

6 meses de Ásia
BRUNO SALMONI

A atmosfera mágica do santuário Fushimi Inari Taisha é composta pelo contraste de inúmeros “túneis” formados cada um por centenas (ou milhares) de otorii - portões japoneses - de cor característica escarlate com a vegetação veredejante que os circunda.

FUSHIMI INARI TAISHA
A magia da montanha dos mil portões


Em meio ao mirante no Monte Inari, a vista panorâmica da cidade de Kyoto aos pés da montanha.
Um santuário milenar, ao mesmo tempo um famoso marco turístico e um centro de devoção e espiritualidade. Este é o
Fushimi Inari Taisha em Kyoto
Algo de mágico acontece quando se cruza a entrada do primeiro otorii, o portão escarlate nos pés no Monte Inari, em Kyoto. O otorii simboliza a passagem do mundo terreno para o mundo divino, e é realmente essa a sensação que se tem na montanha. Um feitiço nos transporta no tempo e no espaço, e de repente estamos sob túneis feitos de milhares de portões escarlate enfileirados, rodeados por altares com raposas de pedra em meio a um bosque verdejante.
É um ambiente certamente muito propício para tentarmos uma conexão serena e profunda com nossa espiritualidade, canalizado pela deusa Inari e suas raposas.
A deusa Inari é a divindade xintoísta associada à fertilidade, arroz, chá e saquê, agricultura e indústria e da prosperidade e sucesso em geral (ufa!). As raposas brancas, abundantes em todo

Cada um dos otorii tem inscrições com o nome da pessoa ou grupo que fez a doação para o santuário, para em retorno ter uma prece ou desejo atendido.

o santuário - e em todos os lugares do Japão que representem a deusa - são suas mensageiras.
Por ser responsável por tanta coisa boa, Inari é uma entidade muito venerada. Indivíduos e empresas que desejam sucesso e boa fortuna (ou que desejem agradecer pela graça alcançada) fazem doações generosas para o santuário, e em troca ganham um otorii com a inscrição de seu nome e a data.
Por sua importância na religião, e também pela beleza e magia que permeiam o santuário, o Fushimi Inari Taisha é uma das atrações mais concorridas de Kyoto. Na primeira hora da manhã ainda é possível ter alguma paz antes de chegarem as multidões, mas não demora muito para que os túneis de otorii sejam tomados por turistas, devotos locais e até mesmo diversas excursões escolares que se espremem para passar e
também interrompem o fluxo para buscarem a melhor selfie com os portões icônicos. Por isso, mesmo que o lugar tenha sua magia é preciso entender sua popularidade.
No alto da montanha se espalham centenas de outros altares mais afastados do frenesi turístico. Ali é possível ver indivíduos e grupos realizando seus rituais singelos e bonitos de veneração à deidade. Trocam a água dos potes e jarros, acendem velas e fazem suas orações.
Presenciar esses rituais simples nos faz lembrar que o santuário - assim como tantos outros santuários e templos - não é apenas um parque de passeio. É um ambiente sagrado em que as pessoas mergulham sua espiritualidade em busca de conforto para o corpo e para a alma. Estar neste universo mágico rodeado de raposinhas certamente ajuda a entrar nesse plano.
A história do Fushimi Inari Taisha é milenar e remonta a uma época em que Kyoto ainda não era nem a capital do Japão.
Segundo a lenda, Igoru no Hata, o líder do clã Hata, que era rico e arrogante, atirou uma flecha usando um bolinho de arroz como alvo. Atingido, o bolinho virou um belo cisne branco e voou até o alto de uma montanha, e após pousar no pico a boa fortuna aconteceu e ali cresceu arroz (“ina” é uma das leituras para arroz, e “nari” significa brotar). Igoru então se arrependeu de suas condutas, colheu esse arroz e levou-o a seus territórios, e passou a culturar essa deidade que faz crescer arroz.
O santuário Fushimi Inari Taisha foi fundado no ano de 711 pelo clã Hata, o mais poderoso e influente de Kyoto na época. Em um tempo em que o xintoísmo cultuava uma enorme quantidade de divindades, o clã Hata cultuava Inari como sua própria divindade. Quando Kyoto se tornou a capital do Japão em 794 o clã passou a desfrutar de grande poder político e isso resultou no crescimento da veneração a Inari.
A partir do século 9 o budismo começou a permear o Japão. Nesse processo, diversas entidades xintoístas e budistas foram misturadas, e com isso o santuário dedicado a Inari passou a ser incorporado ao budismo japonês (Shingon). O líder budista da época, o monge Kukai, escolheu o santuário de Inari como santuário guardião de seu templo principal (Toji), e solicitou que fosse deslocado para sua localização atual.
Direita e Abaixo
Figuras das raposas - as mensageiras de Inari, muitas vezes confundidas com a própria deusa.



Durante o período feudal do Japão, o santuário cresceu e ganhou diversas estruturas importantes presentes até hoje. O edifício principal, o Go-Hoden, é datado de 1499. Mais tarde, em 1589, o daimyo Toyotomi Hideyoshi ordenou a construção do principal otorii do santuário, o Portão Romon, que fica logo na entrada.
Os milhares de otorii enfileirados, que recobrem grande parte da trilha que sobe a montanha, são chamados de Senbon Torii (literalmente, “mil otorii”), a grande atração do santuário, começaram a ser erguidos durante o período Edo (por volta do século 17), pela fé dos devotos em agradecimento a uma graça alcançada ou em desejo de uma graça.
A mitologia japonesa é bastante complexa, e Inari é uma divindade que sumariza outras tantas, que são reconhecidas e cultuadas como Inari.
Outras deidades associadas a Inari são Ukanomitama, Ukemochi e Wakumusubi, entre outras, geralmente associadas à fertilidade, agricultura, ou provisões de mantimentos em geral.
Ukanomitama também é conhecida como Miketsu no Kami, isto é, a deusa das três raposasque seriam suas enviadas ou mensageiras ao plano terreno, uma crendice popular originada em tempos medievais, e que escalonou até o ponto de considerarem a raposa branca como a própria Inari.
Por este motivo, todos os santuários dedicados a Inari (não apenas o Fushimi Inari Taisha) são forrados de estátuas de raposas que carregam na boca joias e pergaminhos. Elas estarão em todas as partes fazendo companhia aos visitantes - turistas ou religiosos devotos - que frequentem a montanha mágica dos portões escarlate.

A trilha que leva ao alto do Monte Inari é rodeada dos portões escarlate (à direita). O ambiente condiz fielmente à superstição dos portões funcionarem como portais para o mundo espiritual. Junto ao Senbon Torii (a fileira de “mil portões”) diversos altares se espalham pelo bosque, cada um disposto à sua maneira, cada um com uma representação particular de Inari ou, pelo menos, de sua raposa mensageira (acima), que acabou se confundindo com a própria deusa.


Numa área tranquila do santuário, uma funcionária de uma lanchonete situada ao lado da trilha principal que sobe o Monte Inari varre o chão em frente a uma passagem com dezenas - ou centenas - de otorii.



Raposas - as mensageiras da deusa Inari - junto a um pequeno altar.

A trilha que leva pelos acessos da montanha é coberta pelos otorii escarlate, até mesmo nos cantos mais remotos do santuário.


Um dos diversos altares dedicados a Inari, com velas acesas indicando que o local é um santuário no qual as pessoas ainda praticam seus rituais.


O santuário se estende montanha acima, onde se espalham centenas - talvez milhares - de altares de todos os tamanhos. Os otorii são abundantes em todos eles, simbolizando votos de fé e gratidão. Tudo isso em meio a um bosque tranquilo e sereno.


Nos altares dedicados a Inari nunca estamos sozinhos. Suas raposas nos fazem companhia e marcam a presença da divindade. Elas estão em toda parte no santuário, assim como a presença espiritual da deusa.
