Travessia Nº 28 - Agosto 2019 - Notícias do São Francisco

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JORNAL DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO / AGOSTO 2019 | Nº 28

Seis meses depois: como está a situação do Paraopeba e dos atingidos pelo rompimento da barragem da Vale Entidades se unem para salvar os peixes do complexo lagunar de Xique-Xique

CBHSF finaliza projeto de recuperação hidroambiental na bacia do Rio Curituba

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Editorial UM PROTESTO EQUIVOCADO Em sua edição do último dia 25 de julho o jornal Valor Econômico publicou matéria que veicula o descontentamento de alguns produtores do perímetro de irrigação Nilo Coelho, de Pernambuco, para com o reajuste do preço da água bruta captada no rio São Francisco. Como veiculou apenas a versão dos descontentes e ainda assim com foco nos valores atualizados, a matéria deixou de apresentar o cenário da cobrança como um todo e ainda carregou nas tintas quando destacou que “custo de irrigação dispara no São Francisco,” dando a entender que o preço reajustado da água bruta, depois de 10 anos de congelamento, seria o fator responsável por alegadas dificuldades no poder de concorrência dos referidos reclamantes. Aquilo que os entrevistados classificaram como cobrança exagerada é exagerada apenas na aparência visto que, depois de uma década pagando um valor 40 vezes menor do que aquele cobrado pelos demais usos das águas franciscanas (indústria, abastecimento humano, mineração etc.) a irrigação que, até então, gozava de um desconto de 97,5% no pagamento pela água bruta, terá uma redução no valor desse desconto. Esse desconto menor será perfeitamente absorvível pelo setor, sendo que a magnitude da redução desse desconto irá variar conforme o método de irrigação e a adoção ou não de práticas sustentáveis de manejo da irrigação e do solo. Ou seja, aqueles irrigantes que fizerem um uso mais racional, inteligente e tecnológico da água serão contemplados com reajustes bem menores. É de se compreender que o grupo de irrigantes que reclamou possa estar enfrentando problemas de custo de produção, algo recorrente em diversos setores da economia brasileira. Entretanto, querer explicar esses problemas ou tentar resolvê-los apontando como vilão o preço quase simbólico que se cobra pelo uso da água bruta no Brasil é a todas as luzes uma reação exagerada visto que essa cobrança tem caráter muito mais pedagógico do que propriamente econômico. Não se pode também afirmar que a atualização dos preços pela cobrança da água bruta no São Francisco tenha sido fruto de alguma imposição. Ao contrário, foi um processo absolutamente transparente e participativo que se desenrolou no âmbito do colegiado do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco desde 2016. Durante esse processo, todos os setores de usuários puderam apresentar seus próprios estudos e avaliações na Câmara Técnica de Outorga e Cobrança do Comitê, bem como tiveram amplo acesso às audiências públicas que trataram do assunto e à votação da matéria na Plenária do CBHSF. Posteriormente, esses mesmos setores de usuários, incluídos os irrigantes, puderam se fazer representar nas câmaras técnicas do Conselho Nacional de Recursos Hídricos que trataram do assunto, visto que o Comitê apenas recomenda o reajuste dos preços e a metodologia a ser seguida, cabendo ao Conselho Nacional dar a palavra final na aprovação dos novos valores da cobrança. Pretender agora atropelar esse processo, perfeitamente legal e democrático, não é a postura correta. E no limite não atende aos interesses mais estratégicos sequer do próprio setor da irrigação, cuja maioria já entendeu que a cobrança pela água bruta é um instrumento por excelência indutor da segurança hídrica presente e futura, essencial para manter a qualidade e a solidez do crescimento da nossa agricultura. Anivaldo de Miranda Pinto Presidente do CBHSF 2

21 E 22 DE AGOSTO DE 2019 MACEIÓ/AL

V Encontro dos Comitês Afluentes do São Francisco busca fortalecer CBHs O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) realizará nos dias 21 e 22 de agosto, em Maceió (AL), o V Encontro dos Comitês Afluentes do São Francisco. O evento tem o objetivo de promover a integração entre os comitês afluentes e terá como tema “Diálogos para o empoderamento dos CBHs”. A programação contará com apresentações da Agência Nacional de Águas (ANA) sobre a situação hidrológica da bacia do Velho Chico e quais são as perspectivas para o ano de 2020, e do relatório sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF), realizado pelo CBHSF. O Instituto Mineiro de Gestão das Águas irá apresentar uma remodelagem institucional para o Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos em Minas Gerais. A Agência Peixe Vivo e o CBHSF apresentarão os projetos realizados com os recursos da cobrança pelo uso da água e o chamamento público para projetos com foco na sustentabilidade hídrica no semiárido. Além disso, serão realizadas mesas redondas e apresentações dos CBHs de Afluentes do rio São Francisco. Os CBHs das Bacias receptoras do PISF também irão participar. O encontro acontecerá no Hotel Ponta Verde, Av. Álvaro Otacílio, 2933 – Ponta Verde – Maceió/AL.


Complexo Lagunar do Rio São Francisco em XiqueXique recebe oficina para salvamento de peixes

Assolada pela seca, a Lagoa de Itaparica ganhou status de desastre ambiental em 2017, quando mais de 50 milhões de peixes morreram por decorrência de sua seca total

Texto: Henrique Oliveira Fotos: Higor Soares e Henrique Oliveira

Um dos berçários de peixes e espécies nativas mais importantes do Velho Chico, o Complexo Lagunar do Rio São Francisco, localizado no município de Xique-Xique (BA), é um bem de incalculável valor social e ambiental. Com 14 km², é o maior complexo às margens do rio São Francisco e, segundo pesquisadores, uma das mais importantes áreas de desova e fonte de alimento para a população. No entanto, mesmo com tamanha importância, desde abril de 2017, o volume do complexo lagunar tem atingido seus menores níveis históricos. Um diagnóstico sobre as causas principais do problema que já causou uma mortandade de mais de 500 toneladas de peixe, está sendo finalizado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Trata-se de um problema ambiental de extrema relevância, que afeta a população local de maneira dramática. Exatamente por isso, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em parceria com o CBHSF e instituições como a Prefeitura Municipal de Xique-Xique e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF) se juntaram em uma oficina coletiva, realizada entre os dias 13 e 17 de julho, para planejar uma ação emergencial de salvamento dos peixes da lagoa. A operação busca garantir a sobrevivência das espécies ameaçadas pelos baixíssimos níveis de água. De acordo com o analista ambiental Daniel Dantas, coordenador da ação junto ao Ibama, o evento tem por principal objetivo dar continuidade à ação de salvamento de peixes que já vem sendo executada no Rio São Francisco há mais de dois anos. De acordo com o coordenador, o evento atinge outro patamar de trabalho ao trazer à comunidade parceiros, pesquisadores e ações de educação ambiental para um maior engajamento de todos na preservação do complexo lagunar.

Mobilização Social Um dos desafios para as ações de salvamento do Complexo Lagunar do Rio São Francisco é o envolvimento da comunidade nas ações. Por falta de informação adequada ou mesmo por uma minimização do problema, poucos pescadores e moradores ribeirinhos se envolvem nas ações de proteção ao Rio São Francisco. Tal desafio foi encarado na oficina preparatória como elemento central para a construção de ações de educação ambiental que possam modificar esse quadro. De acordo com professor de geografia, Railton Nascimento, a oficina ao colocar a perspectiva da educação ambiental como um dos pontos centrais, joga o problema ao crivo da sociedade. “Porque todos estamos no mesmo barco, tento ver como fica a questão ambiental daqui para frente”, disse o professor que defende, enquanto militante e estudioso do rio, a construção de uma convivência harmônica da sociedade com o meio ambiente. Segundo o professor, esse processo de sensibilização da comunidade será crucial não só para a recuperação das lagoas, como também para a saúde do rio São Francisco como um todo. Porém, ainda é necessário que as ações cheguem para dentro das comunidades. “Essa palestra, que foi riquíssima, deveria ser oferecida nas comunidades ribeirinhas, que são diretamente ligadas à

pesca e à agropecuária. Porque falar diretamente a quem, teoricamente, seria o agressor talvez surtisse mais efeito”, concluiu. O papel do CBHSF Responsável pelo diagnóstico da Lagoa de Itaparica com recursos da cobrança pelo uso da água bruta do Velho Chico, o CBHSF é parte importante nas ações de resgate, defesa e preservação da lagoa de Itaparica. Como afirmou o coordenador da Câmara Consultiva Regional do Médio São Francisco, Ednaldo Campos, o CBHSF é sempre parceiro nas ações voltadas à defesa e preservação da lagoa. “Nós estamos aqui para reforçar nosso compromisso com essa ação emergencial e com as demais demandas de monitoramento e educação ambiental que futuramente se façam necessárias”. De acordo com o coordenador, o Comitê estará envolvido em todas as etapas do processo da ação emergencial de salvamento de peixes e, inclusive, nas ações que redundarão na preservação da Lagoa, como fiscalização e monitoramento conduzidos em parceria com a própria população. “É importante que tenhamos um olhar para o futuro no qual, ao trabalharmos em parceria com as instituições e pescadores, poderemos realizar a plena recuperação e uso racional dos recursos da lagoa”, defendeu Campos.

Oficina contou com as presenças de representantes do Ibama, da Codevasf, da prefeitura de Xique-Xique e do CBHSF

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“Diálogos Hidroviáveis”: um debate sobre a navegação no Velho Chico Texto e Fotos: Tiago Rodrigues

Com o objetivo de debater a navegação associada à geração de energia, turismo, meio ambiente, promoção social e desenvolvimento regional, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), com apoio do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) realizou o evento Diálogos Hidroviáveis, nos municípios mineiros de Três Marias e Pirapora, entre os dias 24 e 26 de julho. Em Três Marias, os debates giraram em torno do estímulo das práticas esportivas e atividades náuticas, formação de profissionais, promoção do desenvolvimento social, impacto na economia e no turismo da região, importância da revitalização do rio e usos múltiplos da água. Para o secretário de Meio Ambiente, Esportes, Cultura e Turismo do município, Roberto Carlos Silva, a riqueza hídrica da região não é aproveitada de forma adequada. “Temos condições favoráveis, um lago natural imenso disponível e não usamos de forma correta para o desenvolvimento econômico e social. A partir desse evento, temos que focar em buscar parcerias e projetos para fomentar o turismo e a economia de Três Marias”, disse. O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, coordenou o painel que discutiu a gestão dos recursos hídricos e a importância da revitalização da bacia do São Francisco. “Precisamos mudar nossa cultura e pensar de forma sustentável o uso múltiplo da água. Não podemos enxergar, por exemplo, aqui em Três Marias, o rio apenas como gerador de energia. Se revitalizarmos a bacia e fizermos uma gestão sustentável e consciente teremos um rio navegável, gerando renda e economia para o país, tanto no turismo como no transporte de carga, pois já foi confirmado que

o transporte rodoviário é nove vezes mais caro que o hidroviário”, observa Anivaldo. A ideia do uso múltiplo da água também é o caminho, na visão do engenheiro agrônomo Adson Ribeiro, que é membro do CBHSF e coordenador da CCR do Alto São Francisco. “Precisamos enxergar o rio como um todo para que haja o uso múltiplo, seja na geração de energia, irrigação, pesca, lazer e turismo, mas principalmente pensando nele como uma hidrovia. Para isso, precisamos de uma gestão compartilhada entre todos os setores, para que todos possam usar de maneira adequada as potencialidades do rio, buscando a sua preservação, não somente no ponto de vista econômico, mas também ambiental”, ressaltou Ribeiro. Para Altino Rodrigues Neto, presidente do CBH do Entorno da Represa de Três Marias, os desafios são grandes, porém, os ‘Diálogos Hidroviáveis’ mostraram que existem pessoas dispostas a contribuir e trabalhar. “Nosso objetivo é mostrar a necessidade de se manter uma vazão que seja sustentável para a represa, mas também para jusante de Três Marias. Aqui, foi dado um passo para promover todas as ações necessárias, sem perder a visão de sustentabilidade, seja ela no campo da educação, na economia, ou essencialmente no social e ambiental”, salientou. Importância da hidrovia Em Pirapora, o enfoque foi a importância da hidrovia do Rio São Francisco para o desenvolvimento econômico e social da região. Segundo o subsecretário de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural Sustentável de Minas Gerais, Amarildo Kalil, a região tem um potencial enorme para

Em Três Marias, o evento contou com as presenças do prefeito, secretários municipais, deputados e outras autoridades

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a agricultura, além da localização estratégica, com escoamento de produtos por rodovia e principalmente pelo rio, se usado de forma correta. “Nosso foco é agricultura sustentável e como escoar essa produção. É preciso planejar o uso dos recursos existentes, o que inclui usar as hidrovias para baratear o frete e agilizar o escoamento da produção. Portanto, é preciso um plano de adequação da bacia para que o rio desempenhe também um papel na questão social e econômica, através da hidrovia”, destacou Amarildo. Na percepção do presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, os debates demostraram que através de uma pequena recuperação hidroambiental já é possível desenvolver e fazer melhorias nas condições de navegação do Rio São Francisco. “Vimos que a curto prazo serão necessárias pequenas intervenções, como o desassoreamento da bacia, que viabilizará trechos para a navegabilidade. Agora, a longo prazo, o ideal é recompor as matas ciliares e combater a erosão. A partir daí, a natureza fará o seu trabalho, dando maiores condições de navegação”, pontuou. Segundo Anivaldo, o Brasil precisa repensar o modelo de matriz do transporte. “Neste evento ouvimos vários especialistas. Foram contribuições concretas que apontam para um modelo caro e inviável, tanto no transporte de carga como de pessoas. Não usamos de forma adequada nossas ferrovias, não usamos plenamente o transporte marítimo, apesar de termos quilômetros de costas e abandonamos as hidrovias. Portanto, é preciso repensar o modelo atual, que é caro e acaba com as rodovias, colocando em risco a vida de motoristas e passageiros”, argumentou. O segundo dia, em Pirapora, teve enfoque na importância econômica da hidrovia no Velho Chico


CBHSF entrega projeto final do Rio Curituba

Assista ao vídeo sobre o Projeto Recuperação Hidroambiental da Bacia do Rio Curituba. Acesse o link: http://bit.ly/rio-curituba ou escaneie o QR CODE ao lado.

Texto: Delane Barros / Fotos: Edson Oliveira O Projeto de Recuperação Hidroambiental na Bacia do Rio Curituba no município de Canindé de São Francisco, em Sergipe, foi entregue no dia 3 de julho, após 36 meses de execução e um investimento de aproximadamente R$ 2,5 milhões por parte do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Na execução do projeto foram construídas 155 barraginhas e 14 quilômetros de cercas e foram realizados a recuperação de 23 hectares de áreas degradadas e o plantio de 19 mil mudas nativas da caatinga, entre outras intervenções. O objetivo geral do projeto é promover a recuperação de áreas de reserva legal e de preservação permanente (APPs) no entorno de nascentes e cursos d’água na sub-bacia hidrográfica do Rio Curituba, a fim de regularizar a produção de água, promover equilíbrio ambiental e uso sustentável dos recursos naturais. Apesar de intermitente, o Curituba tem grande importância para a região. A conservação desse rio, que nasce em Jeremoabo (BA) e tem a sua foz em Canindé, representa benefícios no desenvolvimento das atividades socioeconômicas e ambientais das populações ribeirinhas. O presidente do Comitê, Anivaldo Miranda, participou do seminário final do projeto e ressaltou a disponibilidade do colegiado em investimentos desse tipo no âmbito da bacia do Velho Chico. “É preciso lutar pela preservação da água, essencial para a vida. O projeto que está sendo entregue hoje não é do Comitê, não é de um ou de outro. O projeto é de todos. Evidentemente que o Comitê não irá abandonar, assim como não abandonou nenhum outro que realizou, mas cada um de vocês é fundamental na preservação do investimento feito aqui”, afirmou Miranda. O vice-presidente do CBHSF, Maciel Oliveira, ressaltou a determinação da diretoria Solenidade de entrega do Projeto de Recuperação Hidroambiental da Bacia do Rio Curituba

do Comitê em apoiar os projetos oriundos das comunidades ribeirinhas. “Por isso, realizamos projetos não apenas no Baixo São Francisco, mas em toda a bacia”, disse. O coordenador da Câmara Consultiva Regional (CCR) do Baixo, Honey Gama, reforçou a necessidade do sentimento de pertencimento da comunidade beneficiada. “Tenham consciência disso. Esse projeto é da comunidade”, destacou Gama. Membro do CBHSF, Marcelo Ribeiro deu uma ideia que representa tanto preservação de espécies como geração de renda para a comunidade. “Sugiro que seja agregada a cultura das plantas medicinais, pois haverá uma farmácia viva à disposição de todos”, disse. Durante a solenidade de entrega do projeto, o coordenador do escritório regional do Sebrae no Alto Sertão, Luís Nakanishi, anunciou a disposição do órgão em apoiar ações que contribuam para a manutenção da comunidade beneficiada. “O Sebrae poderá oferecer cursos de formação para os agricultores instalados na comunidade do Curituba, que podem aumentar a renda da comunidade”, anunciou. A representante do prefeito de Curituba, Tânia Monteiro, aproveitou para lembrar que o município é modelo no Pagamento de Serviços Ambientais (PSA). “Esse é o diferencial aqui em Curituba e na próxima semana será paga a primeira parcela anual do programa, de aproximadamente R$ 23 mil para esses agricultores”, informou ela. O PSA é um incentivo pago pelo município para os agricultores que mantém e preservam nascentes na sua região. As parcelas são liberadas semestralmente e obedecem a algumas variantes, como área preservada e quantidade de nascentes conservadas. Em agosto de 2017, o projeto agora entregue foi um dos vencedores da 5ª edição do

Prêmio CNMP, promovido pelo Ministério Público Federal (MPF). Denominado ‘Nascentes do São Francisco: o MP salvando rios’ a iniciativa no Curituba ficou em primeiro lugar na categoria “Transformação Social” e foi demandado pelo Ministério Público de Sergipe, através da promotora de Justiça Allana Rachel Monteiro Costa. O Prêmio CNMP foi criado para dar visibilidade aos programas e projetos do Ministério Público de maior destaque na concretização dos objetivos do Planejamento Estratégico Nacional do MP. Mudas de espécies da caatinga para reflorestamento foram distribuídas durante a solenidade

As barraginhas captam enxurradas e permitem que a chuva infiltre no terreno, reabastecendo o lençol freático

Foram construídos 14 quilômetros de cercas de proteção às nascentes

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Rio Paraopeba após o crime ambiental cometido pela mineradora Vale

Vida que segue em Brumadinho? Como está o rio Paraopeba, os atingidos e a qualidade da água meses após a tragédia com a barragem da Vale Texto e foto: Michelle Parron Seis meses se passaram. Um tapete de grama vai cobrindo o rastro deixado pela lama da mineração que causou mais uma tragédia ambiental no Brasil. Dessa vez a atingida foi a bacia hidrográfica do rio Paraopeba, um dos afluentes do rio São Francisco em Minas Gerais. As ruas do bairro Córrego do Feijão, na zona rural de Brumadinho, vizinho da empresa Vale, seguem silenciosas depois que mais de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos se desprenderam da barragem da Mina Córrego do Feijão, arrastando árvores, casas, animais e pessoas por quilômetros, chegando até o leito do rio Paraopeba. Famílias foram dilaceradas e os moradores da bacia do Paraopeba e do São Francisco ainda temem as consequências desse crime ambiental. Desde que tomou conhecimento da tragédia, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) passou a acompanhar todos os desdobramentos, principalmente com foco na qualidade da água. “Nossas ações tem sido, sobretudo, cobrar do governo federal, do governo de Minas Gerais, da justiça e dos poderes públicos em geral, um esforço para tomar as medidas necessárias para o processo de descontaminação das águas do rio Paraopeba. E que a Vale não poupe recursos para que as melhores tecnologias de descontaminação sejam utilizadas”, afirma Anivaldo Miranda, presidente do CBHSF. O último boletim do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), publicado em julho, aponta melhora da qualidade da água. Os parâmetros turbidez, ferro, manganês e alumínio encontram-se dentro dos limites estabelecidos para a classe 2, que corresponde à classificação deste rio. Quanto aos metais chumbo e mercúrio, não há 6

registro da presença desde abril e o rejeito ainda não chegou ao reservatório de Três Marias. O uso da água só está liberado nos trechos que estão antes do município de Brumadinho e depois da usina Retiro Baixo. O que impediu que a lama fosse mais longe foi a sua composição mais densa, que está depositada no fundo do rio Paraopeba. “Quando começarem as chuvas, esse material vai continuar se movendo com maior velocidade. Mas, por ser muito grosseiro, ele ainda anda muito pouco” explica Eduardo Viglio, geólogo do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) responsável por realizar o monitoramento geoquímico da Bacia do rio Paraopeba em parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA), a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e o Igam. Após a tragédia, a estação de captação de água da Copasa no rio Paraopeba, inaugurada em 2015 e responsável por 30% do abastecimento de Belo Horizonte, ficou inutilizada. A Vale ficou responsável por construir uma nova estação acima da região afetada até setembro de 2020. Também foi construída pela mineradora uma Estação de Tratamento de Água Fluvial (ETAF) em Brumadinho para limpar a água antes de devolvê-la ao Paraopeba. O CBHSF, o CBH Rio das Velhas e o CBH Rio Paraopeba uniram forças e exigiram que o Comitê do Paraopeba participasse das tomadas de decisões que envolvessem a bacia. “Porém, infelizmente, não tivemos nenhuma participação em qualquer tomada de decisão entre o Estado e a Vale”, relata Winston Caetano, presidente do CBH Rio Paraopeba. Ele conta que a Agência Peixe Vivo, através do CBHSF, tem prestado apoio financeiro ao Paraopeba, que não tem ainda

implantada a cobrança na sua bacia. Com relação às vítimas, de acordo com o tenente do Corpo de Bombeiros Pedro Aihara, até o momento foram encontradas 248 pessoas, 22 permanecem desaparecidas e não há previsão para encerramento do trabalho. “Enquanto não forem encontradas as últimas vítimas ou enquanto houver condições técnicas viáveis, o trabalho da nossa equipe vai continuar”, afirma Aihara. Dos 645 animais resgatados, entre domésticos e silvestres, 518 seguem sob cuidados da mineradora no Hospital Veterinário de Campanha e na Fazenda Abrigo de Fauna. As multas e indenizações tentam amenizar parte de tamanha destruição. Além do bloqueio pela justiça de bilhões de reais da Vale para atender medidas emergenciais de reparação de danos ambientais e sociais, logo após o rompimento a mineradora anunciou o pagamento de R$ 100 mil para cada núcleo familiar das vítimas. Em fevereiro, um Termo de Acordo Preliminar (TAP) obrigou a Vale a pagar um salário mínimo para adultos, 50% de salário mínimo para adolescentes e 25% para crianças que vivem em Brumadinho e para os moradores das localidades até um quilômetro do leito do rio Paraopeba. Para diminuir os impactos econômicos do município, a Vale se comprometeu a repassar R$ 80 milhões para a prefeitura de Brumadinho até 2020. Recentemente, foi assinado um novo acordo que obriga a empresa a indenizar as famílias das vítimas que trabalhavam na empresa, destinando R$ 700 mil a cada pai, mãe, cônjuge, companheiro ou filho e R$ 150 mil para os irmãos. Em paralelo, correm as negociação as indenizações individuais por danos materiais e morais.


CBHSF elabora relatório que mostra a situação da obra da transposição do Rio São Francisco

O projeto da transposição foi superdimensionado, feito para receber volumes de água muito superiores aos que devem escoar nos canais, de acordo com relatório

Texto: Luiza Baggio Fotos: Ministério da Integração O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) elaborou um relatório sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF) que aponta falhas tanto no projeto como nas obras de transposição do Rio São Francisco. O documento apresenta possíveis dificuldades na distribuição da água e erros na execução das obras que, mesmo após 12 anos de seu início, ainda não foram concluídas. Alguns trechos da transposição já apresentaram problemas como, por exemplo, no Eixo Norte, na Zona Rural de Salgueiro, sertão de Pernambuco. Por lá, o canal não foi construído e a água ainda passa por um caminho de terra. Também em Salgueiro, o paredão do reservatório de Negreiros se rompeu em 2018 por causa de um vazamento, e tirou 35 famílias de casa, às pressas. Estes contratempos são apresentados no relatório do CBHSF. O estudo destaca também os trechos que ainda não foram concluídos, apesar de já terem ultrapassado o prazo previsto para entrega das obras. Para elaborar o relatório, o CBHSF contratou o engenheiro hídrico Pedro Antônio Molinas, que trabalhou com o acompanhamento de integrantes do Comitê, analisando a evolução histórica e as operações propostas pela transposição do Rio São Francisco. O especialista esclarece que, de forma sucinta, pode-se dizer que o relatório chega a três principais conclusões. “A primeira conclusão a que chegamos refere-se às dimensões do projeto. O PISF foi concebido para poder aduzir vazões muito superiores às que escoarão normalmente por seus canais. A segunda diz respeito à capacidade dos estados receptores de usufruírem do projeto, pois o PISF foi idealizado

para ser operado e gerido seguindo uma rígida lógica de gestão dos recursos hídricos, onde a prática de tarifas pelo uso dos mesmos deve refletir os custos reais da disponibilidade hídrica”, afirma Pedro Molinas. O relatório diz que o projeto foi superdimensionado, feito para receber volumes de água muito superiores aos que devem escoar nos canais. O documento afirma que seria necessária a conjunção de cheia excepcional na bacia do São Francisco e de fortes chuvas nas bacias receptoras para que a estrutura recebesse grandes montantes de água, sem ocorrerem prejuízos. Dos quatro estados que devem ser beneficiados pela transposição, apenas o Ceará estaria preparado para receber e gerenciar a distribuição de água. “A terceira conclusão é que o projeto é hoje uma obra inacabada tanto da perspectiva física como da perspectiva institucional”, finaliza Pedro Molinas. A recomendação do Comitê é de que o projeto seja revisto e que apresente propostas viáveis não somente para a efetividade da distribuição de água, através dos canais

da transposição, mas, principalmente, para que a revitalização de toda a bacia hidrográfica e seus afluentes seja eficiente”. O que é o PISF O Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional - PISF é um projeto de infraestrutura hídrica que capta água no Rio São Francisco aduzindo-a para bacias hidrográficas do nordeste setentrional nos estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Seu principal objetivo é garantir segurança hídrica, através da integração de bacias hidrográficas a uma região que sofre com a escassez e a irregularidade das chuvas: a região semiárida do Nordeste. O empreendimento está organizado em dois eixos principais de transferência de água: Eixo Norte (Trechos I e II) e Eixo Leste (Trecho V) e ramais associados. A expectativa é levar água para mais de 12 milhões de pessoas.

Relatório do CBHSF conclui que o projeto é hoje uma obra inacabada tanto da perspectiva física quanto da institucional

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Dois

dedos de

prosa

Johann Gnadlinger Vivendo há 42 anos no Brasil, em Juazeiro (BA), o austríaco Johann Gnadlinger possui mestrado em pedagogia pela Universidade de Salzburg, Áustria, e em Environmental Management pelo Imperial College, Londres, Inglaterra. Desde 1991, trabalha na ONG Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) que se dedica a aperfeiçoar e divulgar o conceito da convivência com o semiárido. Foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Captação e Manejo de Água de Chuva (ABCMAC), realizou pesquisas sobre diferentes sistemas de captação de água de chuva e está engajado na promoção destas tecnologias em comunidades rurais no Brasil e no exterior. Johann é membro do CBHSF e compõe a Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos (CTPPP).

Texto e foto: Luiza Baggio

Como as populações do semiárido brasileiro convivem com a seca? As populações tradicionais do semiárido ganhavam a vida coletando madeira, mel, plantas medicinais e frutas silvestres, sem prejudicar a vegetação nativa. Isso começou a mudar com a chegada dos portugueses que para implantar a criação de gado começaram a desmatar a caatinga e plantar capim, que não era resistente à seca. Por isso, chamaram o semiárido de sertão, palavra que originalmente vem de deserto. Até hoje, a caatinga não recebe seu devido valor. Por isso, o IRPAA começou a atuar junto às comunidades locais e aprofundar a convivência com o clima, estimulando a captação de água de chuva em cisternas e barreiros trincheira, a criação de animais de médio porte, valorizando a caatinga para alimentação dos animais, ensinando técnicas de plantio não agressivas ao solo, como curva de nível e o aproveitamento sustentável da caatinga com o beneficiamento de frutas como umbu e maracujá da caatinga. Faz sentido combater a seca ou seria mais adequado construir políticas públicas voltadas às populações que vivem nessa região? A caatinga é o bioma que está adaptado ao clima no semiárido. A seca pertence a este clima como a neve ao clima frio da Europa. O que existe é uma falta de conhecimento sobre a realidade climática da nossa região e, em consequência, o que se pode plantar ou criar. A solução é aprender a conviver com o semiárido, aprendendo sobre as tecnologias disponíveis e como produzir de maneira apropriada. O que tem impedido o desenvolvimento social e econômico do semiárido? O semiárido foi “desenvolvido” por interesses de fora, começando pelos portugueses e continuando pelos interesses do litoral e do centro econômico do país. Muitos que vivem na região não tem acesso à terra e à água. Para a EMBRAPA Semiárido, uma propriedade de sequeiro no semiárido necessita de pelo menos 100 hectares de terra para ser viável, sendo a atividade principal a criação de caprinos e ovinos e o uso sustentável da caatinga, o que é totalmente diferente do manejo de uma área irrigada com a água do rio. Assim, deve-se garantir às famílias um tamanho de terra adequado às condições de semiaridez. Por isso, precisa-se fazer o

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No que consiste o recaatingamento e de que forma ele pode ser uma solução para os problemas enfrentados no semiárido? O recaatingamento é uma proposta sobretudo para recuperação de áreas devastadas e é um processo mais complexo, pois inclui amplas medidas educativas e aprofundamento em conhecimentos sobre a natureza. Não se trata simplesmente de cercar uma área e plantar mudas. É todo um processo de recuperar o bioma. Só funciona quando em parceria com comunidades tradicionais e a agricultura familiar. Recaatingar é importante, pois a caatinga é fundamental para garantir a regularidade da temperatura, das chuvas e a fertilidade do solo do semiárido. Que políticas públicas são necessárias para garantir o desenvolvimento social, econômico e ambiental do semiárido? Já existem leis estaduais de convivência com o semiárido na Bahia e em Pernambuco e devemos retomar o trabalho por uma Lei Nacional de Convivência com o Semiárido. Temos, no Plano Plurianual da Bacia do Rio São Francisco, o Eixo IV - trabalhar pela Sustentabilidade Hídrica do Semiárido com propostas para o uso de água de chuva, a implantação de energia solar e o planejamento para as mudanças climáticas nas comunidades rurais. Depende da vontade política de implantar estas propostas. É possível conviver com o semiárido? Sem dúvida! Uma prova é que na estiagem de 2012 a 2016, quando em vários lugares choveu somente 30% da média, a caatinga se recuperou. Não há registros de mortes por inanição, nem o fenômeno das grandes migrações, nem frentes de emergência e muito menos saques nas cidades do semiárido. Graças a Associação de Entidades do Semiárido (ASA) aprendeu-se com a captação da água de chuva, o manejo da caatinga, a criação de animais resistentes à seca, assim por diante. Mas tem um porém: vemos com grande preocupação a volta das políticas do “combate à seca”, e a eliminação dos programas de convivência com o semiárido.

Presidente: Anivaldo de Miranda Pinto Vice-presidente: José Maciel Nunes Oliveira Secretário: Lessandro Gabriel da Costa

Coordenação Geral: Paulo Vilela, Pedro Vilela, Rodrigo de Angelis Edição e Assessoria de Comunicão: Mariana Martins Textos: Delane Barros, Henrique Oliveira, Luiza Baggio, Michelle Parron e Tiago Rodrigues Diagramação: Rafael Bergo Fotos: Edson Oliveira, Henrique Oliveira, Higor Soares, Luiza Baggio, Michelle Parron e Tiago Rodrigues Impressão: ARW Gráfica e Editora Tiragem: 5.000 exemplares

Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF - Tanto Expresso

Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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reordenamento fundiário para adequação do tamanho da propriedade às condições climáticas do semiárido; quanto menos chuva e água, maior a propriedade.

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