Café&OutrasPalavras

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Café&OutrasPalavras

agosto 2018

uma revista pra falar de café e literatura ano I | edição 1 agosto 2018

política

poesia

maternidade

social

roberto prado o candidato chegou

daniella menezes tenho uma lua particular

bárbara daré parabéns, agora você é uma mãe zumbi. yay!

por essa você não esperava: frases para plagiar


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As primeiras linhas, as piores, as mais doídas. É nessa primeira linha que os neurônios mostram a que vieram, as sinapses desenferrujam e para o bem ou para mal, fisga o leitor. Há muito tempo li - e depois disso o releio todos os anos - PARIS É UMA FESTA de Ernest Hemingway, onde ele descreve seus dias de jovem escritor numa Paris que não existe mais. Inverno, duro cinzento e faminto. Mas o que me encantou nesse livro? Sua descrição do café onde ele se abrigava do frio cortante, com um bloquinho, um lápis, um café e um conhaque, que casa muito bem com o dito café. Lá ele se entregava à escrita, longe dos problemas comezinhos do dia-a-dia. Ah! Como devem ter sido gloriosos esses dias de dureza e produção frenética... Apaixonado por esse livro/diário, alguns anos depois fui à França, (em janeiro no inverno lá) e andei pelas ruas onde ele perambulou. La Closerie des Lilas, Café les Deux Magots, Café de Flore, onde tirei uma foto na porta (se achar a foto publicamos para ilustrar e mostrar que isso é verdade!), pois era muito caro tomar um mísero café ali, e, vejam só, quando fui lá a moeda era ainda o humilde e charmoso franco, nada de euro... Mas divago... Café & Outras Palavras se lhes propões essa viagem se não àquela França de antanho, que os levem a viagens literárias como nossos colaboradores, uma miríade de pontos de vista sobre essa vidinha ordinária, cheia de obrigações e horários e compromissos e obrigações e de tanto a ser fazer do acordar ao cair morto na cama ao fim do dia... Se não formos uma panaceia ao comum do dia a dia, que sejamos, ao menos, um bálsamo ligeiro. Esperando ter fisgado você leitor, dedique alguns minutos a si mesmo, pegue um essa Revista, sente-se à mesa de uma cafeteria peça um espresso e deixe-se levar... Garanto-vos uma viagem daquelas.



TOMARAM CAFÉ CONOSCO NESTA EDIÇÃO: Rose Tayra - Nenê Natural de Santos. Atualmente morando no interior. Tem como "ideia fixa" destilar das cenas do cotidiano a sua mais nobre essência, tendo como posto o balcão, seu aliado, onde recebe a outorga de ouvir confissões sem ser ordenada e fazendo análises sem ser diplomada. Formada em Arte e Educação. Daniella Menezes Livreira gentil em tempo integral, gosta de declamar poesia, não gosta quando lhe perguntam por livros que tem "aquela capa varmelha". Marcelo de Oliveira Lemos Mora em Pirajuí, uma cidade, que como dizem seus moradores, Bauru fica perto! É Comerciante. É Gourmand. É Gourmet. Um Bon-vivant, e (coisa raríssima), possui seu próprio campo gravitacional (gordo). Roberto Prado – Ranzinza Encrenqueiro, formado em Comunicação e Tecnologia. Perpetrador de quatro livros. Atualmente dedica-se ao haicai, mais por preguiça que por talento. Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni- ALTO. Luiz A. B. Braga Pela paciência e assistência. Alexandre Costa Designer Gráfico, formado em Comunicação e Tecnologia. Contista e racionalista convicto. Silvio Castro Bacharel em Administração, funcionário público e palmeirense. Bárbara Daré Uma doida de quase trinta anos, mãe da Clara, otimista irremediável e escritora nas horas vagas. Viciada em séries, coisas nerds, dormir, cinemas e comida boa. Descobriu que nunca mais teve tempo para nada disso, mas aproveita o que dá (e como dá) como se não houvesse o amanhã.

Justiça seja feita para: Roberto Prado | foto da capa Alexandre Costa | Design editorial


alexandre costa a estrangeira | frases para plagiar

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marcelo lemos angelus calidus | era uma vez, um estrogonofe

bárbara daré parabéns, agora você é uma mãe zumbi. yay!

daniella menezes tenho uma lua particular | olho ao redor e só vejo desordem

silvio castro enquanto a noite não vem

rose tayra - nenê o dia do abraço | boa noite!

roberto prado o candidato chegou | o último café do dia | momento saudade, para encher lingüiça - sobre patinhas de caranguejos | fado - esse meu triste destino




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aestrangeira

Designer Gráfico, formado em Comunicação e Tecnologia. Contista e racionalista convicto.

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alexandre costa

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Como se fossem aviões saindo dos ouvidos e mergulhando de cabeça dentro de liquidificadores, sua voz irritava; sua língua se comportava como uma serpente pronta a dar o bote; seus olhos ameaçadores não fitavam nada além de si mesma; pregos afiados e enferrujados é a melhor definição para o que ela chamava de cabelo – e quando os acariciava – suas mãos enchiam-se de sangue tão espesso que se podia cortá-lo com uma faca. Ela era circunflexa, parecia circunflexa. Suas sobrancelhas, dois acentos agudos, alternava-se entre baixo e alto enquanto falava e franzia a testa. A parte mais íntima de sua coisa apertava-se entre suas pernas, e entre uma frase e outra parecia gemer entre os dentes. Seriam gemidos? A parte mais arredondada e convexa era formada pelo contorno da transição entre sua parte horizontal e sua parte vertical. Os membros inferiores, oblíquos e sem lealdade a deixavam ainda mais extravagante na aparência. Talvez por isso nenhum homem a quis. Quem quereria? Por cada centímetro de seu corpo, as partes coriáceas e nervosas que se encontram nas carnes comestíveis, decoravam-na e a deixavam com aspecto de uma cabeça de alho gigante. O ar a sua volta enchia-se de um odor desagradável produzido pelo humor aquoso e incolor que produzia. Era mulher, mas tinha a mais grave das vozes masculinas; tinha os dentes de um animal; era divergente de todas as outras mulheres que conhecemos como mulheres; era feminina no gênero, mas masculino nos modos. Mas não era culpa dela que se perdia a estima, a consideração, que se aviltasse e se desacreditasse na capacidade de amar. Porque ela amava. A sua natureza íntima, que existia muito antes dela mesma existir e que a compunha agora, e que mesmo escondida e seqüestrada dentro daquele corpo, a fazia igual a todas as outras mulheres. Porque as mulheres em seu íntimo amam. Ela era mulher, embora a maioria se esquecesse disso. Talvez não fosse culpa dela ter nascido estrangeira entre os humanos. Que a sua figura sórdida e repelente fosse a culpada por toda maldade que acolhia daqueles que não compreendiam sua condição. Quem compreenderia o obsceno? Mas o que ela mais precisava era que todos a alcançassem. Ela tinha desejos, mas nunca os realizou; tinha a capacidade de escolher, e foi aí, e desta única vez, que pode escolher estar onde está agora. E não houve constrangimentos, nem dela nem nosso, não houve pranto nem cortejo, houve apenas essa separação que deixou todos nós órfãos. Porque ela era única. E de repente não tínhamos mais de quem nos assombrarmos. Porque o assombro também é um tipo de amor. E esse desacordo entre o que ela era e o que se assemelhava nos maravilhava. A estrangeirice daquela mulher era a nossa estrangeirice.


Mora em Pirajuí, uma cidade, que como dizem seus moradores, Bauru fica perto! É Comerciante. É Gourmand. É Gourmet. Um Bon-vivant, e (coisa raríssima), possui seu próprio campo gravitacional (gordo).

angeluscalidus

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marcelo lemos

marcelo lemos

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Prima De vez em sempre, nos reuníamos para bater papo e bebermos algo, e por estar eu trabalhando na ocasião, nos encontramos no café da Santa Edwiges. Em noite clara e de temperatura deliciosamente amena, a conversa germinava, regada a um bom vinho. Sem me divorciar do assunto, não desgrudava o olho do movimento, preferindo por isso, ficar de pé, ao lado da mesa, para ter melhor visão. Estávamos nos divertindo muito! Terça Muito religioso que sou, em certo momento, não pude deixar de notar aquela que parecia ser uma aparição celeste, a qual se prenunciava na esquina, como uma coisa de Deus. Como representante do que considero Sua maior criação, vinha desfilando com uma calça branca, cor diga-se de passagem, dos uniformes dos anjos, que ao julgar pelo caimento ao qual revelava e exaltava toda a grandiosidade de Sua obra, deva ter sido desenhada por Raffaello ou Michelangelo. Sexta Como todo mortal, tocado pela Iluminação, não me continha em mim, e necessitava dividir esta mística experiência com meus pares. Eis que neste momento, ainda em pé, começo a tocar com meu indicador direto, o ombro do Mineiro, o qual estava sentado de frente para mim, mas de costas para aquela divina aparição. Noa Com a insensibilidade dos niilistas, nem o Mineiro nem os outros dois, não se dignaram a me acompanhar em meu momento de vigília, insistindo eu, em minha missão profética, a cutucar agora com maior intensidade, seu ombro, quase o perfurando. Neste momento, como concubinas de Ló, pareciam ter virado estátuas de sal. Vésperas Julgando eu, nem todos estarem preparados para a Revelação, desisti de profetizar para eles, quando me viro e sou sugado por um túnel de luz, o qual interrompe meu transe, colocando-me defronte ao Anjo Vingador do Senhor, personificado em minha esposa, o qual todos estavam vendo, menos eu. Completas Nesta experiência de quase morte (EQM), num átimo de tempo, toda minha vida passou à minha frente. Por puro sadismo, ela nada falou, contemplando com grande satisfação, aqueles 10 anos que envelheci nesta fração de segundos.


era uma vez, um estrogonofe

marcelo lemos

Saí da fábrica já anoitecendo. Lembrei-me de que não havia nada na despensa. Queria eu impressioná-la. Naquele momento, minha situação financeira estava entre o duro e o ressequido. Sem dinheiro no bolso, vejo o canhoto do talão de cheques e após alguns cálculos rápidos, acredito que irá dar. Vou às compras no mercado ali perto, no Bairro de Fátima, na própria Rua Riachuelo. Consegui comprar um quilo de filé mignon, creme de leite, molho de tomate, batata palha, um vidrinho de champignon, arroz, legumes e ainda uma garrafa de um - que para mim na época se equivaleria a um Gran Crú - Château Duvallier Sobrou centa-vos no canhoto do talão. Vai ter estrogonofe! Saio me sentindo gente. Não via minha irmã mais velha há alguns anos. Ela há 8 no convento, nosso contato se impossibilitava pela distância e pela falta de dinheiro. Ligou-me durante aquela semana, anunciando que viria me visitar. Seria sua primeira visita desde que vim para o Rio. Estava meio apreensivo. Vindo de três gerações de terceiros franciscanos, nascido e criando em um convento de 1640, não sabia ainda como contá-la que, vindo eu para o Rio com a forte possibilidade de ir para o seminário, ter-me encontrado no Espiritismo. Queria impressioná-la... Saí a pé do mercado e fui para a Central do Brasil, na qual, naquele horário, conseguiria pegar ônibus menos lotado. Peguei um Central-Mesquita, no qual consegui ir sentado. Oh Glória! Coloquei as duas bolsas em meio a minhas pernas e imediatamente, comecei a fazer naninha. Neste período de minha vida, o ônibus era uma extensão de meu leito, pois durante quatro horas diárias, complementava nele o meu sono. Sentado ou em pé, o sono era o mesmo, tendo às vezes, até aquela nojenta babinha. Bem, hoje estava de suíte máster, pois sentado, até os sonhos eram melhores. Estava nas mil e uma noites, com Sherazade a me sussurrar no ouvido... – Moço, moço! Estas latas que estão correndo no ônibus são suas? Zonzo, com os olhos ainda turvos, vejo o rosto redondo de uma moça, ao mesmo tempo em que percebo os respingos de baba em minha camisa, o que envergonhadamente, apresso-me em limpar. O que? Não entendi. O que a senhora está falando? - Estas latinhas. As que estão correndo no ônibus são suas? Realmente, apesar de apinhado o coletivo, dava para escutar latas correndo de lá para cá no assoalho do ônibus. Vejo minhas duas sacolas tombadas. Dou uma conferida e realmente está faltando algumas coisas - Sim, são minhas! Peço para a pessoa sentada em minha frente e o da frente dela para pegarem as latas para mim. Pergunto para as pessoas atrás, se tem algo por lá, faço a feira e bem, agora, parece-me estar tudo ali.

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Com pouco de taquicardia, relaxo, aperto as sacolas entre as pernas e me apago. Acordo já em Nilópolis, a três quadras de minha casa. Sacolas em ordem. Me levanto, vou para frente do coletivo e já desço. Na expectativa do dia de amanhã, nem me recordo mais do acontecido. Chego em casa, tomo um banho, uma cachaça e vou guardar as compras na geladeira. Gela meu estômago! Não acho o file mignon, o champignon e o, se pudermos chamar assim, o vinho. Reviro as sacolas de papel. Lembro-me do ocorrido no ônibus. Sonolento, não me dei conta do que, na hora, procurar... Abro o armário. Mate, café, alho, caldo de galinha e fubá. Faço um pouco de arroz, puxado no alho, janto e vou dormir. Amanhã, tenho que acordar cedo para buscá-la na Novo Rio. Seja o que Deus quiser... Ainda escuro, saio para buscá-la na rodoviária. Encontramo-nos. Muitas saudades. No caminho de casa, tenho uma ideia. Passo em duas padarias, até que consigo, com meus vales transportes, pão, presunto e queijo. Menu fechado. Se não pode ser estrogonofe, vai ser polenta recheada com presunto e queijo. Para beber, mate gelado. Sábado e domingo! Bem, a comida não impressionou, e naquela altura do campeonato, o papo de viver a espiritualidade laica sob o prisma de uma visão ecumênica no espiritismo, não deu liga com a freira. Ela se foi, deixando um sentimento de estranhamento entre nós, o que em pouco tempo se desfez. Hoje, lembrando daquele fim de semana, vejo o quão importante foi para consolidação de minhas opiniões. E uma delas, é de não mais comer polenta recheada!

marcelo lemos

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parabéns, agora você é uma mãe zumbi. yay!

Uma doida de quase trinta anos, mãe da Clara, otimista irremediável e escritora nas horas vagas (horas essas que quase nunca chegam). Viciada em séries, coisas nerds, dormir, cinemas e comida boa. Descobriu que nunca mais teve tempo para nada disso, mas aproveita o que dá (e como dá) como se não houvesse o amanhã.

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bárbara daré

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A cena poderia ser facilmente confundida com um episódio clássico da serie The Walking Dead. Aquele ser rastejante, grunhindo, maltrapilho vindo em direção do quarto. Quem olha diria que é um zumbi, mas sou eu, levantando madrugada adentro pela quinta ou sexta vez em dez meses, ao choro do bebê. Prazer sou uma mãe que não dorme. Quando estamos gravidas, o que mais nos dizem é para dormir ao máximo, pois depois o trabalho será árduo. Pois eu o fiz. No último mês de gestação (de férias do técnico e já afastada do trabalho) eu dormia, eu dormia e dormia mais um pouco. Nem tirava o pijama durante o dia, já que ia dormir de novo: eu, colchão e barrigão viraram um só. Aí a Dona Clara nasceu e na primeira noite, lá na maternidade mesmo, a bichinha não pregou o olho sedenta pelo novo mundo fora do casulo. E assim foi-se, por todos esses meses. Você leitor que não tem filho não tem noção do que é isso. Ouvir pela milésima vez o bebê te chamar novamente. Meu corpo já nem responde mais as coordenadas que o fraco cérebro envia, meus olhos nem abrem com a sensação de terem jogado a força um balde de areia em cada um. Olhei tantas vezes para o teto e clamei por Deus, mas hoje sei que talvez Deus dissesse: -Tenho nada com isso não, te dei um bebê forte com saúde e o resto é com você. Está certo, discordo não, mas era difícil. Ás vezes eu tinha medo de dormir, pois sabia que logo ela acordaria então ficava ali meio de plantão. Vai entender. Em dez meses desenvolvi técnicas ninjas para entrar no quarto sem fazer barulho, xinguei os cachorros dos vizinhos por latirem tanto, consegui manjar da nobre arte de assistir televisão no mudo e aprendi todos os macetes para as portas fecharem sem ranger. Tudo para ela dormir um pouco mais e com sorte eu dormir também. Nada. Aí comecei a procurar técnicas para o bebê dormir a noite toda. Assisti tutoriais, pesquisei em "sites maternos", perguntei para amigos, vizinhos, avó... Nada. Cada técnica era mais mirabolante que a outra. Umas pregam para chorar até dormir, outras para não dar mais o peito de madrugada... Coisas assim. Muitas vezes subiu o sangue no "zóio", cheio de olheiras, aliás, e eu dizia que naquela a noite ela não ia escapar. Que nada, lá estava eu mais uma vez de madrugada acudindo a dona chorona. - "Sou uma mãe de merda" - constatava eu enquanto me largava na cama depois de fazê-la dormir. OUTRA VEZ. Gente, ser mãe é "tudibão", é lindo, fabuloso, vocês nem imaginam, mas CARA a gente precisa dormir. NECESSITA. Um tempo ainda vai e por mais que você tenha dormido tudo o que podia na gestação, na terceira noite sem dormir tu já tá pedindo penico. E é fato. E eu já estava desiludida. Mas aí numa bela manhã, eu acordo assustada. Ouço a Clara me chamar,


bárbara daré

mas sei que passou muito, mas muito tempo desde que dormi. Sei, pois meus olhos já não ardem tanto, olho o relógio: são seis da manhã. SEIS DA MANHÃ? Como assim? Do nada? Não é possível. Clara dormiu das onze da noite às seis da manhã. Podia ser um milagre, comemorei internamente, mas aquilo só podia ser uma exceção. Uma noite de exceção. Mas aconteceu na segunda noite, terceira noite e assim foi vários dias. E eu fiquei feliz. Contidamente feliz, pois ainda tenho medo de tudo mudar e ela começar acordar novamente, vai que... Mas ás vezes olho para ela dormindo e penso: essa neném tá crescendo rápido demais. Sei que muita gente aplica mil técnicas e consegue rapidinho esse desfecho fabuloso e eu admiro a força de vontade, mas eu simplesmente nunca consegui, pois ao olhar aqueles bochechões chamando por mim, quebrava todo meu sangue no zóio ao ver ela querendo meu colinho de mamãe né? Sei que tem muitas mamães zumbis aí na batalha e sei como é ter um sonho dourado de dormir outra vez uma noite inteira, mas tâmo junto, pois de um jeito de outro uma hora esses nenens vão reclamar de sair da cama, mas aí será nossa vingança! No mais, ainda tem algumas noites (raras) que ela dá uma resmungada e eu levanto num pulo pra ela. Parece que mais ela quer verificar ser estou por ali mesmo, mas logo volta para o sono gostoso. Agora pouco mesmo estava aqui assistindo (pasme) The Walking Dead e decidi dar uma olhadinha nela. Clara estava de olhos abertos olhando para o teto pensando na sua vidinha difícil. Suspirou, colocou o dedinho na boca fechou os olhos e dormiu. Meu coração se encheu de amor e pensei que sorte a minha, ter uma filha tão linda assim até as olheiras valem a pena no final. Aliás, vocês leram bem? Eu assistindo THE WALKING DEAD? Eu assistindo séries assim tranquilamente? Como isso? Como uma seriadora viciadíssima, transforma-se numa mãe seriadora? Bom isso fica para o próximo número. Mas dá sim viu?

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frases para plagiar

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"Essa frase é uma mentira, mas se fosse mesmo, não seria verdade?” Alexandre Costa "Todas as reações de seus amigos sobre essa frase foram cedidas gratuitamente pelo autor"


tenho uma lua particular

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daniella menezes

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T

Tenho uma lua particular, tão linda e poética a observo no meio do caos uma janela... a única aberta no meio de tantas outras fechadas e escuras. amo sua luz amarelada, sua cortina repuxada as sombras, que ali aparecem. de vez em quando surge um gato a brincar no seu parapeito, nesses dias ela me faz ainda mais feliz


olho ao redor e só vejo desordem

daniella menezes

Olho ao redor e só vejo desordem. Livros e mais livros empilhados, tortos, com pó. Não tenho ânimo para organizá-los. Me volto para dentro de mim, e o caos interno me assombra. Decido visitar os cômodos desse ser. Os conhecidos estão inabitáveis, tudo fora de lugar Lembranças antes tão estimadas, jogadas aos cantos sem brilho. Passagens marcantes apagadas. Uma paixão entrou e fez toda essa bagunça. Continuo em frente e encontro um quarto que eu não conhecia O mais claro dessa casa que eu sou. As paredes estão cobertas de poesia. Ao entrar, escuto sua voz melodiosa. Senti na poltrona que está no centro do cômodo, ela é tão aconchegante, me sinto abraçada por você. Descubro que os sons saem de uma tv, e o que vejo ali são as boas lembranças que guardei de ti. Me sinto em paz nesse quarto, nesse abraço Vendo você sorrindo, me encantando com seus olhos, com sua voz... Preciso seguir em frente e logo chego a outro cômodo. Esse é sombrio, existe tanta dor ali dentro. Ao entrar, sinto as lágrimas que gotejam do teto. Olho fixamente e encontro uma réplica minha ali dentro. Essa figura está deitada no chão Desolada. Sozinha Profundamente sozinha. Sorrio e ela não me vê. Caminho ao seu encontro, a ergo e a abraço Olho em seus olhos melancólicos e digo que tudo acabará bem. Ela sorri e um brilho de esperança percorre suas retinas. Volto a minha jornada, com o coração apertado por me deixar ali, sozinha. É tanta desordem, tanta dor. Preciso de forças para consertar o turbilhão de emoções que habitam em mim. Abro os olhos, e o caos da minha estante já não me parece assim tão assustador. Pelo contrário, esse caos externo me reconforta.

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Você realizando seu sonho...


enquanto a noite não vem

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Bacharel em administração, funcionário público e palmeirense.

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silvio castro

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Os dias seguem monótonos no arquivo. A única prateleira começa a entortar a perna, provavelmente também cairá como caiu a do outro lado ano passado. Os papéis pesam quando a caixa enche. E são várias caixas. O pó se acumula... Ao menos no frio sem ventilador e ar-condicionado ele não se espalha. Será que ratos urinam por aqui? Um velho e sujo passa andando sobre duas pernas vez ou outra, deixando restos de um mundo, bolo fecal grudado na privada que ao final do dia eu limpo com meu jato de mijo. Tem um gordo de voz fina também. Quando descobre algo fala até que apareça alguém para dizer que ele fez muito bem. Há de se concordar, não há nenhuma maneira de evitar. O tempo passa e o pó se acumula... As mulheres são as que menos falam, curiosamente. Desarquivam quando há um comando superior, fazem suas compras e falam das pendências de filhos e netos. Um gaúcho aparece com o malote de vez em quando. Entrega sem olhar na tua cara. Quando olha é porque quer fazer alguma fofoca. A faxineira aparece no final da manhã e no final da tarde para encher um saco dos papéis colocados nos lixos e dos papéis íntimos deixados nos banheiros. O tempo passa e mais pó se acumula... Muito raramente aparece algum cacique, há mais deles que índios. Estes aparecem do balcão, com maior frequência, porém também raramente. É mais fácil aparecer um estagiário querendo que desarquive algo. Dá tempo para cochilar.


o dia do abraço

Natural de Santos. Atualmente morando no interior. Tem como "ideia fixa" destilar das cenas do cotidiano a sua mais nobre essência, tendo como posto o balcão, seu aliado, onde recebe a outorga de ouvir confissões sem ser ordenada e fazendo análises sem ser diplomada. Formada em Arte e Educação.

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Onde Marcelo Lemos dá sua douta opinião sobre Roberto Prado Assunto trazido à baila Por Rose

Meu servo assim se pronunciou... Se a Cistina fosse pintada no fundo de um poço, com certeza você seria seu grande artista. Indaguei-o sobre a pesada opinião e ele o definiu como “O Paladino da Desesperança”

boa noite!

Não vou contar-lhe sobre o meu, nem o melhor e nem o mais bonito abraço. Quando me dei conta, ela, a anfitriã da noite já contava essa passagem. Na época em que adquiriu um computador, sua filha tinha por volta de 14 e seu filho 11 anos. Envolta nos seus afazeres, ela é chamada a atenção por um som gutural, seguido por um emudecimento; ela assustada e preocupada perguntou para a filha o que havia acontecido. A filha diante do computador não soubera responder ao certo... Somente que havia sumido todo o trabalho que havia feito. O filho, que estava em outro quarto, percebe a inquietação, se aproxima e na sua destemida inocência diz que havia mexido no computador e tudo se apagara. A filha havia dispendido muito tempo a essa tarefa, ela fora testemunha dessa dedicação. Agora ela estava aflita e num desespero interno, pois imaginara que se fosse ela com sua irmã, já teriam voado no pescoço dele. Mas foi surpreendida pelo que presenciou. A irmã virou-se e sem nenhum pesar disse para ele que não teria problema, ela o faria novamente. Ela assistindo ficou sem ação e disse para ele, que o mínimo que poderia fazer para irmã, era pedir desculpas e lhe dar um abraço. Ele assim o fez. E eles se abraçaram... Ela diz que ainda se emociona ao se lembrar dessa passagem e ficará gravado para sempre em sua memória.

rose tayra - nenê

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rose tayra - nenê

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o candidato chegou

Encrenqueiro, formado em Comunicação e Tecnologia. Perpetrador de quatro livros. Atualmente dedica-se ao haicai, mais por preguiça que por talento. Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni- ALTO.

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roberto prado

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As ruas estão sujas, alias, são sujas sempre. O calor ainda faz com que o vento levante a areia que entra nas casas, entra nos olhos das gentes que moram naquele bairro. Pelas ruas, nas esquinas, meninas, jovens ainda distribuem “santinhos” de candidatos. Estão agitadas, comentam que um deles vem fazer uma visita no bairro hoje. A comunidade está quase em júbilo. - O candidato vem aqui, o candidato vem aqui. O padre da velha igreja exulta e convence a paróquia a varrer a rua, limpar algumas calçadas. Coloca as mais prendadas na cozinha para começarem a preparar o banquete, e os jovens colocam bandeirinhas nos postes. - O candidato vem aqui, o candidato vem aqui... Até o fim do dia o bairro está “apresentável”. O líder da comunidade exorta as pessoas a comportarem-se bem, causar boa impressão. Manda que as mães deem banhos nos filhos, prendam seus cachorros. O bebuns incorrigíveis são encerrado em casa. -Temos que causar boa impressão, senão nenhum outro candidato aparecerá aqui – grita do alto do palanque o líder comunitário. - O candidato vem aqui, o candidato vem aqui... A noite torna-se um martírio, ninguém consegue conciliar o sono, viram de um lado para o outro na cama. Enfim amanhece o dia claro promete bons auspícios. As ruas, milagrosamente, continuam limpas, sem cachorros correndo, latindo ou derrubando latas atrás de comida. Os bares, vazios, não fazem arruaça, não há brigas, nem músicas barulhentas. Lá de longe, uma voz grita: - O candidato está chegando, o candidato está chegando, o candidato está chegando! Começa a soltar fogos, o padre arrebatado começa os gritos de: - O candidato chegou, o candidato chegou! – e a soltar os pombos que cria no campanário da igreja. As crianças do coral, em coro (é claro) gritam afinadas: - O candidato chegou, o candidato chegou! E em carro aberto, acenando e soltando beijos para o público quase histérico, o candidato vestido de branco, sorri. Sente-se eleito pela comunidade. Estava feito, ou em vias de! Olha com indisfarçável desprezo, sente um misto de nojo, náusea, uma repulsa como nunca antes sentira em toda a sua parasitária vida de político popularesco. Desceu do carro sob os apupos da comunidade, beijou criancinhas, apertou mãos, osculou a mão enrugada e encarquilhada do velho cura. O sino rachado da igreja tocou uma, duas, três vezes... Então tudo se tornou um borrão.


roberto prado

O candidato foi levado pela onda humana, entre "vivas" e "salve o candidato". O padre, espumando e quase tropeçado na batina, gritava ordens às cozinheiras: - O candidato está chegando, o candidato está chegando! As portas da igreja foram abertas de par em par, e o populacho entrou cantando e dançando tendo em seus braços o candidato, os caboseleitorais e seus distribuidores de santinhos. Todos sorriam de júbilo! - Estou eleito! - Ria baixinho o candidato enquanto levantava os braços fazendo o “V” da vitória. Em poucos segundos o candidato, os cabos-eleitorais e seus distribuidores de santinhos foram esquartejados, tendo os membros e órgãos separados por tamanho, quantidade de carne, cumprimento dos ossos e foram preparados e temperados pelas cozinheiras da igreja. A noite foi de festa, todos foram dormir de barriga cheia, satisfeitos com o candidato e esperando os outros de outros partidos que viriam visitá-los ao longo da campanha eleitoral. Numa das casas mais humildes, uma criança pergunta à mãe: - Mamãe, por que não podemos comer candidatos todos os dias? - Por que, meu filho, esse país não presta nem para ter bons candidatos! A noite desce sobre comunidade, a brisa balança as bandeirinhas, os cachorros agora têm o que procurar nas latas de lixo e os bêbados podem voltar a beber em paz nos bares.

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roberto prado

Sentando-se à mesa, o velho poeta pediu um café e acendeu um cigarro. Folheou erraticamente a revista à sua frente, seus olhos corriam as páginas, mas nada liam; seus pensamentos voam longe deixando lá o corpo sonâmbulo, o café frio, o cigarro queimado e uma revista desfolhada e amassada. O garçom olhava par o relógio de cinco em cinco minutos esperando a hora de fechar o bar, o chão já estava varrido, todos os copos e xícaras lavados, lixo recolhido e o velho ali sentado esperando sabe Deus o quê. No céu, as primeiras estrelas começavam a piscar suas luzes, os ônibus lotados levavam as pessoas de volta para suas casas e ele ali esperando o sujeito ir embora. - Hoje perco a hora, o ônibus e a minha novela. – resmunga para o velho na mesa ouvir, mas nada aconteceu, pois ele agora começava a mexer o café frio com a colherzinha e acendia outro cigarro. O garçom olha para a placa na parede onde se lê “SÓ FECHAMOS QUANDO SAI O ÚLTIMO FREGUÊS”. - “O último freguês pagante”! – completa rangendo os dentes. O tempo passa, o chão é todo varrido, na rua o caminhão do lixeiro recolhe os sacos e latas de lixo, os ônibus agora passam mais vazios e esparsamente, as ruas esvaziam, e o velho continua sentado. - Pelo menos agora ele fumou um cigarro inteiro! Fala o garçom para seu reflexo na prateleira do bar. Ele já não tem mais o que fazer, olha para o relógio, nada mais o que limpar, e olha para o relógio outra vez, nada mais o que arrumar, e olha para o relógio; coloca as cadeiras sobre as mesas e põe-se a apagar as luzes – olhando para o relógio - pois assim, quem sabe, o velho levante-se e vai embora... Uma a uma, ele começa a apagar as luzes até que somente sobre uma acima da mesa do velho agora frio, duro e com os dedos, médio e indicador queimados pela brasa do cigarro... - Meu São Jorge, mas era só o que me faltava hoje! – grita o garçom jogando a vassoura contra a parede.

o último café do dia

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momento saudade, para encher lingüiça: sobre patinhas de caranguejos

roberto prado

Ao falares em sapo, recordo-me de uma noite, já num passado distante, mais até que "aquela galáxia muito, muito distante", em que fomos comer patinhas de rã no, hoje saudoso, "Lá em Casa", lembra? Depois de tanto brincar com as ditas "perninhas" fazendo que fossem como os "pequeninos" da série "Terra de Gigantes", fiquei tão (mal) impressionado que não consegui comêlas e tive que me contentar só com as batatinhas e cervejas... Isso me recorda também um encontro com o Seu Amigo Cláudio (ainda é vivo?) no dito "Lá em Casa" e o besta foi nos encontrar lá na casa da minha mãe em Praia Grande (hoje me pergunto como conseguíamos viver sem carro e celular!) E nós no restaurante, bebendo e esperando por ele, que claro, não apareceu...

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roberto prado

fado

destino triste o meu ter uma portuguesa ainda mais triste e infeliz que eu a cantar suas dores (tantas) do raiar ao entardecer a mesma mĂşsica (que canta errado)

esse meu triste destino

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