Páginas Volantes - Novas Cartas Portuguesas

30 minutos a ler VII Comemorar as Bibliotecas Escolares

Ensino Secundário

Páginas volantes Novas Cartas Portuguesas (1972) de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa: no cinquentenário da publicação A escrita deste inclassificável volume surgiu em 1971, num almoço de amigas, que se reuniam à sexta-feira, como um ato de sororidade para com Maria Teresa Horta, que foi agredida em público por ter publicado Minha Senhora de Mim, no mesmo ano.

Partindo das Les Lettres Portugaises (1669) da Soror Mariana Alcoforado, esta “irmandade” escreveu um diversificado documento que abanou a sociedade do fim do Estado Novo. Levadas a tribunal pelo conteúdo ter sido considerado pela censura «insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública», o processo das «Três Marias» – Maria Velho da Costa (19382020), Maria Teresa Horta (1937-) e Maria Isabel Barreno (1939-2016) – teve uma enorme repercussão internacional, por exemplo, a escritora Simone de Beauvoir organizou um abaixo-assinado em sua defesa.

Este processo foi votado pela National Organization for Women (NOW), em Boston, em 1973, como a primeira causa feminista internacional.

Seleção do Professor Carlos M Severino.

Palavras-chave: mulher; literatura; inglês.

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Segunda Carta VII (pág. 220ss) Irmãs: Uma de nós perguntou: «Mas o que pode a literatura? Ou antes: o que podem as palavras?»

E eu hoje respondo (nos) com esta frase de Reynaldo Arenas: «Nesse tempo sentia-me só e refugiava-me na literatura.»

Que tempo? O nosso tempo. E que arma, que arma utilizamos ou desprezamos nós? Em que refúgio nos abrigamos ou que luta é a nossa enquanto apenas o domínio das palavras?

O que podemos com elas em nosso favor e de mulher em mulher nos dizermos e contarmos do domínio que ainda somos, despojo hoje de guerreiros que se fingem companheiros em ajudada luta, mas que apenas pretendem montar-nos e serem cavaleiros de Marianas de outros cativeiros presas e monjas de diferentes conventos, sem disso se darem conta?

Eis-nos em Portugal em plena era da libertação da mulher. a mulher vota, é universitária, emprega-se; a mulher bebe, a mulher fuma, a mulher concorre a concursos de beleza, a mulher usa mini-maxi-saia, «hot pants», Tampax, diz «estou menstruada» à frente de homens; a mulher toma a pílula, rapa os pelos das pernas e de debaixo dos braços, põe biquíni; a mulher sai à noite sozinha, vai para a cama com o namorado; a mulher dorme nua, a mulher entende, já sabe o que querem dizer certas palavras, tai como: orgasmo, pénis, vagina, esperma, testículos, ereção, frigidez, clitóris, masturbação, vulva. As mulheres entre elas, a intimidade das retretes públicas onde estão empregadas, nos recreios dos liceus, nas universidades, nos quartos, nas salas, à porta fechada, até já contam anedotas obscenas, certos

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pormenores íntimos de cama e em segredo tomam certas liberdades de linguagem, e assim se modernizam, se libertam, se promovem…

Eis-nos, pois, irmãs, em plena era da libertação da mulher portuguesa… e o homem exulta e afirma: «Somos pela promoção feminina, promovamos a mulher, desalgememos a mulher, descravizemos a mulher.»

E o homem exulta, irmãs, e ajuda a mulher nesta farsa, neste engodo de, nesta falsa e vergonhosa «libertação» onde cada vez mais presa (e agora de si própria), a mulher é apanhada nas malhas de uma sociedade que a usa, a domina, a escraviza, a conduz, a utiliza, a manuseia, a consome. Uma sociedade onde surgem textos como este, intitulado «A mulher e o Trabalho»: « (…) e porque se diz por laracha que «a mulher é a última colónia do homem», talvez valha a pena correr o risco. Se bem que aquela fórmula entre aspas seja excessiva e de mau gosto, exprime, no entanto, o facto de a condição profissional das mulheres estar ainda submetida a numerosas desigualdades.»

Repare-se, num certo tom tão conhecido: «se diz por laracha» (laracha, irmãs?) e mais adiante «se bem que aquela fórmula (“colónia do homem”) entre aspas seja excessiva (excessiva, irmãs?) e de mau gosto» (claro, de mau gosto, irmãs…).

Colónia do homem, a mulher? Que ideia? Que exagero!...

Que pode a literatura, irmãs, as palavras, contra tudo isto? Havendo ainda por cima a contar sempre com que: «a mulher não tem uma cultura própria. Ela existe numa cultura onde o poder pertence aos homens, logo ela Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta está, nessa altura, alienada»… e Maria Isabel Barreno à entrada do 20/6/71 Tribunal da Boa Hora.

Para conheceres melhor esta obra, consulta http://www.novascartasnovas.com/index.html Página 3 de 4

Sonnets from the Portuguese, Elizabeth Barrett Browning, 1856 (pág.

223) VI. Vai-te. Porém que outra morada posso que não a tua sombra?

Nem nunca mais o estreitíssimo umbral de minha porta, eu minha, usando de meu ânimo, serenamente a mão pousada em ar levantarei ao sol sem que nela persista teu tomá-la. Nem a distância terá por separada a batida em meu peito do que é teu e ficou.

Como no vinho a polpa e baga permanecem, assim meus factos e artifícios de ti dizem – E se posso ainda ao alto a agonia ter por expressa e oferta, a minha, se ouvida for só nossa, meu choro de teus olhos.

Go from me. Yet I feel that I shall stand Henceforward in thy shadow. Nevermore Alone upon the threshold of my door Of individual life, I shall command The uses of my soul, nor lift my hand Serenely in the sunshine as before, Without the sense of that which I forbore– Thy touch upon the palm. The widest land Doom takes to part us, leaves thy heart in mine With pulses that beat double. What I do And what I dream include thee, as the wine Must taste of its own grapes. And when I sue God for myself, He hears that name of thine, And sees within my eyes the tears of two.

Nota: o poema de Elizabeth Barrett Browning não aparece em Novas Cartas Portuguesas.

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