Ban Rak Thai

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(outros)

6 meses de Ásia

BRUNO SALMONI

CAPÍTULO 5B

Ban Rak Thai

BAN RAK THAI

Um pedaço da China nas montanhas tailandesas

O contraste da caixa de correito tailandesa em frente a uma cerca-viva ornamentada com dezenas de lanternas chinesas vermelhas.

A fachada de Ban Rak Thai junto ao lago, com casinhas no estilo chinês tradicional e desenas de barquinhos, misturado às plantações de chá nas colinas.

Existe uma estrada na região montanhosa do norte da Tailândia que liga ao Myanmar. Logo antes da fronteira, o viajante se depara com algo inusitado. Plantações de chá, balões vermelhos, construções tradicionais, fazem parecer estar num pedaço da China. O que faz uma vila chinesa nas montanhas do norte da Tailândia?

O exótico portal de entrada de Ban Rak Thai anuncia ao viajante que dali em diante você não está mais na Tailândia, e sim em um pedaço da China.

Nossa aventura no norte da Tailândia já havia passado por Mae Hong Son e Ban Na Pa Paek, de onde decidimos seguir pela estrada a pé rumo à última cidade antes da fronteira com o Myanmar. Uma via estreita e cheia de curvas, com montanhas de um lado e plantações de repolho e arroz do outro. Seria um caminho tranquilo, não fosse pelo risco de passar um caminhão carregado em uma curva fechada. Por sorte, conseguimos carona na traseira de uma caminhonete de uma dupla de camponeses que iam também para o nosso destino. Após alguns minutos de viagem cruzamos sob um curioso portal com temas que não estávamos acostumados a ver na Tailândia. Já era um indício de que estávamos entrando em um lugar especial. As plantações de arroz e repolho deram lugar a extensas plantações de chá nas encostas montanhosas. Algumas curvas depois, chegamos em

Ban Rak Thai. Um vilarejo minúsculo, com uma pequena rua principal cheia de lojinhas e restaurantes bacanas, e um lago circundado por outras tantas casinhas. O estilo da geral da cidade, assim como o portal da entrada, é muito diferente do estilo tailandês. Casinhas de barro com telhados de quinas pontiagudas, portas geométricas – ou circulares ou hexagonais –, alguns letreiros em caracteres chineses e não tailandeses. Até os barquinhos de bambu no lago parecem ter saído de um quadro antigo.

Ban Rak Thai parece ser um tipo de colônia chinesa perdida no meio do nada. Mas, apesar de estar situada em um lugar bastante ermo e de difícil acesso, é atualmente consagrado como pólo turístico visitado pelo seu apelo cênico, clima agradável e boa comida. E é apresentada nos cartazes e estandartes como “a vila mais bonita da Tailândia”.

Uma das principais atrações é a plantação de chá que circunda e permeia a hospedaria Lee Wine Ruk Thai, onde se pode passear em meio ao chá e tirar fotos instagramáveis em alguns lugares com vista para a plantação e para o vale abaixo.

O chá movimenta grande parte da economia local, com muitas lojas dedicadas à venda, onde se pode até fazer degustação do chá em suas muitas variedades.

Do lado oposto ao lago, os restaurantes sofisticados dão lugar a um centro local com residências e vendinhas muito mais simples, mas que ainda guardam um tipo de organização, arquitetura, pessoas, e até mesmo tipos de veículos, que se parecem muito com a China.

Visitamos a vila em uma época de baixa temporada, então a região estava muito tranquila e pacata, ao mesmo tempo em que várias novas edificações vinham sendo erguidas.

Conversamos com alguns habitantes locais, um povo muito simpático e hospitaleiro. Apesar de manterem muitos costumes dos antepassados chineses, estes vão sendo aos poucos assimilados aos arredores tailandeses, especialmente a língua (a maioria deles se comunica em tailandês, especialmente os mais jovens).

Nos disseram que em época de alta temporada a vila fica inspuortavelmente cheia de turistas de todas as nacionalidades, e por isso as obras - para melhorar e aumentar a infraestrutura e comportar todo esse pessoal.

Mas, afinal, o que faz uma vila chinesa ali?

Ban Rak Thai é uma das várias “Vilas KMT”, fundadas por um grupo de ex-guerrilheiros nacionalistas chineses (Kuomintang, ou KMT) provenientes da província de Yunnan, derrotados na revolução comunista em 1949. Diferente dos líderes nacionalistas que foram para Taiwan, esse grupo primeiro buscou refúgio no Myanmar, e depois de muitos conflitos em terras burmesas foram “empurrados” para a Tailândia.

O governo tailandês usou a expertise militar desse grupo para combater levantes comunistas na região do “triângulo dourado” (fronteira tríplice entre Tailândia, Myanmar e Laos) e, com vitórias em muitos confrontos, foram garantidas cidadania e permissão para se assentarem legalmente na região.

Nessa época os conflitos na região e a situação dos refugiados ganharam alguma notoriedade na mídia internacional e, sendo assim, os refugiados passaram a receber apoio de Taiwan, com quem são alinhados política e ideologicamente. Foi neste momento que receberam incentivos taiwaneses, principalmente em infraestrutura e a introdução da cultura de chá, presente até hoje e grande responsável por movimentar a economia local.

No início da década de 1980, a organização taiwanesa Free China Relief Association (FCRA), vendo as condições pouco dignas de subsistências das colônias de refugiados KMT na borda com o Myanmar, enviou uma equipe de especialistas e projetos para melhorias em infraestrutura

Direita

O mural que retrata o passado guerrilheiro de “vila KMT” de Ban Rak Thai, escondido atrás da praça central na área não turística da vila..

Abaixo

Decorações internas e externas que dão ares mais chineses do que tailandeses.

e agricultura. Foi construído um reservatório no meio da cidade para fins de irrigação, que como consequência causou mudanças no microclima (deixando a vila mais fria). O relevo montanhoso e o clima frio foram propícios para a introdução de chá Oolong.

Hoje, as colinas que circundam o lago são tomadas por plantações de chá.

Quem visita a cidade tem muito poucas referências a essa história. Não existe mais um museu histórico da vila. O único local com alguma informação desse histórico guerrilheiro é uma parede com uma ilustração dos líderes KMT e um QR code que direciona a um website com a história das guerrilhas (apenas em tailandês e chinês tradicional).

Após a concessão de direito de cidadania, a Tailândia passou a formalizar suas relações com

as vilas KMT, e impõe a coleta de taxas e atua na forma de algumas obras de infraestrutura. A escola principal da cidade segue a cartilha tailandesa, com alfabetização em tailandês. As placas principais da cidade são escritas em tailandês, o correio é tailandês. Fotos do rei e da rainha da Tailândia estão dispostos em alguns locais – inclusive no ornamentado e exótico portal de entrada da cidade.

No entanto, os residentes não se consideram tailandeses. Eles se denominam “chineses”.

Talvez Ban Rak Thai seja um exemplo de uma colônia que tem conseguido resistir à assimilação imposta de diversas maneiras pelo país que a abriga. O aspecto tradicional pitoresco é o grande atrativo turístico da vila, e as pessoas dali conseguem transmitir aos viajantes parte da cultura chinesa mesmo nos ermos do norte tailandês.

Fachada de uma casa, com selos tipicamente chineses.
Portas geométricas e até mesmo a capa sobre a scooter são elementos respectivamente antigos e modernos que remetem mais à China.
Interior de um mercadinho.
Rua principal no centro não turístico de Ban Rak Thai.

A vida em Ban Rak Thai é tranquila e simples, sendo a principal ocupação dos residentes voltadas ao plantio de chá (acima, menina com cesta nas costas se dirige à plantação nas colinas) e para o turismo que também conta com atividades ao redor e no próprio lago. Barcos de bambu ou madeira podem ser alugados para fazer passeios com guias ou em pequenos grupos de amigos (à esquerda).

Não sei se a intenção é manter a tradição de maneira genuína ou apenas para atrair tursitas, mas muitas das casas de Ban Rak Thai possuem arquitetura que remonta a casas chinesas de tempos antigos, com portas de formas geométricas (aqui, redondas), decorações com temas chineses como selos e lanternas, e até mesmo a organização do espaço remete mais à China do que à Tailândia.

Esquerda - Li Xian é uma moradora de Ban Rak Thai. Muito simpática e falante.

Salão do restaurante de Li, com seus livros e cadernos.
Li mostra com orgulho a placa com o nome de seu restaurante.

A cozinha de Li Xian, onde ela prepara as refeições que serve em seu restaurante. Enquanto corta alguns pedaços de jaca, conta histórias de sua vida.

O chá é o motor da economia de Ban Rak Thai. Não é natural da região, e foi levado ao norte da Tailândia por meio de organizações de Taiwan, como meio de auxílio ao desenvolvimento de uma das comunidades KMT.

As folhas são colhidas nas plantações que se estendem nas colinas (acima e à direita).

Em seguida, o chá é processado, de maneira mais ou menos rudimentar, em diversas localidades. Ele pode ser usado para infusão, ou mesmo como ingredientes em alguns pratos.

Folhas de chá secando em uma bandeja de palha trançada, em frente a uma casa.

As folhas de chá em Ban Rak Thai não são apenas para resultar em infusão e beber. Elas também são iguarias em pratos típicos. Aqui, uma salada de atum com folhas de chá.

Em uma das várias lojas que vendem chá na avenida principal, nos deparamos com este vendedor que fez uma rápida demonstração do preparo da infusão de chá, e depois nos ofereceu como degustação.

Com o aumento do turismo nos últimos anos, Ban Rak Thai estava passando por intensas obras de melhoria de infraestrutura (à direita, funcionário ajustando a fiação em uma rua). O objetivo é aumentar a disponibilidade de quartos para hospedar ondas de turistas, especialmente europeus, que chegam durante a alta temporada (acima, grupo trabalhando no início da construção de uma nova hospedaria).

As obras de infraestrutura em Ban Rak Thai ameaçam o patrimônio histórico-cultural dessa vila que já foi tão pacata? Apenas o futuro poderá dizer.

Vista o lago ao cair da noite, com bela iluminação por meio de lanternas chinesas vermelhas.

Continua...?

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