Café e Ouras Palavras n.07

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Café&OutrasPalavras uma revista pra falar de café e literatura | ano II |março 2019

CRÔNICA DO COTIDIANO por: rose tayra-nenê

CAFÉ UNIVERSO 12 motivos para beber café todos os dias

DR. DIVAGO

fevereiro 2019

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HUMMM... O MELHOR HAMBURGUER ARTESANAL DE SANTOS

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AVISO esta revista NÃO CONTÉM

Glúten


TOMARAM CAFÉ CONOSCO NESTA EDIÇÃO: Rose Tayra (Nenê) Roberto Prado Alexandre Costa Alice Bispo Roberto Feliciano Silvio Castro

capa e projeto gráfico Alexandre Costa diretor de conteúdo Roberto Prado


OS AUTORES

10/11 alexandre costa

12/13 roberto prado

16/19 roberto feliciano

20/21 silvio castro

24/25 rose tayra-nenê

26/29 alice bispo

"Nossos colaboradores trabalham a soldo de leite de pato" As opiniões e textos contidos nos escritos publicados nesta revista são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Quer colaborar com nossa revista? Mande e-mail para nossos editores: cafeeoutraspalavras@gmail.com

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SALA DE

ESPERA


AVISO IMPORTANTE: comeรงamos os testes de novos redatores e redatoras para o quadro de funcionรกrios da HANDMADEBOOKS


Amante Passional Tome um café

por: alexandre costa

conosco e nos acompanhe na leitura desta edição

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ahhhh...livros nunca envelhecem!


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alexandre costa Designer Gráfico, formado em Comunicação e Tecnologia. Contista e racionalista convicto. Escrevinhador sim, escritor, não. Fã incondicional de Clarice e Rubião

paralelepípedos Thalitas são uvas e vestem roxo, Cristinas são mangas e vestem abóbora. Thalitas são cheias e esperam um amor impossível, Cristinas são rasas e divergem das opiniões alheias. Mas ambas são aurélios ambulantes, em casa, no restaurante. Seus amigos são brigadeiros, alguns de chocolate, outros de leite, não se vestem como as duas, nem são aurélios, mas procuram em suas vidas algo que os una em um ponto não raro, porque todos estão no mesmo barco em direção a algo que diverge e separa formando uma união estável entre todos. Cristinas são mães, Thalitas são órfãs, se olham e se esperam, e se unem como mãe e filha, e não são mais Thalitas e Cristinas, são Lauras. Lauras são morangos e são completas, tem amigos e se vestem de azul. O céu as espera um dia, porque todas são filhas de Maria. Amigos são cajus e se comportam como tal. Aceitam seu destino e só mudam de posição se o sol estiver em suas janelas. Todos somos laranjas, e esperamos que no varal exista uma roupa que nos sirva, porque o que nos serve nos completa. Andamos a noite sem medo de que o escuro nos mostre o que só existe sem a luz. Laranjas tem sua raridade e se vestem de nuvem, laranjas que caem também alimentam. Laranjas não existem na chuva. Todos unidos pelo mesmo barro somos marrons e úmidos, brancos e secos, somos vasos e copos, somos pratos e ossos. Somos desentendimento, e sabemos separar aquilo que nos desagrada.

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Somos letras e olhos, livros e críticos, somos cestas de frutas maduras que se separam pela cor e pelo gosto, pela casca e pelo sumo. Somos todas as respostas às mesmas perguntas. Thalitas e Cristinas são diferentes e são iguais quando nossos olhos as encontram, mas hoje não há previsão porque estamos todos juntos à espera do relógio que marcará doze e vinte e nos separará definitivamente. Somos a vagem, somos as mãos que as separam, e de hoje em adiante viveremos por nós mesmos. Não haverá mais guia, apenas a garantia de que não há partida, apenas um adeus tímido e sem segurança. Thalitas são mudas, Cristinas são falantes, se vestem de despedida quando a hora finda. Somos paralelepípedos irregulares, o pulso da mão que varre, a onda que bate, somos a erosão que carrega consigo um pouco da terra que acabara de abraçar. Thalitas e Cristinas, que são Lauras na verdade, é o canto das bocas sem fala, do grito do gesto que anuncia a igualdade da diferença. Onde estivermos, se estivermos, e estamos, sem nexo e modo, parados diante de nosso espanto, diante do nosso quarto crescente. Somos a infância dos velhos menos sábios que grisalhos. E temos nuvens que correm nas veias e mancham de azul o céu da boca. E assim esperamos com desespero, compreender o que não compreendemos, o que não tem começo, e o que não tem fim. Thalitas são casas, Cristinas são ruas que vão se cruzar em praças de Lauras e dar sentido à palavra que espera pela definição de si própria: adeus. E todos os nomes e todos os sentidos escapam por entre a surdez da mente ordinária: comum. Os Aurélios voltam na primavera para assistir o começo de tudo, e Cristinas e Thalitas se despedem dos paralelepípedos dissonantes que compõem a nossa estrutura real: a mente.

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roberto prado

Encrenqueiro, formado em Comunicação e Tecnologia. Perpetrador de quatro livros. Atualmente dedica-se ao haicai, mais por preguiça que por talento. Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni- ALTO.

mais uma nessa repartição

Comecei minha vida etílica bebendo Conhaque Napoleon Brandy Xo. Hoje acabo com ela num São João da Barra! Agora voltando do almoço, nada de muito serviço em minha mesa, resolvi tomar um café na cozinha da repartição. Para meu desespero lá estavam Dorinha e a Conceição - “a eterna quase viúva de alguém”. Dorinha – sempre tão prenhe de tantas boas intenções... - se queixando que a sua mãe que não aceitava as orações que ela lhe fazia para um pronto restabelecimento de uma doença qualquer. (Tão falsa é que a própria mãe não a suporta nem rezando pela sua saúde, prefere ir para o inferno que ao céu pelas orações da filha!). Então, nesse momento a magérrima Conceição- “a eterna quase viúva de alguém” - perpetra essa pérola: - Haveremos de orar com muita fé e submissão a Deus do jeito que nós fizemos pro Seu Zezinho, que Deus o tenha em bom lugar – e baixava os olhos num misto de rasa pureza... Lembrei-me de você bom amigo Campos me contando do ocorrido com o (des)dito Zezinho e fiquei num limbo entre cair na gargalhada ou vomitar de tanto nojo dela o peixe degustado no restaurante. ...história escabrosa, ficar em hospitais segurando a mão de moribundos, esperando pelo último suspiro dele e uma pensão vitalícia. Não costumo crer em Deus ou qualquer outro ser superior, mas se há uma entidade assim, ela soube tratar bem essa vampira... Não há mão que ela segure que reverta numa pensão... Dá asco ver aquela cara de

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Santa Tereza de Calcutá do Pau Oco da Área Continental. Mais falsa que nota de três reais. Tudo isso passou em minha mente em menos um décimo de segundo, mas que filme horrível de se ver, mesmo que seja dentro de nossa cabeça, onde não adianta fechar os olhos... Desisti de tomar café. Voltei à minha sala – nessa época do ano o sol bate mais forte em minha nuca e gasto uma grana preta em protetor solar... Do corredor escuto alguém gritando. Mais uma tarde no paraíso (e olha que prestei concurso para entrar aqui, quiçá eu soubesse...). É o Dijon (vulgo mostarda), o chefe, que está falando obscenidades escabrosas ao telefone com alguma de suas amantes... Umas velhas decadentes que vivem de explora-lo, aliás, explorar sua máquina de frangos assados (que ele vende fiado a elas cobrando depois em “serviços”, não sei se você me entende...) se me perguntarem não saberia responder quem explora quem nessa história sórdida, suja, engordurada e mal contada... Lembra-se das minhas borboletas azuis, aquelas daquele caso...? Devia ter dado fim à minha vida naquele maldito dia... Escrevo-lhe essas linhas para que seja, ao menos, testemunha de minhas desditas nessa repartição, antes que um dia (um dia...) o pior aconteça. Mas não respire aliviado ainda... Ouvindo o “Mostarda”, virei sobre meus calcanhares e tentei voltar à rua para um possível cigarro, quando... O Barbosinha (140 quilos, 1m80 de altura e 1m50 de barriga) me viu, assustou-se comigo e engasgou-se tentando fazer graça: - Marx! – tossiu. (faltou a claque rindo!) O único alívio cômico nesse hospício é ele. Respondi-lhe: - Grande hétero! – só recentemente ele descobriu-se um, mas isso fica para outro dia. – Soube, por via tortas, que você é tão hétero quanto à estagiária do segundo andar, verdade? - Eu não sou hétero como ela não, sou diferente, eu não tenho as coisas dela, tenho as minhas! Tá pensando o quê de mim? – e foi-se indignado chacoalhando a pança... Juro, com a mão sobre a bíblia ou qualquer outro livro dito sagrado, que não respondi. Guardei para mim e minhas tripas o que eu pensei. Mas não deixei de remoer: - Esse entrou por cota de deficiência mental...

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caféuniverso TUDO SOBRE A BEBIDA MAIS CONSUMIDA NO MUNDO

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12 MOTIVOS PARA BEBER CAFÉ TODOS OS DIAS

Previne doenças como o Parkinson, tem antioxidantes e muito mais.... Descubra 12 motivos para beber café todos os dias. Os milhares de estudos desenvolvidos ao longo dos últimos anos em torno de uma das bebidas mais consumidas no mundo chegaram à mesma conclusão: o café faz bem à saúde. Aliás, e desde que bebido com moderação, os benefícios do café são muitos e diversificados. Numa investigação realizada na conceituada Escola de Medicina de Harvard, onde foram observadas mais de 193,000 pessoas, chegou-se à conclusão que quem bebia café de forma regular tinha um risco menor de vir a desenvolver diabetes (tipo 2), do que aquelas pessoas que não bebiam café. Mesmo as pessoas que bebem descafeinado têm uma maior probabilidade de desenvolver diabetes do que aquelas que bebem café normal. Um copo de café contém cerca de 1 grama de fibra solúvel, o que significa que o seu consumo contribui para manter os níveis de colesterol baixos. Alguns estudos sugerem mesmo que o café pode contribuir para a diminuição do risco de doenças cardíacas. O “American Journal of Clinical Nutrition” contém um estudo que alerta para o facto de pessoas saudáveis com 65 anos ou mais que bebiam 4 ou mais chávenas de café por dia tinham menos 53% de probabilidades de desenvolver uma doença cardíaca. O café contém magnésio, o que permite que as células do organismo se tornam mais sensíveis à insulina. O resultado? Uma maior sensibilidade à insulina significa manter os níveis de energia e de glicose no sangue saudáveis e equilibrados. Sabia que uma caneca de café tem mais antioxidantes do que uma porção de mirtilos? Os antioxidantes são responsáveis por um sem número de benefícios saudáveis, incluindo o atrasar do processo de envelhecimento e o

aumento da esperança de vida. Para além disso, o poder anti-inflamatório dos antioxidantes é extremamente eficaz, o que se revela crucial na luta contra doenças cardíacas e diabetes. Alguns estudos já foram mais longe e sugerem que o consumo regular e moderado de café pode diminuir o risco de vir a desenvolver doenças como pedra nos rins, cirrose, Parkinson’s, cancro no fígado, próstata e cólon. Para além de ser um diurético natural, o café pode ser um aliado na luta contra o excesso de peso. Baixo em calorias, o café acelera o metabolismo o que, por sua vez, ajuda a queimar gordura e calorias indesejadas. O consumo diário e moderado de café pode ajudar a melhorar o estado de espírito e ainda combater a depressão. Em muitos casos, tomar um café também pode ajudar a aliviar uma dor de cabeça, aumentar os níveis de concentração e a memória. Adicionalmente, já foi ligado à demência, ou seja, o consumo de café reduz em cerca de 65% o risco de desenvolver esta doença psicológica. Vários estudos apontam para o facto do consumo moderado de café ser eficaz no controle da asma – basta saber que a maioria dos medicamentos existentes para o tratamento de asma contém elevadas doses de cafeína. Curiosamente, o café tem ainda benefícios para os dentes, ou seja, o composto Trigonellina, que confere ao café o seu aroma e sabor amargo, tem propriedades antibacterianas e anti-adesivas que previnem contra a formação de cáries dentárias. O café tem ainda uma acção descongestionante, sendo extremamente eficaz no combate às constipações, uma vez que alivia os tubos bronquiais e acelera a recuperação. A cafeína presente no café é um poderoso aliado no que toca à resistência e performance desportiva, quer seja um atleta de alta competição, quer seja um praticante regular de algum tipo de actividade física. Para além disso, o café pode reduzir as dores musculares que muitas vezes sucedem ao exercício físico em cerca de 48%. FONTE: https://www.vortexmag.net/12motivos-para-beber-cafe-todos-os-dias/

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roberto feliciano Livreiro, formado em jornalismo e escreve no site 'estante caótica'. Não sabemos se ele aborrece com cores de capas de livros.

a porta Todos os dias eu o vejo passar aqui em frente. Não consigo lembrar se estudei com ele no primeiro ou segundo ano do ensino médio. O fato é que ele era o cara mais “deslocado” de toda a turma. E é claro que sofria muito por causa disso. Eu me lembro do nome dele, mas é irrelevante aqui. Vejo-o passar todos os dias voltando do trabalho, com seu uniforme de uma grande multinacional qualquer. E ele me faz pensar. Repensar. Quais caminhos o trouxeram até o tal do momento presente? E quais foram os que eu, que me achava tão mais esperto naquela época, trilhei até agora? O que nos difere? Será que ele pensa nessas coisas? Será que ele me reconhece e pensa “que caminhos aquele cara que sentava no fundão e era um dos que tiravam sarro do meu jeito de ser traçou até chegar aqui”? Bobagem minha. Eu também tinha minhas esquisitices e motivos para que outros pegassem no meu pé. Ler O Mundo de Sofia com 15 anos parecia dar direito ao babaca metido a punk dos anos 90 de me chamar de veado. E eu nem mesmo tinha consciência e a presença de espírito que tenho hoje pra responder pra ele: “E mesmo se eu fosse qual o problema?” Mas isso não me inocenta dos meus próprios pecados. E tampouco fez com que meu caminho fosse o melhor que eu poderia ter traçado. O

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que foi que aquele cara fera em redação durante todo o período do colegial fez de bom com isso? A escolha óbvia foi a faculdade de jornalismo. Mas, ainda assim, o que esse cara tão promissor fez com todo esse potencial? A mim, hoje, aqui dessa porta maldita, me parece que existe uma sala em que cada uma das nossas promessas é um pedaço de papel. Minha sala está abarrotada de papéis em branco. O que teria acontecido se eu tivesse aceitado ir à festa na casa da chefe durante meu estágio no grande jornal, como amigos diziam que eu deveria ter feito para garantir uma continuidade na vaga pós-estágio? Será que teria adiantado? Será que eu me sentiria mais realizado? Ou será que teria sido melhor me dedicar um pouco mais àquela oportunidade oferecida por um colega de faculdade, pra ocupar a vaga deixada por ele em um site esportivo? Será que se eu tivesse pego a vaga a sensação de que eu sou um bosta-sem-força-devontade aos olhos dos outros seria menor? Eu não sei. Assim como não sei por que o olhar dos outros me incomoda tanto. Mas o fato é que incomoda. Se eu quero mudar isso? Claro, porra! Mas eu não consigo fugir nunca do fato de que as escolhas do passado já estão tomadas e eu preciso me concentrar nas do futuro. É difícil, é um passo de cada vez, mas é vagaroso demais. Por enquanto fico aqui na porta. Imaginando, invejando, cultivando um rancor que não me faz bem de jeito nenhum. Não é culpa de ninguém, não é culpa do mundo, não é culpa nem mesmo minha, se eu for parar pra pensar. As coisas são assim. Boa tarde, posso ajudá-lo?

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submergir Chego em casa cansado. Mas não é só. Sujo. Sujo de um dia inteiro de tanta coisa que nem consigo começar a enumerar. Cansado do que a rotina me dá e sem forças pra tomar na raça o que eu acho que ela deveria me dar. Então eu abro a torneira. E vejo a banheira encher. Os olhos começam a sorrir devagar. Ver esse ritual já serve como amostra grátis de um combustível que eu sei que mereço. Ao menos é nisso que sempre prefiro acreditar. Entro devagar, quase com medo do que a imersão vai provocar em meu corpo. Passo os dedos suavemente pela superfície cristalina. A princípio, nenhum atrito. De um lado para o outro, quatros dos meus dedos provocam leves e pequenas ondas, de um lado para o outro. Esquerda, direita. Me hipnotiza, me inebria. Mais devagar do que faria se não estivesse vindo de um dia cinza e dolorido, eu afundo meu pé direito na banheira. O volume sobe. Bem pouco. Depois, o pé esquerdo. Ainda fico alguns segundos parado, observando o quanto meu corpo agitou aquela aparente paz, antes de deitar com o corpo todo e deixar a água me abraçar como uma amante que pela primeira vez me toma em seus braços. O torpor me atinge, quase me nocauteia. Ali, com meu corpo 95% submerso, me sinto jovem novamente. Eu me sinto abraçado. A sensação de não pertencimento a esse mundo sutilmente desaparece. Não há angústia nos braços daquele abraço quente.

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Eu sou feliz. Eu sou alguém. Cada partícula envolve e acaricia minha pele. O jato que desce pela torneira agora está sobre a minha nuca e escorrega pelos poucos centímetros das costas que ainda não estão sob a superfície da minha nova e compreensiva companhia. Tudo parece novo pra mim, tudo é prazeroso como nunca foi. Eu respiro melhor, sorrio sozinho pela primeira vez em muitos anos. O sabonete tem um perfume que vicia, mas nem precisava de um sabonete. Sinto que estou prestes a ficar pronto novamente. A água agora, não tão limpa como no momento em que apenas meus dedos brincavam, transborda um pouco. Eu não gosto. Vejo-a desaparecer pelo ralo, escoar aos poucos. Odeio tudo o que está para além das fronteiras daquele casulo naquele momento. Eu só preciso ficar ali, mais um pouco ou para sempre. Mas ela segue seu caminho. E vai embora pelo ralo. Em uma última tentativa de ser parte daquilo, de fazer com que aquele momento fique impregnado em mim, eu afundo a minha cabeça com delicadeza. Sinto a leve pressão em meus cabelos, massageando minha cabeça. Não parece, mas se passaram horas e meus dedos estão enrugados. E a água está suja e insiste em ir embora. Eu não me incomodaria se ela ficasse, pra sempre. Custasse o que custasse.

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silvio castro Bacharel em administração, funcionário público e palmeirense.

POR MARES DANTES NAVEGADOS

o inglês Henry Hudson navegava por uma nau de Aragão quando achou uma agradável ilha plana cujo rio posteriormente foi nomeado com o seu nome. Os holandeses chegariam muito depois. Hudson seguia a rota de Leif Erickson, filho do sempre evadido demônio dinamarquês Erik, o ruivo, séculos antes nas Terras Novas, só que saído de Bristol, milenar destino de celtas e gauleses quando remavam carregando suas mercadorias com o embalo do Douro para romper a arrebentação. Na volta, ansioso para contar a novidade, aporta em Londres. Por comandar um barco estrangeiro, foi acusado de traição e mandado para as masmorras. Sob tortura, convenceu os carrascos da necessidade deles o colocarem diante do rei. O argumento era que a banca florentina não investiria sem um retorno imediato em terras que não eram as esperadas Índias, onde os nativos não eram habituados ao comércio, apenas o Estado poderia ter uma visão de conquista de territórios e de todas as riquezas provenientes dele. Convencido, o rei o liberta para novas expedições e inicia o investimento da Coroa britânica pelos mares. Esta iniciativa levou à um investimento público de ordem significativa por séculos, com inclusive décadas depois um concurso publico para inventores que produzissem algo que medisse a longitude, pois os relógios de pêndulo de então não eram precisos com a instabilidade do mar. Um jovem de Yorkshire, John Harrison, venceu e inventou o cronômetro, com um erro

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de "apenas" 54 km, insignificante para os padrões da época. Ainda que os britânicos, pelo bom relacionamento com os portugueses, tivessem a informação privilegiada de não haver passagem para as Índias no dito Novo Mundo, ajudavam a manter a contrainformação ludibriando os castelhanos. A derradeira dissimulação vem com George Vancouver, que segue a rota de Fernão de Magalhães, só que depois de romper a corrente contrária do estreito que levou o nome do comandante luso, costeia toda a América pelo Pacífico até uma última tentativa na baía que levou seu nome, mas o rio levava às geleiras do Polo Norte. Jamais apareceria na História James Cook sem o investimento público, o maior cartógrafo marítimo que existiu, contratado pela Marinha Real da Marinha Mercante, mapeou toda a Austrália e descobriu tudo quanto era ilha ao redor do Mundo, até na Antártida chegou. Benjamin Disraeli, primeiro-ministro de Vitória, compra o Canal de Suez dos endividados egípcios e os britânicos viram sócios dos franceses que o haviam construído, o que veio a ser o atalho britânico pelo Mediterrâneo para as Índias sem a necessidade de contornar as Áfricas. Na América mesmo, apenas quando o presidente dos EUA Theodore Roosevelt força a independência de uma estreita fração de terra colombiana, criando uma nação chamada Panamá, é que foi construída uma custosa passagem pela quantidade de barragens elevatórias necessárias para as embarcações absorverem o desnível do Atlântico, mais baixo, para o Pacífico, mais alto. e vice-e-versa. Sempre o investimento público. Henry Hudson desapareceu no mar, mas sua capacidade de persuasão junto ao seu rei proporcionou o aporte necessário para a globalização moderna.

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grãos de poesia RÉVEILLON

NÁUFRAGO

pela janela ...e então um dia a realidade, um inocente entrará pelo rádio numa cafeteria da moda o prefeito e suas estatistas e de sua mesa, exclamará: águas sujas - Meu Deus, que café horrível! números vazios E todos os cafés voltarão a ser bons. no segundo mandato Mas até esse dia... não há mais horizontes roberto prado nem necessidade de promessas a realidade invade as ruas as calçadas as portas sobe pelas janelas depois dos ratos fogem as pessoas no rádio o prefeito regurgita confetes (nos olhos) números serpentinas (no pescoço) números ah, essa noite... números (ela me põe de casa pra fora) números roberto prado não se engasga não tosse não fica vermelho não lhe cresce o nariz e enquanto desvio de buracos e lixo espalhado a sua verborreia desce pelos falantes do carro e como nas ruas da cidade inunda de imundície os meus ouvidos... olho o céu e vejo a (mesma) chuva de ontem para essa noite outra vez outra vez outra vez outra vez outra vez nem todas as cigarras roberto prado nem todas as alegrias valem um dia de verão

CARNAVAL

BAHHHHHHHH roberto prado


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rose tayra - nenê

Natural de Santos. Atualmente morando no interior. Tem como "ideia fixa" destilar das cenas do cotidiano a sua mais nobre essência, tendo como posto o balcão, seu aliado, onde recebe a outorga de ouvir confissões sem ser ordenada e fazendo análises sem ser diplomada. Formada em Arte e Educação.

crônicas do cotidiano

o vento do mar veio nos visitar

Vindo a quilômetros de distância, ontem o vento do mar veio nos visitar. Na noite anterior ainda com céu estrelado não sabíamos de sua visita. Talvez se tivéssemos atentado para a lua, teríamos percebido, pois ela estava difusa, desfocada... Um tanto dispersa a visita inesperada foi prazerosa. Muito encorpado, elegante e envolvente trazia um tom de alegria e bem estar para as todas as pessoas, mesmo àquelas que o ignoravam. A tardezinha ainda o avistara. Com ele bailavam as folhagens das palmeiras e brincava com os finos galhos das árvores que compunham o cenário para as pessoas que estavam na praça. Hoje pela manhã, já não o encontramos mais, talvez fora visitar outro lugar, mas percebemos que deixara seu filho. Este mais moleque, para não dizer atrevido, fazendo barulho, incomodava as moças que usavam vestidos. Elas nem sequer podiam falar, pois logo dava um jeito, fazendo com que seus próprios cabelos entrassem pela boca. Isso sem contar no embate que fazia com as vozes das pessoas que tentavam conversar. Ainda aguardamos a volta de seu pai e tomara que seja breve, pois o sol que com ele brincava resolveu também se esconder; as nuvens já cheias, sem paciência, parecem que vão desabar. Tivemos dias intensos de calor por aqui e portanto, mesmo criando desassossego, ninguém ousaria reclamar.

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carnaval

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Depois de dias de muita preparação, tensão e muitos conselhos..., enfim, chegara o Carnaval. O que mais nos afligia era a questão da segurança, nunca tínhamos a experiência de um carnaval de rua em frente à padaria. Somente para o primeiro dia, meio que psicologicamente pressionados, contratamos um segurança, o qual fazia parte da mesma equipe que trabalhava para o evento. Todos eles tinham o mesmo biótipo, pareciam ser recrutados em academia de lutas marciais ou quem sabe, de uma agência de modelos... Vestiam-se todo de preto. Eram em sua maioria, morenos, altos, fortes e musculosos. Andavam de um lado para outro. No segundo dia, já estávamos mais relaxados. Ao som das marchinhas, já me entregara ao "espírito" e as lembranças dos antigos carnavais... Nasci e cresci em um bairro onde se tinha um "tablado" tinha-se lá uma bateria e também ali se recebia a visita do Rei Momo oficial e sempre acompanhado com sua Rainha. A minha casa ficava exatamente ao lado. O som do bumbo se confundia com as batidas do meu coração... Nesse momento, vejo lá fora, uma parede de moças, muito animadas, indo e voltando, como se dançasse o "can-can”. Com a imaginação, como quem também participa dessa brincadeira, digo em voz alta: - QUE DELÍÍÍÍÍÍÍÍCIA!!!!! Meu marido, com naturalidade, vira-se para olhar. Simultaneamente, como se tivesse sido precisamente ensaiado para uma peça de "ballet", as moças recuam... E qual não é sua visão: Três seguranças passam... Ocultando totalmente as foliãs!

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alice bispo

Escreve sem motivos e com muitos motivos. Na forma mais clara: escrevo o que vejo e o que sinto. E, como por ironia, me transformo em minhas próprias palavras.

biblioteca Não me lembro bem se ela pegava o livro na hora do intervalo, ou se pedia a alguma professora qualquer para ir à biblioteca. Mas ela era bem jovem, na verdade, uma criança. A prateleira era pequena e a biblioteca, acho que podemos ousar esse nome, era apenas um quadrado mal arejado e cheio de aranhas pequenininhas. Ela ponhava os olhos por entre a prateleira como se fosse algo monumental. Era grandíssima, em vista daquela pequena criatura meio cedendo à banguela. Então, os dedinhos curiosos e receosos paravam num livro qualquer que ela julgava o escolhido. Via a ilustração, mas não se apegava muito a isso. Gostava mesmo era do título. Achava sempre algo muito bem bolado ou trincado demais para se entender. Sempre via as palavras com admiração e respeito, como se cada uma pudesse conversar e convencer um coração ou uma mente muito fechada, de seus ideais revolucionários. Então, depois de longo pensar... devolvia-o. "Ainda não é o certo" pensava. Mais alguns minutos depois e o dedinho voltava a parar sobre um livro. O ritual era o mesmo. Olhava o título, abria para ver as palavrinhas todas amontoadas e devidamente recolhidas em seus lugares, sentia o cheiro de antiguidade, reparava num

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rasgo qualquer nas laterais (típico de escola pública), pensava quanto tempo demoraria até entregá-lo e, enfim, decidia. "É esse!". Ia até a bibliotecária, ou como ela chamava: "moça guardiã dos livros e das aranhas pequenininhas", informava sua turma e seu nome... Pronto. Tudo pronto. Ela guardava o livro em sua mochila e voltava para o intervalo ou para a sala de aula. Mas sempre que voltava, vinha junto uma ansiedade e empolgação em voltar para casa e mergulhar em todas aquelas palavras. E, mais uma vez, sentir que estão conversando consigo mesma. Mais uma vez se sentir completamente preenchida e acolhida, mesmo estando sozinha num quarto minúsculo e sem muita ventilação.

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leitura interrompida Eu não tenho crença alguma e nada me motiva a sair de casa aos domingos a não ser uma reunião de família ou praia. Na ausência dessas duas, fico em casa mofando. Não ter uma fé específica ou alguém para declarar as glórias ou os fracassos faz da vida uma surpresa cotidiana. Hoje mesmo, no auge de uma conversa aleatória, num banco de escola, num intervalo de sempre entre as aulas, fui convidada a uma célula. Uma célula, como você deve saber, é uma reunião entre crentes da mesma religação regado a salgadinhos e refrigerantes. Um convite e tanto. O garoto - era realmente um garoto - estava muito retraído e começou se desculpando por atrapalhar minha leitura. Eu não estava realmente interessada na leitura, queria gastar tempo e refletir sobre as diferentes raças de cachorros (era uma apostila de biologia). Nesse momento, no meio tempo do primeiro encontro ao do último salivar dessa conversa, ele manteve os olhos no chão. Ele era muito retraído. Mesmo. Tudo bem. Eu me mantive com muito respeito, embora achasse um porre o tema, e ouvi atentamente seu convite, ou sua intimação. Ao fim do diálogo (ou monólogo), respondi que iria sim. Não sei se parece estranho para você, já que eu mencionei não ter nenhuma crença e que achei um porre o tema. Realmente, as duas

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coisas conferem, mas não pensei em nada disso. Eu gosto de quem me faz sentir bem. A companhia daquele garoto era agradável, mesmo que ele só falasse de Jesus. Não quero bancar uma de moderninha ou de desprendida da vida ou hippie, mas quero ser franca. A vida já é mentirosa demais pra eu ter que mentir até na escrita. Enfim, se vou ou não, ainda não sei. Espero que sim. Quero ver como são, como falam e como vão me tratar. É algo muito simples pra quem já passou por dificuldades na vida. Pra quem já teve que esperar a boa vontade de um estranho ou parente distante para comer seu almoço do dia. Eu passei por isso muito nova e, na ocasião, você se envergonha fortemente e sente uma raiva te consumir por completo. Uma raiva que exala de uma glândula chamada orgulho. Eu sei, é verdade, a gente amadurece, as cascas da vida começam a dar as caras e você se vê mais forte. É fato. E essa força vem justamente da observação dos fatos. Eu sabia que aquele garoto conheceu sua igreja faz pouco tempo. Ele estava empolgado e gaguejava muito. Mas naquele momento, eu percebi que aquilo o salvou verdadeiramente. Não a parte divina ou celestial, estou falando da parte humana. Aquilo deu um norte numa vida sem sentido. E era um garoto muito novo. Realmente novo. Eu não sei se tem moral, e se tem, não sei qual é. Tudo bem. Pelo menos na quarta que vem, vou ter um bom motivo para ir à escola. Ps.: Se não tiver os salgadinhos vou ficar bolada.

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grand

Grandpa Joel's Coffee

A cafeteria mais charmosa do gonzaga. SEG A SAB > 10h ÀS 20h DOM > 14h ÁS 18h Rua Euclides da Cunha, 124 Gonzaga/Santos

@grandpajoelscoffee_santos | www.grandpajoelscoffee.com


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a viagem no tempo vista de uma mente aberta!


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Para tomar a dois

PUDIM DE CAFÉ Ingredientes: – 1 lata de leite condensado – A mesma medida de café coado bem forte – 3 ovos – Grãos de café para decorar – 2 xícaras de açúcar – 1 xícara de água

Modo de preparo: Bata todos o leite condensado, o café e os ovos no liquidificador por dois minutos. Caramelize uma forma metálica para pudim (com buraco no meio) com o açúcar e a água. Despeje a mistura do pudim na forma e leve para assar em banho-maria por 45 minutos em forno a 180º C. Deixe esfriar, desenforme, decore com grãos de café e sirva.


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GATO NA COZINHA gato carente entre as pernas carinho e tombo ao entardecer colore o céu azul nuvens rosadas pós chuva forte ilusão passageira calor persiste manhã-ceu azul ainda brisa fresca regozijo-me Gato tigrado por sob as listas nas entrelinhas fala: -sou feliz aqui!!!

TPM NA CAFETERIA xícaras ao chão uns gritos e palavrões hoje, café amargo NOITES QUENTES balançando o rabo uivando baixinho o cachorro sonha uma lua 40º NA SOMBRA! cigarras já não cantam, como carpideiras choram esse verão roberto prado

rose tayra - nenê

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uma revista pra falar de café e literatura


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Dr. Divago

...e então num belo dia, um inocente entrará numa dessas cafeterias da moda, e de sua mesa, exclamará: - Meu Deus, que café horrível! E todos os cafés voltarão a ser bons. Mas até esse dia... [RP]


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COMPARTILHANDO Puxa vida, não sabia que havia um dia para “Fãs de Livros”, essa revista é o máximo. Meninas tomam café de rosa, meninos tomam de azul e dois repartem a conta, certo? Revista maravilhosa, mas que mal exemplo um dos editores dessa publicação tão admirável caído de bêbado (?) com uma garrafa na mão... Tome café e vá ler um livro. Digam à caveirinha que todos que sonham vivem mais e melhor! No mais continuo fã de vocês Carol Lina Zeegers Hostess

Sobre o texto Parênteses do Feliciano... Por Rose Tayra Quando a gente pergunta pro Marcelo se não vai ficar "puxado" ele preparar o "Almoço de Domingo", ele comenta que essa é vírgula da semana. Encontrar com os amigos.

Alice Bispo? Que nada, Alice Papa!!!! Essa menina é muitodemaisdaconta! Leitores fiquem de olho nessa garota! Essa Revista é massa. Um fã ardoroso desde já.

Senhores. Simplesmente criativa CONVERSA POR WATTSAPP! As correspondências trocadas revelam muito do intimo de uma pessoa, genial. “O pato vinha cantando alegremente... ” Texto delicioso, “O pato, no garfo, em pedaços, quente, refeição” salivei lendo. Que sinestesia, que sinestesia! Françoise Silveira Gourmand, Reprodutora de elefantes e mergulhadora de campo de golfe. Massachussetts/USA (onde mais eu exerceria essas profissões?)


Café e Outras Palavras

retornará...

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