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O que você come?

Relacionamento com alimentos vai desde necessidade nutricional, até socialização, conquista do corpo perfeito, prazer e prevenção de doenças

por: Jhonatan Guimarães

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Garantir uma necessidade biológica. Fornecer ingredientes para o organismo. Reunir os amigos. Experimentar cores e formas. Ganhar ou perder peso. A lista não para por aí. A relação com a comida e com o ato de alimentar-se move o ser humano desde que ele existe. Ao longo dos anos, no entanto, passou por várias mudanças. Hoje, se pode ser sinônimo de boa saúde, também indica transtornos e doenças, principalmente quando o consumo fica desequilibrado. Transtornos alimentares como bulimia e anorexia podem causar complicações que vão muito além do físico. “É realmente como se a comida e o peso te perseguissem aonde quer que você esteja”, comenta a cineasta Cíntia Guedes, 23 anos, para quem fome e pensamento de culpa passaram a conviver juntos e a união tornou-se sinônimo de tormento.

Durante o período de faculdade, Cíntia procurava se isolar nos horários das refeições. “Ia para dentro do banheiro comer, porque eu tinha impressão de que todos estavam me observando”, lembra. Apesar do tempo, a dificuldade permanece. Desde 2015 ela passa por reeducação alimentar e, no início deste ano, iniciou sessões de terapia. “É difícil desvincular o sentimento de amor e ódio pela comida que a anorexia e a bulimia trazem”. Contar obsessivamente as calorias e tomar diuréticos eram comportamentos diários para tentar se livrar do sentimento de culpa. “A gente se perde muito no caminho, está tudo ligado no emocional”, relata.

Cíntia foi vítima do bullying e sofreu com piadas até os 19 anos. De 2015 a 2017, perdeu 60kg com muita restrição e dieta low carb. Tudo o que comia era rigorosamente pesado e registrado em uma caderneta, inclusive com as calorias. Sem acompanhamento psicológico, a mudança foi mais difícil do que podia suportar. “Eu não estava engordando mais, mas eu me olhava no espelho e estava me vendo imensa, me vendo como antes”, conta.

A distorção de imagem é comum nos efeitos que as pessoas enxergam em algo tão natural quanto o ato de se alimentar. A psicóloga Kelly Albini afirma que quando a pessoa vê na comida uma forma apenas de perder peso, é muito comum a ansiedade. “Então onde ela vai buscar conforto? Na comida, o que chamamos de fome emocional. Gera um pensamento do que vou ingerir e do que preciso me libertar”, complementa. O caminho, segundo ela, é buscar o equilíbrio. “É preciso um equilíbrio da apreciação que a pessoa tem de si própria, do que ela realmente é, e do que ela há de ser”, complementa.

De acordo com a psicóloga, a pessoa que sofre com a bulimia tem um comportamento exagerado e compulsivo com alimentos mais calóricos, tendo dificuldade em controlar atos de punição, como provocar vômito, tomar laxante, diurético e ficar muito tempo em jejum.

Se para alguns é transtorno, para outros a alteração do cardápio é o passaporte para o bem-estar. A estudante Fabiana Carvalho, 27, diz que junto com a mudança na alimentação veio uma rotina de hábitos mais saudáveis que fazem diferença na saúde física e mental. “Eu mesma criei uma dieta, e fui cortando as coisas que faziam mal para meu corpo e minha mente”, explica. Legumes e folhas verdes ganharam mais importância. “Comecei em outubro de 2017 e até dezembro meu percentual de gordura baixou de 19% para 15%”, conta, orgulhosa.

Fabiana cresceu em uma casa com hábitos saudáveis. A rotina com os pais não incluíam refrigerantes, sanduiches ou doces em excesso. “Depois que eu virei adolescente, estava sempre na rua. Comia muita porcaria, muito macarrão com creme de leite, essas coisas”, reconhece. Desde janeiro, ela adota acompanhamento profissional com o objetivo de perder massa gorda. “Foi uma dieta bem restrita, com muita proteína e pouco carboidrato. Fazendo exercício em jejum”, explica. “Eu comia 50 gramas de carboidrato por dia”. O mais difícil para Fabiana foi eliminar o açúcar da alimentação. “Hoje em dia se eu como algo com açúcar, me sinto mal”, relata.

Busca por resultados São inúmeros os tipos de dietas existentes e a conquista do corpo perfeito está sempre ligada à vida de muita gente que precisa reatar com a autoestima ou até mesmo pelo melhor funcionamento do organismo. A ideia do corpo perfeito é difundida por todos os lados. Muitas vezes, as pessoas dão o primeiro passo, buscam mudar a alimentação, mas colocam metas impossíveis de serem alcançadas.

Para a servidora pública Maressa Ribeiro, 35, o mais complicado é justamente esse primeiro passo. “A questão mais difícil é adquirir o hábito dessas mudanças alimen tares, independente da dieta”, conta a servidora pública. Ele adotou dois modelos bem restritivos: a low carb e a dukan, pois considera que aceleram o metabolismo e reduzem a fome. A motivação para seguir em frente foi o emagrecimento. “Foi o suficiente para continuar”. Para ela,

Boa alimentação é rica em verduras, frutas e legumes

a readequação, que inclui exercícios físicos, passa por uma nova percepção da própria imagem.

A perda de peso também foi o caminho para a dona de casa Adriana Oliveira, 46. A opção foi pela dieta macrobiótica, conside rada por alguns quase uma filosofia de vida. “Comecei a perceber que realmente tinha alimentos que era melhor evitar”, afirma. O melhor funcionamento do intestino e a sensação generalizada de estar melhor foram outros resultados da disciplina, considerada por ela essencial. “A questão é você querer manter o foco e não ter preguiça de preparar os alimentos”. Intolerantes e alérgicos Mas a relação com alimento vai muito além do emagrecimento, do transtorno ou da busca pelo corpo perfeito. Alérgicos, intolerantes, celíacos e diabéticos necessitam de cuidados especiais com tudo o que ingerem. A mestre em nutrição Fabiana Nalon, da Universidade de Brasília, explica que em todos esses casos é preciso investigar os sinais que o corpo emite. Os que têm efeitos colaterais com o consumo de leite, por exemplo, podem ser alérgicos ou intolerantes. “Algumas pessoas podem excluir apenas o leite da vaca, mas podem digerir o iogurte, queijo e produtos com teor de lactose reduzido”, alerta. Caso a intolerância seja severa, é preciso excluir todos os laticínios. “A exclusão total de laticínios não deve ser feita sem a real necessidade”, observa.

Para o professor Guilherme Sousa, 35, o desconforto com a comida foi explicado apenas após um exame de sangue e uma endoscopia que comprovaram alergia ao glúten. “Estava muito fraco, vivia cansado”. Guilherme “É preciso equilíbrio na apreciação que a pessoa tem de si própria, do que ela realmente é, e do que ela há de ser” Kelly Albini, psicóloga

chegou a pensar que estava com depressão. Não associava o desânimo à constante dor no abdômen. No resultado dos exames ficou comprovada a ausência de vários nutrientes, até mesmo da vitamina D. “Eu comia tudo normalmente com farinha de trigo, com muita frequência. O meu intestino estava todo machucado, por isso eu sentia as dores”, lembra. Ele ainda tentou manter a alimentação sem restrições, mas as reações do organismo eram ainda mais drásticas. “A minha sensibilidade foi aumentando”, explica. Resolveu mudar os hábitos sem abrir mão dos alimentos que mais gosta. “Eu aprendi a fazer pizza sem glúten, pão e bolo, que são coisas que eu gosto”, ressalta.

Se a farinha é constantemente vilã das dietas para redução de peso, as frutas são tradicionais aliadas dos hábitos alimentares mais saudáveis. Mas elas também podem ser banidas do cardápio por intolerância. É a chamada frutosemia. Neste caso, a nutricionista explica que são excluídos alimentos ricos em frutose, frutas, açúcar e alguns vegetais. “Na medida em que os sintomas melhoram alguns alimentos são reintroduzidos em pequenas quantidades e com baixa frequência conforme a tolerância do paciente”, explica Fabiana Nalon. O consumo de frutas está relacionado ao melhor controle da diabetes pois são alimentos ricos em fibra, vitaminas e minerais antioxidantes, mas quantidades excessivas podem elevar a glicemia.

Fernanda Bassan lembra que a alimentação de uma pessoa com diabetes deve ser a mais saudável e com controle do consumo de carboidratos. Farinha, açúcar, arroz, pães e massas no geral são restringidos. “A preferência deve ser por alimentos integrais, como o pão integral, arroz, aveia. Já o consumo de frutas tem, sim, que ser de forma moderada”, diz.

De acordo com dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas do Ministério da Saúde, a diabetes atinge 8,9% da população brasileira, entre crianças e adultos. Os sintomas caracterís ticos, principalmente na do tipo 1, são fome excessiva, perda de peso não intencional, excesso de urina e muita sede. No tipo 2, o quadro é silencioso e os sintomas só costu mam aparecer em casos mais avançados, em que a glicemia está mais descompensada. Um sinal de resistência à insulina é a formação de manchas escuras em regiões como axila, virilha e pescoço, reflexo do excesso de insulina na corrente sanguínea. Filosofia A perda de peso antes que a conta chegasse foi apenas uma das motivações do fotógrafo Guilherme Macedo, 25. Há três anos ele aderiu integralmente ao vegetarianismo. Não concordava com a forma de criação e abate de frangos e bois. Muito menos com o preparo. Como nunca foi apaixonado por carne e ainda se preocupava com os efeitos dos hormônios usados na criação desses animais, colocou o regime em prática. “Minha alimentação hoje é formada por salada, grãos... sempre faço tudo em casa e tento evitar comer sem saber de onde está vindo”.

A saúde sempre foi uma preocupação. Antes, estava com sobrepeso. Com a mudança, emagreceu 20kg dos 100kg anteriores. “Eu sinto que tenho uma digestão melhor, a minha pele melhorou muito sem carne”. O ovo e o queijo permanecem no cardápio. “O ovo é complicado, porque eu não concordo como ele é extraído também, mas é um alimento tão básico que às vezes salva sua vida”, afirma.

Na frutosemia, doença rara, a restrição a frutas e açúcar pode ser temporária ou permanente Nutricionistas lembram importância de se optar por alimentação saudável

Grupos alimentares A alimentação é composta por três grandes grupos alimentares: carboidratos, proteínas e lipídios. Segundo a nutróloga Nádia Haubert, quando o paciente exclui algum desses grupos, ele pode ter uma sintomatologia clínica. As dietas do tipo low carb, por exemplo, podem trazer fraqueza, astenia, mal-estar, tontura, tremores e halitose, que são os sintomas relacionados a uma dieta muito pobre em carboidratos e proteínas. “Os pacientes acabam perdendo peso às custas de massa magra, o que não é interessante”, alerta.

Os lipídios, destaca, são importantes para a formação hormonal e as vitaminas A, D, E e K são absorvidas na presença deles. “Quando você exclui lipídios, você pode ter deficiência dessas vitaminas, tendo alterações hormonais também”, explica. A má alimentação pode causar deficiência vitamínica, de micronutrientes, de magnésio, cálcio, potássio.

É preciso ter disciplina, planejamento e organização, mas o excesso de restrições pode levar a transtornos e falta de nutrientes

Mas os especialistas lembram que o corpo fala. A deficiência da vitamina C, por exemplo, pode causar sangramento gengival. “A falta de vitamina A pode causar diminuição da visão e até cegueira”, alerta. “Deficiência de vitaminas do complexo B pode causar fraqueza, formigamento, alterações neurológicas”, complementa, lembrando que, em casos mais graves, por dificultar inclusive a locomoção.

O diagnóstico deve ser feito por um profissional. “Muitas vezes a gente vê o paciente com alterações neurológicas, com lesões de pele, cutâneas, lesões na mucosa oral”, explica Nádia Haubert. O tratamento é feito tanto no ponto de vista de intervenção nutricional, quanto com uma prescrição que privilegia alimentos que possam ser ricos em algum desses nutrientes que estão deficitários e até com medicamentos.

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