

6 meses de Ásia
BRUNO SALMONI

4
o sagrado
Capítulo

Eu não me considero uma pessoa espiritualizada. Mas, por algum motivo, me sinto muito atraído pelos templos asiáticos de maneira geral. A impressão que eles me passam é de um contato muito mais direto e sereno com as divindades, sem a necessidade de um intermédio formalmente religioso. Não é que não tenha as entidades que fazem essa mediação. Os monges estão lá para nos lembrar que as religiões asiáticas também têm seus guias espirituais.
Há muitas semelhanças na estrutura das religiões asiáticas e das religiões ocidentais. O conceito do mosteiro é uma delas. Assim como por estes lados, na Ásia os mosteiros são uma alternativa de sobrevivência e educação para certas fatias vulneráveis da população. Muitas vezes os templos são imponentes e colocam o observador numa posição minúscula frente à grandiosidade das divindades.
Alguns conceitos, por outro lado, são muito peculiares. Todos já ouvimos a palavra “carma”, mas no budismo (especialmente o budismo Theravada na Tailândia, Laos, Myanmar e Camboja) é um aspecto essencial da vida humana, a ponto de ser o motivo de todos os homens passarem pela vida monástica em algum momento da vida - para construírem carma positivo.
Diversos lugares contam com santuários pequenos e simples em meio à natureza. São locais de contemplação e paz - e são meus cantos sagrados favoritos.
Algumas coisas são fascinantes. A Ronda das Almas, por exemplo, é um ritual matinal diário em que os monges passam nas ruas descalços com suas vasilhas para coletar doações de alimentos que serão sua dose diária de nutrição. E nesse ritual os cidadãos “comuns” fornecem comida de bom grado. É um momento de comunhão entre o sagrado e o mundano.
Estar na Ásia e ver isso tudo de perto é muito interessante, e ajuda a desconstruir muitas ideias. A ideia de um monge asséptico, puro, casto, cai por terra - a maioria deles são homens comuns, que fumam, comem comida de rua, fazem compras em mercado, frequentam shopping centers, entre outras tantas atividades mundanas que não esperamos de um “homem espiritual”.
O sagrado asiático tem esse caldeirão de experiências diferentes, místicas e enigmáticas, muitas vezes tranquilizantes e pacificadoras, que mexem até mesmo com um cético como eu.
Monges budistas fazem a leitura dos escritos sagrados em um templo no centro de Singapura.

Panos laranja - a cor típica dos monges budistas tailandeses - amarrados nos troncos das árvores no jardim de um mosteiro em Mae Hong Son. Os panos são amarrados após os monges darem suas bênçãos às árvores.



Arquitetura externa e interna de templos budistas guardam tanto semelhanças quanto diferenças com as igrejas ocidentais. A estrutura de maneira com telhados ornamentados de templos do norte da Tailândia, com forte influência burmesa (esquerda, em Mae Hong Son), pode lembrar algumas antigas igrejas de maderia europeias. Os interiores costumam apresentar temas diversos, com épicos divinos ou registros da história local (caso deste templo em Chiang Mai, acima).

O interior de um templo budista em Samut Songkhram (Tailândia), incluindo decorações ornamentadas e estátuas de bodisatvas (seres iluminados).


Interior de templo taoísta em Wenzhou, com temas tipicamente chineses, incluindo os caracteres, as estátuas e até mesmo a distribuição do espaço com o pátio rebaixado remetendo a conceitos do feng shui


Templos budistas tailandeses são não apenas centros de devoção e meditação para as “pessoas comuns”, são também moradia e escola para grupos de monges. Alguns templos possuem salões bastante espaçosos, verdadeiros centros de vivência. A presença dos monges se faz perceber pelos tecidos de cor laranja, estendidos ou abarrotados sobre os móveis.

Apesar de viverem vidas dedicadas aos deveres do templo, os monges transparecem sua humanidade dispondo nas paredes quadros com fotografias de antigos mestres e companheiros, além de ornamentações que não esperaríamos encontrar em salões deste tipo (como essas cabeças de animais).

No sopé do monte Inari, em Kyoto, este homem faz a
do ambiente preparando para receber milhares de turistas.
limpeza

Nos salões do templo Kek Lok Si, em Georgetown, as doações para a manutenção e renovação são recolhidas em troca de honrarias como, por exemplo, escrever o nome nos azulejos. Na placa à direita, se lê “apoie o fundo de desenvolvimento do templo doando RM50 e deixando seu nome nas peças”.




Homens organizando materiais e mantimentos no tempo Sri Maha Mariamann
em Kuala Lumpur.

Na Ásia não há apenas templos monumentais, mas em diversos lugares há santuários pequenos que dão ao visitante um profundo sentimento de serenidade. Caso deste santuário xintoísta em Shiga (Japão), que é “flutuante” nas águas no lago Biwa.


Do alto na montanha sobre o templo Wat Phra That Doi Kong Mu em Mae Hong Son se percebe como a cidade é pequenina, ainda mais se comparada à imponente cordilheira atrás dela.


Figuras religiosas e estátuas de todos os tamanhos estão por todas as partes na Tailândia. Seja junto aos edifícios dos templos (acima, em Chiang Mai), ou enfiadas em troncos de árvores no jardim (à direita, em Bangkok).



Osaperov iderit inctatiis d
Osaperov iderit inctatiis d


Estandartes em um templo em Wenzhou, China.
Plaquinhas com escritos de desejos de boa fortuna. Shiga, Japão.


Preces em um templo de Hanoi.


Preces em um templo de Shiga.

Prece nos fundos do templo Sam Poh, em Brinchang (Malásia). Os templos budistas malaios, diferente dos tailandeses, sofrem forte influência chinesa, com arquitetura, disposição e pequenas diferenças de ritos.
Uma característica marcante no budismo malaio é a presença do incensário em forma de vaso arredondado, derivado do incensário Tiangong, da tradição chinesa.



Melaka. Singapura.


Kuala Lumpur.
Georgetown.

Os torii são esses portões japoneses que marcam a entrada dos santuários xintoístas, e representam o portal de passagem do mundano para o sagrado. Este é um grande torii em um santuário pequeno de Kyoto.


O budismo também apresenta alguns ritos de passagem para seus praticantes. Aqui, um ritual de passagem para um jovem de família proeminente em Chiang Mai.



A Ronda das Almas é um ritual tradicional do budismo Theravada. Todos os dias à primeira hora da manhã os monges descem de seus templos e percorrem as ruas das cidades para coletar doações de alimentos. Os moradores locais aguardam a passagem dos monges em frente às residências ou aos comércios, ou até mesmo em meio à rua. Quando chegam, os monges recolhem as doações em suas vasilhas (acima), em geral arroz, algum cozido, frutas e até mesmo doces e salgadinhos. Tudo o que é coletado é então levado aos templos e dividido entre os monges. Será o que eles comerão naquele dia.
É um ritual muito bonito de comunhão entre o mundo terreno e o espiritual. O mundo terreno fornece os bens materiais ao mundo espiritual, enquanto o mundo espiritual fornece os caminhos e a paz para o espírito do mundo terreno.

Durante a Ronda das Almas, os monges circulam descalços - mesmo em ruas ásperas de piso de asfalto - em prova de sacrifício e humildade.


Os monges caminham enfileirados na beira das estradas ou ruas, carregando suas vasilhas de doações. Geralmente, alinham-se em ordem etária, com o mais velho conduzindo o grupo.


Após receberem as doações, os monges entoam cânticos enquanto os moradores prostram e fazem suas preces.


O que é um monge?
A visão de “monge” que foi passada ao ocidente é de um homem totalmente asséptico, que tem uma vida devotada ao mundo espiritual e busca a purificação se abstendo de quaisquer bens materiais. Bem, essa visão é uma fantasia.

Monges são realmente pessoas que dedicam parte de suas vidas aos estudos de espiritualidade, mas é comum encontrá-los circulando por ambientes que nós daqui não imaginamos, como mercados e shopping centers, e carregando itens modernos como smartphones e tablets, e comendo salgadinhos e fumando.

No budismo Theravada, ingressar a vida monástica é pré-requisito na vida de homem. Para construir carma, ele precisa dedivar uma parte da vida no mosteiro, seja na infância ou na vida adulta. Em algumas comunidades pobres e sem assistência estatal muitas crianças ingressam pelo simples fato de ser uma oportunidade de moradia e estudo que de outra maneira não teriam.
Direita Criança monge no templo Wat Phra That Doi Kong Mu em Mae Hong Son. Esquerda Monge adulto percorre os corredores em um templo de Chiang Mai.



Monge caminha solitário em uma estrada estreita na saída de Ban Rak Thai, no norte da Tailândia.