O setor hidrelétrico na Amazônia brasileira: 23 hidrelétricas e seus efeitos sobre Terras Indígenas

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O setor hidrelétrico na Amazônia brasileira: 23 hidrelétricas e seus efeitos sobre Terras Indígenas 1

Ricardo Verdum

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A história social e ambiental da Amazônia brasileira ao longo dos últimos quarenta anos está profundamente marcada pela instalação e pelos efeitos de grandes obras de infraestrutura, especialmente de transporte e de geração de energia. O conhecimento acumulado sobre as obras do setor elétrico mostra o quanto esse tipo de empreendimento impacta a natureza e as populações humanas situadas na sua área de influência. Outro dado recorrente nesta história é o grande poder de influência que as empresas construtoras e os interesses em torno da exploração e extração mineral, de petróleo, gás e florestal, e as empresas agroindustriais e de agroexportação, têm no planejamento desenvolvimentista estatal, nos espaços formalmente designados de tomada de decisões ou nas esferas políticas oficiais. A suposta incapacidade do estado de estabelecer regras de procedimento para consultar as comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais nos parece ser a expressão exata e o resultado dos interesses e das regras e hierarquias parcialmente visíveis que configuram esta relação.3 Não é raro que ocorra o que Harvey (2008) denominou de acumulação por desapossamento, que na cena amazônica se manifesta na forma de incorporação pelo capital de novas zonas territoriais e da privação do acesso às comunidades tradicionais a parcelas das terras e águas até então utilizadas; a isso segue a privatização e a redução da natureza a condição de recurso natural, ou seja, de mercadoria a ser inserida no mercado global para promover a produção e o crescimento econômico. Estas obras geram afluxo migratório; promovem deslocamentos e/ou impacto direto nos meios de subsistência de populações tradicionais (como indígenas, quilombolas e ribeirinhos) e de populações rurais; criam um ambiente favorável ao acirramento das disputas pela posse e o controle da terra e territórios; aceleram o processo de desmatamento para implantação de monocultivos (soja, 1

Publicado na página Investimentos e Direitos na Amazônia (http://amazonia.inesc.org.br/), do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em 23/06/2015. 2

Doutor em Antropologia Social, o autor integra o Núcleo de Estudos de Populações Indígenas (NEPI/PPGAS-UFSC). rverdum@gmail.com 3

Em janeiro de 2012 o governo federal instituiu um GTI - Grupo de Trabalho Interministerial (Portaria Interministerial nº 35, de 31 de janeiro de 2012) com o objetivo de estabelecer os procedimentos de consulta prévia aos povos indígenas e comunidades quilombolas e tradicionais. O GTI foi coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência da República – SG/PR e pelo Ministério das Relações Exteriores – MRE e contou com a participação de ao menos 26 ministérios e órgãos vinculados. Passados dois anos, em fevereiro de 2014 o GTI encerrou seus trabalhos sem ter alcançado o objetivo.

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