a se mexer. Era tanto chute, que o pai pensou que seu filho seria um jogador de futebol, mas a Ana queria ter uma menina com o cabelo da cor do sol. Foi aí que os dois perceberam que tinham um amor tão grande, que não importava se fosse menino ou menina, porque o Davi ficaria feliz se nascesse a menina com o cabelo cor de sol e a Ana adoraria um filho que fosse jogador de futebol. E o tempo foi passando e o nascimento se aproximando. A angústia dos dois só aumentando. Os preparativos para o nascimento era tão grande, mas tão grande, que nem perceberam - a hora chegou! De repente, a Ana começou a sentir que o bebê ia nascer. Davi não se aguentava de tanta alegria. O bebê nasceu e junto com ele o amor só cresceu.

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As rosas imaginárias Maria Eduarda Campos Samantha Parker vivia em Nova Orleans, EUA, com sua família numa casa encostada no alto de uma colina bem distante do centro da cidade. Um dia, ela estava postando algumas fotos de rosas, quando sua mãe entrou no quarto dizendo que iriam se mudar para Nova Iorque. Uma boa alternativa para ter uma vida melhor. Samantha, de pronto, arrumou sua mala. Colocou o seu laptop, cadernos, canetas, corretivos, tudo novo, pois partiria na hora para NY. Quando chegou em NY, saiu num carro luxuoso que seu pai havia comprado. No seu apartamento, pensava como seria sua nova escola publicando novos posts em seu blog sobre isso. No dia seguinte, na sua escola, chegou uma menina chamada Melissa Shwarts. Ela veio fazer amizade. Samantha aceitou. Confiou nela. Mel, como Melissa gostava de ser chamada, mostrou o horário da aula, deu a ela todo o apoio possível para se encaixar na escola. Na hora da aula, Samantha se apresentou junto com um menino chamado Felippe. Neste momento, Samantha sentiu uma coisa diferente, como se fosse uma energia que nunca havia sentido antes. Chegou a conclusão de que estava apaixonada. Sem saber, Felippe sentia o mesmo. Sara Sino, uma menina popular, descobriu que Samantha, ou “Novata” como chamava Samantha, gostava de Felippe e ia fazê-la sofrer, pois também gostava de Felippe. No decorrer dos dias, Samantha conseguiu se adaptar na escola. Sara Sino, no dia 15 de novembro de 1999, beijou Felippe na frente de Samantha, dizendo que queria namorá-lo. Samantha chorou tanto, mas tanto, até que um dia, Felippe mandou rosas e um cartão com os dizeres: Samantha, Na primeira vez que eu a vi, já sabia que a amava. Você não deve acreditar no que a Sara Sino fala. Eu gosto de você. Eu amo você. Sem você eu não sou nada. Você é a pessoa com quem eu pretendo ter uma família e morrer com você. Você quer me namorar? Felippe Casio Danute E claro que Samantha disse sim. O assunto se espalhou rapidamente e a primeira pessoa a saber foi Sara Sino. Ela ficou furiosa. Fez de tudo para separar os dois, mas não conseguiu. Sara começou a pensar se isso estava correto. Quando encontrou a resposta, pediu desculpas a Samantha e a Felippe. Samantha aceitou suas desculpas, pois sentia que, no fundo, ela era bondosa. Felippe fez o mesmo, mas ficou desconfiado. Quando Felippe pediu Samantha em casamento, Samantha convidou Sara para ser sua madrinha. Ela aceitou. No dia do casamento, Samantha e Felippe disseram sim. Depois de três anos, Sara, Samantha e Felippe viraram amigos.

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O amor verdadeiro Maria Luiza Sbeghen Em algum lugar de New York, Larissa, uma linda garota, estava saindo rapidamente da universidade, quando avistou, um menino lindo. Os olhos dela começaram a brilhar, o coração a palpitar, e, sem nenhuma explicação lógica, ela já estava envolvida pelo garoto que tinha acabado de avistar. Então, resolveu seguir o menino. Ele se dirigia para o bloco do curso de direito. Larissa tentou puxar conversar, mas ele não ouviu. Ela saiu e resolveu dar uma trombada nele para então chamar a atenção do garoto. Os dois começaram a conversar e acabaram perdendo a noção do tempo. No outro dia, ela foi para universidade e começou a procurá-lo. Depois de tanto procurar, ela o encontrou para devolver um livro que pegou por engano quando suas coisas caíram no chão. Assim que ele a viu, já veio ao seu encontro, com um lindo sorriso. Depois de muita conversa, Manuel tomou coragem e chamou Larissa para a sair. Os dois seguiram para as aulas do dia, porém, nenhum conseguiu se concentrar, notando que aquele não seria um encontro qualquer. Larissa acabou percebendo que eles tinham uma grande diferença, já que ela era uma moça humilde e ele, o filho de um grande empresário. A garota ficou com medo de que o garoto só quisesse brincar com os seus sentimentos. O grande dia chegou e com ele um nervosismo... no horário marcado, Manuel já estava no restaurante aguardando Larissa com um belo buquê de rosas vermelhas nas mãos. Após alguns minutos, a garota chegou linda, esplêndida e fez com que o menino estremecesse todo. No transcorrer do jantar, notaram que havia uma grande ligação entre eles e um forte sentimento. As diferenças sociais não modificavam o que um sentia pelo outro. O garoto tomou coragem e a pediu em namoro. Larissa aceitou e ficou feliz por notar que era uma pessoa especial para o menino, assim como ele era para ela. Depois de um ano, com muitas juras de amor, resolveram marcar o casamento que selaria o amor dos dois para sempre. Muita coisa mudou nesse tempo, pois a empresa da família de Manuel foi decretada a falência e Larissa ganhou muito dinheiro e reconhecimento com a sua profissão. Após o grande casamento, eles iniciaram a viagem de lua de mel, que seria em Veneza, um grande sonho deles... contudo, um grande acidente ocorre com o casal e deixou Manuel entre a vida e a morte. Ele se salvou porém, ficou com uma sequela irreversível, a cegueira. Mesmo com o problemas de saúde e dinheiro, Larissa não o abandonou. Cada vez fortificou mais o amor dos dois. Demonstrando, que apesar das 184!

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dificuldades, para quem ama, são meras etapas para se conseguir um amor verdadeiro e pleno. Isso prova que o amor não é impossível. Quando ele é puro e verdadeiro não há uma explicação lógica, pois é ele que tem o poder, de completar o nosso coração.

Ilustração: Marcelo Merisio

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O início de uma nova vida Sofia Martinazzo Urbancic Era uma vez uma pequena família, nessa família havia quatro pessoas. O pai se chamava Antônio, a mãe chamava-se Cristina, a irmã mais velha, Ana e a irmã mais nova, Maddie. Maddie amava a dança. O sonho de Maddie era tornar-se uma grande dançarina. E o sonho de Ana era se tornar cineasta. O sonho dos pais era que elas conseguissem o que elas desejassem. Um dia, Antônio e Cristina começaram a brigar por uma discussão muito antiga. Resolveram, então, que iriam se separar. Eles falaram para Maddie e Ana que iam se divorciar. Elas ficaram muito tristes, mas tentaram disfarçar. Cristina se mudou para um apartamento muito pequeno. E Antônio ficou na casa em que morava antes. Elas moravam com os dois. Um dia, com um... e outro dia, com outro... Para Maddie e Ana era muito complicado viver assim. Dois anos depois, Maddie, pensava: por que minha vida tem que ser assim? Por que meus pais são divorciados? Após alguns dias, ela parou de pensar nisto. Para Maddie, mesmo que seus pais fossem divorciados, ela era muito feliz com sua mãe e com o seu pai. Sua mãe era muito feliz. E seu pai também. Um dia tudo mudou. Era noite, Cristina foi buscar suas filhas na escola. Maddie e Ana estavam muito felizes, e perguntaram para sua mãe: - Mãe, vamos jantar em um restaurante? Cristina disse: - Claro! Vamos sim. Foram para sua casa se ajeitarem. Uma hora depois, foram ao restaurante. Quando chegaram lá, Maddie foi ao parquinho e Ana ficou sentada com sua mãe. Na mesa ao lado, havia quatro homens. Um deles estava admirando Cristina. Aquele homem que se chamava Pedro perguntou ao seu amigo que conhecia Cristina o número de telefone dela. Maddie voltou do parquinho para jantar. Dias depois, Pedro mandou uma mensagem a Cristina dizendo: - Olá, vi você e suas filhas no restaurante. Você tem facebook? Cristina respondeu: - Não o conheço, não vou falar com você! Pedro respondeu:

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- A gente já se conhece, mas você não lembra. Vamos marcar um encontro, vou lhe mostrar que sou uma boa pessoa. Amanhã às 20:00 da noite. Pode ser? Cristina disse: - Ok! Pode ser amanhã. Eles viraram namorados e estão muito felizes! Anos depois Maddie e Ana cresceram e conseguiram realizar seus sonhos. Ana virou cineasta e Maddie virou uma grande dançarina. E Antônio achou uma nova namorada... E todos viveram felizes para sempre!

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A luz do amor Sophia Roncaglio Cella Um dia eu conheci uma menina chamada Julieta. Bem, nem sei se ela sabia o meu nome, mas todo dia conseguia ver a vida dela pela janela. Até o dia em que ela conheceu Lorenzo, um rapaz simpático, porém, tímido. A primeira vez que se olharam, eu já reparei que era amor. Quando Julieta viu Lorenzo sentado no banco, sozinho, logo o chamou. Conversaram o dia inteiro. Todos os dias eles se encontravam no parque. Faziam coisas lindas juntos, todo dia Lorenzo dava rosas e cartões para Julieta. E ela se encantava como se fosse a primeira vez. Até que um dia fui ver pela janela e fiquei muito triste. Julieta estava chorando. E dentro da casa dela, eu vi rosas murchas e um cartão velho. Era de Lorenzo, que dizia: “Julieta, adorei o tempo que fiquei com você, queria que fosse para sempre, mas infelizmente não vai ser. Meu pai foi transferido para Austrália. Prometo que vou pensar em você. Vou me lembrar de você e sempre estarei ao seu lado”. E assim o tempo passava e Julieta sempre estava lá, pensando em Lorenzo, perguntando-se como ele estava e se estava cumprindo a sua promessa. Depois de três meses, Julieta viajou para Austrália e, lá, viu Lorenzo. Foi correndo atrás dele. Essas semanas para eles dois iam ser as melhores. O tempo passava. Julieta e Lorenzo ficaram todos os dias falando o que viram; o que sentiram enquanto não estavam juntos. Julieta foi para casa. Um mês depois, Julieta se sentiu muito mal. Foi ao médico. No final da consulta, o médico deu uma péssima notícia para Julieta. E lá se foi uma carta para Lorenzo, dizendo que ela estava com câncer. Quando Lorenzo viu a carta, foi correndo atrás dela. Ele a encontrou no hospital, deitada na cama. Falou que sem ela, não teria descoberto as coisas maravilhosas que havia no mundo. Que mesmo passando pouco tempo com ela, sentiu algo que nunca havia sentido. Isso era o amor. E nessas palavras, Julieta viu uma luz, mostrando tudo que passou com Lorenzo. Então ela acordou, e conseguiu se tratar. E o resto de suas vidas passaram juntos, felizes para sempre.

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