Páginas Volantes nr. 7- Maria Judite de Carvalho

30 minutos a ler VII Comemorar as Bibliotecas Escolares Páginas volantes – 7 Maria Judite de Carvalho: centenário do seu nascimento 2 crónicas e 1 poema

Maria Judite de Carvalho (1921-1998) foi uma escritora portuguesa, grande contista e surpreendente cronista nos jornais de Lisboa, a quem Agustina Bessa Luís chamou de «flor discreta da literatura portuguesa». É reconhecida pela crítica como uma das escritoras do séc. XX, mas ainda continua desconhecida dos leitores. Foi casada com o escritor e professor Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013) e mãe da escritora e tradutora Isabel Fraga, que traduziu Harry Potter para português.

A sua obra completa em seis volumes foi editada entre 2018 e 2019, pela Minotauro, cujas capas são quadros da sua autoria.

As crónicas foram retiradas de Este Tempo, presente no vol. V. O poema é um pormenor do que foi publicado em Felizmente as árvores são grandes (2021).

Seleção do Professor Carlos M Severino.

Palavras-chave: português; geografia; ciências Página 1 de 4

DIMINUTIVOS (pág. 85s) Suamos diminutivos por todos os poros, é um exagero. Talvez seja resultado dos nossos brandos costumes, talvez, às vezes, de uma certa, embora ignorada, subserviência. Já o Melchior do Eça falava das enxergazinhas no chão. E depois, que lá pelos lençoizinhos respondia ele. «A gente apanhada sem um colchãozinho de lã, sem um lombozinho de vaca [...]. Ele sempre é uma leguazita de mau caminho...»

Somos o Zé Povinho, para começar. Estamos malzinho, coitadinhos, ou estamos bonzinhos, acontece. Estamos também piorzinhos, melhorzinhos, obrigados, melhor, obrigadinhos. Começamos a trabalhar cedinho, voltamos para casa à tardinha, à noitinha, conforme as estações. Às vezes está fresquinho, cai uma chuvinha fria, mas no verão ainda há uma restiazinha de sol, um calorzinho bom, sabe bem caminhar devagarinho. Chegamos ao exagero de dizer que agorinha mesmo vamos sair, mas caludinha, não demoramos, vamos depressinha e então loguinho. É pertinho aonde vamos. É longinho às vezes. Não estamos nadinha preocupados com isto ou com aquilo.

Mas, então, nadinha.

Chegamos pois ao exagero dos advérbios, das conjunções e até das interjeições em diminutivo. O que é um espanto para os estrangeiros que começam a aprender a nossa língua. Há, porém, limites que, talvez porque somos gente – ou gentinha – muito muito receosa do ridículo – daquilo que para nós é ridículo, naturalmente – por nada deste mundo ultrapassamos. É-nos, por exemplo, impossível conhecer os nossos políticos por um diminutivo. Ora isso é frequentíssimo no Novo Mundo conhecidos por Jack, Os irmãos Kennedy eram – são – conhecidos por Jack, Bob, e Ted. Carter é Jimmy (Jaiminho).

Nós temos, porém, a nossa noção do ridículo e não podemos ultrapassá-la.

Ela é uma das coisas mais duradouras e profundas que, tantas vezes sem o saber, herdámos, conservamos intacta e vamos deixar aos que ficam. Os nossos políticos podem pois estar tranquilos. Por mais que gostemos deles, nunca lhes chamaremos Toninho1 nem Lourdinhas2.

1

General António Ramalho Eanes (1935-), presidente da República de 1976 a 1980.

Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004), primeira-ministra de Portugal de 1979 a 1980.

2

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OS MAPAS (pág. 183s) «Subo o mapa, desço-o, é a vida», disse o homem. «Quando vou para o norte, sei que tenho o mar à minha esquerda, quando vou para sul sei que ele está à minha direita. Porque o meu mapa é o das estradas. Sou uma espécie de caixeiro-viajante da firma onde trabalho, já veem...

«Desde criança que me sinto atraído pelos mapas. Era muito pequeno e já conhecia todos os países, todos os mares, todos os rios, todas as montanhas.

Enfim, quase todos. Pensava às vezes, o que não era nada científico, que a mão de Deus tinha talhado, com uma enorme faca, esta fatia chamada Portugal, deitando depois restos e migalhas para o fundo do mar. Onde enfeitados de pérolas e corais se encontravam. «É que nesse tempo parecia-me – era muito criança – que os mapas eram sobre o esquisito e que o jardim da Europa era uma coisa estranha como tudo.

Porque não se tinha ele posto a escorrer lá para baixo?, perguntava eu.

Diziam-me então terminantemente que não havia lá em baixo nem lá em cima, que diabo é que me ensinavam na escola? Mas então porque é que as terras se tinham posto escorrer? A Espanha, por exemplo, a Itália, a Grécia... mas nós, tão reto e algarviamente horizontal, como era possível?

Parecia uma caixinha retangular, este meu País, ou o tal jardim, afinal de contas, bem gradeado para segurar os canteiros e as flores. E os homens, pensaria mais tarde. E as ideias. Um jardim isolado do mundo, uma estufa nesse tempo.

«Enfim, é como se tivessem condenado à terra um homem que sonhou ser marinheiro. Um mapa das estradas é tudo o que tenho. Sei de estradas e de ramais como pouca gente. Mas nunca fui lá fora. Só um dia a Badajoz. A vida prega cada partida às criaturas…»

Mais ou menos isto dizia o homem a outras pessoas, ali, na bomba de gasolina. Depois seguiu o seu caminho.

O Jornal, 7-12-78

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Felizmente as árvores são grandes (2021) de Maria Judite de Carvalho, com ilustração de Cátia Vidinhas.

Lisboa: Minotauro.

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