6 meses de Ásia
BRUNO SALMONI

CAPÍTULO 5a hmong
A tribo das montanhas como parte da herança cultural do norte do Vietnã



As montanhas na região fronteiriça entre Vietnã e China, onde se espalha uma comunidade Hmong nas montanhas.


A vida na comunidade da minoria étnica Hmong, a “tribo das montanhas”, é simples e sofrida, mas com lampejos de amor familiar e alegria.

Vida no vliarejo Hmong de Lao Xa, na região montanhosa do distrito de Dong Van.
Estávamos no norte do Vietnã. Partimos de Ha Giang e rumamos mais ainda ao norte, quase na fronteira com a China. Nosso objetivo não era apenas passar pelo famoso Ha Giang Loop, um procurado roteiro cênico para se fazer de motocicleta, mas também (e principalmente) para passarmos um tempo nas montanhas em meio a uma minoria étnica – os Hmong.
Hmong são um povo originário do sudeste asiático, proveniente do sul da China, em áreas próximas ao rio Yangtze. Como uma minoria étnica, foram perseguidos e massacrados pela dinastia Qing ao longo dos séculos 18 e 19, o que resultou na diáspora por diversos países da Ásia como Vietnã, Laos, Myanmar e Tailândia. O Vietnã é atualmente o país que concentra a maior população Hmong depois da China. Os Hmong se estabeleceram na região montanhosa
do norte do país, onde subsistem principalmente de agricultura - milho, arroz e trigo sendo as principais culturas - e criação de gado. Outras atividades econômicas incluem ferraria, fabricação de selas para cavalos, marcenaria, joalheria e tecelagem, todas produzidas de acordo com a necessidade, e em geral realizadas de modo complementar às atividades agrícolas.
Os Hmong são exímios conhecedores da vida nas montanhas (sendo chamados de “povos das montanhas”, principalmente na Tailândia), o que permitiu que preservassem certa independência e identidade cultural como grupo étnico.
Historicamente, os Hmong tiveram seu “período de glória” na virada dos séculos 19 e 20, em um “reino” que se estendia entre o Platô de Dong Van e a cidade de Meo Vac. O símbolo desta época de prosperidade é o Palácio do Rei Hmong, erguido por Vuong Chinh Duc. Após a revolução liderada por Ho Chi Minh, o reino Hmong foi gradualmente incoporado ao Estado unificado do Vietnã.
Os Hmong podem ser reconhecidos principalmente pelos trajes típicos, com bordados elaborados e coloridos. As mulheres usam lenços coloridos nas cabeças, e os homens usam boinas pretas.
Há diversos povoados Hmong ao longo do trajeto do Ha Giang Loop, no qual é comum vermos fazendeiros e agricultores andando pelas estradas e centros urbanos com colheitas nas costas ou puxando bois e búfalos, e vendendo seus produtos e insumos e circulando pelos mercados das cidades.
É uma vida simples e pode parecer bucólica e agradável - epsecialmente pelo ambiente natural maravilhoso em que as comunidades vivem. Porém, na verdade a vida nas montanhas é bastante sofrida. Os agricultores muitas vezes precisam se deslocar por muitos quilômetros ao dia entre suas casas nas encostas montanhosas e as plantações ou mercados das cidades. Em alguns povoados as crianças não chegam nem mesmo a frequentar escolas, as famílias preferindo que elas fiquem em casa ajudando com as tarefas domésticas e até mesmo com a lavoura e criação de gado.
Apesar disso tudo, é um povo que resiste à assimilação cultural e consegue preservar suas tradições e, justamente por isso, atraem muito interesse turístico - como nos atraiu às montanhas do norte para que pudéssemos conhecê-los.
Nosso contato com os Hmong aconteceu em vários lugares. Num primeiro momento, é impactante ver mulheres e meninas perambulando na beira das estradas com cestas nas costas carregadas de milho ou arroz. É uma cena que de cara já nos mostrou a rudeza da vida nas montanhas.
Mas ao longo dos dias fomos nos imergindo mais no ambiente e conseguimos vislumbrar outros aspectos mais leves da vida dali.
A subida pela estrada tortuosa para o alto das montanhas tem saidinhas escondidas que levam a vilarejos minúsculos. Em um deles, tem uma casinha de madeira com um grupo de mulheres - uma cooperativa de mulheres Hmong tecelãs. Elas produzem tecidos a partir de talos de cânhamo, e todo processo de fabricação desde o tratamento da planta, passando pela confecção dos fios, manipulação do tear, e até mesmo tingimento é mostrado a nós com muito detalhe. Ao final, nos mostram uma lojinha com produtos produzidos por elas. Fico satisfeito em levar um cadeno com capa recoberta com o tecido feito por elas.
É um encontro rápido, e pareceu um pouco “forçado” pelo ar turístico que a cooperativa ganhou - grupos de turistas saindo de Ha Giang visitam o local diariamente. Apesar disso, a produção ainda é realizada de maneira original em todas as etapas.
Subimos ainda mais as montanhas e chegamos em Dong Van, um dos centros urbanizados da região. Ali, entre a população local de etnia viet, pode-se perceber um ou outro Hmong, es-
Direita
Mulheres Hmong carregam madeira nas costas na subida íngreme no caminho para casa, na beira da estrada principal da região.
Abaixo
O Palácio do Rei Hmong, no distrito de Dong Van, é uma marca de uma época próspera dos Hmong do norte do Vietnã.



pecialmente pelo modo de se vestirem - as mulheres principalmente, chamam a atenção com suas roupas coloridas e cheias de bordados muito bonitos, e o sempre presente lenço amarrado na cabeça.
E é ali perto que uma comunidade inteiramente Hmong se instalou, no pequeno vilarejo de Lao Xa.
Assim como a cooperativa das tecelãs, este vilarejo está no radar de turistas (como nós) que desejam uma “experiência imersiva em uma comunidade de minoria étnica” e encontram hospedarias disponíveis em sites da internet.
E fomos nós até Lao Xa, nos instalamos numa pequena casa na qual dividimos o espaço com a simpática família Hmong e mais um punhado de ocidentais.
Ali perto da hospedaria encontramos uma
oficina de ourives que faziam trabalho em prata. É um tipo de produção artenasal familiar, com a oficina sendo um “puxadinho” da casa onde moram cerca de 20 pessoas. Chegamos ali sem avisar, mas a família foi muito receptiva e, mesmo não falando uma palavra em inglês, conseguiram expressar a felicidade de mostrar suas vidas para estrangeiros que vieram de tão longe e que estavam interessados em um pequeno e singelo contato com eles. Nesse encontro rápido pudemos ver alegria, serenidade e muita afeição entre eles.
De volta à hospedaria, fomos agraciados com um banquete, bebida e muita cantoria, e finalizado com um pequeno espetáculo musical com instrumentos tradicionais.
É difícil não romantizar esse estilo de vida, tendo um contato assim breve com pessoas alegres, gentis e amorosas.

Esquerda - Comerciante servindo comidas em um quiosque à margem da rodovia.



A produção de tecidos a partir do caule de plantas de cânhamo é feita de maneira inteiramente manual.
Tem início com a separação e tratamento das próprias plantas, num pátio rodeado de casinhas de madeira.

A confecção é realizada e gerida inteiramente por mulheres Hmong, e nos últimos anos passou a ser uma atração turística da região.

A confecção dos tecidos passa por diversas etapas, que inclum o trabalho no tear manual (à direita) com o entrelaçamento das fibras do cânhamo, e a estamparia com utilização de pigmentação natural, também realizado de maneira manual (acima).


A oficina dos ourives de Lao Xa é um “puxadinho” da casa em que moram cerca de 20 pessoas. Alguns homens da família participam da produção da joalheria em prata, enquanto as mulheres da família cuidam dos afazeres domésticos e do trabalho na lavoura.


Esquerda - Criança brinca noa oficina enquanto um dos ourives trabalha no metal, ao fundo.



O mestre ourives ajeita a blusa para sair bem na pose para a foto, enquanto sua esposa o observa, em um bonito momento de afeto em família.


Momentos cativantes com demonstração de afeto entre membros da família hmong que nos hospedou nas montanhas de Lao Xa. Acima, a esposa abraça o marido (nosso anfitrião). à direita, a filha abraça a perna do pai.


O anfitrião da hospedaria de Lao Xa toca o instrumento de sopro tradicional hmong, o lusheng, em uma performance que mistura a execução da música com dança.
