Páginas Volantes -14 Vulcões

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Cumbre Vieja, Etna e Fagradalsfjall: três fúrias acordadas na Europa

— e a memória dos Capelinhos

A recente erupção do vulcão Cumbre Vieja, em La Palma, Espanha, trouxe para a atualidade a força abrupta e intensa do magma quando ascende à superfície terrestre, recordando-nos o poder da natureza e a fragilidade da ação humana perante essas fúrias titânicas, quase mitológicas dos vulcões.

Uma força bem conhecida dos ilhéus do nosso Arquipélago, que carregam ainda na memória os efeitos da erupção do Vulcão dos Capelinhos na vida das gentes do Faial…

Este artigo, publicado no Jornal Público, é um dos Artigos do mês que a nossa Biblioteca Escolar tem partilhado este ano letivo.

Palavras-chave: Vulcões, erupção; perigo.

Cumbre Vieja em erupção.

Imagem retirada de: Volcans et changement climatique : les deux sont-ils liés ? | Euronews (acedido a 08/03/2022)

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Etna em erupção.

Imagem retirada de: Vídeo: vulcão Etna entra em erupção (hypescience.com) (acedido a 08/03/2022)

Fagradalsfjall em erupção.

Imagem retirada de: Na cara do gol! Imagens de drone mostram erupção de vulcão bem de pertinho - 22/03/2021 - UOL TILT (acedido a 08/03/2022)

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Vulcão dos Capelinhos em erupção.

Imagem retirada de: Vulcão dos Capelinhos entrou em erupção há 56 anos - Açoriano Oriental (acorianooriental.pt) (acedido a 08/03/2022)

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Cumbre Vieja, Etna e Fagradalsfjall: três fúrias acordadas na Europa — e a memória dos Capelinhos

O da Islândia será o menos perigoso. Em Portugal, a memória mais recente remonta ao que aconteceu no vulcão dos Capelinhos, nos Açores.

A destruição galopante causada pela recente erupção do vulcão Cumbre Vieja, em La Palma, chocou — e acordou — o mundo para os riscos da atividade vulcânica — que até então dormitava silenciosamente. Mas está longe de ser o primeiro acontecimento vulcânico a decorrer este ano.

Aliás, neste momento, junta-se a outros dois principais vulcões em atividade na Europa: o Fagradalsfjall, na Islândia, e o Etna, em Itália. O único traço que partilham é a produção de lavas basálticas, um tipo de lava relativamente primitiva e menos explosiva, explica José Pacheco, diretor do Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos (IVAR), nos Açores.

Os ambientes em que cada vulcão se situa diferem bastante, resultando em características variadas.

Espanha: Cumbre Vieja

Vamos à primeira, e mais recente, fúria acordada. O vulcão Cumbre Vieja entrou em erupção no dia 19 de setembro e, desde então, com alguns períodos de maior explosividade, já devastou cerca de 240 hectares de terrenos num perímetro de cerca de 16 quilómetros — prejuízos estimados em cerca de 400 milhões de euros.

No sábado, o cone principal do vulcão sofreu um colapso parcial. No total, calcula-se que o número de casas e estruturas destruídas tenha chegado aos 400. Entretanto, cerca de 160 pessoas das milhares que foram retiradas já puderam regressar a casa, após a estabilização dos indicadores de risco. Depois da paragem na erupção na segunda-feira, a corrente de lava chegou finalmente ao mar nesta quarta-feira numa zona de penhascos na costa de Tazacorte.

As ilhas das Canárias situam-se sobre um ponto quente, cientificamente designado por hotspot. “É uma espécie de anomalia térmica que se situa no interior do manto terrestre e que possibilita a ascensão de magma. Não é que haja nenhum afastamento ou choque de placas, mas essa Página 4 de 8

‘anomalia’ causa a génese de magma no interior do planeta, que depois ascende, consegue perfurar a crusta terrestre e chegar à superfície”, descreve José Pacheco.

Este fenómeno pode provocar vulcões centrais, como o Teide, em Tenerife, em que existe uma câmara magmática e toda a alimentação das erupções se faz mais ou menos pelo mesmo sítio, uma chaminé central. Por outro lado — e é este o caso do Cumbre Vieja —, pode originar atividade fissural, onde, em vez de uma alimentação central, existe uma faixa de várias falhas alinhadas ao longo de uma determinada direção. “Constituem uma fraqueza que o magma vai usar para chegar à superfície”, explica.

Itália: Etna

Desde o início do ano, o vulcão Etna, na ilha italiana de Sicília, já entrou em erupção quatro vezes — a última na mesma semana em que o Cumbre Vieja despertou La Palma, e menos de um mês após a sua erupção anterior. É o vulcão mais ativo da Europa, e um dos mais ativos do mundo.

Em fevereiro, o vulcão entrou em erupção duas vezes em menos de 48 horas. A primeira, e poderosa, ocorreu no dia 16, e fez com que grandes fluxos de lava descessem para leste e viajassem cerca de quatro quilómetros. Já a segunda, no dia 18, fez com que a lava percorresse cerca de 1,3 quilómetros pelos flancos sul do vulcão. A lava disparada para o céu atingiu mesmo alturas de cerca de 700 metros. As cinzas cobriram a cidade de Catânia e obrigaram ao encerramento temporário do aeroporto.

A 30 de Agosto, o vulcão expeliu fluxos de lava e precipitou cinzas em algumas aldeias na encosta. Na semana passada, no dia 21 de setembro, o Etna transportou cinzas até localidades vizinhas, provenientes de uma coluna de fumo que atingiu os nove metros de altura, e libertou fluxos de lava que cessaram cerca de oito horas após a erupção.

A atividade vulcânica do Etna resulta do choque de duas placas litosféricas, em que uma mergulha sob a outra. Ao mergulhar, o aumento da pressão e da temperatura sobre a placa que vai mergulhando faz com que ela se altere e facilita a fusão do material que está acima — promovendo Página 5 de 8

a génese de magma. “É um maciço vulcânico em que a atividade também está mais ou menos centrada numa determinada região, embora o Etna tenha várias bocas que vão entrando em atividade em várias alturas”, observa.

Trata-se de um vulcão muito persistente: desde há muitos anos que tem tido atividade quase anualmente. “Daí que a atividade vulcânica do Etna seja uma atração turística quando permite a observação”, aponta.

Islândia: Fagradalsfjall

O vulcão Fagradalsfjall está há seis meses em erupção — o fenómeno mais longo em 50 anos na Islândia, desde a erupção na ilha de Surtsey que durou quase quatro anos. No final de fevereiro, uma forte crise sísmica, interpretada como intrusão de magma em profundidade, levou à primeira erupção histórica do vulcão a 19 de março de 2021.

A lava começou a ser expelida de uma fissura perto do Monte Fagradalsfjall, na península de Reykjanes, a sudoeste de Reykjavik. No primeiro mês abriram-se dez fissuras, que formaram sete pequenas crateras. Apenas uma cratera permanece ativa, com 334 metros, de acordo com o Institute of Earth Science. No entanto, os investigadores estimam que o vulcão não adormeça em breve.

O espetáculo natural, por vezes com escoadas lentas de lava e expulsões de piroclastos, tornouse uma atração turística com mais de 300.000 visitantes desde a erupção, segundo o Iceland Tourist Board.

De acordo com a atualização mais recente do observatório Volcano Discovery, no dia 26 de setembro, a lava transbordou a cratera onde se depositava e cortou mais um trilho de caminhada até ao local da erupção. Neste momento encontra-se em alerta de pequena atividade ou erupção.

O vulcão está situado numa região que é um limite de placas litosféricas — aquelas que definem o limite mais externo e fino do planeta e que se movem de acordo com a dinâmica do interior da Terra. A Islândia encontra-se exatamente no local onde as duas placas, a americana e a euroasiática, se estão a afastar. Este afastamento cria espaço e permite que se gere magma, e que este possa ascender rapidamente. A vasta disponibilidade de magma na Islândia resulta em erupções que podem ser muito longas ou frequentes.

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Qual o mais perigoso?

“O menos perigoso é o da Islândia, sem dúvida. Não só pelo estilo eruptivo menos explosivo dos três, mas principalmente por estar localizado numa zona de vales, onde não afetará as atividades humanas”, responde José Pacheco.

Como a erupção não é muito explosiva, não há muitos piroclastos, e os que são expelidos não chegam muito longe. As lavas, por sua vez, estão a fluir para um vale, onde se estão a depositar, sem povoamento ou algo de valor económico que possam destruir no seu caminho. A única preocupação é a de que, uma vez extravasado este reservatório, as lavas possam vir a cortar uma das estradas que circundam a ilha e algumas infraestruturas tecnológicas.

Já o Cumbre Vieja constitui uma ameaça maior. “É um vulcão que está muito próximo de zonas habitadas, e cujos produtos estão já neste momento a ter um impacto significativo, não só na zona das habitações, mas também no terreno agrícola e de interesse económico”, aponta. Por ter um estilo eruptivo um pouco mais explosivo, produziu mais cinza, cuja dispersão teve um impacto mais vasto e desgastante. Além de que irá condicionar as atividades económicas e turísticas na ilha num futuro pós-erupção.

O risco vulcânico dos Açores “não tira o sono"

Existem 26 sistemas vulcânicos ativos nos Açores, oito dos quais submarinos, sendo que por “ativo” se depreende um vulcão capaz de entrar em erupção, tendo registado atividade durante o Holocénico (os últimos 10.000 anos). Também por debaixo dos Açores existe um ponto quente.

Neste momento, nenhum dos vulcões dos Açores dá sinais de estar a ser reativado, garante José Pacheco. No entanto, todas as ilhas são vulcânicas e ativas, com exceção de Santa Maria. “Que nós teremos atividade vulcânica no futuro é certo e sabido. Quando será, não temos neste momento ainda nenhuma indicação”, confia.

A última erupção nos Açores foi a erupção submarina da Serreta, na ilha Terceira, entre 1998 e 2001. Por terra, o evento vulcânico mais recente remonta a 27 de setembro de 1957 — fez Página 7 de 8

precisamente 64 anos na segunda-feira — com o início da erupção dos Capelinhos, no Faial, que viria a terminar mais de um ano depois.

Talvez por terem crescido com um passado vulcânico tão presente, a grande diferença de idades entre André da Costa Goulart, 28, e José Decq Mota, 72, não os impede de partilharem a mesma visão em relação ao risco vulcânico no Faial. Ambos acreditam que uma nova erupção surja relativamente em breve, mas admitem que não os inquieta. “Na veia corre-nos basalto negro. É quase inevitável ser açoriano e nunca ter sentido um sismo, ou não ter presente memórias de um vulcão, mesmo não tendo sido vividas por nós, mas pelos nossos avós”, começa por defender André. Mas ressalva: “Não é algo que nos tire o sono.”

O jovem André acredita que, ao longo da sua vida, irá presenciar uma erupção nos Açores, mas José, que tinha oito anos aquando da erupção dos Capelinhos, tranquiliza que “não é um problema que vá afetar a nossa geração”. Contudo, sublinha que a cada crise sísmica é inevitável pensar nessa possibilidade.

“A imagem e as histórias do vulcão, e aquilo que presenciei e de que me lembro, acompanharamme a vida toda”, conta José. Primeiro veio o espanto com o fenómeno, seguido de uma “fase de medo, quase com algum pânico”, quando em maio de 1958 o vulcão da Caldeira, no centro da ilha, também teve umas explosões e expeliu muitas nuvens de fumo, levando algumas pessoas a sair temporariamente para ilhas mais próximas.

O vulcanólogo José Pacheco descreve um impacto dramático na ilha: “Se tivesse ocorrido em terra, seria uma erupção semelhante à que estamos a ver agora nas Canárias. Uma vez que ocorreu perto do mar, este contacto com a água deu-lhe uma explosividade muito maior do que o normal e houve uma produção de cinzas muito maior.” Aquilo que o vulcão ainda não tinha destruído no Capelo foi arrasado por uma intensa crise sísmica subsequente.

A erupção não fez vítimas mortais, mas deixou um rasto de destruição tão grande nos campos de cultivo no Capelo, dos quais a população subsistia, que catapultou uma onda de emigração para os Estados Unidos e o Canadá — uma quebra populacional da qual a ilha nunca mais se recompôs.

No Verão, a acalmia começou a apoderar-se da fúria geológica, até que a última vez que se fez ouvir foi a 24 de outubro de 1958. Terminada a erupção, revelou-se uma alteração topográfica: a criação da região dos Capelinhos, além do farol que delimitava a antiga costa.

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