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Material rodante da Linha 15-Prata
Trem da Linha 15-Prata
Você já se questionou como seria a sensação ao embarcar para uma viagem em um avião sem piloto ou realizar um trajeto a bordo de um táxi sem motorista? Experiências com meios de transporte capazes de se locomover sem a intervenção humana direta são realizadas diariamente em vários locais do mundo e demonstram autonomia suficiente para garantir sua eficiência e, sobretudo, a segurança do passageiro.
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Parece futurista? Acredite... apesar de ousada, essa realidade está muito perto e atende por um nome: Monotrilho Linha 15-Prata do Metrô de São Paulo. Caso esteja se perguntando como é possível realizar uma viagem de Monotrilho de forma automática e sem operador, o convidamos para mergulhar conosco nos próximos parágrafos onde serão apresentados os conceitos e tecnologias empregadas na frota de trens da Linha 15-Prata que possibilitam essa “viagem ao futuro”.
O CONCEITO DE OPERAÇÃO DE TREM SEM OPERADOR
O desafio de tornar o modelo de uma composição, em via elevada, de sete carros de liga de alumínio, 86 metros de comprimento e 3,13 metros de largura compatível ao conceito de trem com operação não assistida, conhecida no meio técnico com a sigla UTO que quer dizer Unattended Train Operation ou em outras palavras, sem operador a bordo, necessariamente exige um salto do seu nível de automação.
De acordo com a terminologia definida na Norma IEC-62290-1 (IEC 2006) “International Electrotechnical Comission”, esses níveis ou graus de automação do sistema determinam os requisitos que o possibilite que o trem opere desde uma condição totalmente manual e dependente de um operador a bordo até a uma condição completamente automática e não assistida (UTO) e também conhecida como GoA4 (Grade of Automation 4).
De acordo com a UITP (Union Internationale des Transports Publics), o UTO traz muitos benefícios a todas as partes interessadas: passageiros, operadoras, órgãos regulamentadores e investidores, como por exemplo: otimização do tempo de viagem, o aumento da velocidade média do sistema, a diminuição do headway (intervalo de tempo entre trens) e consequente redução do tempo de permanência nas estações, que todos juntos traduzem no primeiro grande benefício: o aumento da capacidade da rede de transporte.
Na figura 1 está apresentada resumidamente a descrição dos níveis de automatismo e um fluxograma para avaliação do sistema, segundo a Norma IEC-622901, que define clara terminologia para classificar o grau de automação (GoA1-4) de um sistema urbano de transporte sobre trilhos: • GoA1 dispõe de proteção automática de trem (ATP – Automatic Train Protection), com um operador de trem dentro da cabine, onde manualmente controla o movimento do trem. O ATP impede movimentos inseguros, mas por outro lado não controla o trem. • GoA2 dispõe de operação automática de trem (ATO – Automatic Train Operation), com um operador de trem dentro da cabine, que não controla o movimento do trem manualmente, mas executa funções críticas, tais como abertura e fecha-
DIEGO CAMILO FERNANDES*, FELIX PRADO** LEANDRO MITSUAKI HARADA BONORA*** MAIQUE DIAS LUZ****

Figura 1 - Trem monotrilho da Linha 15-Prata do Metrô – Operação sem a presença de um operador dentro do trem Figura 2 - Operação do trem monotrilho da Linha 15-Prata – Passageiros no lugar da cabine e do operador
mento de portas e habilitar o trem para ser movimentado. • GoA3 dispõe de ATO e de um atendente no carro de passageiros, o qual executa uma função crítica, tal como supervisionar o fechamento seguro das portas. • GoA4 é capaz de operar o trem sem um operador ou atendente (UTO - Unattended Train Operation), significando que os trens podem ser operados sem uma equipe operativa, seja nos trens ou nas estações. Neste nível, o operador do sistema ainda pode optar por colocar um operador ou atendente dentro do trem para lidar com serviços ao passageiro ou aplicar respostas em emergência no trem.
No caso do trem monotrilho da Linha 15-Prata, sua concepção de projeto prevê a operação do trem com o grau de automação em GoA4, ou seja, sem a necessidade da presença de um operar de trem ou de um operador ou atendente (UTO - Unattended Train Operation), tornando sua operação completamente autônoma (figura 2).
Uma vez avaliada e definida a condição possível ou desejada para o nível de automação do sistema seus requisitos agora podem ser enumerados e alocados para o projeto. Nesse caso, para o material rodante da linha, observa-se de maneira geral os seguintes requisitos intrínsecos ao UTO: • Sistema para controle de trens – garantia da movimentação segura dos trens e desempenho; • Sistemas de comunicação – telemetria, anúncios aos passageiros, intercomunicador, CCTV e comunicação voz; • Detecção e gerenciamento de situações emergenciais – detecção, processamento e atuação automática em situações de falha ou eventos súbitos; • Outros – economia de energia.
SISTEMAS QUE AUXILIAM NA OPERAÇÃO DO TREM MONOTRILhO DA LINhA 15-PRATA EM MODO UTO
Para permitir que o trem seja operado em uma condição completamente automática e não assistida (UTO), são necessários alguns sistemas auxiliares embarcados no trem funcionando conjuntamente com elevado desempenho (alta confiabilidade). Dentre esses diversos sistemas destacaremos aqueles que tornam a frota monotrilho peculiar em sua operação, onde são os casos para: o sistema de sinalização CBTC, o sistema de gerenciamento do trem TMS, os sistemas de rede comunicação de dados CAN e “Sem-fio”, o sistema TPMS e o sistema de alimentação redundante.
CBTC – SISTEMA DE SINALIZAÇÃO
Por alguns considerado a quarta geração da filosofia de controle de trens o CBTC (Controle de trem baseado em comunicações) provê a frota monotrilho o controle automático e seguro do movimento da composição de acordo com um perfil de velocidade/ distância definido. Nesse sistema, os limites da autoridade de movimento não são limitados por limites físicos do circuito de via, mas sim estabelecidos por meio da posição virtual do trem, posição essa calculada em tempo real a partir de um modelo cinemático corrigido/atualizado por pontos discretos de normatização (balizas) instalados na via. Sua rede de comunicação de dados permite a transferência significativamente maior de dados de controle e monitoramento, oferecendo flexibilidade operacional e suporte para obtenção do desempenho máximo do trem.
TMS – SISTEMA DE GERENCIAMENTO DO TREM

Apelidado como o cérebro do trem, o TMS (Train Management System) é um sistema capaz de reconhecer padrões de informações que exijam a reação automática do trem permitindo, por exemplo, solicitar sua retenção numa próxima estação, diminuir sua velocidade ou manter suas portas abertas quando posicionado na plataforma, além disso, possuiu capacidade de processamento para organizar todas as informações transitadas e as registrar, permitindo acessá-las para uma análise off-line do sistema. O TMS também é o responsável por transmitir os alarmes, eventos e estados importantes do trem para as equipes de operação e manutenção à margem da via por meio do sistema CBTC e do sistema de comunicação de bordo. As equipes de via podem adotar as medidas apropriadas como resposta às mensagens recebidas com base no nível de prioridade da informação.
O TMS pode ser considerado um sistema de rede distribuído que é o centro de conectividade entre os subsistemas do trem monotrilho, permitindo que esses troquem pacotes de informação entre si além de receber os dados oriundos dos subsistemas, processá-los e exibi-los em uma tela sensível ao toque. Sua arquitetura hierárquica dispõe de redes no nível carro e redes no nível trem. A rede do nível trem passa por todos os carros e cada um dos sete carros possui sua própria rede. O TMS também utiliza controladores lógicos programáveis (CLPs) para trocar e processar dados e executar funções especiais.
Sua tela sensível ao toque exibe informações detalhadas sobre os subsistemas, como seu histórico, status de rede e alertas ativos (conforme figura 3).

Figura 3 - TMS – Detalhe da interface da tela sensível ao toque
Figura 4 - Exemplo de sensor “TPMS” instalado no bico de uma roda-guia Figura 5 - Um truque removido de um trem para manutenção. As setas indicam onde estão localizados alguns de seus pneusguias e os pneus de carga que neste projeto é de “dupla rodagem”
CAN – PROTOCOLO DA REDE DE DADOS DO TREM
A espinha dorsal do trem monotrilho é a sua rede de dados entre subsistemas. Essa rede, totalmente compatível ao modelo de interconexão de sistemas abertos (modelo OSI - Open Systems Interconnection), tem como característica principal a adoção do padrão CAN (Controller Area Network) como protocolo da camada 2. A implementação do protocolo CAN nesse projeto foi desenvolvida para trafegar milhares de informações entre 13 tipos de subsistemas diferentes que juntos contabilizam um parque aproximado de 80 equipamentos interconectados.
A massa de dados gerada e trafegada nessa rede, fruto do grau de automação exigido nessa aplicação, atinge cerca de duas mil (2 000) fontes de informação diferentes, distribuídas entre alarmes, eventos e estados de todos os equipamentos interconectados a ela. Dados de toda natureza são gerados, como por exemplo, quantidade de passageiros a bordo do carro, temperatura em cada salão, concentração de fumaça no salão e teto, estado operacional dos intercomunicadores e parâmetros físicos para cada pneu da composição.
Sua concepção ainda contempla mecanismos de priorização entre mensagens, detecção de erros e imunidade a interferências de modo comum, tornando-a suficientemente robusta para a aplicação em um trem UTO. Cabe ressaltar que o protocolo CAN está normatizado para aplicações metroferroviárias conforme definições da Norma IEC 61375, porém pelas suas características e bom desempenho sua aplicação é comum a outros tipos de sistemas, como por exemplo, automóveis, lançadores de mísseis e máquinas de hemodiálise.
Uma vez que os trens monotrilho da Linha 15-Prata são tracionados e guiados por pneus pressurizados com nitrogênio, que totalizam 28 pneus de carga e 84 pneus-guia por trem, na ocorrência de uma eventual perda de pressão num único pneu para um valor abaixo de um mínimo estabelecido e cuja ocorrência é imprevisível e possível de ocorrer, é necessária a detecção automática desta anormalidade em plena operação comercial para uma devida atuação e para evitar maiores danos e transtornos.
Um sistema de monitoramento eletrônico da pressão dos pneus sem fio, na sigla TPMS que em inglês quer dizer Tire Pressure Monitoring System e que monitora os valores das pressões de cada um dos pneus em tempo real, estando eles em movimento ou parados, é parte da solução para assegurar a operação dos trens em modo UTO
Nos trens da Linha 15-Prata, um sensor de pressão é instalado no próprio bico de calibração de cada uma das rodas dos pneus (figura 4) para basicamente se comunicar sem fios com a antena do TPMS instalada em cada gabinete. O receptor do TPMS faz interface com o Sistema de Gerenciamento do Trem (TMS) por meio de uma rede chamada CANbus e é neste sistema onde são gerados alarmes e impostas ações automáticas nos trens com base nos dados recebidos oriundos do TPMS.
Segundo a concepção de projeto da fabricante do trem (Bombardier Transportation), se algum sensor TPMS detectar pressão abaixo de 9,4 bar em um pneu de carga ou abaixo de 8,0 bar para um pneu-guia, um alarme de “pressão muito baixa” é imediatamente identificado pelo TMS. Esse é um alarme classificado como “nível 1” e junto dele é imposta uma resposta automática no trem, reduzindo sua velocidade para 15 km/h caso a anormalidade tenha sido identificada em plena operação. O trem então é retido na próxima estação para desembarque dos passageiros e consequente recolhimento para o pátio de manutenção para a inspeção, manutenção corretiva e restabelecimento (figura 5).

COMUNICAÇÃO SEM FIO
Uma vez que o operador/ atendente do Metrô na condição UTO pode estar circulando em qualquer localidade do sistema, seja veículos especiais, via, estações ou pátio, faz-se necessário que o trem propicie e mantenha continuamente sua condição de “conexão” à infraestrutura de transporte de dados, voz e vídeo, com segurança, tarefa essa atribuída a sua rede de comunicação sem fio local. A rede de comunicação sem fio do trem é estabelecida por intermédio de três equipamentos: gestor de comunica-

Figura 6 - Terminal portátil de dados do monotrilho
ção, switches de rede e APs (Access Points).
Portando um terminal portátil de dados (figura 6) o atendente a bordo se conecta automaticamente por meio do AP a infraestrutura do sistema, habilitando sua comunicação a qualquer outro ponto, para troca de dados ou voz e até administrar nessas condições outros sistemas da linha, por meio de telecomandos. Soma-se ainda outros recursos como visualizar textos, fotos, vídeos e documentos eletrônicos de formatos standard (PDF, ePub etc.), capturar fotos e vídeo ao vivo e comunicar-se em viva-voz, permitindo o atendente do monotrilho ser dotado de maior assertividade e flexibilidade durante a sua atuação.
BATERIA – SISTEMA DE ALIMENTAÇÃO REDUNDANTE
Cada carro do monotrilho é equipado com uma bateria para fornecer energia redundante, de emergência, para o barramento de distribuição de baixa tensão do trem em caso de ausência da alimentação primária. Devido aos requisitos de autonomia exigidos para o trem UTO, sobretudo em caso da ausência da energia de tração, o projeto desse sistema teve que explorar as fronteiras das características energéticas por unidade de massa das tecnologias empregadas nas células convencionais, para que, completamente carregada, uma bateria fornecesse energia para todas as cargas do carro por dezenas de minutos para somente então manter apenas as cargas essenciais. Para tal, a tecnologia empregada foi a do tipo cloreto de sódio-níquel de alta temperatura.
Uma célula da bateria é uma unidade de armazenamento elétrico dentro de um conjunto da bateria, termo aplicado quando duas ou mais células são eletricamente conectadas entre si. Cada célula de cloreto sódio-níquel (Na-NiCl2) consiste em um recipiente hermeticamente fechado de aço contendo sal e níquel como materiais ativos, além do separador de células. Composta por 88 células desse material, são interligadas em um arranjo série/paralelo fornecendo tensão de saída de circuito aberto de 113,0 Volts em corrente contínua (aproximadamente 2,6 Volts por célula), onde a reação química ocorre com uma faixa de temperatura de operação entre 250°C e 350°C, produzida por aquecedores internos (figura 7).
O compartimento da célula da bateria do monotrilho contém quatro aquecedores elétricos internos de folha gravada a mica equipados com sensores de temperatura. Os sensores de temperatura permitem que o gerenciador meça a temperatura interna e retroalimente seu sistema de controle a fim de estabelecer um ponto de funcionamento de 265°C, independentemente da temperatura ambiente. As células da bateria são envolvidas com um isolamento térmico eficiente, constituído de painéis de isolamento de sílica microporosa instalados entre as paredes do compartimento e uma parede dupla, reduzindo as perdas térmicas do conjunto e garantindo que a temperatura da superfície do compartimento seja apenas 10°C a 15°C acima da temperatura ambiente durante seu regime de funcionamento.

Figura 7 - O conjunto de bateria é um sistema integrado, inclui um gerenciador para todas as funções da bateria garantindo sua operação segura e confiável
CONSIDERAÇÃO FINAL
Implementar um trem capaz de operar automaticamente e sem atendente a bordo foi uma decisão que exigiu grau de automatismo e o emprego de tecnologias criteriosamente avaliados. Esperamos agora que você leitor esteja suficientemente entusiasmado em conhecer de perto esse trem embarcando numa viagem no monotrilho da Linha 15-Prata, seja bem-vindo e aproveite a paisagem!
* Diego Camilo Fernandes é engenheiro do Metrô-SP E-mail: imprensa@metrosp.com.br ** Felix Prado é engenheiro do Metrô-SP E-mail: imprensa@metrosp.com.br
*** Leandro Mitsuaki Harada Bonora
