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A floresta invertida pede socorro

Desmatamento do cerrado, bioma que ocupa integralmente o DF, avança rapidamente e pode levar à completa extinção até 2030

por: Andréia Maranha

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Com uma vegetação de árvores retorcidas de pequeno porte, cascas grossas e raízes e solos profundos, o bioma Cerrado é o mais desmatado no Brasil. O índice supera em até três vezes o que ocorre na Amazônia, são cerca de cinco mil quilômetros quadrados contra nove mil quilômetros quadrados por ano. A savana mais rica do planeta e que ocupa totalmente o Distrito Federal já é alvo de intervenção humana em 80% da área e 58% dela está totalmente desmatada.

De acordo com pesquisas do Programa Cerrado, da CI-Brasil, o bioma corre o risco de desaparecer até 2030. A cada minuto, o equivalente a 2,6 campos de futebol somem, são 9,4 mil quilômetros quadrados por ano. “O desmatamento implica em uma enorme perda de biodiversidade, que é importante como alimento, fonte de polinizadores, inimigos naturais de pragas agrícolas e remédios”, explica o doutor em ecologia Bonesso Sampaio, que também é analista ambiental do ICMBio.

O impacto da intervenção humana está também nas nascentes, bacias hidrográficas e, consequentemente, na disponibilidade de água. Conhecido como “caixa d´água do Brasil”, o bioma está perto do limite. “Não tem como fornecer água para tanta gente, especialmente porque já desmataram demais e para criar mais bairros teriam que continuar

desmatando. Com as mudanças climáticas, a chuva está diminuindo”, alerta. O Distrito Federal ocupa o 4º lugar no ranking das unidades da federação que mais perderam vegetação natural do Cerrado, atrás de São Paulo (81%), Mato Grosso do Sul (68%) e Goiás (57%).

O engenheiro ambiental Bruno Walter, pesquisador da Embrapa, observa que Brasília é a capital mais alta do país, e a maior parte do DF situa-se acima de mil metros de altitude. “Diferentemente de outros grandes centros do país, como Rio de Janeiro, São Paulo ou Belo Horizonte, a água

Segundo estudos do Inpe, restam apenas 34% das áreas nativas remanescentes do Cerrado

aqui não chega por gravidade de maneira barata”. As queimadas agravam a situação, na medida em que a água fica mais profunda, como explica o capitão Antônio Pedro Bastos de Souza, do Grupamento Ambiental. “A maior parte das árvores do Cerrado tem as raízes muito profundas, de 15 a 20 metros”.

É por isso que alguns chamam o cerrado de “floresta invertida”, ou seja, a extensão das raízes no solo é muito superior à estrutura verificada na superfície. São elas as responsáveis pela retirada da água diretamente

OS CRIMES

Apesar das diversas tentativas de proteger o Cerrado por meio de leis e decretos, o monitoramento ambiental ainda é ineficiente, segundo o capitão Antonio Pedro Diel. Muitas vezes não se consegue conectar a ação e o autor pela ausência de testemunhas. “A vigilância acontece praticamente nas áreas administrativas. Trilhas e afins não têm fiscalização”, admite.

Ele cita a Lei de Crimes Ambientais, que prevê pena de dois a quatro anos de reclusão e multa para quem provocar queimadas intencionalmente. Essas leis são aplicadas de acordo com os tipos de infrações causadas, como empreendimentos sem a licença ambiental, desmatamento sem autorização, venda ou soltura de balões.

Um exemplo é a Operação Shoyo, que aconteceu no início deste ano. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) multou empresas por produção agropecuária ilegal no Cerrado, totalizando multa de R$ 105,7 milhões.

Na Chapada dos Veadeiros, Fazenda Touro Bravo tem 284 hectares de mata nativa

dos lençóis freáticos. “É como se fosse um poço”, compara Souza. Com pelo menos 3.536 ocorrências, as queimadas, atingem uma área de aproximadamente 2,3 mil hectares por ano, diminuindo a fauna e a flora. Hoje, a diversidade contempla cerca de 13 mil espécies, 40% delas exclusivas do bioma.

Levantamento do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade mostra que são mais de 130 espécies ameaçadas de extin ção no bioma que ocupa 14 unidades da federação e 24% do território nacional. “O cenário não é nada favorável, ainda mais sob o olhar da sociedade que vê o Cerrado como área destinada à agropecuária”, completa o pesquisador da Embrapa.

Segundo a especialista em ecologia vegetal do Cerrado, Alba Evangelista Ramos, a savana originalmente tomava um quarto de vegetação e da biodiversidade de fauna e flora, mas atraiu, principalmente, as iniciativas de agropecuária. Ou seja, a vegetação nativa foi substituída por pastagem com a plantação de grãos, soja, milho e trigo. “A gente já perdeu muito do cerrado por essas práticas e muita gente não considera importante a existência das nascentes que vão verter para as prin cipais bacias”, analisa.

Apesar de ser o meio econômico mais promissor do Brasil, é preciso levar em conta que, as principais nascentes, que abastecem as bacias hidrográficas do país, estão no bioma. O analista de Conservação Sênior do Programa Cerrado Pantanal do WWF-Brasil Kolbe Soares afirma que 30% da biodiversidade estão nesta região que, inclusive, serve de conexão com outros quatro biomas brasileiros.

QUEIMADAS

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, as principais causas de destruição, em apenas dois anos, de uma área equivalente a três vezes o tamanho do Distrito Federal estão nos desmatamentos e queimadas. Estudos mostram que o monitoramento das queimadas é um desafio pela necessi dade de diferenciar os incêndios não-espontêneos dos que fazem parte da própria ecologia.

O capitão do Agrupamento de Proteção Ambiental (Gpam) Antônio Pedro Diel Bastos de Souza conta que no período de seca recebe, em média, cem chamadas de incêndios florestais por dia. Ele explica que as áreas com prioridades são as unidades de reservas, como das Águas Emendadas, Parque da Cidade e a Reserva Biológica da Contagem, por serem as maiores fontes hídricas da capital federal.

Antônio afirma que as maiores queimadas ocorrem em função de incêndios em fazendas e em amontoados de lixos. Ele ressalta que o ponto principal para que isso acabe é a mudança da cultura de queimar terrenos para limpeza e do desenvolvimento de técnicas para o manuseio do fogo. “O grande negócio é a gente mudar essa cultura de colocar fogo nas coisas”. Este tipo de mentalidade já é diferente no Sul do país. “Eles entendem que ganham mais devolvendo essa matéria orgânica para o solo do que fazendo queimada, que é mais simples, mas que depois você acaba gastando mais com a suplementação do solo para nutrir com micro e macronutrientes”, diz.

Capitão Bastos: problema constante das queimadas

Já a especialista em ecologia e biologia da conservação Isabel Belloni ressalta que, além da importância dos rios, as áreas das chapadas são decisivas para a infiltração e produção de água. E justamente aí está o problema. O desmatamento para o agronegócio, os commodities e as indústrias siderúrgicas, com a produção de carvão, comprometem o bioma de forma irreversível. “A gente gasta muita água, muita biodiversidade e ganha pouco dinheiro. Apesar de representar muito na nossa balança comercial, como a gente exporta praticamente matéria-prima, isso vale muito pouco”, reclama.

Alba Ramos explica que o sistema de córregos, rios e bacias com origem no Distrito Federal são estratégicos. Ele parte da região central do rio Paranaíba, que envolve o Descoberto, o Paranoá, São Bartolomeu, Corumbá e São Marcos, que formam o rio Paranaíba, fluindo por Goiás, em direção ao Paraná. Fora ele, na estação de Águas Emendadas, a região tem o rio Córrego Vereda Grande, que contribui para o Rio Maranhão em direção às bacias Araguaia e Tocantins, desaguando na bacia Amazônica. Já na região Leste do DF, flui o rio Preto, que abastece a grande bacia nacional, São Francisco.

Os pesquisadores defendem a criação de novas áreas de preservação. Isabel alerta que projetos urbanos com grandes ampliações de casas e asfaltos impermeabilizam a água, principalmente, se estão em volta de locais de conservação, como na região do Jardim Botânico de Brasília (JJB). “É uma extensão muito grande, que se a gente fragmenta, perde qualidade de vida, perde Cerrado e produção de água para todos nós”, afirma. 

FAUNA E FLORA

O aproveitamento de nutrientes e das riquezas dos recursos hídricos e energéticos destacam o Cerrado e a paisagem diferenciada. De acordo com a classificação da União Internacional para a conservação da Natureza (IUCN), as espécies vegetais que o caracteriza são o pequizeiro, a sucupira, o barbatimão, o pau-santo, a gabiroba, o pau-terra, a catuaba, o índia e o pepalantus. Já as espécies animais são a anta, o gato palheiro, o veado campeiro, o gato maracujá e a jacuda-barriga-castanha.

Especialistas afirmam que não é possível dizer a quantidade de espécies que vivem na região, por nem todas serem catalogadas, mas a estimativa é de pelo menos 7 mil plantas nativas e mais de mil espécies animais vertebrados. A vegetação encontrada facilmente são caliandra, lobeira, cagaita e pau-terra roxo. Já as espécies animais comuns são as abelhas, calango, girinos e sapo-estrada.

Oficialmente reconhecidos com riscos de extinção estão 119 mamíferos, 837 aves, 180 répteis, 150 anfíbios, 1.200 peixes. No total, 448 Vulneráveis (VU), 406 Em Perigo (EN), 318 Criticamente em Perigo (CR) e 139 Extinta na Natureza (EW).

Foto: anda.jor

Lobo-Guará

Foto: ferjflores

Tamanduá-Bandeira

Foto: ana_cotta

Gato-Maracajá Lobeira

Caliandra

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

O BeijaFAL é um projeto de Extensão da Universidade do curso de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB) que existe desde 2001 e atualmente conta com cem membros. A ideia é levar crianças e adolescentes de escolas públicas e particulares, entre 5 e 18 anos, para a Fazenda Água Limpa, onde percorrem trilhas com métodos diferentes de acordo com a idade.

A graduanda Ana Carolina Calvet é integrante do projeto e conta que, no semestre passado, alunos de CED 15 de Ceilândia, do 2º e 3º ano de ensino médio, aprenderam sobre a fauna e a flora do Cerrado, a simbiose, a fotossíntese e a ecologia. “É muito diferente ensinar algo dentro de sala de aula e no meio do mato com exemplos vivos e com pessoas da sua idade, falando na mesma linguagem que você, usando gírias e brincando ao mesmo tempo”, afirma.

A estudante comenta que, o contato direto dos jovens com o meio ambiente, acaba trazendo uma visão muito mais crítica sobre a situação atual do cerrado. “É importante que tenhamos esse contato com eles para explicarmos a importância da preservação e da conservação do nosso bioma, que, a cada dia, vem perdendo um pouco mais de espaço”, afirma.

QUEM ACENDE TEM QUE PAGAR

Lei de crimes ambientais – Pena de 2 a 4 anos de reclusão e multa para quem provocar queimadas intencionalmente.

Código Florestal - O uso de fogo em vegetações e proibido, mas em algumas situações agropastoris e permitido, se houver autorização dos órgãos autorização dos órgãos estaduais competentes.

Decreto n. 6.514/2008 – Pena de 2 a 4 anos de prisão e multa para quem fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão competente.

Código Penal – Pena de 3 a 6 anos e multa para quem causa incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outra pessoa sem autorização do órgão competente.

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