Café e Outras Palavras edição 2

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Café&OutrasPalavras

uma revista pra falar de café e literatura ano I | edição 2 setembro 2018

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setembro 2018

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RECEITAS

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grãos de poesia

roberto prado | daniella menezes roberto feliciano | rose tayra

manual avançado...

você já pensou em fabricar sua própria nuvem?

bárbara daré

tutorial de como não fazer um churrasco


www.wiplay.com.br



TOMARAM CAFÉ CONOSCO NESTA EDIÇÃO: Rose Tayra (Nenê) Marcelo de Oliveira Lemos Roberto Prado Luiz A. B. Braga Alexandre Costa Bárbara Daré Alice Bispo Roberto Feliciano Daniella Menezes Frederico Romanoff

capa e projeto gráfico Alexandre Costa diretor de conteúdo Roberto Prado handmadebookeditora


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alexandre costa - manual avançado para a fabricação de nuvens

marcelo lemos - bota no papel, doutor, bota no papel

bárbara daré - tutorial de como não fazer um churrasco

rose tayra - nenê - hoje saiu bolo de cenoura

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9.....literaturando dicas de leitura

16...dr. divago, islusão de lógica, frases para plagear um breve momento de descontração

38...grãos de poesia

breves poemas de nossos colaboradores

42...para tomar a dois

receitas rápidas de delícias feitas com café

43...haicai expresso

roberto prado e rose tayra-nenê

roberto prado - as pitonisas hodiernas - aniversário: mini drama muito patético - o carrasco

alice bispo - fé - tá semprre tudo demais - profissão sem sentido

roberto feliciano - traços azuis

frederico rmoanoff - poema interessante



AVISO IMPORTANTE Foram tomados 12 sorvetes de diversos sabores nessa edição


café

Tome um conosco e nos conte o que achou desta edição

cafeeoutraspalavras@gmail.com


café&outraspalavras

literaturando

dicas de livros, sites, blogs, programas e tudo mais

LIVRO

Clarice Lispector PARA NÃO ESQUECER Editora Rocco 127 pags Uma escritora decidida a desvendar as profundezas da alma. Essa é Clarice Lispector, que escolheu a literatura como bússola em sua busca pela essência humana.

SITE PORTAL DA CRÔNICA BRASILEIRA www.cronicabrasileira.org.br as mais diversas crônicas dos maiores contistas e cronistas brasileiros num só lugar


guia avançado para a fabricação de nuves

Designer Gráfico, formado em Comunicação e Tecnologia. Contista e racionalista convicto. Fã incondicional de Clarice e Rubião.

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alexandre costa

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café&outraspalavras Arthur C. Stendell em seu manual sobre a fabricação de nuvens, especifica algumas medidas importantes a serem tomadas quando alguém estiver disposto à produção, tanto em massa, quanto em pequena escala talvez visando apenas um comércio local - de tipos de nuvens para comércio. Entre elas podemos citar primeiramente a importância da observação meticulosa e paciente das condições atmosféricas do local onde se pretende abrir o negócio. Sim, porque a fabricação de nuvens é regida por um órgão que não admite a troca de local do estabelecimento - querendo com isso evitar o monopólio de um único fabricante, ou pior, a guerra entre eles. É o local que determina a quantidade, forma e estrutura da nuvem a ser fabricada. Ainda em seu manual, na página sessenta e quatro ele explica: "Para que haja a formação de nuvens é necessário que parte do vapor d'água contido na atmosfera se condense, formando pequenas gotículas de água, ou solidifique, formando minúsculos cristais de gelo. A esta formação, ou aglomerado de cristais de gelo e gotículas damos o nome de nebulosidade." Sabe-se ainda que, neste mesmo livro ele expõe os pormenores de toda a parte burocrática com relação às especificações de "nuvens para chuva" e "nuvens para simples decoração do espaço aéreo", incluindo as coordenadas estabelecidas de sua área de abrangência e a altura, esta determinada exclusivamente para cada tipo de nuvem. Saber exatamente onde e como fabricar sua própria nuvem é essencial para o bom andamento do negócio. As especificações técnicas que abrangem entre outras áreas a segurança, também podem ser encontradas no livro "Normas Técnicas para a Condensação da Água para a Fabricação de Cristais de Gelo". Mas não vou falar aqui da parte burocrática nem técnica, que certamente não é a que mais interessa o leitor neste momento, falarei do processo de fabricação e dos modos - particulares - do exercício da preparação. Se o leitor quiser se aprofundar ainda mais no tema, sugiro que leiam W.C. Scotty , que narra sua aventura particular com uma de suas nuvens mais famosas. Particularmente acho que algumas pesquisas na internet também irão ajudar no momento da escolha do tipo certo de nuvem que se quer fabricar. Alguns designs são simplesmente incríveis. E vejam só, pode-se inclusive, comprar um kit com cristais de gelo e canhão de 12 polegadas, ou uma incrível máquina que prepara sozinha a nebulosidade. No caso do kit, você vai precisar contratar os serviços de uma empresa que prepare a nebulosidade e a carregue até a altura ideal para seu tipo de nuvem, e claro uma licença municipal, estadual ou federal para usar o espaço aéreo no local determinado, dependendo do tipo de empresa que você tem. Empresas locais necessitam apenas de uma licença da prefeitura. Já a máquina que prepara a nebulosidade, esta sim já vem com todas as licenças para uso geral-padrão, é bem mais caro, mas dependendo do tamanho do seu negócio, vale o investimento.


café&outraspalavras Em 1860, a fabricação de nuvens de chuva ou decorativas era um negócio pouco explorado, mas como sabemos a necessidade é a mãe das invenções e, Juan Estorero inventou e patenteou uma máquina que fabricava os cristais em 1861 . Em sua casa na cidade de Charaña na divisa com o Chile, Estorero observava um céu claro - completamente azul - e sem uma única nuvem para lhe aguçar a imaginação - como na brincadeira de criar coisas ou animais com as formas das nuvens. E pensou que num dia tão belo quanto aquele, as pessoas não deveriam passar seus momentos sem um ofício para a mente, e inclusive, pensou também no fato de que, sem as nuvens, o dia ficava muito mais quente que de costume, e assim, de uma necessidade e um capricho, inventou a primeira máquina de fabricar cristais de gelo condensando-os para criar nuvens. Ainda nesta época não existiam os canhões que arremessavam os cristais na atmosfera criando a nebulosidade. De qualquer maneira começa nesta época a fabricação de nuvens decorativas, que hoje se constitui numa arte para poucos gênios do design. Quanto ao aspecto: a aparência geral de uma pessoa pode indicar aos nossos olhos e sentidos se ela é agradável ou não a nós, isto também acontece com as nuvens. Quando olhamos para as cinzas sabemos que há probabilidade de chover, enquanto que se ela é totalmente branca nos traz uma sensação de beleza e frescor. Então imagine que uma pessoa cinza é uma nuvem de chuva e outra bonita é uma nuvem branca. Não, não pense nada disso, isto é preconceito, nem pessoas nem nuvens merecem isso. Quanto à constituição: imagine um aglomerado de pessoas de mesma condição socioeconômica ou credo, por exemplo, isto se denomina uma constituição. Entre elas existem as otimistas, as pessimistas e as realistas, criando assim uma espécie de divisão de grupos. Com as nuvens acontece a mesma coisa. Existem as sólidas, as líquidas e as mistas, que embora sejam uma constituição de nuvens também estão dividas em classes. E pensando bem não é bom para as pessoas serem divididas em classes, pois isso geraria uma luta entre elas, criando uma divisão nada agradável de castas que lutariam pelo poder, constituindo assim uma dominação desigual, pois os mais equipados teriam mais vantagens que desvantagem nessa luta. Com as nuvens também não seria legal, principalmente porque um profissional do ramo não pode escolher qual tipo de nuvem é mais bonita ou agradável que outra, pois isso geraria um caos orçamentário, sem contar que órgãos federais exigem e fiscalizam a isonomia dos tipos de nuvens em todo o território nacional. Quanto ao estágio: a produção industrial advinda da revolução acontecida no fim do século dezenove produziu uma espécie de explosão tecnológica e financeira no mundo, dividindo as pessoas em classes sociais cada vez mais diferenciadas, ou seja, os ricos enriqueceram muito mais, os pobres continuaram pobres e, ao invés de plantar sua própria comida, viraram empregados dela, pois o emprego em fábricas e indústrias mudou essa relação do homem com a terra e seus produtos. Evidenciou-se muito mais as diferenças das classes sociais. Com as nuvens podemos dizer - numa metáfora tardia - que essa relação é muito parecida: existem as baixas, as médias e as altas.

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guia avançado para a fabricação de nuves

Por ser tratar de uma condição de nossa mente, subjetivar as coisas é normal, e não poderíamos deixar de fazê-la com as nuvens. Assim, as baixas são as menos importantes, as médias são simpáticas e as altas são as mais belas e melhores. Mas deixando de lado toda essa idiossincrasia com relação à fabricação de nuvens, é pertinente dizer que vale mesmo o feeling nessas horas. Faço aqui um breve relato particular de como consegui produzir a minha primeira nuvem, e é claro, não posso esquecer-me de dizer que: se você não tem uma mente criativa que fixe a priori a ideia da nuvem dentro de sua cabeça antes mesmo de sua confecção, não há porque nem sentido em começar a fabricá-la fisicamente. Um estado de bom humor e aceitação já é um bom começo, os estágios mais avançados requerem um nível de concentração que você só encontrará na meditação, na yoga etc... Faça, logo que acordar e ainda em sua cama, uma prece dirigida a qualquer coisa que você creia, não importa se é física ou não, isto serve para liberar a endorfina acumulada durante o sono. Isto serve para ligar o motor da mente criativa. Em seguida, com os pés descalços pressione os dedos contra o chão, um de cada vez, apoiando a mão na cama para ter uma pressão mais uniforme. Esse exercício serve para endurecer as pontas dos dedos - vai que hoje seu carro quebrou e terá de ir trabalhar de ônibus. Veja bem, não há motivo para estresse. Lembre-se de que estás prestes a criar sua primeira nuvem e o equilíbrio emocional é muito importante. Arranje um horário em que não será incomodado por ninguém e deite com as costas contra o chão, fixe seu olhar no céu num ponto em que não haja uma nuvem já pronta, pense em como a sua relação com o mundo à sua volta determina suas atitudes pense na relação de perda e ganho com você mesmo, sinta-se parte da paisagem. Viu? Não é tão difícil assim. Seguindo estes passos, uma imagem será criada em sua mente, então transfira essa imagem para o papel em palavras, diga como está se sentindo. Então espere o dia seguinte e, novamente quando acordar, pegue este papel e crie a imagem de uma nuvem baseado no texto. Pronto, você acaba de criar sua primeira nuvem. Para saber como criar tempestades, leia meu mais novo livro "Criando tempestades em onze passos", da editora handmadebooks.

alexandre costa

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bota no papel, doutor, bota np papel!

Mora em Pirajuí, uma cidade, que como dizem seus moradores, Bauru fica perto! É Comerciante. É Gourmand. É Gourmet. Um Bon-vivant, e (coisa raríssima), possui seu próprio campo gravitacional (gordo).

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marcelo lemos

marcelo lemos

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Na sala de espera a uns 30 minutos, fui chamado pela atendente: - Pode entrar. Após o protocolar e cordial bom dia, o médico pediu que me sentasse. - O que lhe traz aqui? Perguntou-me aquele senhor de seus 50 e poucos anos, já meio grisalho. - Gazes, doutor, gazes! - respondi. - Você tem muita dificuldade em solta-los? Vai ao banheiro com regularidade? Tem muitas cólicas? - disparou o médico, uma rajada de perguntas, como quem teria ainda um caminhão de pacientes para descarregar naquele dia. -Não doutor! - disse eu - ao contrário, tenho dificuldades, enormes dificuldades em não solta-los. -É o dia todo! Nisso, dá uma discreta risada e fala: - Mas você então é saudável! Dezenas de pacientes entram aqui, no desejo de ser como você. Sofrem com cólicas horríveis! -Mas doutor, isto está causando problemas terríveis de relacionamento, principalmente no trabalho. Meu chefe arranjou uma sala só para mim, o que desconfio não ter sido apenas por meu mérito profissional. - contra argumentei. - Gostaria que me receitasse algum medicamento para acabar com todo este infortúnio. - emendei. Aqui merece uma pequena nota explicativa deste meu mal cheiroso drama. Morando a mais de um ano no Rio e fã da culinária local, principalmente do diário feijão preto, meu organismo não se habitou com tranquilidade à sua condimentação, o qual me transformava em um enorme tanque de lacrimogêneo sobre pernas, o que, se não fazia inimigos, dificultava e muito a convivência com meus pares, causando embaraçosas situações. O doutor riu novamente e disse: - Fique tranquilo. Não existe remédio para isso. Você é saudável, normal, entendeu? Um tanto quanto decepcionado fui me levantando e disselhe: - Entendi doutor, entendi! Agora, o senhor me faz uma gentileza, bote isto que acabou de explicar-me no papel e assine, para que eu possa apresentar lá no trabalho. Voltei ao serviço na rua Riachuelo, a algumas quadras dali, com as mãos abanando, sendo que a da direita, atrás de mim.


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Outras frases para plagear “Onde existe um caminho, existe uma possibilidade.” “Se você não consegue criar, copie. Se não consegue copiar, morra!” “Só diga a verdade se não tiver ninguém para te ouvir.” “O sol nasce para todos. Mas, e se o mundo não girasse?”


tutorial de como não fazer um churrasco!

Uma doida de quase trinta anos, mãe da Clara, otimista irremediável e escritora nas horas vagas (horas essas que quase nunca chegam). Viciada em séries, coisas nerds, dormir, cinemas e comida boa. Descobriu que nunca mais teve tempo para nada disso, mas aproveita o que dá (e como dá) como se não houvesse o amanhã.

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bárbara daré

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Pedimos a colaboração dos leitores em não perguntar à autora sobre a veracidade dos fatos. Devido a ameaças de vida, ela não pode responder tais perguntas. Agradecemos a colaboração. E foi mais ou menos assim... Um sol de cozinhar os miolos e um calor aparentando ser uma amostra grátis do que seria o inferno (apesar de eu acreditar cegamente que o inferno é aqui, enfim...). Semana estressante. Trabalho, muito trabalho, dor de cabeça? Até demais. A promessa era um churrasco ao fim de semana. Bom demais. Churrasco, piscina, chácara, rede e tranquilidade. O que mais poderíamos querer? Como não consegui folga no fim de semana para ir com o resto do pessoal na sexta, tive que ir sábado depois do trabalho. Peguei minhas "tralhas" absurdamente rápido e nem um minuto depois do programado eu já estava no ônibus rumo ao paraíso. Eis que começa a aventura... Foi combinado de irem me buscar na estrada até porque esse lugar maravilhoso, pelo qual amo demais, fica absurdos quatro km para "dentro do mato" e não tenho nem em minha imaginação mais fértil condicionamento físico para isso. Descendo no ponto de ônibus notei Lindomar Orlando, O Tio (usaremos pseudônimos nessa história para preservar a imagem e a dignidade das "vitimas") já me esperando com uma cara de extrema preocupação. Estava ao celular. Aproximei-me e ele apontou para eu entrar no carro. Joguei minhas coisas lá dentro e fiquei prestando a atenção na ligação: - Porque vocês não vêm tomar um café aqui com a gente? Vou fazer um churrasco... É... Então apareçam... O que? Ah, vim buscar a Barbara na estrada, por isso estou ligando, sabem que lá não pega celular. Ah, ok! Vou esperá-los. Tchau. Desligou. Olhou para mim sério e impassível. - A Fabiana não vem. - Como assim? -perguntei - É... Ela não vem. Eu estava ligando para outro pessoal para ver se eles vinham, mas não acredito que isso aconteça. Na minha cabeça eu sabia a resposta de tudo isso. Chamar as pessoas com antecedência é o melhor negócio. Mas, enfim, como a chácara é dele, ele bem faz o que achar melhor. - Quem vai fazer o churrasco? - questionei. Ele arfou, deu uma baforada do seu cigarro e desconversou. Eu não disse mais nada. - Lá vem o Hal - apontou Lindomar. Hal Jordan, O Sobrinho, vinha em passos lentos com sua camisa de "Vingador" e óculos de sol parecendo um matador. Eu quis rir, sério mesmo, mas não o fiz. A situação estava ficando meio tensa. Mentira! Eu ri sim, não perderia a oportunidade, mas não deixei ele ver. Mentira! Acho


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que ele viu sim... Enfim... - Pronto tio, comprei o pão! - ele disse arfando, suando em bicas. - Ótimo! Então vamos embora! Entramos no Titio Móvel , atualizando as fofocas, no rádio boa música como sempre, mas dentro do meu coração algo gritava que alguma coisa ia rolar ali de estranho. Meu coração? Meu estômago? Vai saber! Chegamos lá, cumprimentei a titia e a pedidos sérios do meu amado tio de eu enfiar um biquíni logo, devido a sua aflição de me ver num calor tão grande cheia de roupas pretas, saio em disparada para me trocar. Voltando vi que a "coisa" tava ficando séria. E assim seguem-se os fatos: L. Orlando vai em direção a churrasqueira. Joga carvão. Joga Álcool. Toca fogo. O fogo sobe, ele abana. O fogo acaba. Mais álcool, mais fogo. O fogo sobe. Ele abana. O fogo apaga. -É por isso que eu não gosto de fazer churrasco! Eu não entendo como eles conseguem acender isso. - esbravejou ele pegando outro cigarro. -Você não sabe acender uma churrasqueira? - indaguei sentandome à mesa. Hal olhou para mim balançando a cabeça negativamente. Meu Deus! O que seria de nós? O que seria do nosso "papa"? Não disse nada, pois a situação era tão tristinha que eu não queria piorar. Pobre do meu tio. Colocou mais álcool, que por sinal já estava acabando, o fogo sobe até o alto, mas começa a baixar. Hal tomou as dores do tio e correu para ajudá-lo. Colocaram tanto carvão que ele também já estava acabando junto com a minha esperança de um churrasquinho... Sai para tomar uma água, relaxar e quando voltei pensa numa coisa "tensa"? Vi Hal enrolando jornal e jogando na churrasqueira junto com vários pedaços de papelão. Sério, fiz uma retrospectiva mental rápida de todos os churrascos que fui na vida e não me lembrava dessa parte. Caos! Eles correm jogando cada vez mais coisas lá dentro. Hal quase se queima diversas vezes. Os dois pretos devido à fumaceira que está invadindo o recinto. E pior, com óculos de sol para não queimar a vista!!! Tem como não achar a situação um tanto... Estranha? E chegamos à pior parte? Não! Num ato de desespero vejo meu tio passando correndo e jogando o que meus caros leitores? Querosene! Dou um grito. O fogo se alastra. E a maldita churrasqueira não pega DE JEITO NENHUM! Uma fumaça preta começa a subir e Lindomar não satisfeito, com uma expressão homicida joga Removedor! A situação não poderia estar pior. Aquele cheiro de removedor se alastra rapidamente e não vejo a possibilidade de assar alguma coisa ali. Mas como para eles já não era nem fome e sim orgulho, a batalha não havia terminado. Viro as costas. Meu Deus! -Agora sim! -ouvi os dois festejando. Olho e vejo dois ramos de alecrim queimando junto com aquela "macumbaiada" toda. Alecrim? Isso mesmo!

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-Para que Alecrim? - suspirei totalmente descrente. -Ora! - exclamou L. Orlando como se isso fosse a coisa mais óbvia do mundo - para tirar o cheiro do removedor. HAHAHAHA Só rindo mesmo. Sério, na minha mente não havia mais a remota chance de alguma carne ser assada em tal situação. Mas agora não sei, se foi Deus, se apiedando, se foi a churrasqueira mesmo, desistindo da guerra... Só sei que "puf" a churrasqueira finalmente pega. Olhamos todos surpresos um para o outro. Claro, aqueles dois coitadinhos acabados depois da guerra só faltaram chorar. L. Orlando logo correu e botou para assar tudo. Dizem que a fome é o melhor tempero. Olha, de verdade não sei se concordo ou discordo. Mas sei que o "negocinho" ficou bom viu? Depois os caseiros foram lá e comeram com a gente e elogiaram a beça. Ninguém contou nada sobre como foi feito o tal

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bárbara daré

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hoje saiu bolo de cenoura

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Natural de Santos. Atualmente morando no interior. Tem como "ideia fixa" destilar das cenas do cotidiano a sua mais nobre essência, tendo como posto o balcão, seu aliado, onde recebe a outorga de ouvir confissões sem ser ordenada e fazendo análises sem ser diplomada. Formada em Arte e Educação.


rose tayra - nenê

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Ele suspirou... -Há quatro meses - ele disse - não consigo comer bolo de cenoura. Era o bolo que minha mãe fazia... Depois de uma longa respirada, decidiu que levaria o bolo. Enquanto eu fatiava os frios, aos poucos, ele foi falando sobre sua mãe, disse que, sempre bem farrista, ainda não acreditava que ela tivera um infarto e se fora. Mesmo depois de sua morte ela ainda pregou peça nos parentes disse ele, e contou-me esse acontecido... Dias antes de partir, ela já não estava se sentindo bem. Aproveitando os dias em que estava em casa, de repouso, colocou as conversas do celular em dia. Uma delas foi com sua tia, a qual mora em outra cidade e nessa conversa, sua tia finaliza, dizendo que era preciso se ver mais vezes... Não deu tempo. Na partilha dos pertences, ele ficou com o celular da sua mãe. Como uma simples lembrança, deixou-o de lado. Certo dia resolveu ligar o aparelho; imediatamente caíram várias mensagens que deveriam estar na caixa de espera. Em seguida, recebe uma ligação de sua prima, nervosa, para saber o que estava acontecendo, pois sua mãe acabara de receber uma mensagem da mãe dele, em que dizia: -BREVE NOS ENCONTRAREMOS!!! A sua tia quase enfartou!


as pitonisas hodiernas

Encrenqueiro, formado em Comunicação e Tecnologia. Perpetrador de quatro livros. Atualmente dedica-se ao haicai, mais por preguiça que por talento. Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni- ALTO.

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roberto prado

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Dizem que o dinheiro não traz felicidade, nem compra o amor. Será verdade? Senão, vejamos essa propaganda que está colada em todos os postes da cidade, em qualquer bairro, seja ele pobre, miserável (o que mais tem) ou rico. Parece que independente da classe social do indivíduo, o amor não está fácil. Quando começamos a precisar de ajuda de cartomantes e outras formas heterodoxas de auxílio para encontrar a cara-metade, o outro pedaço da laranja, acho que a vaca foi para brejo. Tento imaginar a cara da pessoa entrando no consultório (?)\ barraquinha de lona colorida (?) ou seja lá o que for que a tal vidente do amor use como ponto. Lá está o coração solitário, olhos fundos, pálida\o, mãos tremendo e suadas na mão calejada e cheias de anel de pedras falsas, correntes de ouro, também falso, lenço encardido na cabeça com cabelos tingidos de preto da dita vidente. Sim a pessoa, tem que estar muito, mas muito desesperada mesmo para se sujeitar a isso. O que houve que com o nosso mundo? Não me espanto com a propaganda de vidente de amor. Videntes que ajudam a ganhar dinheiro (que vontade de tentar...), videntes que enxergam o futuro, nada disso é novidade, elas existem desde que o mundo é mundo. Mas eu esperava que com o tempo, com a tecnologia, com a facilidade de comunicação, as pessoas se tornassem mais céticas a esse respeito. Só que em vez do ceticismo, tornaram-se cínicas umas, e mais burras outras. Por favor, não percam tempo com essas falsas pitonisas hodiernas, saiam mais à rua, conversem com seus vizinhos, saiam de seus casulos de egoísmo, e dêem ao próximo a chance de se aproximar de você. Quem sabe o amor está ao seu lado e você ainda não percebeu. Aplique o dinheiro que você depositaria nas mãos da velha bruxa em um cinema, uma lanchonete, e quem sabe se tiver sorte, num motel? Como já cantava o velho George Harrison: O AMOR CHEGA PARA CADA UM. Pensem nisso.


aniversário: mini drama muito patético

roberto prado

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Trinta e três mensagens de feliz aniversário, Cinco telegramas desejando saúde e mais anos de vida, Um buquê de flores vermelhas com bilhete de "admiradora secreta" (na verdade da Glorinha do escritório), Uma mensagem anônima e melosa, com fundo musical de Kenny G. pelo telefone (ainda da Gorinha do escritório), Dois torpedos do pessoal do futebol. Um bolo ainda inteiro sobre a mesa com as velinhas afundadas no glacê, cervejas quentes, a TV ligada, e ele dormindo no sofá... O cachorro ainda na esperança de comer alguma coisa...

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roberto prado

Passos fortes e pesados de botas ecoava pelas escadas de pedra bruta que levava à masmorra, o verdugo deliciava-se com os gemidos e ais que subiam junto com o ar quente fétido lá de baixo. Enquanto descia ia batendo com o látego nas botas. Esquentando o couro para a seção de tortura diária. - Ainda me pagam para isso - ria consigo mesmo enquanto futucava a cárie de um dente com um palito e de lá tirava uma lasca de carne. Com um chute violento abriu a porta de madeira maciça. Não estivessem agrilhoados, teriam pulado até o teto. O som tilintante das correntes agradou ao verdugo, sim ele era pago para isso... Chicoteou o ar com raiva e prazer, e os condenados uivaram de dor, condicionados que estavam com as torturas brutais e diárias. O carrasco, vaidoso de seu mister, aprimorava-se agora na arte da tortura psicológica. Já nem precisava açoitá-los para que sentissem dor, o simples estalar do chicote no ar já os fazia contorcerem-se de agonia. -Muito bom assim - gritava. Poupam-me de gastar o couro no sangue sujo de vocês. - O ar era açoitado sob gargalhadas e gritos de dor. Gritem, gritem. Quero ouvir vocês pedindo mais, peçam mais, vamos peçam mais... Mas em meio a tanto berreiro um voz se fazia ouvir debilmente, uma voz chorosa, fraca e submissa: - Sim. É assim que eu gosto - e unindo voz a ação passou a vergastar as costas do pobre infeliz. - Vamos peçam mais, peçam mais. Tenho lambada para todos, vamos peçam mais, quero ver todo mundo dançar... Só parou a tortura quando o suor empapou-lhe o capuz negro de couro. Tomou de uma caneca de vinho que estava sobre um catre vazio, e entornou-se de uma só vez. Limpou a boca com as costas da mão e alisando o chicote começou a ponderar com os pobres coitados que lá estavam: - Parece-me que vocês passaram a gostar da tortura. Há quanto tempo torturo vocês? Há quanto tempo? Outra vez aquele débil miserável levanta o dedo indicador da mão esquerda - toda a mão direita já havia sido decepada e cauterizada com uma tocha que iluminava a masmorra - e tenta falar com um fio de voz: -Senhor... - tosse num murmuro mais fraco ainda - senhor... Seguido de uma violentada chicotada que arranca-lhe a orelha, o carnífice fala: - A pergunta foi retórica, retórica - e com outra vergastada arrancalhe a orelha direita agora. - Mais alguém quer falar alguma coisa? Um silêncio covarde encheu a sala, só quebrado pela gargalhada selvagem do algoz que agora chicoteava de verdade e com vontade os prisioneiros acorrentados nas paredes verdes de musgo e umidade. Pouco ainda tinham forças para gritar ou mesmo chorar. Muitos já haviam padecido tanto que estavam imunes a dor, já não sentiam nem mais as articulações, eram pele, osso e apatia.

o carrasco

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Por que estavam lá? Não mais se lembravam... Quais crimes cometeram? Crimes? Fossem quais fossem os crimes, à essa altura já estavam todos redimidos, todas as culpas espiadas. Para desgosto do verdugo já estavam acostumados à dor, à humilhação, aos maus tratos. Não sabiam os governantes que a maior tortura impetrada contra eles era justamente a falta da tortura. Nada era pior para eles que o domingo, dia em que o inimigo-irmão descansava. Um dia perdido, um dia sem utilidade, um dia em que "o dia não passava", um dia perdido. Tortura maior não era a tortura, mas a falta dela! - Vamos confessem, confessem alguma coisa - mais que gritar, implorava o biltre torturador - me dêem mais razão para fazê-los sofrer. Vamos não me façam chicoteá-los à toa, me dêem motivo. Preciso de motivação, estou farto de ser chamado de sádico... O maldito bárbaro não percebia que suas ameaças eram vazias, ele lidava com mortos-vivos, cujo único prazer agora era o sofrimento, a dor, a humilhação, a vergonha de tamanha fraqueza, e vontade de viverem mais um dia, para ter a garantia da dor de amanhã. - Ainda vou acabar matando um de vocês qualquer hora dessas, vamos me digam alguma coisa! E outra vez, aquele fiozinho de voz, impotente, quase sobrenatural, fezse ouvir: - Senhor - tosse - senhor... - Sim infeliz, parece-me que só você está disposto a falar hoje. Fale logo antes que lhe corte a língua com outra vergastada. Tremulo de felicidade por ter conseguido a atenção de seu carrasco, e olhando com superioridade para os colegas presos nas paredes diz com indisfarçável regozijo: - Senhor - tosse - senhor... Impaciente e temeroso que a confissão do infeliz acabasse com o seu prazer profissional, ele arranca-lhe a língua com uma certeira chibatada. - Se alguém comentar que eu fiz isso eu peço as contas. Vocês querem isso? E em uníssono, como que uma coreografia ensaiada à exaustão, todos, dançando presos às paredes, responderam: - Não, não, não, não... As palavras ecoaram para fora da masmorra, atravessaram as paredes e o teto chegando ao ouvido do rei, que satisfeito comenta com um de seus ministros: - Esse carrasco é bom!

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Descanse um pouco aqui até o próximo texto


Escreve sem motivos e com muitos motivos. Na forma mais clara: escrevo o que vejo e o que sinto. E, como por ironia, me transformo em minhas prĂłprias palavras.

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Hoje mais cedo, há uns vinte minutos atrás estava em uma briga de palavras. A oponente em questão - você já sabe que era uma mulher - era a minha mãe. Naquela tão calorosa discussão acerca da existência de Deus e que Ele é detentor de todos os destinos, as tristezas, as alegrias e que, por isso, a Ele deve veneração e comprometimento de consciência completos do ser humano, ela ficou impaciente e jogou baixo, como dizem. Mas tudo bem, pois é o que acontece na maioria das vezes, não todas. Então, resolvi pegar esse pequeno acontecimento como uma parte do todo da dúvida. Percebi que a dúvida é perigosa onde vivo (num bairro subalterno e cheio de casinhas com cheiro de café caseiro). Não só aqui, mas também no ambiente religioso e, pelo Brasil ser essencialmente religioso, é também perigoso esboçar qualquer opinião que vá contra a grande e esmagadora maré cristã. Algumas pessoas entram em colapso consigo mesmas em apenas imaginar a ideia de se confrontar com deus, o "criador". Outras, apenas agem com indiferença e acreditam onde e quando é possível acreditar, a famosa fé pela fé. E eu fiquei no meio da fé pela fé e da fé absoluta e abridora de caminhos. Quando você não assume postura qualquer, é tido como fraco, indeciso, doente, talvez. Mas é bom não tomar partido de nada, ser a folha que vai onde pensa que vai. Outros acham que é ruim você sabe. "Assim você não estabelece um foco na sua vida". Tudo bem é verdade, não tenho foco na vida. Não mesmo. Tenho foco na minha felicidade, a vida é uma questão de respiração, a morte é a falta dela. Atribuir tons de melancolia e romantismo é do ser humano. Prefiro acreditar no que faz sentido. Acreditar em não acreditar em nada já faz algum sentido. Mas aí é que mora a grande questão da dúvida. Você transformar a sua dúvida em doutrina e estabelecer que todas as outras doutrinas são falsas, resumindo, ser um cuzão. "A que ponto você quer chegar, afinal?" Sabe, é uma pergunta interessante. Eu sempre tratei as respostas com mais zelo que as perguntas, achava sinônimo de inteligência as respostas. Mas, na verdade relativa da vida, não. A minha resposta encontrada era submissa de um filtro diferente da do outro coleguinha e, por isso, sofria diretamente com a minha visão de mundo. O que quero entender e deixar você perguntando é: se a minha verdade é passiva do meu filtro, da minha consciência, do meu intelecto e da minha indagação, como posso estabelecer que ela é uma verdade? Então, existem verdades e verdades. De muitas idades, pesos, cabelos, corpos, identidades, enfim. A verdade é estabelecida por cada um e deve ser seguida da mesma forma, por cada um. Questões como a apresentada, se deus é realmente o criador, devem ficar unicamente no âmbito do ser. Do confortável.


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A igreja fez verdades de diferentes filtros e estabeleceu como via única do conhecimento divino. Isso escravizou as outras verdades e pôs vendas ilusórias em todo o tipo de gente. Em todo tipo de época, em todo tipo de visão. A doutrina exerce o poder do norte a ser cumprido. E, quando não, deve ter uma postura rígida e exclusiva contra todos que se opõem. É um fato. Complexo, pois abrange vários campos e, nesse texto, quero deixar o que sei e no que ando pensando. "Mas, qual é o SEU ponto, afinal?" Se fosse para apresentar uma resposta, nem iniciaria esse texto. O que me encanta em questionar, é justamente não saber, porque senão, obviamente, estaria plena e satisfeita com toda minha sabedoria e conhecimento. Mas não estou. Estou cansada, estou incompleta. Muitos parariam aí e ficariam satisfeitos em saber que, por não acreditar em verdade absoluta, estaria vazia de deus e precisando de tratamento teológico. Mas é justamente por estar vazia que quero ser preenchida com vários tipos de líquidos e de verdades. "Tudo bem, mas qual é a porra da finalidade desse texto?" Sinceramente, novamente, não sei. Por um lado me sinto massacrada de ideias de diferentes épocas e por outro sinto o prazer da busca sendo, finalmente, exercido por mim. Encontrar o que estou procurando nunca vai ser possível, mas achar caminhos alternativos é meu norte. A minha questão é a questão que faz todo mundo ficar meio irritado por não saber ao certo, não saber se o que sabe é realmente verdade. Apenas ir seguindo na segurança tão absurdamente incompleta, quanto unicamente conformista e ditadora. A verdade religiosa do cristianismo ainda é uma verdade, dentre tantas outras. Mas uma coisa que a gente nunca vai saber é ser completo na dúvida, incompleto na crença, tolerante na igreja e amante, com todo o coração e alma, do próximo. Mas, tudo bem. Pelo menos ainda temos uma coisa em comum: a humanidade. PS: E, ah, todos nós cagamos também.

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alice bispo

Estou cansado dessa demonização de tudo. Tudo parece tão distante, tão íntimo. Todo mundo tá sempre tão vidrado, enjaulado, enraivecido ou cheio de razão. Tudo demora demais, é imperfeito demais, caro demais, barato demais - desconfie!; Tudo ligeiro demais, doente de mais; Tudo é sempre agora agora agora... O amanhã se esconde nos planos, nas viagens, nos términos, nos desdobramentos, nos trânsitos, no descanso, nas férias, no estudo, na igreja, no juízo, no amor verdadeiro... Tudo se enquadra no depois e esse depois nem existe. Todo mundo perdendo tempo, comendo tempo, cuspindo tempo, vomitando horas, segundos, milésimos... Dias, meses, anos, décadas. CARALHO! Ninguém enxerga ninguém. Porque os vultos se camuflam na sensatez da miséria planejada. Ele não tem porque não pode ter... Tem sempre que abaixar as janelas do carro, pôr cortinas nas janelas da sala, pôr café na xícara, pôr desejo e amor nas coisas... Coisas e mais coisas que se traduzem na obsessão por uma mente limpa. É tudo carregado de etiqueta, de preço, de valor pré-determinado. E a gente se encaixa onde? Eu não quero coisas. Porque eu ficarei vazio, um saco flutuando em meio a tantos milhões... Eu não quero dinheiro e não quero que você me convença que sou burro. Eu quero viver do que me é agradável. Eu quero escrever. Eu quero saber viver. Eu quero fotos, eu quero lembranças e risadas e esperanças e boa fé. Tá todo mundo angustiado procurando alguma coisa... O QUÊ? Procurando a grana a gana a barbárie... Pagando muito e colhendo pouco... Cagando muito e comendo pouco... Todo mundo doente e na doença vendo sanidade. Se a cura pra tudo isso existir, me chama no chat.

tá sempre tudo de mais

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profissão sem sentido

alice bispo

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Nem vai dar tempo de sentir saudade, ela me dizia a caminho do ponto de ônibus. Eu sempre interiorizava que seria verdade e que realmente a semana passaria bem rápida. Na maioria das vezes, passava. Mas nas piores, nas semanas de cinza, em que eu me mantinha presa nos hábitos e na rotina enquadradora, não passava rápido. No meio da semana me batia um ar sufocante e comum. Ele sempre se fazia presente em semanas de cinza. Esperava, eu esperava muito. Sempre aquele acontecimento, aquele trago, aquele elogio, aquele programa de televisão que não fazia porra nenhuma de diferença na minha vida... Esperava que chegasse o momento em que tudo faria sentido. Em que a escrita fizesse sentido e não fosse o emaranhado de palavras cuspidas numa folha virtual. Eu esperava que a escola acabasse e que com esse término um novo ciclo se iniciaria. O ciclo bom, o ciclo adulto. Eu punha meus fones todos os dias e me acomodava em mim mesma. Segunda-feira, tudo bem; terça, tudo bem... quarta... o meio da semana, aquele meio de caminho tosco entre a despedida e o calafrio da chegada, do abraço que daria nela. Tudo sempre inacabado, tudo sempre automático, pensado. Um grande ciclo que não acabaria com a escola, que pioraria com a vida adulta. Ela dizia que eu tinha talento. Que as palavras que eu escrevia eram boas, as histórias também. Eu me escondia em tentar ser alguma coisa, pra quando alguém me perguntasse, eu tivesse uma resposta. Sempre do meu lado, como a pior e a melhor das companhias. Evoluiu comigo. Materializou-se comigo. O que antes era um refúgio virou só um momento de se encontrar. As palavras nunca me abandonaram. Eu sempre mantive um bom contato com elas. Nas redações, nos textos dramáticos, na poesia de bar, ou no meu caso, na poesia dos 13. Eu mantive um bom contato com ela. Uma vez ou outra deixava alguém ler. "você escreve para alguém ler"... Não necessariamente. Um escritor escreve, obviamente. Alguns por status, outros por rotina, outros sem motivo, e outros, os melhores, por angústia. A angústia do medo. O medo de todo mundo e de ninguém. O medo de se embaralhar entre a multidão e não conseguir mais enxergar o próprio rosto. Então, as palavras, surgiam, sempre do nada, passando pelos seus dedos e chegando a tela, ou ao caderno. Elas vinham e essa coisa de escrever saía. Mas você sabia que voltaria. Sempre voltava. Elas sempre voltam. Flutuando na sua cabeça, flutuando... Elas queriam existir, queriam habitar num mundo fantástico, num mundo carnal, num mundo invisível. Todas egoístas e escravizando você. Elas eram amigas de quem nunca quis algo verdadeiro. De quem se escondia dentre as letras, consoantes ou vogais, as palavras mais bonitas ou as gírias mais banais, elas sempre achavam um jeito de estarem ali. Eu lia demais. Então eu não conseguia mais fugir. E eu sabia de que tudo tinha começado com um desejo de compreensão. O papel mais suave que acolheu a pior melancolia, o primeiro ato num teatro da vida

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clandestina. A vontade de se despir e encarnar em outra pele. De se fazer visível em outros olhos e escutado em outros lábios. Não existia nada senão o desejo da outra coisa. De um outro estado. Tudo mais perto, mais longe, mais amargo, com aquele gosto de gratidão. Eu não sei o que me faz querer escrever e não quero explicar, porque sempre ingratas e egoístas que são, desapareceriam do meu entendimento e ficariam presas no inconsciente. Pelo menos eu me vestia de alguma coisa. Penteava o cabelo liso de alguém. Espionava a puberdade masculina. Desenhava pelos dedos de outra pessoa. Jurava amores sem fim pro menino mais incompreendido. Saciava minha sede de gozo no pervertido mais brutal. Eu vivia com várias faces, com diversos pesos e sonhos. Com posses e mais posses e sem nada. Eu vagava dentre pessoas e mais pessoas. Eu era escritora. Quer saber de mais uma coisa? Eu não tenho a menor ideia de como tudo isso começou.

NÓS ERRAMOS, MAS FOI SEM QUERER!!! O colaborador Marcelo Lemos chamou-nos a atenção para alguns erros na publicação de seu conto Angelus Calidus, que prometemos republicar numa próxima ocasião


traรงos azuis

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Livreiro, formado em jornalismo e escreve no site 'estante caรณtica'. Nรฃo sabemos se ele aborrece com cores de capas de livros.

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roberto feliciano

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Oi. Desculpa te mandar uma mensagem assim, tão em cima da hora. Mas é que eu pensei muito e percebi que não vou conseguir ir ao nosso encontro de daqui a pouco. Conseguir talvez nem seja a palavra. Acho que eu não quero mesmo. Não que eu não queira te ver e estar com você. Aliás, descobri que essa é uma das coisas que mais quis na vida até hoje. O que acontece é que não vai dar pra levar isso adiante e a culpa é toda minha. Da minha noção exata e realista de onde isso vai acabar, da minha sensação de que estarmos aparentemente vivendo uma grande paixão não nos garantirá felicidade, muito pelo contrário. Por isso, sei que pode parecer excesso de racionalismo, mas não vou poder ir ao seu encontro hoje. Eu digo isso com uma enorme dor. Dor de desperdiçar esse teu toque com o qual tanto sonhei. Saber que estes teus olhos não chegarão bem perto dos meus me fez perder o sono nessa última noite. É bem difícil pra mim admitir que o melhor a fazer é não me jogar nos teus braços e abraços e nem respirar seu perfume como se ele fosse o próprio ar. Você viu o que acabei de fazer? Romantizei, exagerei, idealizei. É isso que eu faço. Algumas pessoas são boas em contabilidade, outras em música. Tem aqueles multitalentosos que possuem uma brilhante carreira de direito e à noite jogam basquete muito bem, apenas por hobby. Já eu sou especialista em exageros e idealizações. Ninguém é melhor do que eu nisso. Se houvesse um Nobel do exagero, o prêmio seria meu em todos os anos. Aliás, o prêmio teria o meu nome. E é principalmente por isso que eu não poderei ir ao seu encontro hoje. Eu sei que já estamos combinando esse dia há tempos. Sei que você se preparou, organizou sua agenda cheia para que sobrasse esse tempinho pra gente se curtir, tomar um vinho e talvez quem sabe café da manhã. Mas eu sinto que não vai ser bom negócio pra mim e que o espaço entre essas duas atividades vai me ferrar a cabeça por alguns anos. E meu terapeuta recomendou que eu não troque algumas horas por vários anos. Desculpe a mensagem longa. Seria pior se eu mandasse áudio, pode apostar. Vou ficar em casa lendo um livro ou quem sabe vendo aquela série que todo mundo diz que é ótima. Qual é o nome mesmo? Ah, deixa pra lá. A verdade que eu não estou querendo admitir é que vou ficar olhando fixamente para aquela caneta que você me deu, ouvindo Duran Duran no repeat e torcendo pra que amanhã eu não acorde cantando But I won't cry for yesterday, lembrando de tudo o que essa noite poderia ter sido e não vai ser. Mas vai ser melhor assim. Acho.


café&outraspalavras

grãos de poesia A DECADÊNCIA DO AMOR

sempre acreditei que tudo está fadado a um fim. que por mais que se doe, cuide, ame, um dia os sentimentos mudam. todos aqueles gestos, palavras e boas ações começam a rarear. não sabemos como nem porque.... mesmo sabendo e acreditando nos prazos de validade de tudo o que nos cerca ainda assim, acho triste quando o amor chega ao fim. a decadência do amor. seus silêncios pesados e tenebrosos. muito piores do que as Marras e brigas. enfim, não pensemos nisso. pelo menos até chegar esse momento derradeiro.

daniella menezes

VOLTO

Volto-me para o presente; Olho pela janela, uma leve chuva cai Um galho de amoreira exibe seus pequenos frutos ainda em formação, figuras graciosas... enchem meus olhos, inundam minha alma Suspiro longamente e novamente submerjo... Nas gavetas, objetos e papéis se sobrepõem... Não respeitam espaço, nem o tempo cronológico e o que dirá meus sentimentos...

rose tayra - nenê

PARTE

Parte de mim, ambição destemida Arrepio na espinha, sonhos concretos Parte de mim A sussurrar planos impossíveis Parte de mim, choro incontido A frustração do passo não dado Parte de mim A gritar medos verdadeiro Parte de mim, incerteza certa Uma dança descomprometida Parte de mim Flerte com a próxima manhã Parte de mim, compromisso Roupa passada e sapato novo Parte de mim Papéis que me tiram o sono Parte de mim Grito magoado Parte de mim Angústia furiosa Parte de mim Parte

roberto feliciano

AMOR GRANDE

um poema mirmecológico sois tão grande aos meus olhos tua presença apaga o sol, eclipsa o céu e teus olhos tornam-se para mim duas luas tu és meu continente onde, explorador que sou, caminho e me perco nesse mundo imenso que és tu beijo cada pedaço de tua pele, entro em cada reentrância, e perdido em ti esqueço de mim quando chegas a terra treme, eu estremeço meu desejo por ti é enorme mais ainda assim, sim, tu és maior que ele tu és minha maya e minha mara, sonho e pesadelo sofro por desejar-te tanto e dessa forma sofro pela ironia de nosso amor, sofro sofro e sofro, e na dor indago-me: por que uma formiga (tão minúscula e de coração tão grande) se apaixonaria assim por uma elefanta?

roberto prado

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poema interessante

40 4 Frederico Romanoff do Vale nasceu em Santos/SP nas imediações do canal 4, hoje vive no Rio de Janeiro onde desenvolve estudos na área de antropologia do ritual e da religião. Acredita na mudança e busca caminhos por entre a escuridão. A escrita então funciona como um dos instrumentos por excelência desta busca. O autor gostaria de lembrar ainda que qualquer definição homogeneíza, mas como se pede, o envio desta mini -bio se realiza. Paz.


frederico romanoff

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a minha saudade funciona como uma família de cupins eles vão corroendo em mordidas lentas e constantes, de repente - em um repente - meu peito está vazio a minha saudade me liga aos meus amores, à vida que deixei, à calma e à continuidade por outro lado vence a liberdade nesse intenso duelo contínuo e distante buscando o que ainda não sei e encontrando, às vezes, o que não queria tirem-me daqui a metafísica tirem-me daqui as conquistas das ciências, de todas elas! o que tenho e sinto já me faz parte e quando aperta, eu volto


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Para tomar a dois

42 4 Café cremoso tipo chantilly > Rende: 10 xícaras

Ingredientes 25 g de café solúvel (1/2 xícara) | 200 g de açúcar | 1/2 xícara de água fervendo, | Leite fervendo Preparo: 10 min Misture o açúcar com o café e coloque na batedeira, acrescente a água fervente. Bata até obter um "chantilly" bem firme. Quanto mais bater, mais firme ficará. Coloque uma colher (sopa) da mistura em uma xícara e adicione o leite. Misture até que dissolva. Dica O que sobrar, você pode colocar em um pote e congelar. Quando for utilizar novamente, tire a quantidade desejada e adicione o leite (mesmo congelado).

Café gelado com caramelo > Serve: 1

Ingredientes 85 ml de café expresso | 1 colher (sopa) de cobertura de caramelo (para sorvete) | 2 colheres (sopa) de açúcar | 180 ml de leite | 1 /2 xícara de cubos de gelo | 2 colheres (sopa) de chantilie Preparo:5 min Bata o café com o caramelo e o açúcar no liquidificador. Junte o leite e o gelo e bata mais. Coloque num copo e decore com o chantili.


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numa penumbra após o almoço o café a me esperar

dia cheio mente vazia haicais a escrever café pós almoço preguiça pós-café, meu deus e o dia longe de acabar noite escura...clareou a cachorra vibrou enfim, em casa parece inverno o frio bate à porta versos aquecem a alma vida no quintal água em ebolição no chá há calma ontem - casa da vizinha vinho e música poucos- muita conversa rose tayra - nenê

sob o céu azul o galho pêndulo balança a flor brinca com a abelha depois do almoço a benção do café – meio-dia já ganho galo canta chuva ainda cai- em vão ele anuncia o dia ler seus haicais me enche de inveja jovem haijin folhas nas ruas passeiam sem rumo é o vento que brinca roberto prado


44 4 compartilhando "Apreciei muito a leitura desta revista! O assunto sobre maternidade sempre é bom (para mim), mas o artigo do Roberto Prado veio muito a calhar neste cenário pré eleições em que vivemos. Ansiosa para os próximos exemplares". Silvana Amaral "Acabei de ler a edição nº 1 da revista Café&OutrasPalavras e fiquei muito satisfeita. Espero que a próxima edição seja igual ou superior a essa". Júlia Lemos


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nós esperamos por você na edição 3

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eu indico a revista café e outras palavras pra você que gosta de ler!

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Café&

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a daré bárbar agora ns, parabé uma mãe você é yay! zumbi.

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