Páginas Volantes nr. 13- Carlos Fiolhais 1

30 minutos a ler VII Comemorar as Bibliotecas Escolares Páginas volantes -- 13 Carlos Fiolhais, Física Divertida-1

Carlos Fiolhais (Lisboa, 1956-) é um físico, professor universitário e ensaísta português, sendo um dos cientistas e comunicadores de ciência mais conhecido em Portugal. É diretor do RÓMULO Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra.

Conta com diversas obras publicadas, sendo as mais conhecidas a Física Divertida, que integra o excerto que aqui apresentamos, e Nova Física Divertida.

Recebeu inúmeros prémios e distinções, destacando-se o Prémio União Latina de tradução científica (1994), Ordem do Infante D. Henrique (2005) e Globo de Ouro de Mérito e Excelência em Ciência (2005).

Palavras-chave: gravidade, pedra, ciência.

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II. Da queda dos graves à queda da Lua 1.

A queda das pedras

Conta a lenda que no século XVII o italiano Galileu Galilei lançou uma pedra grande e uma pedra pequena do cimo da torre de Pisa, tendo verificado que ambas chegavam ao chão aproximadamente ao mesmo tempo. Trata-se de uma história, inventada por um discípulo de Galileu, que tem sido mais útil para o ensino da física do que a realidade que ninguém conhece muito bem.

A torre de Pisa é um bom lugar para lançar pedras, já que, como está inclinada, uma pedra lançada do cimo cai afastada das paredes. A experiência não pode hoje ser repetida no mesmo local, uma vez que existe o perigo de a pedra cair na cabeça de algum turista, tantos são os que passeiam pela bela cidade de Pisa. Alguns turistas gostam de ser fotografados numa pose exibicionista, em que aparecem a segurar a torre, para depois contarem aos amigos, comprovando-o com a foto que, se não fossem eles, o monumento teria já caído… Certo é que a torre de Pisa está cada vez mais inclinada, tendo até sido fechada ao público no início de 1990. Não se sabe exatamente qual era a sua inclinação no século XVII. Sabe-se que ficou inclinada logo de início e sabe-se também que, se continuar a “cair” ao ritmo actual, em breve ficará horizontal. Será um prejuízo grande tanto para o turismo como para a história da ciência.

Qual é a pedra que deve, de facto, cair primeiro, se se ignorar a resistência do ar? A pedra grande, ou a pedra pequena? Ignorar a resistência do ar significa que não se magina a experiência na Terra, mas sim, por exemplo, na Lua, onde não há atmosfera.

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Se fizermos a experiência na Terra, deixando cair dois objetos com a mesma constituição, um maior e outro menor, constatamos que cai primeiro o objeto maior. Se o leitor não puder subir à torre de Pisa, pode tentar fazer a experiência do cimo da torre da Universidade de Coimbra.

Somos levados pela intuição a concluir que devia cair primeiro a pedra grande, mesmo que se desligasse a resistência do ar.

A Natureza nem sempre está, porém, de acordo com as nossas intuições mais imediatas. Se ignorarmos a resistência do ar, a pedra grande e a pedra pequena caem ao mesmo tempo!

Uma maneira simples de compreender o fenómeno consiste em dividir a pedra grande em muitas pedras pequenas, agarrá-las todas na mão e deixar cair esse agregado. Haverá alguma razão para a pedra quebrada cair no vazio mais devagar do que a pedra inteira, também no vazio? Não! Todas as pedras pequenas caem juntas, isto é, caem como a pedra grande: as partes vão com o todo. Um fio que eventualmente ligue duas pedras pequenas, próximas uma da outra, não se estica durante a queda. Em vez de quebrarmos a pedra grande em muitos bocadinhos, podemos dividir uma pedra grande num bocadinho e num bocadão. Se agora deixarmos cair, da mesma mão e ao mesmo tempo, o bocadinho e o bocadão, verificamos que caem os dois ao mesmo tempo. Podemos até ligar um fio entre o pedaço pequeno e o pedaço grande e ver que esse fio não se estica enquanto os dois caem.

Este facto pode parecer bastante estranho, e é de facto muito estranho. Arranjemos, por exemplo no circo, um elefante e uma pulga. Se deixássemos cair o elefante e a pulga do cimo da torre de Pisa (se é que conseguíamos empurrar o enorme elefante até lá acima), eles chegariam cá em baixo (a uma cama de rede- não vamos deixar o pobre elefante nem a inocente pulga estatelarem-se no chão) ao mesmo tempo, para grande espanto do elefante, se acaso fosse possível desligar o efeito da resistência do ar. Ou, uma vez que um elefante é muito difícil de arranjar para experiências de mecânica, podemos lançar apenas uma galinha.

Arrancamos uma pena à galinha e deixamos cair galinha e pena. Parece inacreditável, mas, se se ignorar o efeito da resistência do ar, galinha e Página 3 de 7

pena chegam ao mesmo tempo! O caso é semelhante ao da queda de uma chave isolada e de um molho de chaves, que o leitor pode muito bem tentar. A chave separada chegaria, no caso de existirem condições ideais, ao mesmo tempo que todas as outras chaves juntas. A pena separada chega aproximadamente ao mesmo tempo que as outras penas juntas, ligadas à galinha. A expressão “condições ideais” significa que se considera desligado o efeito da resistência do ar. No chamado “tubo de Newton” (um tubo de vidro onde se faz o vazio com o auxílio de uma bomba) podese deixar cair uma chave e uma pena e ver que chegam, chave e pena, exatamente ao mesmo tempo. Esse instrumento dever-se-ia antes chamar “tubo de Galileu”, pois permite efetuar, em condições ideais, a hipotética experiência de Galileu na torre de Pisa.

Embora a ciência tenha reconhecidas virtudes e apreciados méritos, tem também o defeito de colocar em linguagem matemática os factos observados, prejudicando, aparentemente, algum do possível divertimento. Mas na escola aprende-se não só a ler, como a contar.

Vamos ver como é que contas simples permitem descrever o movimento.

Neste caso, os físicos dizem que o tempo de queda é determinado por uma grandeza chamada aceleração ou taxa de variação da velocidade.

A aceleração é a mesma para todos os objetos que caem à superfície da Terra, em Pisa ou em Coimbra: tem o valor de 9,8 m/s2, se se ignorar a oposição do ar ao movimento. Vamos arredondar as contas, tal como faz um merceeiro, e considerar o valor de 10 m/s2. Todos os corpos deixados cair no cimo da torre de Pisa ou da torre da Universidade de Coimbra “entram” nos 10 m/s2, isto, em cada segundo a sua velocidade aumenta de 10 m/s2. Se uma pedra for largada do repouso, ao fim do primeiro segundo a sua velocidade é de 10 m/s, ao fim do segundo segundo é de 20 m/s, ao fim do terceiro segundo é de 30 m/s, e assim sucessivamente.

Diz-se que a velocidade do calhau é directamente proporcional ao tempo, sendo a aceleração o coeficiente de proporcionalidade, isto é, o resultado da divisão da velocidade pelo tempo. Existe uma regra simples para saber a distância percorrida por uma pedra que caia a partir de uma situação de repouso. Verifica-se que, ao fim do primeiro segundo, a pedra Página 4 de 7

percorreu 5 m, ao fim do segundo segundo, 20 m, e ao fim do terceiro segundo, 45 m (a pedra vai cada vez a andar mais rápido!). Ao contrário da velocidade, a distância não é proporcional ao tempo, mas sim ao quadrado do tempo decorrido desde o início, sendo o coeficiente de proporcionalidade metade do valor da aceleração: 5 m/s2. O poeta António Gedeão (pseudónimo literário do físico Rómulo de Carvalho) apresenta no “Poema para Galileu” os inimigos de Galileu do seguinte modo: caindo, caindo, caindo sempre, e sempre, ininterruptamente, na razão direta dos quadrados dos tempos.

Ora, de acordo com a lei fundamental da mecânica formulada no século XVII pelo inglês Isaac Newton, a aceleração é quociente entre o peso-força de atracão da Terra- e a massa- quantidade de matéria no objeto. Uma pedra 100 vezes maior do que outra do mesmo tipo tem, por definição, uma massa 100 vezes maior. Mas o peso é ele próprio proporcional à massa. É também 100 vezes maior, pelo que a aceleração é a mesma para as duas pedras.

A torre de Pisa tem, aproximadamente, 50 m de altura. Se não houvesse resistência do ar, uma pedra qualquer, caída do repouso, demoraria cerca de 3 s a chegar ao chão. A velocidade da pedra, quando chegasse ao cão, seria de aproximadamente 30 m/s.

Que acontece realmente quando há resistência do ar? Quem chega primeiro… a pedra grande ou a pedra pequena? O elefante ou a pulga? A galinha sem pena, ou a pena sem galinha? Já se disse que a pedra grande chega antes da pequena. O elefante chega, de facto, antes da pulga. A galinha chega, efetivamente, antes da pena.

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Antes de explicarmos a razão desse facto, coloquemos a seguinte questão. Em que caso é maior a resistência do ar: no caso da pedra grande ou no caso da pedra pequena? É maior para a pedra grande! Se o leitor deu a resposta errada, não se preocupe, porque não está sozinho. Muita gente erra. Mas veja: a força de resistência do ar- que é uma força para cima- é, numa aproximação simples, proporcional à secção do objeto, considerada perpendicularmente à direção do movimento. Uma pedra grande tem uma secção maior do que uma pedra pequena, pelo que a força de resistência do ar é maior para a pedra grande. Então, perguntará o leitor confundido, se a força de resistência do ar é maior para a pedra grande, como é que esta chega primeiro ao chão?

O conceito de aceleração ajuda a explicar o problema. Acontece que, conforme foi dito, a grandeza que determina o tempo de queda é a aceleração, que é a razão entre força e massa. A força que atua sobre o corpo em queda no ar engloba dois termos: um é o peso (que, dividido pela massa, dá o mesmo número para todos os corpos à superfície da Terra: os tais 10 m/s2); o outro é a força de resistência do ar, que varia proporcionalmente à secção transversa à direção do movimento. É bem verdade que a secção de um corpo grande é maior do que a de um corpo maior (e muito maior!) do que a do segundo. Se se imaginar que a massa de um objeto homogéneo passa para o dobro, o volume passa para o dobro, mas a secção não cresce tanto. Por exemplo, uma bola que tenha o dobro do volume de outra tem uma secção apenas 1,59 maior. A aceleração devida à resistência do ar (que tem o sentido contrário ao da aceleração da gravidade) é a razão entre a força de resistência e a massa. A força de resistência experimentada pela pedra grande é maior do que a experimentada pela pedra pequena. Mas a massa da pedra grande é muito maior do que a da pedra pequena. A aceleração devida à resistência do ar acaba, portanto, por ser menor para a pedra grande. A aceleração total da primeira é maior e esta chega primeiro ao chão.

Para ver se tudo ficou claro, convida-se o leitor a considerar um problema um pouco diferente (e, portanto, um pouco parecido).

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Considere-se a queda de duas bolas exteriormente iguais, mas uma mais pesada do que a outra: por exemplo, uma de chumbo e outra de madeira.

Qual chega primeiro ao chão?

As suas secções são iguais, mas a bola de chumbo tem mais massa.

A aceleração da gravidade é a mesma para as duas (10m/s2). A força de resistência do ar é também igual para as duas. Mas, como a aceleração devida à resistência do ar é obtida dividindo a força de resistência pela massa, tem-se que a aceleração correspondente à resistência do ar é mais pequena para a bola de chumbo. Logo, a bola de chumbo cai mais rapidamente, chegando primeiro ao chão. (Recorda-se que a aceleração devida à resistência do ar tem sentido contrário ao da aceleração da gravidade.)

Se se descontar o efeito da resistência do ar, o fenómeno da queda dos corpos dá-se da mesma maneira para duas pedras, uma grande e uma pequena, para um elefante e para uma pulga, ou para uma galinha e uma pena. Pedras, elefantes e outra bicharada obedecem todos, quando em queda, às leis da mecânica, investigadas por Galileu no cimo (ou não!) da torre de Pisa.

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