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BOAS PRÁTICAS

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ECONOMIA CRIATIVA

ECONOMIA CRIATIVA

e-lixo Você pode ajudar a transformar um problema em solução

O mundo da tecnologia é veloz. Gira rápido. O que é novidade hoje, amanhã já pode ser passado. Um passado obsoleto. A movimentação neste mercado envolve fábulas de dinheiro, é intensa e ganha impulsos impressionantes por conta da sede cada vez maior de consumo. Se por um lado os avanços enchem os olhos dos compradores pelas facilidades promovidas pelos equipamentos tecnológicos, por outro sobra um ônus que vem ganhando contornos graves e polêmicos em praticamente todos os países. O que fazer com o e-waste, o tal lixo eletrônico?

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A pergunta mobiliza governos, especialistas, acadêmicos, entidades especializadas, entidades nãogovernamentais, empresas privadas e, claro, a Organização das Unidas (ONU), que tem lançado alertas cada vez mais latentes de que o assunto é grave e precisa ser encarado de frente. E rápido.

Foi exatamente o Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma) que produziu, em 2010, o diagnóstico que acendeu um sinal amarelo diante desta questão. E a notícia não foi nada boa para a maioria dos países. Isso inclui o Brasil. Já somos o maior produtor per capita de resíduos eletrônicos entre os emergentes. A estimativa da ONU revela que cada brasileiro joga fora o equivalente a meio quilo de lixo eletrônico por ano. Deixamos em degraus mais baixos do pódio outros dois grandes concorrentes e produtores ferozes: China e Índia. Preocupante, não?

POR CATARINA LUCRÉCIA

Asituação, de fato, preocupa. E o Brasil conta com um ingrediente a mais para tratar do assunto como prioridade não para já, mas para ontem. A estabilidade econômica do país e o aumento do poder de compra são conquistas sociais extra ordinárias, mas o consumo exacerbado de equipamentos eletrônicos, como se sabe, tem os seus impactos negativos no meio ambiente. E também para a saúde pública quando simplesmente é jogado fora sem os cuidados adequados. Tudo bem se a gente soubesse o que fazer com o que vai descartar, mas o fato é que neste aspecto a grande maioria está desavisada. Perdida mesmo.

O Governo Federal decidiu agir. Deu um salto e criou, após vinte anos em tramitação, a Lei 12305/2010, que definiu, enfim, a Políti ca Nacional de Resíduos Sólidos. Decreto regulamentando a lei veio alguns meses depois, em dezembro de 2010, mas ainda há um lon go caminho pela frente até que ela, realmente, seja viabilizada, crie na prática parâmetros para o tratamento adequado dos resíduos e, principalmente, forme o ambiente para que todos, incluindo aí cada cidadão, sinta-se envolvido e responsável.

A bola da vez que surge como solução é a logística reversa. Ela prevê que o produto já sai das mãos do fabricante sabendo-se, que

uma vez perdendo definitivamente a sua vida útil, vai voltar para as mãos dele. É o fabricante que ficará encar regado de dar um destino adequado aquele equipamento. Um destino, obviamente, que seja ecologicamente correto.

Joana Sampaio, que integra a equipe do Porto Digital de Pernam buco, aposta nisso como uma das soluções, mas faz um alerta. É pre ciso que haja uma sintonia fina entre todos os atores da cadeia produtiva para que a logística reversa, de fato, funcione. Isso inclui o fabricante, o distribuidor, o comerciante, o con sumidor, catadores de lixo, governos. Enfim, como se vê muita gente. Logo, o entendimento não é fácil.

/DP/DA Press Arte sobre foto de Alcione Ferreira

Patrícia Guarnieri, professora e pesquisadora da Universidade de Brasília (UNB), bate na mesma tecla de Joana. Autora de um dos poucos livros editados no Brasil sobre logís tica reversa e editora de um blog especializado neste assunto, ela acredita que se não houver a mudança de hábitos do consumidor fica com plicada qualquer iniciativa. Patrícia conta que uma pesquisa realizada recentemente na UNB revelou que o consumidor de fato ainda não des pertou para o problema. “É necessário fazer uma campanha nos grandes meios de comunicação de massa para tentar mudar esse hábito. O Governo federal pode encabeçar isso porque as campanhas ainda estão muito restritas”, destaca ela.

Guarnieri faz outro alerta: diz que ainda é necessário operacionalizar os retornos desses resíduos por que não existem aterros suficientes para suportar toda a quantidade de resíduos gerada e a ser gerada.” A logística reversa é responsável pelo planejamento e operacionalização dos resíduos viabilizando sua revalo rização por meio de diversos canais: reciclagem, remanufatura, reuso, venda ou mercado secundário, doa ção, incineração e, em último caso, a disposição final correta”, destaca. E aí ela também chama a atenção para outro imbróglio que pode travar o retorno dos equipamentos para os fabricantes. O forte mercado de se gunda mão no Brasil.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos tem, entre os seus muitos desafios, que desatar esse nó. A legislação prevê a implantação da logística reversa para cinco catego rias de resíduos: eletroeletrônicos; pilhas e bateria; lâmpadas; óleo e embalagens. Das cinco categorias, a única que ainda não há entendi mento é exatamente o time dos eletroeletrônicos.

A polêmica é que daí vai sair uma conta possivelmente alta e é preciso que fique bem claro que ela terá que ser dividida de maneira justa e equi librada. Caso contrário, é como em mesa de bar: alguém vai sair perden do e aí pode ser, mais uma vez, que sobre para quem normalmente paga o pato: o consumidor.

Mudança de hábitos

O lixo eletrônico é uma dor de cabeça mundial. A Bélgica é um dos poucos países que o trata com tran quilidade. O país detém uma das mais avançadas plantas de reciclagem de resíduos eletroeletrônicos do mundo.

O Brasil está atento. Enquanto aguarda a lei de resíduos sólidos sair do papel, assiste à multiplicação de boas experiências. A primeira usina de reciclagem do país deve ser im plantada neste ano em Sorocaba, São Paulo. Trata-se do projeto Sinctro nics, que será realizado pela HP e a Flextronics.

Mas o fato é que muita gente já descruzou os braços e faz acontecer. A Universidade de São Paulo (USP) é uma referência. É lá que funciona des de 2009 o Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (CEDIR), apontado como o maior centro públi co de reciclagem de eletroeletrônicos da América Latina. A USP já faz na prática o que a lei de resíduos sólidos prevê. Treina catadores para lidar cor retamente com os resíduos e está ajudando muita gente a transformar lixo em renda. E mais: estimula as pesso as a descartarem o seu lixo eletroeletrônico de maneira adequada.

Em Pernambuco, a vitrine são as ações que brotam do Porto Digital. Foi onde nasceu o Centro de Controle de Resíduos Eletrônicos, o ITgreen - -Inovação e Sustentabilidade. É o setor encarregado de promover estudos, pesquisas, articulações institucionais e educação ambiental. Pesquisas e a busca pela descoberta de cases de su cesso são algumas de suas missões.

O ITgreen tem tido sucesso na empreitada. Tanto é que comanda o Seminário Internacional Sobre Resí duos de Equipamentos Eletroeletrônicos (SIREE), tido como o maior evento desta área do país. O SIREE já com pletou a terceira edição no início de fevereiro. A programação foi ampla, com palestras, exposições, mesas - -redondas, apresentação de artigos e muitos debates. A ideia é exatamente estimular a pesquisa e consequente mente o surgimento de novidades.

Desta vez não foi diferente. As pessoas tiveram a oportunidade du rante o SIREE de se livrar do museu tecnológico que têm em casa. Foram criados vários pontos de coleta de equipamentos eletroeletrônicos. Se você ainda não sabe o que fazer com os seus, multiplique essa boa prática no dia a dia. Siga a dica dos especia listas. Todos nós somos atores importantes nesta história que pode sim acabar bem. Por que não? destinação dada aos EEE pelo consumidor

10% 7%

19%

35% 29%

doam

guardam vendem

jogam no lixo

outros

>> entrevista Andréa Carestiato

O dia 2 de agosto de 2014 está marcado no calendário de estados e municípios bra sileiros como uma data importante. É o dia D para que todos os lixões do Brasil sejam fechados. Andrea Carestiato, técnica do Ministério do Meio Ambiente, diz que a tolerância será zero para quem não cumprir o prazo.

Em qual etapa está o Plano Nacional de Resíduos Sólidos? A implementação da política en volve uma série de passos. Depois que foi definida, em 2010, ela de terminou que houvesse o seu primeiro grande instrumento, que foi

Arquivo pessoal

o Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Em seguida, passamos à construção do plano, que levou um ano.

O que já foi feito? O plano envolveu uma série de con sultas públicas, regionais, virtuais. Teve um processo de sistematização

coleta de resíduos domiciliares

Fonte: Rodrigues, 2007 descarte

coleta especial reparo ou remanufatura reutilização EEE

incineração

cinzas desmontagem

reutilização componentes

disposição final rejeitos reciclagem materiais opções de destinação dos equipamentos eletroeletrônicos após o seu descarte

sites

www.cedir.usp.br/ patriciaguarnieri.blogspot.com.br/ lixoeletronico.org/ www.mma.gov.br/ www.portodigital.org

das propostas e surgiram os assuntos que a sociedade estava identificando como mais importante. Uma perspectiva do plano é que ele vai ter uma visão de 20 anos e que vai ser revisado de quatro em quatro anos. O plano ordena grandes diretrizes, metas e ações prioritárias.

A logística reversa é a bola da vez? É uma das coisas que a política indi ca porque ela é muito bem definida, mas hoje existe outra questão que é a responsabilidade compartilhada. Vai do individuo até o ponto do des carte, que tem que ser ambientalmente adequado.

O lixo eletroeletrônico é muito es pecífico? Quando a gente fala de lixo eletroele trônico, a gente está falando de eletrodomésticos até computadores. É um lixo muito complexo. Ele envolve uma grande quantidade de tecnologias, alguns resíduos perigosos, materiais que não podem simplesmente ser deslocados de qualquer maneira. Tem toda uma complexidade.

Estados e municípios serão obriga dos a ter os seus planos? Todos os municípios brasileiros. Na verdade, os municípios já tinham que ter apresentado em 2012 os seus planos. Muito poucos apresentaram.

Qual a tolerância? O prazo era 2012 e esse prazo, claro, está estourado. Agora tem um meta muito importante, muito difícil que é que no dia 2 agosto de 2014 todos os lixões do Brasil serão fechados. Todos.

É tolerância zero? Lixão zero. É tolerância zero a lixo. Vai ser muito impactante porque vamos condicionar todos os municípios a darem uma solução ambientalmen te adequada aos resíduos sólidos. É uma questão territorial. Muitos me canismos estão sendo propostos, mas a gente ainda está muito longe de visualizar uma solução 100% para o Brasil.

O fator custo é outro entrave? O consumismo é uma das questões mais importantes que está em tor no da gestão de resíduos sólidos. A gente está discutindo produção e consumo sustentável, além de meio ambiente. Todo esse consumismo gera resíduos. E essa atitude é liga da a educação do indivíduo, da visão de mundo dele. E evidentemente li gado ao seu poder de compra. A gente está em um descompasso porque as pessoas estão conseguindo obter poder de compra e ainda não se de ram conta das consequências.

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