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CONTA CERTA

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CINE

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Tudo controlado na ponta do lápis

SISTEMA de informação de custo prevê cálculos exatos, inclusive nas grandes obras

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Ese, como num passe de mágica, fosse possível saber exatamente quanto custa cada paciente tratado em um hospital público ou aluno matricu lado em uma escola estadual? E, a partir dessa informação, desse para verificar o que está certo e o que está errado, onde há falta e onde há sobra, saber o que pode ser melho rado, comparar com os resultados de outros hospitais, outras escolas? Daqui a alguns anos isso será pos sível no serviço público de todo o país. E sem mágica. O instrumento por trás de tantas mudanças será o Sistema de Informações de Custos do Setor Público. No Governo Fe deral, ele já foi implantado. Estados e municípios têm até o fim de 2014 para implantar um novo modelo de contabilidade pública que viabilizará tudo isso.

A obrigatoriedade do sistema surgiu da necessidade de melhorar o gasto público, buscando três Es: eficiência, eficácia e efetividade. Um exemplo: hoje entra na conta ape nas o preço de uma cadeira comprada. Com a mudança será preciso colocar o tempo de vida útil da cadeira. Todas as informações são importantes. “Qualquer sistema de custos serve para nos ajudar a to mar decisões. Se a gente vai fazer, vai continuar fazendo dessa forma, vai diminuir, vai mandar fazer”, afir ma o tenente Carlos Gustavo Paiva, contador da 7ª Inspetoria de Con tabilidade e Finanças do Exército (ICFEx). O Exército, por sinal, já tra balha com essa sistemática. Entre os estados, alguns estão mais avan çados, como a Bahia e o Rio Grande do Sul.

Na terra dos pampas, a implan tação foi iniciada com um projeto piloto na Secretaria de Educação,

em 2010. No ano seguinte, o sistema começou a funcionar definitivamente na secretaria. Em 2012, mais três órgãos receberam o sistema. Outros dez vão receber em 2013. “Um dos princípios que norteiam o desenvolvimento e a implantação do Sistema de Informações de Cus tos do Rio Grande do Sul (CUSTOS/ RS) é o gradualismo. Tanto o seu desenvolvimento quanto a implan tação obedecem a um cronograma pré-definido”, explica Luiz Cesar de Souza Ribeiro, chefe da Divisão de Custos da Contadoria e Auditoria - -Geral de Estado. Reuniões e seminários estão sendo realizados com os servidores.

De acordo com Ribeiro, já é pos sível observar um maior envolvimento e interesse por parte os usuários. Eles já discutem as possíveis aplicações do sistema. Em Pernam buco, o grupo de trabalho formado por representantes de várias secre tarias, coordenado pela Secretaria da Fazenda, queima os neurônios desde junho de 2011. “Primeira mente, foram realizados estudos para a gente se cercar de todas as informações e experiências. Agora, será contratada uma consultoria com recursos do Banco Mundial, para ajudar na modelagem do sis tema de custos. Depois será feito o desenvolvimento e a implantação nos órgãos”, diz o Contador Geral do Estado, Carlos Alberto de Miranda.

O coordenador do Grupo de Procedimentos Contábeis de Per nambuco – GTCON/PE, Stênio Luiz de Barros Melo Rios, lembra que cada estado está desenvolvendo o seu próprio sistema, mas baseado em parâmetros que são uniformes para todos. Além do sistema em si, há toda uma mudança de cultura. “Não adianta nada implantar o sis

Fotos: Daniela Nader

CALENDÁRIO Setor de Saúde será um dos beneficiados pelo novo modelo. Stênio Rios (C) coordena o Grupo de Procedimentos Contábeis de Pernambuco

tema e uma secretaria não usar as informações para tomar decisões”, reforça Rios. Enquanto hoje os ges tores são incentivados a gastar todo o orçamento, sem sobras, eles se rão destacados quando souberem gastar melhor os recursos da ma neira mais eficiente. E é aí que entra em cena outra característica da sistemática: a possibilidade de com paração, de se fazer o famoso benchmarking.

O que uma escola, por exemplo, está fazendo de tão diferente para conseguir formar melhores alunos? Também será possível fazer com paração entre os estados e “copiar” as experiências que deram certo. Ou correr para bem longe das que deram errado. Stênio destaca que o custo caminha junto da eficiên cia. Se um estado gasta a metade do orçamento de outro estado com segurança, mas o número de mor tes é maior, de nada adianta essa “economia”. Redução de custos tem de rimar com melhoria de resulta dos. “Pretendemos acabar com o desperdício. Isso vai possibilitar um investimento ainda maior nas áre as que mais precisam: segurança, saúde e educação.”

A comparação também pode rá ser feita por um órgão com ele próprio. Como foi o ano X e como está sendo o ano Y? É uma forma de descobrir se as decisões tomadas foram acertadas e surtiram o efeito desejado. “O sistema de custos tem como objetivo gerar decisões com a intenção de melhorar a qualidade do gasto público”, reforça o tenen te Carlos Gustavo Paiva. Segundo Luiz Cesar de Souza Ribeiro, o tema ganhou força junto à administração pública somente a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, no ano de 2000. E o processo leva tempo por que os sistemas de finanças públicas até então não estavam preparados para as necessidades dos dados capazes de alimentar um sistema de custos.

“Em alguns órgãos, principal mente nos municípios, não existe controle efetivo do patrimônio. E isso é necessário, porque ele é um dos elementos dos custos”, afir ma o tenente Paiva, que também é professor universitário de contabi lidade. Carlos Alberto de Miranda “ O sistema de custos tem como objetivo gerar decisões com a intenção de melhorar a qualidade do gasto público”

Carlos Gustavo Paiva

acredita que o interesse na conta bilidade pública tende a aumentar no Brasil. Deveria mesmo. Basta que a sociedade acorde e comece a buscar as informações sobre como o dinheiro público está sendo ge rido. “Não basta reclamar da nossa alta carga tributária. É preciso saber como o dinheiro arrecadado está sendo usado, e cobrar resul tados. Os serviços públicos de melhor qualidade serão viabilizados pela cobrança desses resultados, através do incremento do controle social, tão importante no avanço da cidadania.”

>> entrevista Nelson Machado

Professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e ex-ministro da Previdência, Nelson Machado era secretário executivo do Ministério da Fazenda quando o sistema de informação de custos do Governo Federal foi homologado e implantado em 2010. Nesta entrevista, ele fala sobre os motivos que levaram o serviço público brasileiro a demorar tanto para adotar o sistema e os resultados esperados para a gestão pública.

Por mais de uma vez, o senhor lembrou que a determinação da implantação de sistemas de informação de custos no setor público não vem de hoje. O sistema de custos já vem sendo exigido do ponto de vista legal desde 1964, com a Lei 4.320. Essa lei regu la toda a área de finanças públicas da união, estados e municípios. Em um de seus artigos, ela já dizia que a contabilidade deveria manter um sistema de custos. Depois isso foi sendo repetido em outras leis. Mas ninguém nunca tinha implantado de maneira sistemática.

Por quê? Era difícil fazer? Existem várias razões. Mas eu diria que a principal era que não tinha um modelo teórico para implantação abrangente. O que tivemos ao longo desses 50 anos foram experiências pontuais. Mas eram sempre muito coladas do ponto de vista conceitual ao modelo de custos do setor pri vado. Havia uma tentativa de transplantar do privado para o público. E não dá para transplantar do privado para o público? Há coisas muito semelhantes, mas outras muito distintas. O sistema de custos no setor privado tem o obje tivo muito claro: apurar o custo do produto, do sapato, da mesa, da ca misa para definir o preço de venda e ter lucro. O setor público é diferente. Nós prestamos serviços de justiça, segurança. Eu não vendo segurança para este ou aquele cidadão. Eu faço segurança para uma comunidade in teira. A partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, a exigência ficou mais forte. O Governo Federal resolveu montar em 2007 o sistema de custos com o objetivo de tornar a adminis tração pública mais eficiente, com uma convicção de que é importante para melhorar o uso dos recursos públicos. O sistema está funcionan do desde 2010.

O que já temos de resultados? O modelo de informação se aper feiçoa com o tempo e com o uso. É como fazer uma estátua, uma escul tura. Primeiro você esculpe o vulto, depois faz o detalhe. O que é impor tante é que é possível hoje ter o custo do ministério, do órgão, da escola, da universidade. Esse custo ainda não é perfeito. Ainda tem muita coisa para ser feita. Mas a base, a estrutura do sistema está montada. Ele permite que haja comparação. Observa entre dois gestores qual é o mais eficiente.

Essa possibilidade de comparação é a característica mais importante do sistema? Nós não temos a comparação do mercado no serviço público. No pri vado, se duas empresas fazem camisa, a comparação se dá pelo mercado. Se uma custa R$ 10 e outra custa R$ 15, na hora de vender uma sai por R$ 20 e outra por R$ 30. A que cus ta R$ 30 vai estar fora do mercado, não vai conseguir vender. O merca do compara e pune aquele que tem

Arquivo pessoal

custo mais alto. No setor público, um diretor de escola que é mais efi ciente não é premiado porque não se faz comparação. Quando você mon ta o sistema de custos, pode fazer um benchmarking para estimular e aproveitar experiências exitosas. O gestor também pode comparar com ele mesmo ao longo dos anos. Mas ao fazer a comparação é preciso ter o cuidado para comparar custos de serviços semelhantes.

Qual o grande ganho para a socie dade? Precisamos ter clareza para não fazer propaganda enganosa. Não é implantar hoje e o resultado sair amanhã. É importante não criar fal sas expectativas. Mas o sistema de custos tem sua importância funda mental porque você não pode controlar aquilo que você não mede. Como você vai controlar custos se você não mede custos? Se você controla, você pode ter o uso mais eficiente do recurso público. Fazer mais e melhor com o mesmo recur so ou fazer o mesmo tipo de serviço com menos recursos. Isso é o uso eficiente. As receitas necessárias também podem diminuir, e reduzir receitas é reduzir impostos.

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