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CARREIRA PÚBLICA
Daniela Nader
DETERMINAÇÃO Eduardo Filho, oficial de justiça, ensina: “O importante é ter foco”
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Passei no concurso, e agora?
Onome está na lista. Finalmente. Depois de tanto tempo de estudo, tantas tentativas frustradas, a aprovação. De candidato a funcionário público. Que venham, então, a nomeação e o primeiro dia de trabalho. A primeira semana. O primeiro mês. E depois? Para muitos brasileiros país afora, passada a euforia por “entrar” no sistema, parece que surge um vazio. Indiferença, talvez. Será que “não era bem isso” o que imaginavam quando se inscreveram? Ou era exa tamente isso e a prioridade agora é estudar para o próximo concurso? Para os órgãos públicos, o reflexo da decepção ou indiferença pode ser um pequeno exército de funcioná rios desinteressados. Mas antes de condenar apenas os “concurseiros interesseiros”, os especialistas em gestão pública fazem um alerta: todo mundo tem culpa no cartório. Por ano, mais de 12 milhões de brasileiros testam seus conhe cimentos nas provas para tentar ingressar no serviço público fede ral, estadual ou municipal. Maria Thereza Sombra, diretora executiva da Associação Nacional de Prote ção e Apoio aos Concursos (Anpac), lembra que os salários atrativos na esfera federal e a garantia de esta bilidade vêm atraindo cada vez mais candidatos. “As pessoas estão que rendo entrar no serviço público de qualquer maneira. Se você tem uma formação superior, o lógico seria que você concorresse nos concur sos que exigem nível superior.” Seria. Mas não é. Para ela, o medo de não passar faz com que os candida tos busquem logo garantir uma vaga em cargos de níveis fundamental ou médio. Depois continuam estudando
para as seleções para cargos de ní vel superior.
Eduardo Cavalcanti de Andra de Filho, 24 anos, não reclama do ambiente de trabalho nem do car go. Formado em Direito, assumiu no início de dezembro como oficial de justiça no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). “É uma profis são que me agrada bastante por estar praticando uma atividade jurídica.” A meta de Eduardo, no entanto, é ingressar no Ministério Público e virar promotor de justiça. Para isso, continua estudando. Será o concur so definitivo. “Não me vejo fazendo outras seleções”, garante o hoje ofi cial de justiça. Mas ele afirma que o que falta a boa parte dos candida tos é justamente o foco. “Vejo muito pouco isso nos concurseiros. Eles fi cam naquela agonia de ir de um lado para o outro, sem definir uma meta. Acabam não se qualificando.”
Fernando Coelho, coordenador do curso Gestão de Políticas Públi cas da USP, explica que há dois tipos de perfil entre os candidatos. Há os concurseiros profissionais, sempre em busca de uma seleção melhor, com melhores salários e benefí cios. Segundo ele, esses “profissionais” podem chegar a 75% do total de candidatos. Os 25% restantes são aqueles que realmente que rem “aquele concurso”, que olham o edital e dizem “puxa, que bacana. Eu tenho formação nessa área”. São os que realmente estarão mo tivados ao começar a trabalhar. Os que podem fazer carreira na em presa, órgão ou secretaria. Mas às vezes não fazem porque a porta de entrada não é boa, não existe um processo de recepção adequado. E quando não há um acompanhamen to, fica a frustração.
Governos e empresas públicas tentam reverter tendência da alta rotatividade dos funcionários nos cargos. A valorização profissional é um caminho
“Tradicionalmente no setor público nunca houve uma preocupação com a entrada das pessoas. Muitas vezes os órgãos fazem o concurso, mas há uma série de problemas. E até quem tem vocação tem dificul dade de permanecer”, afirma Fernando Coelho. Ele lembra que, três anos atrás, foi feita uma seleção para especialista em políticas públicas e gestão governamental para o estado de São Paulo. O cargo tinha um bom salário. Entraram 150 pessoas. Hoje eles não somam nem 75. O proble ma, segundo Coelho, foi que muitos dos aprovados simplesmente não tinham local para trabalhar. Em al guns casos, o que faltava era espaço físico mesmo. Na opinião de Eduardo Cavalcanti, além de uma mudança de mentalidade dos concurseiros é preciso também que o órgão público busque valorizar o seu servidor.
Fernando Coelho acredita que a política de valorização é um pouco mais difícil no caso dos municípios de pequeno e médio porte, que nor malmente têm pouca receita. Mas é perfeitamente aplicável nos municí pios maiores, nos estados e na esfera federal. Até porque, reforça ele, o concurso não acaba na hora que ter minam as provas e são selecionados os melhores candidatos. É preciso ter um bom programa de recepção. Dar atenção, mostrar o papel deles na organização. Usar o período pro batório como um processo de aprendizagem. E, durante esse período, oferecer treinamentos para o novo funcionário. “É preciso pensar o concurso como o início de um processo mais amplo. Pensar em planos de carreira, na realização de treinamen tos, capacitação nos primeiros anos que envolvam as pessoas.”
Felizmente, existem bons exemplos, garante Fernando Coelho. Ele cita a carreira de diplomata, que tem o concurso dividido em várias fases, e, durante os primeiros anos, o profissional passa por uma série de treinamentos. A Petrobras é ou tro exemplo. A ascensão de Graça Foster à presidência da companhia é mais um incentivo aos novos fun cionários. Para quem não conhece a história da presidente, ela come çou na empresa como estagiária. “É uma questão de respeito ao mé
EXEMPLO Armando Barros: “na Chesf a gente não perde funcionário para a iniciativa privada”

Daniela Nader
Arquivo pessoal
rito”, afirma Fernando Coelho. Outro exemplo é a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf). Com 5.632 funcionários, a estatal se destaca pelo processo de acompa nhamento dos novos empregados. Também tem um agressivo plano de carreira e benefícios.
De acordo com Armando Barros, gerente do Departamento de Admi nistração de Recursos Humanos e Benefícios, o programa de alocação tenta colocar o empregado no me lhor lugar da companhia, de acordo com o perfil dele, das necessidades das áreas, da percepção do gestor. Ele cita como exemplo um grupo de engenheiros recém-admitidos (por concurso, claro). “Eles têm perfis diferentes e têm de trabalhar em lugares diferentes: na transmissão, na geração, com manutenção, na in fraestrutura. Um prefere o trabalho em campo. Outro gosta do ambiente do escritório. Através do programa vamos encaixando os profissionais”,

explica. Os novos funcionários tam bém passam por seminários de integração e alguns grupos contam ainda com um trabalho de mentoria.
O plano de carreira e remune ração é o mesmo das outras 13 empresas do sistema Eletrobrás. Os sistemas foram unificados em 2010, lembra Barros. Existe uma tabela sa larial com quatro níveis de complexidade. Para virar sênior, por exemplo, é preciso ter pelo menos 15 anos de casa. Mas o tempo de serviço não é o único fator de promoção. A evolução da carreira leva em consideração a avaliação das competências e me tas estabelecidas. Já a extensa lista de benefícios inclui assistência aos portadores de deficiência, custeio de mensalidade de curso superior e complementação do salário para quem está afastado recebendo au xílio-doença. “Quem tem um bom desempenho consegue avançar na carreira. A gente não perde empre gado para a iniciativa privada.” É preciso pensar o concurso como o início de um processo mais amplo. “ Pensar em planos de carreira, na realização de treinamentos, capacitação nos primeiros anos que envolvam as pessoas”
Fernando Coelho, da USP
Saiba mais
Os novos rumos da gestão pública em Pernambuco
POR MAURÍCIO CRUZ*
Com a consolidação do Modelo de Gestão no Governo de Pernambuco, após quatro anos de aplicação de seus conceitos, metodologias e práticas, uma nova fase deste Modelo foi inicia da a partir de 2011, voltada para o uso do Modelo no aprimoramen to da gestão pública. Nesse intuito, foi criado o Instituto de Gestão Pública de Pernambuco, com a finalidade de promover, no Esta do, o debate, a produção e a aquisição contínua de novos saberes em gestão pública; formar o ca pital humano capaz de conduzir as tarefas inerentes ao Modelo; criar padrões de excelência para as principais atividades e fomen tar a pesquisa e a fruição de conceitos e boas práticas de gestão pública dentro e fora do Estado.
Em seus dois anos de traba lho, o Instituto de Gestão - PE tem atuado em várias frentes, tais como na construção e manuten ção de ferramentas de controle e apoio aos processos de traba lho; na elaboração e divulgação de trabalhos técnicos, estudos, análises e relatórios gerenciais; na promoção do debate em torno da profissionalização da gestão pública no Estado; no desenvol vimento do capital humano para o Modelo; da documentação dos processos e práticas; no aprimo ramento contínuo do Modelo de Gestão com o aporte de novas metodologias e ferramentas de gestão; e no apoio a processos de planejamento estratégico nos órgãos do governo.
O Instituto vem atuando tam bém como uma ponte entre o Governo e os demais atores que, dentro e fora do Estado, pensam e desenvolvem Gestão Pública como ciência social aplicada, exemplo da Academia e outros Estados da Federação. Parcei ros importantes têm se juntado ao Instituto de Gestão para a obtenção de resultados, tais como a Universidade Federal
INSTITUTO DESTACA A FORMAÇÃO DE CAPITAL HUMANO
de Pernambuco, o Instituto Pu blix, a Universidade Maurício de Nassau e a Fundação Dom Ca bral. Como fruto desse trabalho, o Instituto tem contribuído para a promoção do debate, em Per nambuco, em torno da Gestão Pública, tendo sido criados locus de estudo sobre o tema fora do ambiente governamental e pro duzidos conteúdos, oxigenando a práxis da administração pública em Pernambuco com a adoção de novas ideias e referenciais teóricos advindas do ambiente acadêmico.
Em seu portfólio de produ tos, destaca-se o Programa de Formação de Capital Humano, conjunto de quatro subprogra mas específicos, todos voltados para a profissionalização da gestão pública em Pernambuco. Com públicos bem delineados (alta administração, gerentes, profissionais de gestão e aca demia), integrados e complementares, esses quatro subprogramas buscam não apenas desenvolver continuamente as pessoas, mas, principalmente, oferecer atrativos para retenção do capital humano e, por fim, contribuir para a melhoria do clima organizacional.
Muito ainda precisa ser fei to para que a Gestão Pública deixe de ser auto-referenciada em Pernambuco, isto é, alvo de estudo e desenvolvimento conduzido apenas por agentes públicos. O Instituto de Gestão nasceu para reverter essa ten dência e fazer do tema foco do debate fora do ambiente do Go verno. Obtido esse resultado, de forma permanente e sustentá vel, poderemos dizer que cumprimos nosso papel.
*Maurício Cruz é administrador, Secretário Executivo de Desenvolvimento do Modelo de Gestão e Coordenador Geral do Instituto de Gestão-PE