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Nada de excessos

Com o lema menos é mais, movimento minimalista atinge cada vez mais pessoas com a proposta de reduzir o consumo e garantir uma vida mais sustentável

por: Rodrigo Albuquerque

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Comportamento que vai contra o fluxo de consumo do século 21, o minimalismo faz as pessoas repensarem sobre a falta de controle e o acúmulo exagerado na hora de comprar ou adquirir algo. A tendência busca valorizar as relações entre o indivíduo e os diferentes tipos de materiais com os quais se relaciona, na busca de fundamentar um estilo de vida em que menos consumo leva a uma vida com mais valor ao essencial, ou seja, menos é mais. A ordem é eliminar qual quer tipo de excesso, seja na alimentação, no vestuário, na arquitetura, na arte ou em qualquer outra área da vida. “Fiquei mais livre quando descobri o minimalismo. Foi como me livrar de um peso, no caso, coisas que só mantinha porque me falavam ‘guarda que um dia você vai precisar’”, avalia a analista de mídias sociais Luana Marcelino, 21 anos, que há três aderiu ao movimento.

As origens do minimalismo não estão diretamente ligadas ao comportamento, mas sim à arte. O antropólogo Cláudio Bull explica que o movimento surgiu nos anos 60, nos Estados Unidos. Os artistas começaram a utilizar uma lógica que vinha do construtivismo russo e começam a trabalhar com o mínimo de elementos que pudessem representar uma forma, como materiais industriais e repetitivos. Eles diziam que a proposta não era fazer esculturas, mas estruturas. “Os grandes trabalhos dos minimalistas vinham em esculturas que seriam

Peças com valor sentimental se destacam em um mundo afetado pelo consumo exagerado

muito econômicas em termos de materiais e não valorizavam a capacidade emocional do artista”, conta.

Bull lembra que o termo acabou absorvido e reestruturado pelos meios de comunicação de massa. A partir daí, passou a ser aplicado em vários contextos, como o de uma arquitetura racionalista e simplificada ou elemen tos da moda. “Qual o contraponto do minimalismo? É o maximalismo. Então a palavra vai se tornando um sinônimo de um comportamento seletivo, de se viver com pouco elementos”, observa. A contraposição de ideias surgiu com o arquiteto funcionalista Ludwig Mies van der Rohe, autor da frase menos é mais. “A palavra minimalismo cabe em várias necessidades que a imprensa tinha para definir um determinado comportamento”, avalia o antropólogo.

Os hábitos comportamento de Luana foram adquiridos ainda na infância. Ela conta que a casa dela era marcada por acumuladores. “Por incrível que pareça, isso era considerado algo completamente normal e aceitável”, diz. Ao morar no exterior, conheceu um livro da consultora e organizadora japonesa Marie Kondo, no qual a autora explica como se livrar de coisas não necessárias, uma espécie de caminho para se viver de forma mais simples e feliz. “Quando voltei para o Brasil coloquei tudo do livro em prática e a diferença que senti foi incrível”, revela.

A partir da experiência, começou a pesquisar mais sobre o consumo consciente e percebeu que era novidade no Brasil. Não apenas no sentido de comprar o que realmente é preciso, mas também de pesquisar marcas que respeitem os funcionários, sejam sustentáveis e não testem ou utilizem matérias de origem animal. “Doei e vendi mais coisas do que eu possuo hoje. Mas assim como qualquer desconstrução social, leva tempo para percebermos como o modo de vida capitalista está enraizado em nós”, conta. A analista de mídias sociais lembra que se livrar do consumo excessivo a fez perceber o que é realmente essencial para viver. “Te faz ver outras prioridades na vida, que não são comprar o “Mas, assim como qualquer desconstrução social, leva tempo para percebermos como o modo de vida capitalista está enraizado em nós” Luana Marcelino, analista de mídias sociais

Redução no uso de mídias sociais e outras atividades tecnológicas fazem parte da rotina

novo modelo de tênis. Te faz poupar bastante também e ter um maior controle sobre seus impulsos”, conta.

Para a criadora do blog Minimalizo, Fernanda Marinho, 39, os estímulos de consumo chegam por todos os lados e provocam uma frustração eterna. “É propaganda para tudo quanto é lado, é notícia te dando dicas para conseguir tal e tal coisa”, diz. Ela sente que as pessoas sempre precisam de mais, estão atrasadas e sentem falta de algo. “Compramos milhões de coisas e temos que trabalhar milhões de horas para pagar por essas coisas”, comenta.

O início da mudança para ela veio há seis anos. “Essa escolha de focar no que realmente importa, abrindo mão do que é bobagem, mudou profundamente a minha vida”, admite. Começou, então, a consumir menos e acumular menos. Consequentemente, passou a gastar menos e a precisar de menos espaço para guardar tudo. “Gasto também menos tempo lavando, guardando, organizando e cuidando desses objetos. Assim, começou a sobrar mais dinheiro e mais tempo. E tem coisa melhor do que isso? Conquistei liberdade”, declara.

A estudante de artes cênicas Paula Tolêdo, 23, conheceu o minimalismo por meio de reportagens falando sobre o estilo de vida sustentável e a ideia difundida por Van der Rohe. “Eu decidi viver em relação às roupas com o mínimo possível. Ao invés de comprar as que não duram, prefiro roupas de qualidade e essenciais”, destaca. Hoje, tem três sapatos, duas blusas de frio, duas regatas pretas, uma calça jeans e duas calças leggings. “Em casa, eu tento ter sempre o mínimo possível, até para não me causar problemas em relação ao espaço, fora que realmente a sensação de limpeza é maior”, afirma.

‘UM DOCUMENTÁRIO SOBRE COISAS IMPORTANTES’

Lançado em 2016, “Minimalism: A Documentary About the Important Things” é um documentário com direção do youtuber Matt D’Avella, que trata de diferentes tipos do movimento. O filme apresenta pessoas que têm um estilo de vida voltado para o “menos é mais”, seja no espaço que convivem ou como educam os filhos. Entretanto, o real enfoque está na carreira e vida de Fields Millburn e Ryan Nicodemus, criadores site The Minimalists. O espectador acaba por vivenciar e compreender as dificuldades e pensamentos que levaram tanto Fields quanto Ryan a optarem por esse estilo de vida.

Qualidade acima de quantidade é o mantra do grupo que prega o menos é mais

Movimento digital O desenvolvedor web Mateus Figueiredo, 27, começou a se questionar sobre o estilo de vida que tinha quando percebeu o grande volume de livros, artigos e cursos que somava. Passou a estudar a ideia de nômade digital e, assim, chegou ao filme Minimalism: A Documentary About the Important Things, no Netflix. “Cheguei à questão chave do minimalismo: encontrar o porquê e o como do seu próprio minimalismo”, diz. Para ele, foi uma forma de reduzir distrações e permitir focar intensamente nas próprias metas. Materialmente, Mateus usa a regra dos cem itens, não podendo ultrapassar esse número de objetos. “Desses cem, menos de 20 são minhas roupas, contando por unidade, mesmo as que possuo repetidas. Os 80 itens restantes cabem dentro de minha mochila e minha mala de mão”, afirma.

“Adotei a regra dos cem itens: menos de 20 são minhas roupas, contando por unidade, mesmo as que possuo repetidas” Mateus Figueiredo, desenvolvedor web

PADRÕES REPETIDOS

Tanto o minimalismo quanto o acúmulo podem ter efeitos negativos na vida de uma pessoa, se praticados de forma excessiva. A psicóloga Keila Brito lembra que todo o comportamento é aprendido a partir de algumas situações históricas da vida do indivíduo, necessariamente não existe uma regra para o surgimento, mas processos. “A partir do momento que o indivíduo passa por sofrimento, ele deixa de ter autocontrole dos comportamentos”, diz. Outro fator é quando o indivíduo perde a sensibilidade do que está acontecendo na própria vida e passa a repetir um padrão comportamental. “Ele não reconhece esse sofrimento e deixa de ter controle sobre acúmulo e o bem-estar. Todo acumulador tem um padrão”, finaliza.

A conduta adotada no mundo físico foi levada para o virtual. “Deletei todas as redes sociais. Possuo apenas um e-mail e sou extremamente conservador quando olho e respondo o assunto”, revela. O comportamento lhe trouxe menor custo de vida, facilidade de mudança e maior capacidade de analisar racionalmente o valor das coisas. “É como parar de comer doce, você sente coisas estranhas no início, mas depois passa e você percebe que não precisa comer doce”, afirma.

Em conjunto com Elis, a criadora do Bsb Cabide, Amandla Gandhi, 24, vê as promoções das lojas como algo que influencia um consumo leviano da moda. Ela percebe a sensação do consumidor em querer aproveitar mais do desconto do que pensar no que compra, o que leva a um consumo descartável de roupas. “Temos que desacelerar o nosso modo de consumir moda e a produção da mesma, pois ambos poluem o meio ambiente de diversas maneiras e produzem mais lixo”, diz. Por mais que tenha uma consciência ativa na hora de consumir, Amandla ainda não se considera minimalista pelo fato de não aplicar o comportamento além da moda, em outros aspectos da vida. Mas ela vê a diferença em ter o pensamento aplicado no próprio consumo. “Não caio mais nessa de: Pode ser que um dia eu use”, afirma. 

Além do vestuário A blogueira e uma das criadoras do coletivo de moda BSB no cabide, Elis Uchôa, vê na moda minimalista uma das soluções para minimizar o impacto ambiental, por se tratar de um design mais versátil e duradouro. Ela também fez essa escolha para produzir algo que fugisse da moda atual, que, na avaliação dela, polui muito e não paga corretamente os trabalhadores que participam de todo o processo de produção. “Muitos estão preocupados em vender e influenciar os consumidores a comprar cada vez mais. Nosso movimento é o contrário disso, queremos trabalhar com a moda atemporal”, diz.

Elis trabalha com roupas para as pessoas usarem em várias ocasiões, sem precisar estar sempre adquirindo novas peças. Ela estuda desde a escolha do tecido até quem costura as peças, para ter um conhecimento de todo o processo. “O minimalismo não nos impede de ter roupas que fujam do mais básico, mas tudo sem exageros e que casem com o meu estilo e guarda - -roupa”, afirma. O consumo consciente provoca bem-estar. “Sinto que o meu dinheiro é bem gasto. Me sinto bem mais leve e segura”, conta.

MINIMALISMO NA PRÁTICA

Formada em cinema e mídias sociais pelo Instituto Iesb de Brasília, Gabriela Brasil apresenta no Youtube a série Minimalismo na prática, que busca mostrar a ideia para o público brasileiro. “Minimalismo é sobre encontrar o mais importante e abrir espaço para isso no seu dia a dia”, afirma.

A série começou quando decidiu seguir um rumo diferente na vida. Ao praticar o estilo de vida minimalista por dois anos, conseguiu diminuir o tempo gasto em atividades desnecessárias e objetos que não sentia valor. Foi um pulo para trabalhar com consultoria de organização e produtividade, assim como ter uma vida mais simples. Atualmente, tenta compartilhar desse conhecimento por meio de consultorias que visam a criação de um ambiente e uma vida mais tranquila para o dia a dia das pessoas. No site gabrielabrasil.com, internautas podem ter acesso a mais conteudos relacionados com o tema.

Gabriela é consultora de produtividade, adepta do minimalismo e autora de vídeos sobre o tema na vida

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