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O Metrô de São Paulo no seu início
A construção da Linha 1 e o começo da Linha 2
PLINIO ASSMANN*
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Oapós da II WW significou um processo desenvolvimento industrial que dominou a pauta de desenvolvimento do Brasil sediando-se em São Paulo, principalmente. O Brasil atingiu recordes de desenvolvimento mundial na época e o reflexo na cidade de São Paulo foi direto. A cidade seguia de perto o Rio de Janeiro, então a maior cidade brasileira e capital da República, mas já se delineava o que a cidade seria no futuro próximo.
Na época surgiram as primeiras ideias de um metrô para a cidade. Foi na gestão do prefeito Faria Lima que a realização da implantação tomou início. Foi então criado o Grupo Executivo do Metrô (GEM) com a finalidade de sua realização o que iniciou-se com a contratação da HMD Hochtief-Montreal-Deconsult, consórcio de firmas alemãs e brasileira, especializadas em obras, consultoria e operação. E o GEM era constituído por Francisco de Paula Quintanilha Ribeiro, secretário de Finanças da PMSP, como presidente e com a coordenação de Marco Antônio Mastrobuono e um punhado de jovens engenheiros brasileiros.
Não demorou logo, as divergências entre os engenheiros brasileiros sequiosos de um sistema moderno e os alemães, conservadores. Os alemães propunham um sistema de ‘vala aberta’, cut&cover, para as obras do trecho Sé-São Bento enquanto os brasileiros falavam em shield, o tatuzão. Trens controlados pelo sistema ‘cames’, em aço carbono, enquanto os brasileiros, propunham aço inoxidável. Trilhos sobre base de balastro versus trilhos soldados em viga de concreto.
Essas contradições sem solução no âmbito do GEM, eram levadas à decisão para o prefeito Faria Lima, engenheiro, enquanto que Quintanilha, um economista. O apoio de Faria Lima às ideias dos brasileiros foi não somente decisiva para o Metrô a ser construído, como também estimulou a equipe brasileira. Foi então que uma missão de técnicos brasileiros foi à S.Francisco, Califórnia e lá viram o sistema em início de implantação do moderníssimo sistema de controle tráfego de trens por circuitos eletrônicos.
Foi nessa época que se decidiu pela
prioridade da construção da linha Norte-
-Sul em relação à Leste-Oeste e deu-se início às primeiras do Metrô de mudança de tráfego quando da implantação das obras na cidade o que mais tarde daria origem ao Departamento de Engenharia de Trânsito da SMT. Muito importante para a CMSP foi sua mudança para um prédio próprio na Rua Augusta. Até então a Cia. operava na Rua Florêncio de Abreu, a diretoria no mesmo prédio da Secretaria de Finanças e as equipes técnicas num outro prédio na mesma rua.
A CMSP organizou seu departamento de pessoal, que denominou de forma pioneira Recursos Humanos, RH, a quem coube a tarefa de recrutamento do pessoal e treinamento daqueles que viriam a ter a responsabilidade de levar adiante a Cia. do Metrô. Para o recrutamento, o RH usava métodos de seleção de pessoal com critérios impessoais usando o método PMK, incluindo-se uma entrevista do selecionado com o presidente da Cia. A quem cumpria a missão de expor uma mensagem de futuro da empresa.
A gestão da CMSP adotou a Gestão Participativa modelo pelo qual os quadros técnicos participavam do processo decisório de escolha, contratação e gestão de todos os contratos licitados pela empresa. Assim a Cia. ficava segura da escolha da melhor proposta com a garantia de que o processo seletivo dos contratos realizados era participado por aqueles que exerceriam, entre outros, a sua fiscalização.
O Metrô entendeu desde o início de suas obras o quanto elas interfeririam na vida normal da cidade. Por isso deu conta que todos seus atos e decisões deveriam ser dados ao conhecimento da cidade feito pela imprensa. Fossem o que fossem, favoráveis ou não.
Assim, certa vez, o jornal O Estado de S.Paulo deu em manchete na primeira pá-
FOTO: ARQUIVO/METRO/SP
gina: ‘Liberdade interditada’. A este seguindo-se seu texto: ‘A Cia. do Metrô interditou a Rua da Liberdade para implantação de sua obra da Estação da Liberdade’. Era a época do célebre AI-5, Ato Institucional 5, do regime em vigor, que permitia a censura da imprensa. Foi, sem dúvida, a forma que o censor encontrou de mostrar a intenção do governo de promover a abertura política e o fez através de uma notícia do Metrô que sempre, em qualquer situação, dava conta abertamente de tudo.
A construção da linha 1 previu a aquisição de 136 escadas rolantes. A cidade na época tinha somente duas para uso público. Uma na Galeria Prestes Maia e outra num Shopping na Paulista. As escadas especificadas pelo Metrô deveriam ser do tipo rápidas, diferentes das existentes. O Metrô tratou da questão com o setor da indústria e foi possível fazê-lo com a produção nacional.
A questão mais crítica da implantação
do Metrô foi a contratação do sistema do controle de circulação de trens. A licitação aberta para isso foi atendida por três propostas. Tecnologia americana, moderna e duas outras, tecnologias francesa e outra inglesa, tradicionais. O Metrô adjudicou o sistema proposto pelo licitante americano. Os dois outros licitantes entraram com mandado de segurança na Justiça arguindo falta de segurança no sistema num sistema de Metrô envolvendo vidas humanas controlado por circuitos eletrônicos e não pelo modelo tradicional de relés vitais.
Para sua defesa o Cia. do Metrô ao lado de sua equipe contratou então o melhor advogado de direito civil do país o advogado Hely Lopes Meirelles e foi ganhador na justiça. Já prevendo o questionamento de sua decisão, o Metrô introduziu nesse seu edital da concorrência a obrigação do contratante apresentar um seguro de performance num valor igual ao da contratação. Assim se a proposição contratada não fosse segura e implicasse em correções, o Metrô não teria prejuízo. A empresa de seguros contratada estranhou um valor segurado para seguro de performance igual ao valor do contrato, julgando-o inédito. Mas, assim foi feito em razão da mudança tecnológica mundial da especialidade. O que se seguiu é que o sistema então adotado foi seguido universalmente. O Metrô então foi considerado o mais moderno do mundo.
Como preparação da futura operação do Metrô, a CMSP instituiu o treinamento da população. A CMSP contratou com a Secre-
Prédio do CCO, Centro de Controle Operacional de todo sistema do Metrô taria de Educação do município um procedimento pelo qual os alunos do primeiro ciclo poderiam andar no Metrô mesmo antes da abertura da operação comercial. Nas escolas, antes da viagem, o Metrô faria uma exposição do sistema aos alunos. Depois, para a viagem, os alunos deveriam ser acompanhados por suas professoras. Após isso, o Metrô apresentaria a eles uma questão razoavelmente difícil. Mas os alunos poderiam levar essa questão para suas casas e pedir ajuda a seus pais que poderiam respondê-la. Tal questão seria válida para o aluno passar de ano. Para treinar os operadores dos trens, a CMSP contratou a Cia. do Metrô da Cidade do México. A Cidade do México nessa época tinha seu metrô recém implantado. A proximidade da língua facilitaria o entendimento entre as partes. Os operadores brasileiros poderiam operar o Metrô do México e vice versa os mexicanos poderiam operar em São Paulo. No encerramento do contrato, ao acertar as contas a Cia. do Metrô do México não aceitou o pagamento, a não ser simbolicamente, um peso mexicano. As autoridades mexicanas alegaram que a contratação foi o que de melhor aconteceu na relação entre os dois países. Antes mesmo do término das obras da linha 1, o Metrô deu início à linha 2 L-O. Para tal a CMSP entrou em contato com a RFF com o objetivo de usar parte de leito em direção à Leste, abandonando então o destino, Penha. O objetivo era alcançar Itaquera de uma população maior e onde haveria a oportunidade da São Paulo promover uma modernização do local. Tal não aconteceu, infelizmente. A transferência do Metrô da
PMSP para o GESP tornou o processo de renovação urbana decorrente do impacto das obras e do projeto não mais viável.
Para tudo isso haveria de mudar o projeto da Estação Sé, a maior do sistema e com a interseção de duas linhas, inverter a posição das linhas que lá cruzavam. A linha L-O prevista no projeto original passar por debaixo do Rio Tamanduateí com passagem inferior à N-S inverteria passando por cima. Isso significaria uma redução
brutal no custo da construção da Es-
tação Sé. Para atingir tal objetivo necessário seria que a linha L-O sair em elevado da Sé, passar por sobre o Rio
Tamanduateí e daí alcançar o leito ferroviário negociado com a RFF. Essa alteração teria um impacto na própria linha N-S que poderia operar de Jabaquara até o então seu ponto final Santana, enquanto a Sé continuava suas obras.
Outro impacto da mudança da Sé foi a decisão de demolir o quarteirão entre as praças João Mendes e Sé. O uso do modelo tradicional de demolição de prédios conhecido, feito com marreta, numa região muito densa pela circulação de pedestres implicava constantemente em acidentes. A existência de um prédio, Mendes Caldeira, com 21 andares foi a razão da introdução do método de demolição por implosão em nosso ambiente.
A implosão feito realizada com o grande sucesso. Todos os cuidados foram tomados, desde à marcação da data com a Secretaria de Segurança do Estado para que não ocorressem usuários nas praças, a própria Catedral que no dia não rezou missa até a contratação de um seguro para cobrir qualquer ocorrência que acontecesse por alguma falha não prevista. Como se tratava de tecnologia ainda não conhecida, a CMSP obrigou os detentores do conhecimento associarem-se no episódio com uma empresa de engenharia brasileira que a partir desse conhecimento poderia repeti-lo em outras oportunidades.
O Metrô promoveu no seu início de sua operação a educação de seu usuário. Agora, anos depois de educação do uso, o Metrô deve promover o conhecimento do comportamento de seu usuário atual e conhecê-lo melhor enquanto circulando no sistema e entender se esse comportamento difere do comportamento desse mesmo usuário fora do sistema. A cidade e o próprio Metrô terão grande interesse nisso. Ao possuir um sistema com a envergadura atual do Metrô, a cidade de São Paulo tem em suas mãos um sistema que garante seu futuro quaisquer que sejam as mudanças econômicas e sociais que ocorram no país ou no mundo, no futuro.
* Plinio Assmann - Ex-presidente do Metrô de São Paulo E-mail: plinioassmann@gmail.com
