Revista Fundição Nº5

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FUNDiÇÃO

Nº 5 - Junho 2017 - ASSOCIAÇÃO BARREIRO PATRIMÓNIO MEMÓRIA E FUTURO

A Indústria Química

Dossier: Ex-Cuf/Quimigal Centro Histórico de Arqueologia Industrial


Índice

REVISTA FUNDiÇÃO Ficha tecnica

Indústria Química Editorial........................................................Pag. 3

Indústria Química - Barreiro BARREIRO Edição Nº5 Junho 2017

“A memória é uma ferramenta da História, uma aprendizagem do futuro”.......................Pag. 4 O Barreiro e a CUF ......................................Pag. 6 A Política Patronal de Modelo Paternalista, vulgo Obra Social................................................... Pag. 8 Contos da Fábrica ......................................Pag. 10 Processo Militante de um Trabalhador Químico.......................................................Pag. 17

Editor ASSOCIAÇÃO BARREIRO PATRIMÓNIO MEMÓRIA E FUTURO

Sobre a Abertura de Procedimento de Classificação de Património Construído da Companhia União Fabril/Quimgal...................................Pag. 19

Composição Gráfica e Fotografias

O Posto Médico da Cuf no Barreiro...............Pag.2o

José Encarnação

Contactos: Espaço L Rua José Gomes Ferreira Antiga Estação Ferroviaria do Lavradio abpmf.patrimonio@gmail.com http://associacaobarreiropatrimonio. wordpress.com

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Dos

sier

Ex-Cuf/Quimigal Centro Histórico de Arqueologia Industrial................Pag.12 - 16


Indústria Quimica - Barreiro

Editorial

Nós barreirenses sabemos bem e ainda hoje,

por expe- tífico, ao gesto profissional e especializado que marca o riência própria e ou familiar, o papel determinante que o operário barreirense. Complexo Químico – Industrial da CUF/ Quimigal teve no Muito do património material já foi destruído, ao longo Barreiro do século XX. do tempo, como por exemplo os edifícios construídos em madeira vinda das antigas colónias, nos anos 30, com Se por um lado, trouxe trabalho e transformou a terra de pescadores e quintas que, tinha começado a industriali- uma arquitectura única no País.

zar-se, no século anterior com a ligação férrea ao Sul do Tejo, a instalação das corticeiras e anteriormente com um surto moageiro proto-industrial, por outro lado, este colosso industrial de nível internacional trouxe consigo uma urbanização rápida e caótica, uma poluição ambiental que provocou e provoca, ainda hoje, graves problemas de saúde e ecológicos (a contaminação de terrenos e das àguas dos rios). Mas, também trouxe um mal não menor que continua presente, embora atenuado, o da extigmatização do Barreiro, visto por muitos como uma terra envolta em fumo, feia, degradada, violenta porque reivindicativa, enfim lugar que não devia ser visitado e frequentado. Deste passado recente ficou um património único no País, como único foi o seu processo de industrialização no todo nacional. Um património edificado que urge preservar, reabilitar, reutilizar. Um património imaterial, não menos importante, que urge transmitir na inteireza da sua verdade histórica, na dureza do seu quotidiano de trabalho, lazer e luta e que se encontra em inúmeras publicações e estudos, nas entrevistas realizadas ao longo de anos pela CMB, na memória de muitos trabalhadores ainda vivos. E um património ligado ao desenvolvimento técnico e cien-

Por esta razão, saudamos a decisão, embora tardia, tomada pela Direcção-Geral do Património Cultural, em 3 de Maio de 2017, de proceder à abertura do procedimento de classificação do conjunto de imóveis ligados à actividade industrial e à obra social da Companhia União Fabril (CUF). Relembramos que o Barreiro está muito longe de se ver recercido dos custos sociais e ambientais que este e outros Complexos Indústriais provocaram, sem que um só tostão dos impostos pagos tenham sido recebidos no Barreiro, ou gastos em prol de todos os trabalhadores que foram elementos fundamentais na construção deste império. É pois o momento do Estado e dos proprietários deste património investirem neste património como forma de desenvolvimento futuro, nomeadamente através do turístimo, em prol desta terra e das suas gentes. Por todas estas razões e outras, que um curto editorial não permite expender, a Associação Barreiro - Património, Memória e Futuro decidiu alterar o tema desta revista, consagrando-a ao Património Quimico-Industrial da CUF/ Quimigal. Em próximo número dedidar-no-emos ao tema da Indústria Corticeira. FUNDiÇÃO 3


Indústria Quimica - Barreiro “A

memória é uma ferramenta da História, uma aprendizagem do futuro”

1. PARA MEMÓRIA FUTURA

2. A MEMÓRIA TEM FUTURO SUSTENTÁVEL

Ao longo da história do grande complexo químico-indus-

Para o próximo Fórum do Património 2017, no ano dedicado pelas Nações Unidas ao turismo sustentável, foi escrito o seguinte no seu programa:

trial da CUF/Quimigal, no Barreiro, com mais de 90 anos de laboração organizada e de trabalho criador, registaram-se vários episódios graves de lesa-património histórico. “Face à influência crescente sobre as políticas públicas dos grandes grupos de interesse organizados que repreAqui se registam os mais significativos para memória fu- sentam sectores da economia, é indispensável reforçar tura: os movimentos de cidadãos, também como grupos de interesse organizados, sobretudo para a defesa do bem Anos 20 do século XX, destruição da Capela de St.ª Bár- comum e da preservação dos valores fundamentais das bara, no Alto do mesmo nome, por decisão de Alfredo da comunidades. A salvaguarda do património cultural, enSilva, onde foram construídas vivendas para quadros su- quanto referência identitária e de memória colectiva, é periores, com vista para o rio. um dos domínios em que esses movimentos, sob a forma de organizações não governamentais (ONG) do patrimóMeados dos anos 60, encerramento da Estrada Mu- nio, fazem todo o sentido […] A favor da salvaguarda do nicipal do Lavradio, por decisão conjunta da CUF e da património cultural construído e da sua utilização sustenC.M.Barreiro, dirigida por um quadro técnico superior da tável, constituindo uma alternativa credível à abordagem dita (Eng.º Bento Louro). demasiado economicista e de curto prazo, suscitada pela actual situação do País.” Na mesma altura foi arrasado completamente o Bairro Operário primordial, por decisão da Administração CUF 3.UM PROJECTO CRITICÁVEL (presidida por Jorge de Mello) para ampliação das fábricas, nunca realizada. Vem isto a propósito de um projectado plano de eliminação de vários edifícios históricos das Ruas da União e da No final dos anos 80, foram destruídas as casas restantes CUF, para “abrir” a antiga zona industrial à cidade. junto ao refeitório 2, prelúdio para a proposta da Administração da Quimiparque de demolição do restante Bairro Não pondo em causa a intenção de derrubar os muros de St.ª. Bárbara, impedida pelas Autarquias do Barreiro. que sempre dividiram o complexo industrial da vila-ciFinal dos anos 90, destruição quase completa das Fábricas dade que lhe deu “suor e lágrimas”, recebendo em troca da Área Sul (excepto uma chaminé!), nomeadamente os um tremendo impacte ambiental e nem um tostão de imedifícios construídos em madeira das colónias (anos 30), postos, importa questionar, equacionar as preocupações com uma arquitectura riquíssima, única no País. FUNDiÇÃO 4


Indústria Quimica - Barreiro

e formular as sugestões que decorrem das considerações anteriores: a) As ruas da União e da CUF constituem pelo seu traçado e pela sua arquitectura-paisagem industrial, um bem patrimonial inestimável. É a imagem do “passar por dentro das fábricas” que todos os visitantes (potenciais turistas) referem e retêm!

e afins. - O inigualado edifício em tijolo burro, num estilo “revolução industrial”, onde funcionou a Direcção e Serviços de Manutenção, infelizmente em mau estado de conservação.

- O edifício do Grupo Desportivo, o que resta do primitivo Bairro Operário, depois sede das Organizações dos Trabab) Os edifícios circundantes têm um valor histórico imper- lhadores, incompreensivelmente desaproveitado. dível nas memórias do engenho, da direcção, do trabalho e da resistência de sucessivas gerações de técnicos, ope- 4.INTERROGAÇÃO TAMBÉM PROPOSTA rários e empregados (em três gerações foram por certo mais de 50 mil!). Então não se deita nada abaixo para alargar a rua e facilitar a circulação? Assinalamos: -Posto e caserna do Destacamento da GNR, ocupante e Como dizem os alentejanos (o Barreiro é historicamente o opressor militar de 1943 a 1974, onde também funcionou princípio e o fim do Alentejo!), “Lá vai Serpa, lá vai Moura a PIDE, com interrogatórios, sevícias e espancamentos. e as Pias ficam no meio!”. - Casa de Alfredo da Silva, mesmo descontando o saudo- Talvez a questão se resolva a contento com a abertura sismo serôdio do empreendedor “pobrezinho”, de pijama de uma via “interior” (de resto já existente!) em paralelo remendado e pantufas coçadas. com a rua da União e com sentido de circulação inverso. - As baias onde ainda passam os comboios do Amoníaco (60 postos de trabalho a preservar) e onde foi assassinado Tiago, chefe dos guardas e da rede de bufos, símbolo da fascização da CUF, nos anos 30/40 do século XX.

No Largo das Obras a solução é simples e compatível. A Nascente, no espaço entre o “Posto Médico” e o “Departamento de Projectos”, a “amarração” à rua da CUF é assunto para os arquitectos resolverem.

- O edifício da Direcção das Fábricas, onde funcionaram sucessivos dirigentes, mais ou menos competentes no “cumprimento de ordens” ou na orientação inteligente. Está em excelente estado de conservação para ulteriores aproveitamentos culturais ou sociais.

Derrubem-se os muros (em tempos de multiplicação dos ditos), aproveite-se o imenso espaço da Área Sul entregue “às urtigas”, para áreas de lazer, conserve-se a interface ferroviária, mas sobretudo preserve-se a memória arquitectónica industrial das ruas da União e da CUF, conservando em “ilhas organizadas” os edifícios históricos e de - O Posto Médico, um edifício de arquitectura patrimo- valor utilitário para a cidade. nial (tem claustro), de memória prestimosa e de “espigas” com o títere Vicente “Papa-Ratos”, quando “deitavam O futuro agradece que se preserve a memória, o turismo abaixo” as horas a quem se demorasse involuntariamente. sustentado ajudará a cidade e o Barreiro poderá elevar-se a “Património Nacional de Arqueologia Industrial”. - O Departamento de Projectos, um edifício notável, em bom estado de conservação e certamente útil para a ciComunicado da ABPMF dade carenciada de equipamentos para fins associativos FUNDiÇÃO 5


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O Barreiro e a CUF Carla Marina Santos

A Composição Social

meadamente a nível da saúde pública.

Sobre a origem regional e classes de idade desta população imensa que aqui chega por vagas gerando um crescimento demográfico fulgurante, Maria Alfreda Lima Cruz escreve (Cruz,M. A. (1973) a Margem Sul do Estuário do Tejo) “... Descriminando, por regiões de província, as idades com que os operários entram na fábrica, podemos considerar três classes correspondentes a menores de 18 anos, maiores entre 18 e 25 e de 26 a 35 anos. No primeiro caso, apenas são representativos, por ordem decrescente os alentejanos, os ratinhos e os algarvios. No segundo, os beirões da Beira Alta, os alentejanos e os algarvios, seguindo-se-lhe os minhotos e por fim, os beirões do litoral e os ratinhos. No terceiro, somente os alenteDesde a instalação do caminho-de-ferro, das corticei- janos pesam no conjunto. ras e da CUF em 1907, durante muitos anos a Vila do Barreiro foi um El Dorado onde acorrem, vindos Quanto às pequenas regiões afectadas pela proxide todas as partes do País, trabalhadores, famílias in- midade da fábrica, a do Barreiro teve a primazia na teiras em busca de trabalho que tornasse mais fácil mão-de-obra de menores, com 35,4%, mas coubeo pão e possível o sonho de uma vida melhor. Gente -lhe apenas 9,1% da mão-de-obra de adultos com de língua igual e falas várias, separada nos primeiros idades que nunca excedem os 25 anos. tempos por saudades de sabor diferente, mas irmã na força com que se atirava à vida. Este apuramento mostra-nos, com efeito, como embora tendo sido a população juvenil do Barreiro a A Vila acostumou-se, aglutinou-os e arquitectou so- que melhor respondeu à solicitação de aprendizes, nhos de Cidade. Com custos ambientais e sociais, no- não deixou por isso a mão-de-obra de adultos de se

“A CUF serviu o Barreiro e serviu-se dele, do seu povo e de tantos outros – um mundo operário – que (…), foi chegando à Terra dos Camarros para alimentar esta nau de indústria pesada.(...) desordenadamente construído ao sabor dos interesses da empresa. (…) o Barreiro conquistou prestígio de vila operária, ganhou dinâmica política e social, mas perdeu quando o céu obscurecido pelos fumos da fábrica se fez hábito. E a seguir as fábricas e o parque habitacional degradaram-se.” in “A CUF no Barreiro, Parte I – Realidades”, Carlos Alberto Oliveira de Jesus (Carló), 2014.

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constituir predominantemente com gente de fora. Desta se salientou, por ordem decrescente, a da Beira Alta, do Alentejo, do Algarve e da Beira Baixa. São contudo unicamente os alentejanos que se evidenciam em todas as classes de idades referidas, apenas suplantados pelo beirões da Beira Baixa, na de 18 a 25 anos. Já então Trás-os-Montes e a Beira Transmontana quase não encontravam representação em qualquer delas. Como grande indústria que sempre foi a CUF, desde cedo rompeu com a estrutura social do Barreiro.Mas antes da Grande Guerra até ao seu declínio alteraram-se as proporções das origens do pessoal admítido. Declinam os volumes imputáveis às regiões do Norte, do Ribatejo e do Algarve; mantêm-se as das Beiras Alta e Baixa; avoluma-se a do Alentejo.” Esta realidade encontra-se bem retratada na produção cultural de cunho popular, exemplo desta letra de Custódio Vieira, visada pela censura e escrita em 1940, intitulada “Tudo para o Barreiro”,da qual transcrevemos a primeira estrofe. De novecentos e sete Que esta causa se repete Haver tantos aventureiros Veio a União Fabril Pensavam que era o Brasil Veio tudo para o Barreiro

sição da nossa população destaca-se entre os polos industrializados do País. Ana Nunes de Almeida comenta no seu livro (Almeida,A.N.(1993) A Fábrica e a Família, CMB) esta diferença do seguinte modo “(...) As manchas de distribuição do operariado industrial superam, em intensidade as das restantes classes sociais; a sua implantação no espaço faz-se de forma quase exclusiva.(...) A condição operária no Barreiro parece apresentar um perfil extremamente clássico. (...) Assenta-lhe, como uma luva, o retrato feito por Marx e Engels das condições materiais de vida da classe operária em pleno modo de produção capitalista. Desapossados dos meios de produção, o trabalho manual a troco de um salário no mercado é, para estes operários a única riqueza. A “coisa” proletário é aqui o produto mais autêntico da grande indústria. E estas características extremas avivam, sem dúvida o interesse deste campo de observação (…) e opõem-se às realidades da região do Noroeste com epicentro no Porto e em Braga, nas quais a pequena oficina caseira, a fábrica e a exploração agrícola coexistem, significando que a força de trabalho é aqui reproduzida só em parte pelo salário industrial. Esta notável diferença leva a que se fale do “provincianismo” da classe operária do Noroeste por oposição à condição urbana da classe operária da Margem Sul, em especial no Barreiro.”

A dependência intensa e exclusiva das fábricas pontua o quotidiano e cria neste operariado uma situação de vulnerabilidade expressa nos baixos salários, na enorme carga horária diária, nas formas de conDo ponto de vista da condição e formação a compo- tratação, nos despedimentos, na repressão das greFUNDiÇÃO 7


Indústria Quimica - Barreiro ves, na presença da polícia dentro das fábricas, nas prisões...

A Política Patronal de Modelo Paternalista, vulgo Obra Social

Será esta realidade que, segundo a mesma autora, favorecerá a criação de uma notável rede de associações, a capacidade de mobilização e negociação por parte do operariado, enquanto força colectiva, encorajados pelo perfil escolar e profissonal qualificado e pela militância política com a fundação do Partido Comunista Português, em 1921.

“Alfrefo da Silva veio e o Barreiro deu-lhe o resto (…) milhares de pulsos assalariados (...) um império industrial que não coube no Barreiro, estendendo-se pelo país, por África e outros pontos do planeta”, (…) in “ A CUF no Barreiro, Parte I - Realidades, Carlos Alberto Oliveira de Jesus (Carló), 2014.

Alfredo da Silva, durante a ditadura de Salazar, benificiará da política económica de condicionamento industrial, que favorece e protege a concentração e os monopólios indústriais, que arrasam as pequenas empresas e as compram por “cinco réis de mel coado”, num movimento de concentração capitalista próprio de um sistema baseado exclusivamente no lucro e no mercado, que Marx bem explica. Mas também beneficiará da montagem do aparelho repressivo, que, dentro das fábricas se materializava na G.N.R e nos Esta população predominantemente operária, com capatazes pela forma como contratavam e controlam uma formação profissional qualificada aliada a um os operários, premiando-os nas suas reividicaçãos e grau de instrução superior à média nacional por ne- greves com despedimentos ou prisão política. E, aincessidade operativa dentro das fábricas, politizada, da, de um contingente de operários que trabalhavam oriunda de diversos pontos do País, configura uma 10 a 12 horas diárias em condições sobrehumanas. identidade multicultural, acentuadamente laica e de Desta forma o Barreiro torna-se num “verdadeiro coesquerda que se traduz na interacção quotidiana nas losso industrial”. inúmeras associações e na expressão política da sua vontade, enfrentando as prisões políticas e os des- Alfredo da Silva, desde cedo segue uma política papedimentos. tronal de modelo paternalista, lançando a partir de

No caso da CUF esta realidade, apesar da inscrição obrigatória dos operários nos sindicatos corporativos a partir de 1933, permite a forte organização no interior da fábrica, desenvolvida clandestinamente por operários texteis e metalúrgicos organizados no Partido Comunista. “As oficinas são, em plena década de 40, “redutos estratégicos deste partido na Margem Sul do Tejo.” (op.cit.1993).

Os modos exclusivos da industrialização e do operariado determinam que o Barreiro passe precossemente de um regime demográfico tradicional para uma demografia moderna, que nos anos 60 coloca o concelho, segundo alguns “índices de vida” num lugar privilegiado no todo nacional.

1907 as bases de uma “Obra Social” da Companhia União Fabril. Esta permite tornar mais fácil e rápida a recomposição da força de trabalho no seio da família trabalhadora e desta forma manter o horário de trabalho para lá das 8 horas, acumulando mais-valias. Simultaneamente é um instrumento político de apaziguamento e desencorajamento dos comportamentos de ruptura e confronto. E uma tentativa de enquadramento ideológico dos operários através do encerramento dos tempos de lazer nos exclusivos domínios da empresa, numa gestão de controlo da mão-de-obra operária inédita no País. A conciliação entre classes e entre os interesses dos patrões e dos trabalhadores tão cara ao Estado Novo Corporativo e ao seu Secretariado Nacional de Propaganda, assenta que nem uma luva à ideia de “Obra Comum” de que todos beneficiam e na qual se integra esta concepção de “Obra Social”. De facto para os mais desprevenidos, que com a miséria dos seus salários, não conseguiam satisfazer as

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Indústria Quimica - Barreiro suas necessidades básicas, a abertura da Dispensa Social representava um alívio, mas na verdade parte do seu salário regressava aos bolsos do patrão. E nestas compras mensais quantas famílias não penhoravam num mês o salário do seguinte, ficando amarradas ao bom comportamento na sua exploração diária, expostos ao calor infernal dos fornos, ao ruído insurdecedor das máquinas, ao pó denso e corrosivo, condições de trabalho que encurtavam as vidas ou as arrastavam em doenças várias. Manifestação de Operarios pós 25 de Abril

GNR no Barreiro

Dispensa Social

Creche

Bairro Novo da CUF

Quantos viram o seu desejo de ter uma habitação social no Bairro Novo da CUF frustrado por ser obrigatório casar pela Igreja, para lhe ter acesso. Na fábrica como na ditadura a fé católica desempenhou papel preponderante na construção das mentalidades “ (…) A catequização obrigatória torna-se extensiva a muitos sectores da vida da empresa e a prática confessional uma quase imposição oficial. Na Colónia de Férias as missas semanais são obrigatórias (…) Já nos finais da década (60) , os patrões mandam preparar uma capela privativa numa depência do primeiro andar do Refeitório 3, o mesmo onde almoça “de borla” o destacamento ocupante da Guarda Nacional Republicana. (…) (Teixeira, Armando Sousa, A CUF no Barreiro – Parte III, 2014). O patrão da CUF cultivava uma imagem de homem frugal, recto e justo, era o pai que premeia e castiga os seus filhos, leia-se os seus operários e famílias operárias, brilhando em cada festa de Natal. Este era o mesmo homem que na sua frota de navios, pagava os favores de Salazar, enviando armas e dinheiro a Franco destinados à Guerra Cívil de Espanha, apoiando uma ditadura. Muitos outros exemplos, que não cabem neste curto artigo podem ser referidos, penso que não serão necessários à real compreensão do essencial: o grande objectivo da “Obra Social” foi o de encerrar, controlar e explorar os trabalhadores, mesmo quando o que se lhes oferecia era justo e necessário, nunca foi de “borla”. E a depressão económica e social que o Barreiro enfrentou com o encerramento das fábricas, o que afectou milhares de famílias, não obteve o ressercimento dos custos sociais desta exploração que deu, durante décadas, lucros astronómicos aos vários donos deste império, como seria de elementar justiça. Assim como nos deixou uma pesada herança ambiental que várias gerações vão ter de pagar. FUNDiÇÃO 9


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Contos da Fábrica Armando Teixeira

Um som melodioso, prolongado, faz-se ouvir impressivo

te durante a Campanha de Setembro a Dezembro.

no silêncio entrecortado pelo bater sincopado dos martelos do tambor rotativo, onde se secam os fertilizantes A actividade de produção de fertilizantes foi desde os tempos iniciáticos com Alfredo da Silva, a principal área produzidos na fábrica de adubos. de negócio da CUF, como era agora da Quimigal Adubos. Mas havia preocupações em relação ao futuro, as fábricas A sonoridade repete-se uma e outra vez, à medida que os vagões “jota” de transporte de adubo ensacado, vazios estavam velhas e eram fortemente poluidoras, apesar dos no regresso, fazem a curva apertada que põe os rodados elevados investimentos feitos depois da Nacionalização. a roçar nos carris metálicos, ferro contra ferro.

A sequência melódica torna-se sinfónica, os sons agudos e graves misturam-se e ampliam-se na caixa de ressonância dos vagões fechados, vinte e um no total, puxados pela pequena locomotiva que abranda obrigatoriamente antes do atravessamento da Rua da União.

A principal ameaça advinha da entrada de Portugal na C.E.E., visto que a Comunidade Europeia tinha excedentes agrícolas, concorria com factores de produção mais baratos e “proibia” as subvenções de apoio à agricultura e aos produtores de fertilizantes, para estes poderem manter preços acessíveis ao sector primário, eternamente atrasado e pobre em Portugal.

O ramal ferroviário interno do grande complexo industrial, foi a pedra de toque que levou à escolha da Margem Sul O encerramento das Fábricas de Ácido Sulfúrico nos finais do Tejo, em 1907, servida pelo Caminho-de-Ferro Nacio- da década de 80, a partir de uma matéria-prima nacional, as pirites alentejanas, foi o alerta vermelho. Era mais nal. barato importar da Europa como subproduto de outros Desde os primórdios as pequenas máquinas movimenta- processos químicos, dizia a voz da tutela. vam ao longo de vinte e sete quilómetros de via própria, milhões de toneladas de matérias-primas ou de produtos transformados, num vaivém característico, levando e trazendo, colocando na interface ferroviária, ou de lá trazendo, vagões abertos ou fechados, cisternas de vários formatos ou plataformas sobre “boogies”.

O traçado interno não permitia a circulação das grandes locomotivas a carvão ou das sucessoras a diesel, da CP. Particularmente a curva muito apertada junto ao portão do Largo das Obras, onde circulavam naquele instante os “jota” vazios que iam ser colocados nas Centrais de Ensacamento para serem recarregados. Faziam-no diariamenFUNDiÇÃO 10

Estava dado o mote filosófico para a orientação política da direita liberal, de recuperação capitalista ao serviço de interesses económicos e financeiros, nacionais e internacionais. Com as privatizações fechavam-se os caminhos da economia social, de redistribuição da riqueza iniciada pela Revolução Democrática de Abril. Os trabalhadores e a população informada interrogavam-se: como era admissível abandonar uma matéria-prima rica em ferro que poderia ser utilizada na Siderurgia Nacional? E as elevadas percentagens de Cobre não tinham interesse na Metalurgia? E o chumbo, o zinco e até a prata


Indústria Quimica - Barreiro e o ouro, que foram recuperados durante décadas? Tudo isso existia na Europa em excesso e a custos mais baixos, toca a construir auto-estradas para entrarem as importações e em nome da “modernização da economia”, da “iniciativa privada empreendedora” e da “visão de futuro”, o governo de Cavaco Silva e Eduardo Catroga (1985/1995), desmantelou, destruiu, arrasou a Indústria, a Agricultura e as Pescas. Não se esqueceu entretanto de entregar as “ partes rentáveis” à iniciativa privada (a Quimigal Adubos, entre outras) facilitando a concentração capitalista monopolista. No que foram seguidos de resto pela dupla António Guterres / Augusto Mateus (1995/2002), com a “integração na Europa dos ricos” e no “pelotão da frente da zona Euro”, com o total desmantelamento da ex-CUF/Quimigal que deu lugar a vinte e três empresas!

agradável aos sentidos, homenageia o trabalho humano e a sua inteligência ao serviço do progresso da Humanidade. O maestro adoraria por certo recolher aquela sucessão de sons metálicos, únicos, inimitáveis, prolongados, porque a longa formação desliza devagar, num deleite irrepetível numa hora de quietude imaculada porque já não se ouvia o martelar dos batentes que ajudavam a desterroar o adubo granulado a arrefecer no tambor cilíndrico em contra-corrente com ar ventilado. Deixara de se ouvir os martelos? Querem ver que a Granulação parou outra vez? Este chefe de turno faz sempre destas, primeiro pára e depois é que avisa! As avarias são sempre depois das cinco horas! … Quando ligar vai levar uma “rabecada”!

A sinfonia laboral já se extingui, ouve-se ao longe a pequena máquina locomotiva a apitar, vai na recta da Fábrica O que veio depois não foi melhor, com o país cada vez dos Óleos, na direcção da Nova Central de Ensacamenmais endividado e mais desigual, o aumento do desem- to, construída no antigo Silo de Sulfato de Amónio, uma prego e da pobreza e a região do Barreiro, perdidos os peça excepcional da arquitectura industrial, como o são “motores de desenvolvimento”, a entrar em depressão o próprio Ramal Ferroviário e as antigas Fábricas de Adueconómica e a perder população. bos, construídas com madeiras da exploração colonial na Guiné. Abriu-se a luz verde nas “baias”, o comboio estava de novo em movimento e a fricção metálica voltava a ouvir-se em Pouco a pouco no grande complexo químico-operáriocadência melodiosa como se tratasse de uma orquestra -industrial, tudo se vai calando, aquietando na “paz dos de metais, dirigida por batuta invisível. Uma peça sinfóni- cemitérios” que se enche de vítimas da extinção dos posca produzida pelos elementos naturais da actividade fabril, tos de trabalho. absolutamente genial, merecedora de registo sonoro. As vozes da revolta são abafadas pelo discurso oficial de Sabe-se da existência de sinfonias gravadas em ambiente toda a direita política interesseira mas também da socialde trabalho com as próprias ferramentas do labor huma- -democracia, da “desgraça das Nacionalizações” e da no, um ramo pós-moderno da chamada música erudita. “vantagem da modernização e da competitividade”. Há tempos esteve na cidade um compositor italiano, Luigi Nono, que mostrara as suas composições feitas em Ofici- Estavam definidos os caminhos da política oficial para a nas, Fábricas, Meios de Transporte, Meio Ambiente Urba- destruição da indústria portuguesa. O Barreiro ficou mais no ou na Natureza. pobre e Portugal mais pequenino. Obra interessante que além de produzir música inteligível,

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Indústria Quimica - Barreiro

Ex-Cuf/Quimigal, Um Centro Histórico Patrimonial Armando Teixeira

“O FUTURO É O AMANHÃ QUE NÃO ESQUECE!” olhar a herança patrimonial de forma global, numa Sumário: 1. Questão prévia: As Memórias Vivas! 2. O que preservar? Porquê preservar? Para quem preservar? P1 - RAMAL FERROVIÁRIO INTERNO P2 – CENTRO HISTÓRICO DIRIGENTE P3 – BAIRRO DE SANTA BÁRBARA P4 – PORTO FLUVIAL P5 – ZONA TÊXTIL P6 – ELEMENTOS DE ARQUEOLOGIA NA ZONA SUL P7 – ZONA ADUBOS AZOTADOS P8 - AS CHAMINÉS

perspectiva estratégica, não casuística ou programática (tecnocrática!...), com a sensibilidade de quem está perante um legado inestimável do engenho, da inteligência e do trabalho criador de gerações de sucessivos obreiros (de que a História normalmente não fala!) para além, muito para além, do espírito empreendedor dos “capitães da indústria” que tal como disse Berthol Brecht, sozinhos nunca construiriam nada. Do vastíssimo património ainda existente, em diferentes graus de conservação, importa distinguir desde logo as áreas (fábricas, estabelecimentos, zonas) onde continua a laboração/actividade, que em muitos casos são autênticas “memórias vivas”.

Não se conhecendo os eventuais projectos de reconversão/deslocalização, ou sequer se existem, os Perante um Centro Histórico de importância nacional locais onde se trabalha e produz riqueza, devem ser (ou outra designação), com as dimensões e o con- defendidos, nomeadamente: teúdo do ex-Complexo Químico-Operário-Industrial a) Interface e Ramal Ferroviário. CUF/Quimigal, depois da espantação de quem nunca b) Porto-Cais da Atlanport. o viu e sentiu, surge a legítima interrogação: o que c) Fábrica de Enchimento de Óleos. fazer com tantas memórias vivas e com tal riqueza de d) Tratamento de Resíduos Químico-Farmacêuticos. arqueologia industrial, única em Portugal? e) Fábrica de Ácido Nítrico/Nitrato de Amónio. f) Armazenagem/Trasfega de Amoníaco. A resposta a esta primeira questão é simples: preserg) Fábrica de Fibras Sintéticas. var, recuperar, organizar, integrar em Núcleos, Zonas h) Armazenagem de Líquidos (Tanquipor). ou Áreas fruíveis, programar a sua visitação turística i) Actividade Empresarial na ex-Zona Têxtil. e cultural e a sua gestão sustentável. j) Actividade Comercial no Lavradio e outras. Para este caminho claro ser trilhado é necessário 1. AS MEMÓRIAS VIVAS

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Indústria Quimica - Barreiro O que ainda “mexe”na actual Baía do Tejo, deve ser mantido vivo a bem da produção nacional, não perdendo a sua vocação industrial, mesmo que outras actividades se lhe somem, num plano de diversificação tecnológica. 2.O QUE PRESERVAR? PORQUÊ PRESERVAR? PARA QUEM PRESERVAR?

pa há cinquenta anos. O ramal ferroviário interno da ex-CUF/Quimigal, é assim dos mais antigos, senão o mais antigo a nível nacional, chegando a ter vinte e sete quilómetros de linhas próprias, e ainda funciona!

Como alguém diria, “estar vivo é o contrário de estar morto!”. A possibilidade de se realizarem viagens A resposta a esta segunda questão essencial, também turísticas, partindo da Estação do Barreiro-Mar (que é simples: O futuro é o amanhã que não esquece! de resto já se fizeram!), abre uma janela de oportunidade a um turismo cultural vocacionado, juntando O património de arqueologia industrial, testemu- a preservação do Centro Histórico Patrimonial Ferronho da notável actividade passada, constitui um viário, também na ordem do dia, criando o melhor de reportório de ensinamentos que não se devem per- dois mundos. der, exemplo nobilitante do trabalho socializado em grandes unidades de produção, símbolo do esforço Para os amantes do Caminho de Ferro, para turistas dedicado de dezenas de milhares de homens e mu- na vertente histórico-patrimonial, para as escolas e lheres, quase sempre mal retribuído, da inteligência, os estudantes, muitos nunca andaram de comboio, da capacidade dirigente, do empenho em investigar para a população que tem laços afectivos ao antigo e desenvolver. complexo, estas viagens seriam (serão!) dias de festa. Lições de história industrial e operária, evidenciáveis, fruíveis, orientáveis para um turismo cultural vocacionado, segmentado e auto-sustentável.

P2 – CENTRO HISTÓRICO DIRIGENTE

Vejamos então, agrupando em Núcleos, Áreas ou Sítios Museológicos, aquilo que deve ser preservado na perspectiva da criação de um Centro Histórico Patrimonial Nacional. P1 – RAMAL FERROVIÁRIO INTERNO (Interface com Rede Nacional)

Compreendendo nesta designação a zona do traçado primordial das fábricas e dos apoios sociais, com os alinhamentos arquitectónicos ortogonais característicos das ruas da União e da CUF. Aí ficavam os portões de entrada/saída des fábricas, os edifícios da direcção, a casa de pernoita do “grande patrão”, o quartel da GNR, a casa do ponto e férias, as primeiras casas do bairro social, os refeitórios, o posto médico, a passagem de nível Sul/Norte dos A ligação à Linha do Caminho de Ferro do Sul e Sues- comboios de matérias-primas e/ou produtos acabate, terá sido uma das razões primordiais que levaram dos, sempre em lufa-lufa com o seu apito caracterísAlfredo da Silva a escolher o Barreiro, em 1907/08, tico. para a implantação de um complexo para a produção química em escala industrial, como já existia na Euro- No atravessamento perpendicular das duas ruas FUNDiÇÃO 13


Indústria Quimica - Barreiro cheiravam-se os gases, os vapores, as poeiras das fá- peculativa para albergar a imigração crescente. Tanta bricas de Ácido Sulfúrico, de Extracção de Óleos, de gente nas fábricas em expansão já não cabia nestes Adubos, da descarga e transportes das Fosforites. pequenos aglomerados, foi construído o Bairro Novo, no Lavradio, só para casados à igreja e por isso baptiAli passava-se “por dentro das fábricas”, onde hoje zado de “Vaticano”. ainda se cheira um “bocadinho” com o Enchimento de Óleos a funcionar, caminhando ao longo da Rua Na denominação geral de Bairro de St.ª Bárbara esda União, passando pelo Mausoléu de Alfredo da tão incluídas todas as valências classificáveis (casas, Silva e pelo ex-cemitério de Santa Bárbara (não as- edifícios, torre, cinema, padaria, balneários, refeitósinalado!), subindo pelo “Sobe e Desce” para se en- rios, sede do Grupo Desportivo), felizmente tudo em trar no bairro de Santa Bárbara, lembrando que ali bom estado de conservação. mesmo em frente, ficavam as garagens onde a GNR guardava os tanques de lagartas que saiam regularP4 – PORTO FLUVIAL mente para a “demonstração de forças”, na vila ocupada militarmente. P3 – BAIRRO DE SANTA BÁRBARA

Nos anos 50/60 do século passado chegou a ser o terceiro porto nacional em tonelagem movimentada, por onde entravam matérias-primas importadas (fosforites, enxofre, minério de cobre, etc.) e por onde As primeiras casas para operários ficavam na rua da saiam produtos acabados, nomeadamente adubos União, construídas em 1910. O bairro no Alto de St.ª exportados para África, Brasil, Europa, numa azáfaBárbara, dos anos 30 do século XX, de característi- ma que começou nos primórdios com os velhos guincas diferenciadas para operários, chefias intermédias dastes a vapor, substituídos nos anos 60 por pórticos e quadros superiores, conserva toda a essência da eléctricos que continuam a funcionar ainda hoje. história da “obra social” da CUF: morar dentro da fábrica”, marcar a vida pelas buzinas e pela torre do Com mais de 50 anos, os guindastes são ícones na relógio, ir à creche, à escola, ao cinema, gastar os es- paisagem portuária onde ressaltam também: o silo cudos escassos na “Despensa” do patrão, comprar o parabólico onde se guardava o enxofre, com uma pão, o carvão e até tomar banho (as habitações dos construção civil característica; os grandes silos do operários não tinham casa de banho). “Pó de Marrocos”, importado desde 1909, com o transportador aéreo que atravessava meia fábrica Para os nacionalistas ferrenhos havia a “ordem unida” (já desmontado); os grandes armazéns de recolha de da Legião Portuguesa; para os religiosos a missa no sementes para a produção de óleo vegetal (infelizrefeitório 3 ou na “messe”, ao domingo, por convites; mente deixou de se fabricar no Barreiro!); os grandes para os desportistas e atletas, o futebol, o hóquei, o silos/edifícios da Fábrica de Rações que nasceram basket, no campo de St.ª Bárbara. Tudo sem sair do como autênticos mamarrachos na paisagem, hoje bairro! hirtos e quedos, para os quais se aventa uma musealização de vanguarda, combinando a “arte urbana” Em boa verdade esta realidade era comum ao pri- com a tecnologia das imagens, apontando para oumordial Bairro Operário, destruído em 1964, e ao tros públicos-alvo. vizinho Bairro das Palmeiras, de génese privada esFUNDiÇÃO 14


Indústria Quimica - Barreiro P5 – ZONA TÊXTIL

P6 – ELEMENTOS DE ARQUEOLOGIA RESTANTES NA ÁREA SUL

Porventura a zona operária-industrial mais característica da ex-CUF/Quimigal, onde trabalhavam mais de mil e quinhentas mulheres, sempre nas primeiras linhas das lutas reivindicativas, numa labuta diária de contornos épicos que carece de registo fílmico ficcional.

[Central a Vapor/Central de Ensacamento nº1/Fosfato Dicálcico/Armazém-Moagem de Pirites/Edifícios Stinville]

Constituem elementos diversos da arqueologia industrial na área primitiva do complexo, com uma proximidade geográfica que permitirá a sua organização A memorável saída do portão dos “Tecidos”, com cor- espacial integrada num núcleo ou zona patrimonial. rerias para ir buscar os filhos à escola, com as filas para apanhar os autocarros apinhados, com as bici- A Central a Vapor nº2 foi adaptada para as Reservas cletas sem quadro partindo às dezenas estrada fora Museológicas da CMB durante alguns anos sendo um por quilómetros, até aos arredores de rendas mais edifício preservado. em conta. Embora muitos edifícios tenham sido reconvertidos para utilização empresarial de pequenas e micro empresas e de a área albergar no seu seio alguns locais inestimáveis: Museu Industrial, Espaço Memória, Bombeiros, PSP, Arquivo Municipal, a questão patrimonial relevante é a existência de um conjunto magnifico de construções com telhado em V invertido, no vulgo técnico “dentes de serra”, conferindo à paisagem industrial uma arquitectura única e imperdível.

Ao lado estão duas velhíssimas casas em tijolo burro dos tempos iniciais de Stinville e Castará, os engenheiros do arranque das fábricas. Nas traseiras da central funcionava a Central de Ensacamento nº1, a mais antiga, que trabalhava com adubos em pó, assentando a sua construção no rendilhado de madeiras da Guiné, dos anos 30 do século XX.

A Sul funcionou até há pouco tempo a Fábrica de Fosfato Dicálcico, um composto químico básico para as Tendo como “ponta de lança” o chamado Museu In- rações de animais, obtido a partir do histórico “pó dustrial, funcionando de forma dinâmica como centro de Marrocos” (fosfatos de cálcio importados desde interpretativo, esta área reúne condições de fruição 1909!). Elementos significativos como o tanque de cultural de excelência para mui variegados públicos. reacção ainda de pé, permitirão exemplificar como “funciona” uma fábrica. Ainda mais a Sul, junto da linha férrea e daí observável quando se entra no Barreiro, situa-se a histórica Armazenagem e Moagem de Pirites, dos tempos primordiais de produção de Ácido Sulfúrico a partir da excelente matéria-prima nacional, o bissulfureto de ferro e cobre das minas alentejanas. Do lado Nascente situam-se os edifícios em tijolo FUNDiÇÃO 15


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burro (o comboio) de construção muito antiga e ca- pode contar toda a história da União Fabril do Azoracterística, onde funcionaram os serviços da manu- to (universo CUF) e do produto que originou a idade tenção industrial. moderna dos fertilizantes – o Amoníaco.

Tudo tão perto e integrável num circuito pedonal memorável!

P8 – AS CHAMINÉS

P7 – ZONA ADUBOS AZOTADOS

Os “gigantes vigilantes” da outra margem, garantindo à capital que a indústria poluente fora enviada para a outra banda, são ícones da paisagem desde o início do capitalismo industrial nos primórdios do século XX.

A fabricação de adubos azotados para os quais é fundamental o Amoníaco, iniciou-se no Lavradio em 1960/61, com a primeira fábrica a partir de nafta, construída onde antes eram vinhedos, salinas e praia A capital crescia como grande centro político e admifluvial. nistrativo, a habitação de qualidade expandia-se nos anos 50/60 e os apolegetas do regime gabavam-se Este foi um enorme preço que o Barreiro pagou com dos empreendimentos que asseguravam lá na mara ocupação industrial de toda a orla ribeirinha, até à gem esquerda, onde as chaminés fumegavam tosses Barra-a-Barra. e catarros, o progresso da economia nacional. A paisagem foi sendo alterada com a conquista ao rio Tejo de terrenos/aterros onde se fixaram várias outras especialidades, assinaláveis pelo simbolismo e interesse da arquitectura industrial:

O Barreiro asfixiado e cinzento da poluição sulfúrica e outras, agredido no seu rio que fora ganha-pão durante séculos, nem sequer recebia os impostos da ocupação e das malfeitorias ambientais.

- O Silo de Sulfato de Amónio, uma construção de forma parabólica, semelhante ao silo do cais mas de maiores dimensões, onde já funcionou um grande estabelecimento comercial sem destruir a fisionomia; - Mais a nascente o Silo da Ureia tem as mesmas características e ainda está funcional!

Restam cinco chaminés, gigantes aquietados que lembram ao mundo que aqui se fizeram milhões de toneladas de produtos com valor acrescentado, que deram trabalho com dignidade mas muito mal pago e geraram lucros avantajados, apropriados pelas elites que ajudavam a segurar o regime fascista-colonialista e as suas malfeitorias sobre os portugueses.

- A Esfera de armazenamento intermédio de amo- Sentinelas da História que não se devem perder para níaco, ainda em utilização, com uma arquitectura sin- poderem continuar a contá-la, pedagogicamente, às gular e inestimável, um ícone na paisagem industrial novas gerações. do Lavradio. - O edifício da Direcção e Laboratório de Controlo, construído nos tempos iniciáticos da UFA, onde se FUNDiÇÃO 16


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Processo Militante de um Trabalhador Químico Nuno Soares

Fotografia: Arquivo CMB

A INDUSTRIA QUIMICA

“Viveu no Bairro 19 anos, os seus primeiros 19 anos. Anos que marcaram o seu percurso, pelas vias da vida, as avenidas, ruas e ruelas e também por atalhos, por onde julrupo de atividades que visam transformar matériasgamos mais facilmente atingirmos o objetivo desejado e -primas em bens úteis. quase sempre, vezes sem conta, sonhados”. Industria, é também uma atividade económica, isto é, produtora de riqueza. Fez a instrução primária na Escola da CUF, ingressou na Escola Alfredo da Silva. No Barreiro a indústria química fez-se na CUF nos chamados “contactos”, desde 1950 a 1979, onde se produzia áciComeçou a trabalhar aos 12 anos numa oficina de serrado sulfúrico que no princípio alimentava as indústrias de lharia no Lavradio (Flávio Alves). explosivos e detergentes. Com novas tecnologias a produção foi aumentando (chegou às 718 ton./dia) e serviu noAos 16 anos entra para a Cuf como aprendiz de serralheiro, vos interesses – desidratante, eletrólito de baterias e acupara as Oficinas de Reparação Mecânica. muladores, fibras sintéticas, adubos, corantes, produtos farmacêuticos (reações de preparação de produtos), etc. Quando regressou da tropa, ingressou nos escritórios do Departamento de Trafego, de onde se reformou depois de Esta indústria precisou de atividades produtivas comple38 anos de trabalho na CUF-QUIMIGAL. mentares – metalomecânica, têxtil, tintas, construção naval, bem como de serviços de apoio, estudos e projetos, Mas o seu enorme talento e arte pôs ao serviço de uma conservação, produção e distribuição de energia, transcarreira desportiva no G.D.CUF. portes, laboratórios, medicina no trabalho (para manter os trabalhadores com capacidades para altos graus de Começou aos 11 anos na ginástica. Aos 14 anos dedicouprodutividade) e serviços de pessoal para o controle e -se ao andebol. Aos 15 era futebolista alinhando pelo porque sem trabalhadores nada feito. Grupo Desportivo Operário, do Bairro das Palmeiras, participando num torneio, sendo CAOJ o melhor jogador do CAOJ foi um desses trabalhadores. torneio. Por este facto foi assediado pelo Barreirense e pela Cuf, oferecendo ambos emprego, decidindo-se pela A transferência do pai, da CUF – Lisboa, para o Barreiro, CUF que o empregou, como vimos, na Oficina de Reparatrouxe-o para o Bairro das Palmeiras com apenas 6 meções Mecânicas. Na CUF, como jogador, foi internacional ses (Ver o seu livro “O MEU BAIRRO”, que dedicou “aos júnior. Aos 18 anos era já jogador da equipa principal. È homens e mulheres que fizeram a época mais relevanconvocado para a Seleção Militar e depois para a Seleção te, daquele, que foi o Bairro de acolhimento, dos que na B, chamada de Esperanças. Foi pretendido pelo Sporting luta diária se consumiram, para que os seus filhos subise pelo Benfica. A CUF nunca o dispensou, terminando a sem ao patamar superior” sua carreira em 1965. Recebeu convite do Montijo para

G

FUNDiÇÃO 17


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jogador treinador (mais tarde treinou o Luso, depois de tirar o curso de treinador), mas recusou para poder estudar, “uma aspiração antiga, e assim melhorar as suas condições intelectuais, bem como as suas possibilidades profissionais na Empresa CUF”.

Abril” que não chegou a dar à estampa. É coautor com António José Ferreira e Armando Sousa Teixeira, do livro “A CUF NO BARREIRO – Realidades, Mitos e Contradições” que dedicaram “aos trabalhadores da Cuf, que com honrada e reforçada dignidade, lutaram pelo pão, ajudaram a fazer a revolução democrática e a trilhar os caminhos de É detentor do Cartão de Mérito Desportivo da Associação um país novo” de Futebol de Setúbal. Escreveu um outro livro “A DÉCADA – Anos 70”, cujos (Ver o seu percurso desportivo no livro que escreveu personagens eram tratados pelos seus próprios nomes e “Desportistas Ilustres”, a convite da Junta de Freguesia do alguns, por esse facto, recusaram a sua publicação. Seria Alto do Seixalinho). um bestseller barreirense. Como associativista foi um dos fundadores do G.D. 1º de Maio, no Bairro das Palmeiras. Por duas vezes foi dirigente do Clube Naval Barreirense.

ABRIL de 1974, marcou-o para o resto da sua vida. ABRIL e a defesa dos seus valores levaram-no a dar-se todo à sua Empresa e aos seus colegas, trabalhadores da CUF-Quimigal.

Em 1989 foi secretário da Direção do G. D. da CUF.

Eis o seu percurso dentro da Empresa.

No Poder Local foi membro da Junta Freguesia do Barreiro, 1974 – Em Maio, foi eleito representante dos empregados de 1983 a 85 tendo criado o Boletim da J. F. do Barreiro. de escritório da empresa Cuf para a troca de informações, opiniões e apresentação de propostas para a criação da Foi membro da Coordenadora Inter-juntas de Freguesias Organização dos Trabalhadores. Foi encontrada e aprovado Concelho do Barreiro. da com o nome de “Associação Livre dos Trabalhadores do Grupo Cuf Geograficamente Situados no Barreiro” que Com a criação da freguesia do Alto do Seixalinho, em 1986, acabou por se estender às restantes Empresas Associadas foi eleito, nas listas da CDU, para presidente da Assem- do Grupo Cuf dispersas de Norte a Sul do País. bleia de freguesia, nos mandatos de 1986/89 e 1990/93. Os órgãos que a compunham tiveram as designações: Foi membro da Assembleia Municipal do Barreiro em 1976/79. (A) CGT – Conselho Geral de Trabalhadores (B) CUT – Comissão Unidade de Trabalhadores A sua paixão pela escrita levou-o a colaborar, com os jor- (C) GT – Grupos de Trabalho nais, O Rio, Gazeta de Palmela e Jornal do Barreiro, com escritos de opinião. Em Dezembro de 1974 foi eleito para a CGT, secretário da mesa – tendo exercido a presidência na falta do presidenÉ autor de vários livros: “Topónimos da Freguesia do Alto te. do Seixalinho”, “Desportistas Ilustres da Freguesia do Alto do Seixalinho”, “O Meu Bairro” (Bairro das Palmeira), 1975 – Nomeado pelo CGT para a Comissão de Controlo “Monografia do Movimento Associativo da Freguesia do da Direção do G. D. da Cuf. Alto do Seixalinho”, e acerca da empresa CUF, “Peões no 1976 – De novo eleito para o CGT (220 membros) – RepreXadrez Imperial da Cuf”, e “Julgamento da Memória”. sentantes de 11 000 Trabalhadores. Escreveu ainda “C.U.F./QUIMIGAL, Antes e Depois de - Eleito para a CUT (22 membros) – O Executivo do FUNDiÇÃO 18


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- Eleito para o Secretariado da CUT (3 membros) - Escolhido Secretário Coordenador da CUT, ficando a tempo inteiro - Elaborou toda a estrutura da organização, definindo a atividade de cada membro da CUT e dos Grupos de Trabalhos. - Obteve junto da Administração a cedência da antiga sede do G.D.da Cuf para sede da CUT. - Negociou com a Administração a passagem do Boletim da Empresa para a administração e direção redatorial da CUT. - Negociou a entrega da direção da Casa de Cultura para a CUT depois de recuperado o edifício que foi o cinema Ginásio. - Obteve o financiamento por parte da empresa para o equipamento de trabalho da sede da CUT. - Redigiu as normas de funcionamento dos órgãos dos trabalhadores. 1977 – Eleito Presidente do CGT

1978 – Com a presidência do CGT, acumulou o de Coordenador da Comissão Intersindical dos delegados sindicais da empresa Cuf. 1979 – Criou o Boletim (com o Eng.º. Lince) do Grupo Desportivo da Cuf. 1995/03 – Membro da Comissão para as atividades desportivas do Barreiro. CAOJ foi um HOMEM que lutou incansavelmente pela Empresa CUF e pelos seus iguais. Aqui fica uma singela homenagem a um “amigo da idade madura” como ele me mimoseava. CAOJ, Carló como era mais conhecido, de seu nome Carlos Alberto Oliveira Jesus, faleceu aos 18 de Maio de 2014. Na reunião ordinária pública da Câmara Municipal do Barreiro, de 21 de Maio de 2014, foi aprovado, por unanimidade, um voto de pesar pelo falecimento do CAOJ, cujo texto é o seguinte;

Tendo aderido a um Partido Politico foi nomeado membro “Faleceu Carlos Alberto de Oliveira de Jesus (Carló), um do secretariado da Célula dos Trabalhadores da Cuf. barreirense de alma e coração, que no desporto, na literatura, no movimento associativo, na vida autárquica, digniNesta qualidade foi: ficou o Concelho do Barreiro”. -Coordenador político da CUT da empresa CUF; - Coordenador político dos militantes do sector têxtil; Esta a QUIMICA HUMANA que levedou uma empresa dos Quadros Técnicos; dos Portuários; dos empregados cuja base foi a QUIMICA INDUSTRIAL. de escritório da empresa.

A

Sobre a Abertura de Procedimento de Classificação de Património Construído da Companhia União Fabril/Quimigal

Direcção-Geral do Património Cultural, por despacho de 8 de Maio de 2017, decidiu abrir procedimento de classificação, depois de aprovado o Parecer da Secção do Património Arquitectónico e Arqueológico do Conselho de Cultura, datado de 3 de Maio de 2017. Integram este processo os seguintes edifício: Casa - Museu Alfredo da Silva; antigo Posto da GNR; edifícios da primeira geração Stinville (1907-1917); edifícios da antiga Central a Vapor; Armazém de Descarga e Moagem de Pirites; Bairro Operário de Santa Bárbara; Mausoléu de Alfredo da Silva; Silo de Sulfato de Amónio (1952); Silo de Enxofre (1960); Museu Industrial e Centro de Documentação (Antiga Central Diesel, 1928-1937).

A Associação congratula-se com esta decisão, embora lamente que seja tardia, dado que, como todos sabemos, muito património com valor e digno de classificação foi entretanto deitado abaixo.

derrubado, no entanto, reforçamos não nos parece impossível recupera-lo, ou deixar integrado na zona ajardinada o seu claustro devidamente consolidado.

Para esta Associação os edifícios Lamentamos e não concordamos a classificar são mais do que os com a decisão assumida por esta definidos no procedimento de mesma Direcção Geral relativa- abertura, e sobre este assunto remente ao edifício do Posto Médi- comendamos a leitura do Dossier co. Considerarmos que há, ainda e Central, inteiramente dedicado a apesar do estado, a possibilidade esta matéria. de o requalificar, por razões simbólicas/ valor do seu património Esperamos que este processo de imaterial e por razões de arquitec- classificação se efective em curto tura única no Concelho. espaço de tempo e que o do património ferroviário, que aguarda, Porém a decisão foi a de excluir há três anos, aprovação por esta este edifício “por adiantado esta- mesma Direcção-Geral, siga o do de degradação não o justificar”. mesmo caminho. De facto o edifício começou a ser Carla Marina Santos FUNDiÇÃO 19


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O Posto Médico da Cuf no Barreiro António Ferreira

Fotografia: Paulo De Feyter “Cada um dos bens do património cultural ou natural é único e o desaparecimento de um deles constitui uma perda definitiva e um empobrecimento irreversível desse património.” UNESCO

Com o objectivo de mobilizar e unir vontades no senti-

e farmácia privativa”. Salienta-se que esta farmácia, além do da defesa e da preservação do “Posto Médico da CUF”, de fornecedora de medicamentos, também os produzia e edifício inaugurado em 18 de Abril de 1943 na sequência distribuía aquando da sua escassez como no período pós da fundação da Caixa de Previdência do Pessoal da Com- 2ª guerra mundial. panhia União Fabril (CUF) e Empresas Associadas em 1940, em detrimento do projecto actual e das obras em curso Acresce a sua qualidade construtiva, materiais e estépromovidas pelo parque empresarial da Baía do Tejo que tica e todo o seu desenvolvimento formal em torno de prevê a sua demolição, foi promovida uma petição pú- um claustro que lhe proporciona luz interior e uma eficaz blica por um grupo de trabalho formado ad-hoc, à qual ventilação natural, obra arquitectónica de relevante quaaderiram cerca de 600 subscritores. Realizadas as forma- lidade. lidades procedimentais junto da Assembleia da República, foi realizada a Admissibilidade da Petição n.º 289/XIII (2.ª), Pretende-se que ao edifício seja dada uma utilidade cononde os signatários solicitaram a adoção de medidas com digna ao integrá-lo nos Polos Museológicos como a casa de Alfredo da Silva ou o Museu Industrial da Baía do Tejo, vista à defesa do posto médico da CUF, no Barreiro. sendo este no entanto um exemplar da obra social dedicaImporta referir que o Posto Médico da CUF, bem como do à saúde e bem-estar dos trabalhadores da CUF e seus o Centro de Medicina no Trabalho, faziam parte de um familiares.

projecto social mais vasto a que Alfredo da Silva chamou “A Obra Social da CUF” e cuja premissa visava prestar cuidados de saúde aos seus trabalhadores e familiares. Segundo Miguel de Sousa no livro “Alfredo da Silva a CUF e o Barreiro”, o posto médico era descrito como: “…naquilo que actualmente se poderia designar para efeitos práticos uma Policlínica, no sentido clássico do termo (…) a qual dispunha de capacidade instalada para radiologia, análises clínicas, exames especializados, enfermagem, tratamentos ortopédicos, fisioterapia, partos não-complicados FUNDiÇÃO 20

É importante que tenhamos uma palavra a dizer sobre o que queremos como património da nossa história, nomeadamente quando essa história se confunde e interliga com a do Barreiro e das suas gentes (naturais e de muitos que para aqui imigraram), que aqui trabalharam, lutaram, viveram, amaram e morreram. História que urge preservar porque aquele edifício tem “História e Estórias”. Assim, e considerando a importância que detém o con-


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Fotografia: Regina Maria Martins Dinis

junto formado pelo Bairro Operário, e os antigos edifícios em que funcionavam a Creche e Infantário, a Despensa Social, o Laboratório Central, o Refeitório n.º 1, o Refeitório da Messe e a Casa da Cultura, património indiscutivelmente único no país e testemunho de uma época que contribuiu de uma forma decisiva para o crescimento e história do Barreiro e do país, foi realizado Requerimento Inicial do Procedimento de Classificação de Bens Imóveis à Direcção Geral do Património Cultural, esperando a melhor atenção para este anseio que resulta da legítima vontade de preservação do edifício do “Posto Médico da CUF” e de um tecido urbano-industrial ligado a funções industriais de características únicas no país, mas que no entanto se entende ser possível revitalizar com funções compatíveis e com a consciência liberta de saudosismos, temos a convicção de que os seus primeiros Directores (Dr. António Pacheco Nobre e o Dr. Carlos França) igualmente concordariam ser um dever cívico lutar pela preservação daquele imóvel.

trial existente no complexo da Baía do Tejo, quando por sua iniciativa decidiram salvar da sucata muitas máquinas do sector têxtil aquando da reconversão da matéria-prima, da juta para a rafia. Com os poucos meios de que dispunham, por pura “paixão” fizeram o “Museu da Juta”, no qual as máquinas além de expostas trabalhavam e permitiam entender todo o ciclo de produção têxtil da juta. Ao visitarmos o actual museu industrial, entendemos assim o porquê do destaque dado ao sector têxtil do antigo complexo.

Infelizmente, a generalidade do complexo não teve esta atenção, quer por parte das sucessivas administrações que teve desde a sua nacionalização no ano de 1975 até à presente data, quer por parte da autarquia. Nunca se soube reconhecer, políticas à parte, o valor que o conjunto edificado do complexo encerra de diversos pontos de vista: económico, cultural e social. Trata-se de um caso único no panorama nacional que devidamente rentabilizado continuaria decerto a contribuir de forma decisiva para a Em 18 de maio de 2017, o grupo de trabalho teve a Au- economia local e nacional. Ao invés, a ideia tem sido limdição na 12.ª Comissão Parlamentar, onde o grupo de par de “construções obsoletas” um território apetecível trabalho pode expor aos deputados de todos os partidos pela sua localização. políticos, as razões porque devem proceder à Defesa do Posto Médico da CUF no Barreiro. Seguem-se as interven- Que dizer de um plano de urbanização que esquece todo ções respectivas. os valores arquitectónicos e patrimoniais presente em inúmeros edifícios no complexo, quando apenas idenIntervenção da Arquitecta Regina Dinis: Na Defesa tifica como edificado a manter na área do complexo os seguintes itens: Casa Museu e Mausoléu de Alfredo da do Posto Médico da CUF Silva, Bairro Operário de Santa Bárbara e quatro chaminés Em primeiro lugar gostaríamos de saudar a 12.ª Comis- industriais entre as quais a da Central Termoeléctrica do são Parlamentar e os seus membros, a Deputada Relatora Barreiro e da Amoníacos de Portugal. desta Petição N.º 289 XIII (2), os Srs. Deputados presentes, bem como a assessora desta Comissão: Maria Mesquite- Repare-se como até fica de fora o edifício do actual museu la, pela colaboração no esclarecimento cabal das dúvidas industrial, a antiga central diesel do complexo, bem como de um grupo de trabalho “novo” neste percurso cívico de a própria sede da empresa gestora do parque industrial (o antigo refeitório 3), a par com a antiga sede do grupo defesa patrimonial. desportivo, os edifícios construídos em tijolo de burro, datados do início do séc. XX, onde funcionaram os primeiros Apesar de “novos” neste percurso, o mesmo não se podeserviços administrativos da companhia - além de outros rá dizer da preocupação com o património industrial da cidade do Barreiro e particularmente com o património desta época espalhados por todo o complexo - diversos da CUF. No seio deste grupo estão dois membros que se edifícios de grande interesse industrial e com grande imencontram na génese da criação do actual museu indus- pacto na paisagem como a esfera de amoníaco, o silo do FUNDiÇÃO 21


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sulfato de amónio ou os silos da Nutasa, isto para não nos cingirmos apenas ao ameaçado edifício do Posto Médico. Importa referir que todo este património é público e pertença por isso de todos nós, na medida em que a sua tutela passou para o Estado e este é o único financiador da empresa Baía do Tejo pela participação que nela detém através da Parpública. São pois os impostos, que todos pagamos usados para a demolição de edifícios cujos diversos valores que em si encerram aconselhariam sensatamente a manter em benefício do país em geral e da cidade do Barreiro em particular e isto acontece pela perspectivação de uma nova “Expo’98” para este território, num cenário em que o envelhecimento e decréscimo populacional contrariam a criação de extensas manchas habitacionais como as defendidas pelo Plano de Urbanização da Quimiparque e Área Envolvente. A respeito deste plano de urbanização muito haveria ainda a dizer, mas o facto de não se encontrar em vigor é, por si só, um facto que justifica a anulação de todos os argumentos que têm sido usados contra o nosso grupo de trabalho. A cidade não se faz apenas com habitação, aliás uma cidade em que só exista habitação não é verdadeiramente uma cidade, mas um dormitório. O que estimula, diferencia e caracteriza uma cidade é o seu património, a sua história, as suas potencialidades endógenas e a sua actividade económica, o que é notório na cidade do Barreiro cujo grande crescimento se fez a partir das diversas actividades que soube acolher, graças sobretudo à sua localização geográfica e infra-estruturas que a serviam. Aqui se localizaram no período maior do seu crescimento: a indústria corticeira, ferroviária e química, sendo que só esta última empregava no seu auge 11 000 mil trabalhadores. Importa pois regressar ao dinamismo económico que caracterizou esta cidade. Para isso será sem sombra de dúvida o passado recente um dos seus maiores recursos. É FUNDiÇÃO 22

de atractivo.

necessário e urgente que se saiba aproveitar o grande fluxo turístico de que Portugal é alvo, e sobretudo a cidade de Lisboa. A 20 minutos, o Barreiro catapultado como a grande cidade industrial do país no seculo XX, seria certamente um grande atractivo turístico e uma forte alternativa ao turismo convencional, trazendo paulatinamente à cidade toda uma nova dinâmica económica e cultural, capaz de alavancar um crescimento populacional. A criação de uma rota industrial baseada no conceito de “museu vivo” com visitas aos diversos espaços industriais e edifícios complementares, que devem adquirir novos usos, utilizando por exemplo, as linhas ferroviárias existentes nestes espaços industriais constituiria decerto um gran-

Mas para cimentar e poder construir toda esta estratégia há que voltar ao património industrial, arquitectónico e arqueológico do Barreiro – que, a pouco e pouco, vai desaparecendo ou sendo entregue à degradação, tornando cada vez mais onerosa e complicada a sua recuperação – olhá-lo sem adjectivos e qualificações políticas e torná-lo parte da cidade em vez de o demolir para dar lugar a alamedas que levam a sítio nenhum e terminam num muro de 5 metros. É neste contexto que defendemos a preservação do edifício do Posto Médico da CUF, pelo grande contributo que ainda pode dar à cidade do Barreiro e que solicitamos a esta comissão recomendar aos seus responsáveis directos, a manutenção e reabilitação deste edifício. É neste contexto que desde o final do mês de Janeiro do presente ano nos debatemos pela preservação deste edifício e temos levado a efeito as mais diversas acções, Estas acções traduziram-se nas seguintes formas: Criação de uma petição pública que num espaço de um mês conseguiu 586 subscritores e nos deu a possibilidade de hoje aqui estarmos a apresentar a sua fundamentação; Contactos diversos com todos os meios de comunicação social de nível nacional, regional e local; Reuniões com a Câmara Municipal do Barreiro (Vereador do Urbanismo e Presidente da Câmara) e a Baía do Tejo; Criação de inúmeros documentos sobre a temática; Reunião com associações locais de defesa do património; Entrevistas com a comunicação social: Diário da Região, Antena 1, Público e RTP1; Propostas concretas como a Classificação do Posto Médico e de outros edifícios no complexo, apresentada à Direcção Geral do Património Cultural; Elaboração de uma proposta para a criação do Museu do Barreiro, apresentado ao presidente da Câmara Municipal do Barreiro ou de uma unidade de saúde ao grupo José de Mello Saúde. Regina Maria Martins Dinis


Indústria Quimica - Barreiro meiro lugar, o Posto Médico e de Higiene inaugurado em 1943 manifesta uma invulgar preocupação estética, não obstante tratar-se de um edifício utilitário, para cuidados de saúde, mais ainda, localizado em meio fabril. A sua feição exterior é austera, mas intemporal. A planta arquitectónica em claustro garante-lhe uma singularidade não apenas no contexto do parque industrial, mas à escala de todo o concelho do Barreiro. É, aliás, necessário, entrar no edifício para apreender todas as suas potencialidades arquitectónicas, como a generosa entrada de luz natural, as paredes revestidas de azulejos laváveis e a circulação do ar, que caracterizam as teorias higienistas seguidas no projecto, com uma organização espacial interna pensada de raiz para as especialidades clínicas que ali funcionaram até perto da década de 90.

Intervenção da Dr.ª Ana Lourenço Pinto: O Posto Médico da CUF no Barreiro A cidade do Barreiro forjou-se historicamente a partir da Indústria, que ainda hoje é a imagem que define este território, que o engrandece e projecta no caminho do Futuro. Com a implantação das Fábricas da Companhia União Fabril a Sul do Tejo, a partir de 1908, começa a expandir-se não só um projecto industrial e técnico ímpar, mas também uma estratégia de responsabilidade social inovadora, por parte de uma empresa privada em Portugal. E é sob esta visão integrada que nasce o Posto Médico, ao abrigo da criação da Caixa de Previdência do Pessoal da CUF e Empresas Associadas. O núcleo edificado que resulta da actividade desta Companhia no Barreiro traduz-se em edifícios de diferentes tipologias e funções, num valor de conjunto que os torna indissociáveis nesta narrativa, e em que a perda de um dos elementos compromete a leitura patrimonial do complexo fabril. A sua preservação atesta a vocação industrial do Barreiro. O Posto Médico assume-se como elemento fundamental na dignificação deste património, porquanto encerra em si vários níveis de interesse, destacando-se mesmo da maioria dos imóveis do conjunto. Passamos a expor os argumentos em que assenta esta afirmação, relativamente ao edifício em apreço: Em pri-

Por outro lado, o Posto Médico da CUF no Barreiro revela-nos a evolução técnica na prática construtiva no nosso País, na medida em que conjuga de forma harmoniosa materiais tradicionais de assinalável qualidade, como as cantarias, asnas e trabalhos de carpintaria (aduelas e guarda-vento), os envidraçados, o ferro forjado da imponente escadaria, as alvenarias de pedra e de tijolo-burro, ou telha de Marselha, com a aplicação de materiais industriais, como o betão armado. Não terá sido, pois, por acaso, que o técnico da Câmara Municipal do Barreiro que aprovou o projecto no ano da inauguração, o qualificou de “esplêndido”, numa adjectivação pouco comum em relatórios técnicos, mas que denota o impacto que a obra causou no seu tempo. No entanto, a mesma Autarquia e a empresa gestora, 74 anos volvidos, pugnam hoje pelo abate deste recurso patrimonial único no concelho, defendendo a manutenção de outros com muito menor expressão arquitectónica, como o antigo Posto da GNR das Fábricas. Os critérios técnicos que fundamentam o interesse patrimonial de devem prevalecer sobre decisões meramente políticas, de matriz partidária. Independentemente das interpretações que possa suscitar, o Posto Médico oferece um contributo relevante e singular na História da CUF no Barreiro, e este é um facto insofismável. O Posto Médico foi a Maternidade onde se estima terem nascido milhares de Barreirenses, fruto deste contexto histórico extraordinário, e que lhe consagra o estatuto de património afectivo para uma franja da população. O seu interesse arquitectónico, técnico, histórico e identitário afigura-se, assim, evidente. Apesar de parcialmente demolido, ainda se encontra recuperável. Se a empresa proprietária e a Autarquia não dispõem de meios para o restaurar, nesse caso a sua classificação ganha ainda mais sentido, na medida em que será um instrumento legal de canalização de financiamento para as obras que poderão devolver ao Barreiro este imóvel, convertido numa função útil à comunidade e à economia locais. 18 de Maio de 2017 Ana Lourenço Pinto FUNDiÇÃO 23


“As ruas da União e da CUF constituem pelo seu traçado e pela sua arquitectura-paisagem industrial, um bem patrimonial inestimável. É a imagem do “passar por dentro das fábricas” que todos os visitantes (potenciais turistas) referem e retêm!”


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