BEAG - Ex Libris 04 - Pe. Jerónimo Emiliano d'Andrade, "Topographia... da ilha Terceira" (1843-45)

Biblioteca Escolar Almeida Garrett

EX LIBRIS 04

Autor: Padre Jeronymo Emiliano D’Andrade.

Título: Topographia, ou Descripção Physica, Politica, Civil, Ecclesiastica, e Historica da Ilha Terceira dos Açores (2 volumes).

Ano de publicação: 1843 e 1845.

Local de publicação: Angra do Heroísmo.

Editoras: Imprensa de Joaquim Joze Soares; Officina do Terceirense.

Descrição física: 2 volumes: VI+240 p.; VIII+224p.; 16 cm.

Registos da BEAG N.º: 24078 e 24079.

Observações: Na folha de rosto da Parte I, aparece a dedicatória ao Dr. Manuel de Menezes, considerado “Alto Valor da nossa terra”, e assinado por António Raimundo Bello (1897-1958), cuja posse também existe na Parte II. Destacou-se como jornalista e investigador da vertente histórica devido à influência do seu primo Gervásio Lima. Ambos os exemplares possuem, ainda, a assinatura “J. J. Castro”, anterior às referidas.

O cap. “Correções,…”, na Parte I, tem um erro de numeração: em vez de p. 236238, temos p. 136-38.

Podemos considerar de relevante interesse a obra Topographia, ou Descripção Physica, Politica, Civil, Ecclesiastica, e Historica da Ilha Terceira dos Açores do Padre Jerónimo Emiliano de Andrade (17891847), pois fornece uma visão inovadora e cuidada sobre a Ilha Terceira.

A obra é dedicada à mocidade terceirense, o que revela a sua preocupação bem notória de pedagogo, e foi publicada em dois volumes: a Parte I em 1843 e a Parte II em 1845. Postumamente, em 1850, foi ainda publicado Apontamentos Posthumos do Padre Jeronymo Emiliano d’Andrade para Servirem de Continuação à Topographia da Ilha Terceira.

Ambos os exemplares apresentam, no verso da folha de rosto, a inclusão de uma quadra da autoria de Luiz Pereira Brandão, padre jesuíta que estava no séquito que acompanhou D. Sebastião na fatídica batalha de Alcácer Quibir. A estrofe citada é a seguinte: Bem vejo quanto votos aventuro o fructo do TRABALHO começado; Mas a Dôr de ficar o nome escuro Da patria minha me faz ser ousado.

Na Parte I, o Pe. Jerónimo Emiliano de Andrade (JEA) faz uma incursão pela situação geográfica da ilha e sua extensão, montanhas, planícies, vales, matos, vestígios vulcânicos, terrenos, fontes, lagoas, costas marítimas, pontas, enseadas, baías, portos, ilhéus, natureza das rochas, origem do arquipélago, clima, temperatura, estações, produtos, animais, vegetais, população. É interessante porque se aventura ainda na especificidade da índole e do carácter dos terceirenses, como se fosse um psicólogo que analisa os seus conterrâneos.

Trata da divisão eclesiástica e civil da ilha Terceira e apresenta um traço estudioso de tantas fortalezas da cidade e dos seus respetivos templos, das praças e edifícios públicos. Muitos deles continuam orgulhosamente de pé na atualidade, havendo outros que desapareceram ou foram extintos pela voragem do tempo.

Posteriormente, efetua um périplo pelas freguesias da Ilha, iniciando em São Bento e terminando em São Mateus e Belém (constatando-se, na pág. 218, que se está a referir à Terra-Chã).

Termina a Parte I com a referência à Estrada Militar e com uma temática fulcral sobre a “nova povoação das Achadas” (cap. 20), 2

evocando a tentativa de povoamento deste local, considerado uma planície que atrairia a atenção de povoadores, seguindo as diretrizes do Visconde de Bruges.

Parece-nos encontrar um Pe. Jerónimo Emiliano de Andrade acutilante na vertente de geógrafo, botânico, geólogo e até de historiador na Parte II, na qual efetua uma incursão que tem início no descobrimento da ilha e se prolonga até aos flagelos que a assolaram no decurso dos 60 anos no domínio espanhol. Aventurou-se pelo campo da atribuição/doação da ilha a Jácome Bruges e aparecimento da sua primeira povoação, pela divisão em duas capitanias e pela atuação/governação dos dois capitães donatários. É interessante encontrar a lista dos donatários que regeram as capitanias de Angra e da Praia até ao governo espanhol. Nesta linha de indicação de nomes e genealogias, constatamos quais as famílias nobres que povoaram a Terceira, indo ao pormenor de relatar a origem dos seus ilustres apelidos.

Posteriormente, surgem referências à incorporação das ilhas dos Açores na coroa de Portugal e sua consequente vantagem para a Ilha Terceira. Com pormenor e preocupação de rigor, analisa o carácter e a religião dos terceirenses, havendo alusão à sua agricultura, comércio e maneira de viver. Efetua também a descrição histórica da aclamação do Prior do Crato na Terceira, dos partidários/fidalgos apoiantes de Filipe II, da heroica oposição da Terceira, dos meandros históricos que levaram à capitulação da ilha. Termina com a análise do governo espanhol de Filipe II, III e IV e não deixa de referir os flagelos da natureza que assolaram a ilha durante a vigência espanhola. É assaz interessante verificar que o autor refere diversas vezes “Ilha” como país, o que poderá levar à confusão, se se efetuar uma análise menos atenta dos pormenores que o estudioso pretende apresentar no contexto da redação do texto.

Na “Prefação” da Parte I, verificamos que as preocupações enquanto pedagogo surgem logo no início do texto, com a referência “Nada pode ser mais vergonhoso ao homem de educação que desconhecer as vantagens, e as riquezas da terra, que lhe deu o ser, e ignorar os acontecimentos heroicos, que nella se passaram” (pág. I). Os literatos, originários da Ilha, não tinham apontado nem apresentado obras de grande fôlego mas “algumas noticias da nossa pátria”. JEA sente-se desafiado para efetuar esse “opúsculo” que conseguisse desafiar a curiosidade mas sente que tal empresa seria bastante 3

trabalhosa e difícil de efetuar a incursão no meandro dos assuntos e temáticas que por si próprio podiam ser considerados ambiciosos e arrojados. Também é interessante verificar que o autor considera que as memórias da pátria são sempre gratas aos mancebos sendo necessário haver algum arrojo que ultrapassasse as meras notícias parciais. No entanto, os seus trabalhos são laboriosos, difíceis e arrojados. Sem a busca de louvores e de forma silenciosa, foi premeditando na obra baseado no facto de ter percorrido lugares da Ilha nos seus primeiros anos, ter tido em atenção alguns pontos essenciais e ter indagado sobre o que não tinha visitado e extraído alguns documentos, começou a delinear o traçado organizativo da designada Topographia. Pela nota de rodapé da pág. II, verificamos que o início da sua redação (1829/1830) ocorreu na Ilha Graciosa, local que o acolheu durante a fase em que a Terceira vivia uma conjuntura de turbulenta agitação política. Parecendo como que exilado da sua querida “pátria”, dedicou-se à escrita que serviu de lenitivo nos dias considerados mais amargos e lutuosos, por estar distanciado da “ilha” do seu coração.

No entanto, enquanto alma insaciável de rigor e precisão, qualidade do verdadeiro historiador e investigador, era necessário corrigir e retificar os escritos, rever lugares da Ilha que tinham sido observados apenas de passagem, visitar aqueles que desconhecia na realidade e cuja informação era obtida num grau pouco fiável. Além disso, queria esclarecer pontos dúbios. Quando o Pe. Jerónimo Emiliano de Andrade pensava em todos estes parâmetros, sentia que muitos destes seriam inteiramente insuperáveis. Todavia, quando se sentia desanimado e “desvanecido” de toda a “esperança”, sentiu o revigorar da força amímica, com a cooperação do doutor António Moniz Barreto Corte Real, autor de prestigiada obra Belezas de Coimbra (1831), de quem JEA salienta a sua “nobreza” de “nascimento”, personalidade, estudos e conhecimentos literários (pág. III). Impregnado de “amor patriótico” (pág. IV), Corte Real deu um forte impulso ao amigo para que fosse concretizada a tarefa de escrever uma história da ilha, oferecendo-se como “coadjuvador”. Desconhecendo as tarefas já levantadas por JEA, incitou-o nesta hercúlea tarefa, tendo prontificado e disponibilizado a sua excelente livraria, verificado todos os pontos duvidosos, revisto os escritos e fornecido “socorros” que estivessem ao seu alcance, como “vários esclarecimentos relativos á nossa legislação” (pág. V).

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É interessante constatar que Corte Real propôs que alguns dos principais capítulos da obra fossem publicados (“estampassemos”, pág.

IV) em alguns dos periódicos da ilha. E porquê? Para poderem ser emendados os escritos com inexatidão e conhecer antecipadamente designado “juizo do Publico”. Perante tais sugestões, entre 23 de abril de 1842 e 24 de junho de 1843, surgiram diversos apontamentos no Annunciador da Terceira, publicado por Joaquim José Soares (pág. V, rota de rodapé).

A obra surge como uma “compilação dos artigos da Topographia da ilha Terceira, estampados no Annunciador e agora reunidos com vários accrescentamentos, emendas, notas, e illustrações” (pág. V). É feita referência à situação de que a Parte I contempla exclusivamente a vertente física e política da Ilha, ficando reservada a Parte II às épocas notáveis da história civil e eclesiástica. No entanto, o autor salienta que podem surgir erros e descuidos e espera que a “Mocidade Terceirense” seja indulgente. Uma obra desta natureza rompe o caminho da investigação sobre a Ilha, a qual carecia de um tributo que até aí não tinha sido apresentado. Porém, o autor sente pesar por “não poder apresentar ao publico uma edição mais perfeita, correcta, e legível”, pelo facto de a obra ter sido impressa na Ilha, onde é notória a falta de meios e recursos (tipos, prelos, materiais próprios) que possam cumprir a impressão de “edições nitidas e brilhantes”. É curioso constatar que a prefação da Parte I termina com a palavra “Vale”, o que não ocorre na Parte II. Quando iniciámos a leitura da “Prefação” da Parte II, verificamos que o autor está encorajado pela boa aceitação que a Parte I tem junto do público. Tal ocorrência deu um ânimo renovado a JEA para continuar com a árdua tarefa de compilar o novo trabalho. Além disso, o livro foi admitido nas escolas da Terceira e, quando pensamos nas gerações posteriores, podemos constatar que as suas páginas foram lidas avidamente pelas mesmas, procurando um melhor conhecimento da sua real idade local, deixada ao longo do tempo, no obscurantismo e no silêncio. O autor faz um agradecimento ao Dr. Roberto Luiz de Mesquita (diretor do colégio de Nossa Senhora da Guia) por ter selecionado este livro destinado à lecionação e uso nas classes, assim como os Compendios de Grammatica Portugueza e Latina. À ideia de humildade, e até designados como “mesquinhos” (pág. III), surge um revigorado 5

sentimento de vaidade e amor próprio quando constatou que a obra, ainda que imperfeita, foi aceite pelos sábios e doutos lentes. Desta forma, a obra tinha conseguido atingir os seus propósitos e objetivos. Face ao valor da Parte I, o autor considera que a Parte II não deverá ser desprezada, já que relatará as ações e trabalhos dos antepassados, as suas virtudes, o seu valor heroico em defesa da pátria e dos monarcas.

De facto, na realidade local, existem modelos de virtudes que devemos conhecer e imitar. Caso contrário, afirma JEA, “é como que ficassemos estranhos no meio da nossa patria”.

Aparece a indicação de que a Ilha Terceira é detentora da maior riqueza dos acontecimentos no séc. XV, surgindo uma nostalgia por não ter existido até ao momento a coragem de redigir um livro para a instrução da mocidade, que contribuísse para “tirar da obscuridade, e da confusão tantos factos curiosos, e importantes que ali se encerram” (pág. V). É feita a alusão a vultos como, por exemplo, doutor Gaspar Frutuoso, que deve ser contemplado como “Heródoto e pai da história açoriana”.

Esta proeminente figura não tem impressas as suas obras, sendo feita referência à situação de ter sido “recompilado” e “transcrito” pelo Pe. António Cordeiro da Companhia de Jesus, na sua História Insulana. As suas obras impressas relatam as “nossas antiguidades” (pág. VI). Graças a ele, evitou-se o eclipse da nossa história e os desconhecimentos de factos antigos. No entanto, as suas obras são raras e o seu formato de fólio era impróprio para o manusear dos alunos nas aulas.

A preocupação pedagógica de JEA revela que Mocidade Terceirense ainda não era detentora de um só livro, onde se pudesse ler de forma cómoda este conhecimento histórico da sua ilha. É interessante constatar que o autor não omite as suas fontes de consulta: a História Insulana, as memórias manuscritas do Padre Frei Diogo das Chagas, Espelho Cristalino de autor anónimo, Livro de Tombo do Pe. Menezes e as Tábuas históricas e genealógicas de algumas principais famílias da Ilha Terceira, redigidas por um contemporâneo da Jerónimo Emiliano de Andrade, doutor João Cabral de Melo. Faz de igual modo alusão a “copia de documentos authenticos” (pág. VII) e “varias memorias e anotações […], conservadas em papeis d’algumas pessoas particulares”.

Mais uma vez menciona o papel do doutor António Moniz Barreto Corte Real, que contribuiu para os subsídios históricos, pois, quando se 6

tornou membro da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, mandou formar e constituir um índice das “peças” mais importantes que se encontravam no arquivo da câmara, “transladando-se todos aquellas, que estão escriptas em caracteres gothicos, e em letra ininteligível, para servir de chave áquele thesouro das preciosidades archeologicas”. O próprio autor recorre à investigação de síntese para “esclarecer pontos duvidosos, e verificar muitas datas” (pág. VIII).

Como um verdadeiro historiador que investiga a documentação para apresentar de forma fidedigna os factos e os acontecimentos, o padre Jerónimo Emiliano de Andrade procurou de forma correta a verdade, evitando os floreados dos romancistas, que podem caminhar na senda das fantasias. Apresenta mesmo a ideia da metodologia da investigação histórica quando afirma “transcrever com maior escrúpulo, e reduzir a ordem os factos mais salientes […], conservando as mais das vezes as proprias palavras dos seus Authores, temendo alteralos dandolhes differente linguagem”, pois “Em obras historicas só se procura a verdade, e não originalidade”.

A Parte I possui 20 capítulos, terminando com “Correções, e varios Additamentos” (pág. 236-38), sendo interessante referir que se encontra um quadro, onde estão apontadas as distâncias aproximadas das ilhas dos Açores. A Parte II integra 17 capítulos e culmina com o relato do tratado dos flagelos que sofreu a Terceira durante os 60 anos da sujeição espanhola.

Para terminar, através desta obra, o Pe. Jerónimo Emiliano de Andrade veio retirar dos esquecimentos os factos, os acontecimentos e a história de uma Ilha que, pelos seus feitos valorosos, merecia que estes ficassem registados para a posterioridade. Devia abandonar o obscurantismo e o silêncio da investigação que deixava na penumbra do oculto conhecimento da realidade. Tenho a certeza de que os jovens das épocas, e gerações posteriores, puderam estudar com afinco, interesse e até orgulho a sua história local podendo debater nos colégios ou então nos liceus as temáticas relacionadas com a sua realidade circundante. Qual investigador rigoroso, surge o Pe. Jerónimo Emiliano de Andrade, imbuído de espírito de pesquisa minucioso, destinado à compilação meticulosa dos dados e informação que permitiram construir os dois volumes da presente obra.

Prof. Teresa Valadão, 2019 7

Jerónimo Emiliano de Andrade (Angra do Heroísmo, 30.setembro.1789 – idem, 11.dezembro.1847) Exposto, foi recolhido e educado pelo Pe. José de Andrade, de quem tomará o apelido. Em 1804, ingressa no convento dos franciscanos em Angra, onde professará, adotando o nome de Frei Jerónimo Emiliano, mais tarde alterado para Padre Jerónimo Emiliano de Andrade. Será professor de Teologia Dogmática e Moral e Retórica, no mesmo convento.

Apoiante dos ideais liberais, viu-se exilado. No entanto, depois da vitória de D. Pedro IV, é nomeado para as cadeiras de Filosofia, História Universal e Retórica, na Terceira.

Enquanto pedagogo imbuído de ideias liberais e dos novos métodos de ensino, empenhou-se em formar a juventude terceirense nos valores da justiça e da liberdade, produzindo cerca de 20 Jerónimo Emiliano de Andrade por compêndios sobre diversos temas: Retórica, António Joaquim de Santa publicada em Filosofia, Teologia, História, Astronomia, Bárbara. Litografia 1847.

Matemática, Geometria, Latim, Literatura, Poética, Prosódia e Ortografia da Língua Portuguesa, entre outros.

Em dezembro de 1845, foi nomeado Comissário dos Estudos do distrito de Angra. No ano seguinte, é nomeado reitor do recente Liceu de Angra do Heroísmo por D. Maria II, cargo que desempenhou apenas durante um ano.

Webgrafia https://pt.wikipedia.org/wiki/Jer%C3%B3nimo_Emiliano_de_Andrade (acedido a 29.09.2019). http://www.culturacores.azores.gov.pt/ea/pesquisa/Default.aspx?id=4219 (acedido a 29.09.2019). https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jeronimo_Emiliano_de_Andrade_por_Santa_Barb ara.jpg (acedido a 29.09.2019).

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