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FUNDiÇÃO

Nº 3 - SETEMBRO 2016 - ASSOCIAÇÃO BARREIRO PATRIMÓNIO MEMÓRIA E FUTURO

Património Cultura

Turismo e Desenvolvimento Dossier: O Centro Histórico Ferroviário do Barreiro


REVISTA FUNDiÇÃO Ficha tecnica BARREIRO Edição Nº3 Setembro 2016

Índice Editorial...............................................................Pag. 3

Dossier de Palavras-chave Património, Cultura e Turismo........................Pag. 4 e 5

Barreiro Turismo e Cultura De Alburrica à Ponta do Mexilhoeiro, sem esquecer a Quinta Braamcamp ................Pag.6 e 7 “Uma Viagem Inesquecivel”.............................Pag.8 e 9 Estuário do Tejo: Um mar oportunidades............Pag.10 Um Património Ferroviario Indossociavel............Pag.11 Lições de Mestre: Coleção colectiva.............Pag.20 e 21

Editor ASSOCIAÇÃO BARREIRO PATRIMÓNIO MEMÓRIA E FUTURO

Composição Gráfica e Fotografias José Encarnação Contactos: Espaço L Rua José Gomes Ferreira Antiga Estação Ferroviaria do Lavradio abpmf.patrimonio@gmail.com

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Pedra Filosofal....................................................Pag.19

Dos

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O Centro Histórico Ferroviário do Barreiro Barreiro a Cidade do Comboio....................Pag.12 a 18

Crónicas de uma Breve Viagem ao Barreiro Terceira Etapa: Coina..................................Pag.22 a 23


Editorial

Barreiro: Património, Cultura, Turismo e Desenvolvimento Com a presente edição da Revista Fundição pretendemos lançar uma ampla reflexão em torno da nossa história e património como campo de trabalho numa perspectiva futura de desenvolvimento do concelho.

O rico legado patrimonial do Barreiro pode e deve participar no processo global de desenvolvimento, respondendo a problemas de ordem social, cultural e económica. Património, Cultura, Turismo, Inovação e Desenvolvimento são conceitos que abordaremos no sentido de tornar mais clara a reflexão a realizar e de a alargar ao maior número de participações.(nota: ver rúbrica “Palavras Chave”) É na identidade inscrita no nosso património que nos reconhecemos colectivamente como iguais e nos diferenciamos dos restantes e, neste processo, fundimos o passado e o presente. Nós, como Associação, acreditamos que o nosso futuro se pode encontrar nesta “viagem “ colectiva. Porém, a realização deste objectivo só será possível com a participação dos barreirenses. Temos todos de assumir esta convicção de que é necessário que o nosso património não continue a deteriorar-se, não pereça, mas antes, se reabilite, se enriqueça, seja conhecido e desfrutado por todos, convertendo-se num elemento de desenvolvimento económico e social. Ao longo da revista encontrará propostas concretas que pretendem contribuir para objectivar este caminho futuro e que partem de um conceito chave de leitura territorial do Barreiro, que é o de paisagem cultural, ou seja uma leitura que assinala as marcas da acção humana, sobretudo as marcas das actividades laborais. Nesta perspectiva o nosso património deve ser encarado como um meio ao serviço do desenvolvimento do concelho e de todos os seus habitantes. Resta-nos desejar a todos (as) boas leituras e reflexões e pedir que nos enviem para: abpmf.patrimonio@gmail.com os vossos contributos. ASSOCIAÇÃO BARREIRO PATRIMÓNIO MEMÓRIA E FUTURO FUNDiÇÃO 3


Dossier de Palavras-chave

Património, Cultura e Turismo

O passado dá-nos o sentido de identidade, de pertença e

porque não devidamente conhecida.

a consciência de continuidade futura.

Estas rupturas criam desordem dado que promovem a O património cultural, tangível e intangível, é testemunho ausência dos valores simbólicos que permitem a identida criatividade humana e substrato da identidade dos po- ficação que a sociedade necessita, fazendo irromper uma vos. Este património constitui a nossa memória coletiva e nostalgia, um impulso imperativo de recuperação do pasé um dos instrumentos fundamentais do desenvolvimen- sado. to humano. Neste contexto o património é uma necessidade para a Está-lhe associado o conceito de identidade concebi- sociedade actual, dado que é através dele que os grupos da como um conjunto de referências diversificadas que e os indivíduos se encontram no espaço e no tempo, isto é permitem aos membros de uma comunidade reconhe- reencontram-se com as suas singularidades locais. cerem-se entre si e definirem-se por diferença e ou complementaridade relativamente aos membros de outras Esta necessidade de ordem social transformou-se numa componente essencial da indústria turística com implicacomunidades. ções económicas e sociais.

Identidade assumida diacrónica e sincronicamente como consciência de nós próprios e passo primordial para que saibamos traçar futuros valorizadores do território a que pertencemos e ao qual gostamos de pertencer.

O património pode ser, desta forma, um factor de criação de emprego e revitalização das economias locais, de conservação ambiental e criação de benefícios socio-económicos.

Esta é razão bastante para que queiramos inventariar e preservar os bens que nos identificam e distinguem, outras há como a responsabilidade de transmitir os nossos legados históricos às gerações futuras, ou ainda a importância de manter vivo um percurso como estimulo à criatividade no traçar de outros caminhos futuros.

O desafio que se coloca ao turismo e a outras áreas é o de utilizar os recursos patrimoniais numa perspectiva de desenvolvimento durável, assente em critérios de qualidade que resultem numa efectiva melhoria da qualidade de vida.

A partir do momento em que a comunidade começa a identificar e a valorizar o património cultural, este passa a ser reconhecido, protegido, revitalizado e transforma-se em ferramenta para o desenvolvimento local.

Para que se atinja esta finalidade toda a intervenção patrimonial deve ser desenvolvida a nível local e com a participação de todos os agentes culturais, dado que a descentralização é fundamento que promove um modelo de desenvolvimento global sustentável.

O património coletivo é o nosso capital social e por isso ferramenta de desenvolvimento e afirmação do Concelho do Barreiro e das suas gentes.

A Acção Cultural não pode continuar a ser concebida como um fenómeno isolado dos cidadãos e do próprio cenário em que se produz e desenvolve. É necessária uma articulação de esforços e competências que favoreçam a A recolha do passado, o seu estudo e divulgação, a sua reinvestigação, a conservação, a criação, a produção, a difucuperação e fruição são ações que integram um processo são, o impacto social deste património. cultural mais vasto de valorização de um território, das suas gentes e da cidadania. A memória coletiva é instrumento fundamental do desenvolvimento humano e hu- Num programa de incremento do turismo cultural, cultumanizador, potenciando um futuro mais participado, so- ra, património, turismo são três conceitos indissociáveis. A cultura e o património fundidos dão origem ao turismo. cialmente mais coeso e seguramente melhor. Através da criatividade é possível valorizar e proteger o Hoje as mudanças sociais produzem-se a uma velocida- património e torna-lo acessível ao público, promovendo de enorme, provocam descontinuidades temporais, nas a fruição cultural,também, pela via do turismo, uma das quais o passado passou a ser uma realidade estranha, indústrias mais importantes do 3º Milénio. FUNDiÇÃO 4


Dossier de Palavras-chave

Património Industrial

dros e Cristalinos de Coina, Barreiro, construção fomentada por D. João V (séc. XVIII) nos alvores da mecanização. Mas como podemos constatar muitos outros, para já não estudo e protecção do património industrial são muidizer quase todos os edifícios fabris do Barrreiro, se inteto recentes. Tiveram a sua origem na década de 50, em gram nesta área e podem ser classificados. Inglaterra, fruto da destruição de muitas fábricas, durante a 2º Guerra Mundial. Em Portugal esta preocupação surge, Nota: recomendamos, ainda, a leitura do 1º ponto do somente, em 1980, ligada à arqueologia industrial. O seu dossier especial sobre “Barreiro a Cidade do Comboio – objecto de estudo é múltiplo, integrando áreas produtivas O Centro Histórico Ferroviário do Barreiro”, no qual são e soluções construtivas. abordas estas palavras- chave e a de parque patrimonial que se nos afigura uma boa solução de enquadramento São património industrial os vestígios deixados pelas dos recursos patrimoniais do Barreiro, enquanto recursos industrias: têxtil, vidreira, cerâmica, metalúrgica ou funde desenvolvimento inovador. dição, química, papeleira, alimentar, extractiva - as minas, para além das obras públicas, dos transportes, das infraestruturas comerciais e portuárias, das habitações operárias, etc. Bem como os processos de produção e a maquinaria utilizada. uma atividade económica relacionada com eventos e viagens organizadas e direcionadas para o conhecimento Os edifícios industriais são os testemunhos mais próximos e visíveis. É uma área inter e multidisciplinar e por isso e lazer com elementos culturais, tais como: monumentos, é desejável o concurso de historiadores, arquitectos, en- complexos arquitetônicos ou símbolos de natureza hisgenheiros, patrimonialistas, arqueólogos no seu estudo e tórica e ambiental, além de eventos artísticos/culturais/ religiosos, educativos, informativos ou de natureza acadêinterpretação. mica.

O

Turismo cultural

É

De uma forma muito simplificada e breve podemos dizer que o património industrial trata dos vestígios técnicos- A atividade do turismo cultural pode ser subdividido em: industriais, dos equipamentos técnicos, dos edifícios e turismo de congresso; turismo científico; turismo religioprodutos, dos documentos de arquivo e da própria orga- so, turismo ambiental, entre outros. nização industrial. De entre os edifícios, classificados pela Direcção Geral do Património Cultural, encontramos a Real Fábrica de Vi-

Carla Marina Santos FUNDiÇÃO 5


Barreiro Turismo e Cultura

De Alburrica à Ponta do Mexilhoeiro, sem esquecer a Quinta Braamcamp

Visto do ar todo este espaço é de uma beleza deslumbran-

Em 1497 outro documento dá-nos a conhecer que a Ordem de Santiago recebeu de Bastião Dias e de sua mulher 24 te e única no País, moldada pela acção do homem, no resalqueires de trigo pela exploração anual do Moinho Novo, peito pelos equilíbrios ambientais. no Cabo de Pero Moço e esta é a referência mais antiga a Quatro caldeiras com os seus moinhos de maré, que foram, um moinho na zona, conhecido, hoje, pelo Moinho do Cabo, também, viveiros de peixe e antes marinhas de sal, uma de que só existe uma ruína. Este moinho possuía 4 pares de quinta onde se instala a Sociedade Nacional Corticeira, de- mós e posteriormente foi ampliado para o dobro. nominada Quinta do Braamcamp, a Ponta do Mexilhoeiro com a praia e as pontes dos Vapores do Tejo e Sado... e Al- Antes de 1652, surgem o Moinho Grande e o Pequeno, o -barriqâ, topónimo árabe, vulgo Alburrica, com os seus três primeiro com 7 casais de mós e o segundo com 3. O Moimoinhos de vento e uma história ligada à construção naval nho Gigante cessa a sua actividade moageira em 1892, quando nele se instala a Companhia da Fábrica da Serração, e à ponte fluvial dos Caminho-de-ferro do Sul. de D Orey Antunes e Cª, sendo apelidado de Moinho da Alburrica, que, na foz do rio Coina, nos entardeceres de sol Serração. Nos anos 20 do século passado, instala-se neste a firma Henry Burnay e Cª que moia e misturava diferentes honra o significado do seu nome “brilho, esplendor”. produtos de origem animal e passa a ser conhecido pelo Moinho do Burnay. O Moinho Pequeno de S. Roque, assim A ocupação deste espaço, entre Alburrica e a Ponta do Mexilhoeiro, remonta eventualmente ao neolítico, de acordo designado devido à proximidade com a Ermida de S, Roque, com os achados arqueológicos em pedra (furadores, pesos, hoje, Igreja da Nª Sª do Rosário, era no século XVIII propriemachados) e, também, é possível pensar em fixação lacus- dade da família Costa, tendo sido adquirido pela Câmara Municipal em 2002. Funcionou até ao princípio do século tre. XX, passando a ser armazém de produtos que chegavam em Na Idade Média existiriam salinas na zona que terão sido fragatas. convertidas em caldeiras dos moinhos de maré.

Voltamos à foz do Rio Coina, ou seja, a Alburrica, designação que conhecemos desde 1854, num pedido de licença para construção de barracões para guardar ferramentas necessárias aos trabalhos na praia de “Alborrica”, que, no século XV, era denominada Cabo de Pero Moço e em princípios do século XIX de Cabo da Lenha.

O Moinho do Braamcamp existia, na quinta com o mesmo nome, em meados do século XVIII, momento em que o seu proprietário, Vasco Lourenço Veloso o reconstrói por ter ficado muito danificado pelo Terramoto de 1755. É vendido em 1804 a Venceslau Braamcamp, Barão do Sobral que o ampliou de 7 para 10 pares de mós, sendo o maior do estuário do Tejo. Em 1884 volta a ser vendido a Robert Reynolds. Os irmãos Reynolds fundam em 1885 a Sociedade Nacional de Cortiças, na Quinta do Braamcamp, Ponta do Mexilhoeiro, fábrica que se manteve activa até 2009. Os terrenos desta quinta são, no momento actual, propriedade da Câmara Municipal.

A primeira referência conhecida ao sítio aparece em 11 de Fevereiro de 1487 numa Carta de Sesmaria assinada pelo Duque de Viseu, futuro Rei de Portugal, concedendo uns terrenos no Cabo de Pero Moço ao cavaleiro Pero de Barcelos, para nestes fazer marinhas de sal.

Esta quinta participa na história corticeira do Barreiro. História que se inicia poucos anos após a instalação do Caminho-de-ferro do Sul e Sueste, logo em 1865 abre o primeiro fabrico de rolha de cortiça no Barreiro, e em 1928 existiam mais de 40 fábricas de cortiça em prancha, quadros e rolhas,

O primeiro moinho a ser construído foi o Moinho do Cabo de Pêro Moço, em 1534, possuía 4 pares de mós e posteriormente foi ampliado para o dobro, hoje é conhecido somente por Moinho do Cabo.

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empregando 1/3 do total da população activa. Entre algumas das mais antigas podemos destacar: o Herold e Companhia que empregou mais de 700 operários; o Barreira e Companhia com mais de 500; a Sociedade Nacional de Cortiça com 260 trabalhadores. Durante as primeiras décadas do século XX abriram várias fábricas uma delas foi o I Granadeiro que se localizava no actual Parque da Cidade, onde se encontram, para memória, recuperados o Refeitório “ Edifício Américo Marinho” e uma das chaminés. Ao longo do século XX vamos assistir à lenta agonia destas fábricas, sendo a última a fechar a que se encontrava na Quinta do Braamcamp. Quanto aos Moinhos de Vento, estes eram 5, um deles ardeu por completo, era o maior de todos, com uma tecnologia altamente avançada e uma capacidade de farinhar largamente superior, designava-se por Moinho do Barão do Sobral (1819) e estava nos terrenos da Quinta Braamcamp. Os 4 restantes são propriedade da Câmara Municipal do Barreiro,os três que se encontram em Alburrica foram construídos pela família Costa, o quarto foi construído por Diogo Hartley . São designados por Gigante (1852),Nascente (1852), Poente (1852) e Moinhos do Jim (1827). Segundo o livro “Moinhos de Portugal”, que tem um capítulo dedicado ao Moinho Gigante, este será exemplar único no País. Em Alburrica, convivendo com os três moinhos de vento, encontramos vestígios de um estaleiro de construção naval do mestre Francisco Ferreira, que funcionou até meados do século passado e um dos últimos a construir embarcações de pesca à vela. Junto ao Moinho Pequeno existiram dois estaleiros o de João Esteves (1860) e o de Elias Ligorne (1870), bem como outros na Praia Norte e na Verderena. Muletas, fragatas, varinos, botes e bateis, bacalhoeiros faziam parte do quotidiano ribeirinho do Barreiro e do dia-a-dia das suas gentes. A pesca foi um modo de vida

importante que entrou em declínio com a proto-industrialização e sobretudo com a industrialização do Barreiro. A primeira dá-se com a construção dos vários moinhos de vento e a segunda com a instalação da Linha do Sul e Sueste, as Oficinas do Caminho-de-ferro e a CUF. De entre as actividades de pesca, destacamos a arte de pesca artesanal conhecida pelo cerco ou estacada, velha de muitos séculos. O cerco era armado na praia, entre Maio e Outubro, e consistia na montagem de redes em varas que se espetavam no rio durante a baixa-mar, eram levantadas e esticadas na preia-mar a bordo de uma embarcação especial, chamada a canoa das redes. Nesta breve abordagem à história e património desta zona falta-nos referir a existência, no Bico do Mexilhoeiro, da primeira e segunda pontes de atracagem da ligação Lisboa/Barreiro, no século XIX, designada por Ponte dos Vapores do Tejo e Sado. No alinhamento da EMEF, antes da construção da Estação Ferro-Fluvial do Barreiro, existiu, também, um caís de atracagem dos vapores da CP. Uma vez contada a história, embora muito sumariamente, interessa pensar na recuperação e reutilização e fruição deste espaço, como uma unidade, contemplando áreas diferenciadas como a cultural, a ambiental, a prática recreativa, a investigação, a actividade museológica, a criação de centros interactivos multimédia e de ciência viva, a actividade hoteleira... Sabendo que aqui se cruzaram actividades produtivas especializadas, das marinhas à piscicultura, da construção naval à cortiça, da moagem tradicional à moagem a vapor, sem esquecer que o espaço foi povoado de portos e portinhos, de estações fluviais e de embarcações típicas do Tejo, que nele a pesca teve papel relevante, parece-nos que qualquer intervenção tem de ter em conta esta história valorizando-a e transmitindo-a de forma activa, criativa, lúdica, geradora de emprego e favorecedora da investigação, contribuindo para o desenvolvimento sustentado da nossa terra. Carla Marina Santos FUNDiÇÃO 7


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“Uma Viagem Inesquecível ”

O calor intenso faz reverberar a atmosfera, um fenómeno físico curioso provocado pela tremenda irradiação do Sol em pleno Estio no Hemisfério Norte. Este fenómeno é mais conhecido por provocar as célebres miragens nos desertos.

Agosto de todos os contentamentos na Praia do Mexilhoeiro, um istmo de areia dourada e escaldante, apaziguada nas margens cobertas de salgadeiras, mergulhadas na água fresca e turva do lodo que os pés levantam nos esteiros do rio pleno, em hora de preia-mar. A vegetação nascida miraculosamente no meio salgado está rodeada de “salão” escorregadio, troços de argila negra que desfeita e moldada em pedaços, animava as brincadeiras com os filhos da família de pescadores, uma das últimas que nos meados da década de 50, vivia exclusivamente daquilo que o rio ia dando. - “Cada vez menos! - diz o pescador António “Gina”. - “Devido à poluição das fábricas que trouxeram o pão a muitos mas rouba-o a outros!” – acrescenta o convidado Armindo Trigueiro, que com a mulher e o filho petiz, veio fazer o “domingo de praia” na barraca tosca de madeira e chapa que o pescador construiu para a família numerosa.

ligando a energia à matéria (massa), multiplicada pelo quadrado da velocidade dos raios solares. Sabendo-se que a velocidade da luz é de 300 mil quilómetros por segundo, percebemos que da utilização desta aparentemente simples e fantástica fórmula, para o bem ou para o mal, depende o futuro da humanidade. É também graças a ela que sobrevivemos, com o calor e a luz da extraordinária fusão do combustível nuclear da nossa estrela - mãe, o Sol criador! Em última análise “o homem come o Sol!”, pois é este que garante toda a vida terrestre. O pescador, homem novo, sorri das piruetas da ganilha numerosa chapinhando na água alcançada aos saltos porque a areia queima a sola dos pés. Um convite inesperado foi recebido com entusiasmo: “Vamos dar um passeio até ao Seixal?!”. A luminosidade magnífica do astro-rei a caminhar lentamente para o ocaso quando a tarde cair, encadeia os olhos a piscarem da poalha de salmoura convertida em aerossol com a evaporação violenta e invisível da água superficial do leito aquietado.

O rio parece um lago, nem uma brisa ligeira empurra a vela do barco, uma canoa de quatro metros, que avanO almoço em piquenique numa sombra improvisada com ça lentamente com as remadas compassadas do António a vela do barquito, com o Sol tórrido e inclemente baten- pescador. do forte nos corpos franzinos, semi-nus, dos ganapos residentes, comendo com uma fome antiga e devoradora. Já a meio, a travessia da cala é acelerada porque da estaCaiu um silêncio telúrico sobre o Tejo que é agora um es- ção fluvial, um edifício distinto e impressivo com arquipelho de água agressivo, reflectindo os raios solares reful- tectura de Miguel Pais, inaugurado em 1884, situado a gentes que deixam manchas pretas nas íris descuidadas. poucas centenas de metros, acaba de partir o vapor da

carreira, o “Trás-os-Montes”, esguio, de proa comprida, A energia “sente-se” como um manto pesado de maté- fumegando negro das suas fornalhas a carvão. ria invisível que Albert Einstein relacionou na sua célebre Teoria da Relatividade Restrita, consubstanciada na mara- Com o “Alentejo”, algo parecido, e o “Évora” que já trabavilhosa e transcendente formulação matemática: E= m.c2, lha a fuel, constituem a tríade incansável de levar e trazer FUNDiÇÃO 8


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de e para a capital, dando um contributo importante para a economia da região. - Ó hop! Ó hop! Ó hop! – canta a moçada em galhofa alvoroçada, animando a conjugação de esforços dos dois adultos remando a compasso. Já se vê a terra de destino. A coluna de pedra emersa na entrada da baía do Seixal têm uma história curiosa, ligada à projectada construção da linha de comboio Barreiro/Cacilhas. Iniciada nos anos 30 do século XX, nunca chegou a ser concluída por falência dos construtores e por falta de visão estratégica dos decisores políticos do salazarismo.

Armindo há muito deixara de participar na beberragem que omnidibulava os cérebros e tentava convencer o pescador barreirense a regressarem: - Não tarda levanta-se a nortada fresca e a travessia complica-se. Com a miudagem é perigoso!... - Já vamos! Estou a conversar com estes “homes” que têm a mania! – António não tinha bom beber, empertigava-se . - A mania têm vocês, “Camarros”! Vêm “práqui” armados em espertos! – um dos interlocutores, mais “tocado”, mostrava-se agressivo e convocava a plateia.

Até o primeiro troço, com ligação por ponte ferroviária - O meu avô foi pescador da muleta, tá a ouvir! Você nem Barreiro/Seixal, foi perdido na década de 60, por inconfes- sabe o que era a muleta, calha bem! sáveis interesses da Siderurgia de António Champalimaud. - Ó home, vá-se embora! Atão a minha família andou toda Olhos curiosos dos poucos banhistas na praia junto ao cais nos barcos da muleta! Não querem lá ver, o gajo é teimo(há muitos na praia à entrada da baía, na outra margem!) so e cagão! acompanham o desembarque dos infantes bronzeados e temerosos, em terras desconhecidas. - Uma “granda” cagança têm vocês, “seixaleiros”! - Vamos ali à tasca da Baía beber um pirolito e cumpri- Iria durar mais uns tantos argumentos azedados pelos vamentar uns camaradas. pores etílicos a discussão à volta da pesca ancestral que uniu e rivalizou as duas localidades. Até que os miúdos Pirolitos bebia a moçada porque o pescador “Gina” paga- de calçãozito insuficiente convenceram o António de que va rodadas de tinto aos presentes na taberna, companhei- estavam com frio e fome. ros de fainas no rio-mar que a todos permitia a sobrevivência, sempre precária!... No regresso a nortada característica de fim de tarde de Agosto obrigava a navegação à bolina, com o barco a desA gaiatagem brincava no terreiro fronteiro limitado por cair de través e um cachão forte a bater na proa e a salcasinhas baixas de aspecto modesto, entre ruelas estrei- picar os cachopos agachados nos paneiros, encolhidos de tas, similares às da zona velha da terra natal. A paisagem frio e de receios. Não era a primeira viagem no rio, mas era familiar, a brincadeira animou-se. era a mais aventurosa. Quiçá inesquecível! A conversa à volta da pesca ia-se prolongando com mais rodadas que animavam os espíritos e as primeiras altercações teimosas.

ARMANDO TEIXEIRA

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Estuário do Tejo: Um Mar de Oportunidades Há uns anos atrás, os nossos governantes, num pro-

e cidades do Arco Ribeirinho. cesso que, na minha óptica, foi precoce, mal nego- Proporcionando-lhes ainda a fruição da nossa hosciado e nunca referendado, fizeram-nos aderir à CE. pitalidade e da nossa cultura. Da nossa gastronomia ribeirinha, da nossa música… do nosso fado. Entregaram de bandeja a nossa produção às potên- Esta foi há muito tempo a decisão de cidades com cias europeias, reduzindo-nos a um país produtor de Waterfronts. Amesterdão, Estocolmo, Helsínquia ou serviços. País de funcionários de libré, vendendo sol Veneza só para citar algumas, fazem-no com competência e óptimos resultados. e capilé. Pois bem, a natureza legou-nos um dos mais belos estuários do mundo. Amado por alfacinhas, camarros e outros cidadãos que com eles partilham esta Baía Mater.

Mesmo em Portugal, fazem-no já as cidades de Aveiro, Porto e até o Alqueva.

Desafio assim as Empresas e instituições presentes a organizarem-se e constituírem uma empresa de Turismo Fluvial que assegure percursos atraentes aos nossos turistas. Não só para mostrar a beleza natural que o nosso Espelho de Água encerra, mas diversificando a oferta, garantindo também o acesso ao património industrial e cultural tão abundante nas vilas

Assim o queiram os responsáveis do poder central e local bem como os operadores turísticos e empresas de transportes fluviais que aqui têm uma óptima oportunidade de potenciarem ou diversificarem as suas actividades.

Lisboa, a cidade das duas margens deve fazê-lo também. E nem precisa de mudar de nome como fizeram Então se fomos condenados a viver dos serviços, os de Buda e Peste ou como já alvitraram os de Porto saibamos aproveitar esta prenda da natureza, como e Gaia. vector estratégico de progresso e desenvolvimento aproveitando as suas belezas, os seus recantos, as Basta espraiar a vista, olhar mais longe e reparar suas penínsulas, ilhas e baías para mostrar aos turis- que aqui na Margem Sul há encantos que esperam a oportunidade de ser vistos. tas que nos visitam.

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Manuel Fernandes


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Um Património Ferroviário Indissociável

O telhado de chapa zincada da grande nave mostra o ne-

profundo e para o Algarve distante, em linhas e ramais ampliados, os comboios levaram e trouxeram gente, pasgro de fumo expelido ao longo de quase cem anos pelas máquinas a carvão, ainda ao serviço dos Caminhos-de- sante e/ou emigrante, alimentaram de matérias-primas a -ferro do Sul e Sueste, embora já estejam activas as loco- grande indústria química, levaram mercadorias e notícias motivas Diesel desde o início da década de 50 (o vapor só a metade de Portugal Continental. irá terminar em 1969). Os Caminhos-de-Ferro são uma imagem de marca do BarO majestoso edifício da estação ferro-fluvial é uma cons- reiro contemporâneo e da sua enorme vitalidade econótrução harmoniosa, autêntico ex-libris datado dos finais mica em todo o século XX. de século XIX (1884), edificado em conclusão do terminal, sob supervisão do engenheiro militar Miguel Pais, que Nas suas “excepcionais oficinas”, criadas logo em 1861, com 500 postos de trabalho, foram reparadas e mantidas deu nome à rua de acesso principal na vila. as locomotivas a vapor primeiro e depois as máquinas Diesel, das Séries 1100 a 1900, além de carruagens, vaO grande cavalo de ferro de negro pintado com elementos gõese outro material circulante. Foram assim batizadas a vermelho na chaminé fumarenta e os números de identificação em metal reluzente, deixa escapar tufos de vapor de “Catedral do Diesel” e como tal deverão continuar a com uma pressão que impressiona e afasta os curiosos. funcionar, uma “memória viva” enquanto aquele material Sinal indicador de que está pronta a partida para a caval- subsistir. gada do “pouca terra”, ao longo das planícies verdes da península de Setúbal, salpicadas aqui e além por tufos de As Oficinas Ferroviárias, a Estação Ferro-Fluvial, a Rotuncasinhas brancas e manchas castanhas de quintas e quin- da das Máquinas, o Bairro Ferroviário, Máquinas e Carruagens (parte significante), são Património Ferroviário inatais”. lienável na perspectiva da memória colectiva barreirense.

Esta imagem paradigmática dos comboios no Barreiro, ir-se-ia manter até aos finais do séc XX, não já com as locomotivas a vapor mas com as modernas e mais potentes máquinas Diesel e com as automotoras diesel - eléctricas NOHAB (a partir dos anos 50), que chegaram até aos primeiros anos do século XXI, quando da electrificação. Ao longo de quase 150 anos, em viagens para o Alentejo

São também património fruível no âmbito do turismo cultural e conjunto investigável na senda da evolução da economia industrial capitalista no século XX (englobando o espólio Químico-Industrial) que deveriam elevar o Barreiro à categoria de Património Nacional de Arqueologia Industrial.” Armando Teixeira FUNDiÇÃO 11


O Centro Histórico Ferroviário do Barreiro

Barreiro a Cidade do Comboio

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1. Património, Cultura, Turismo, Inovação e Desenvolvimento

Fotografia: Arq, CMB

contribuição específica e um valor seguro se devidamente entendido e utilizado.

A inovação referida ao património, nas suas diferentes A inovação constitui, no presente, uma das preocupações expressões e componentes, encontra-se precisamente na mais importantes para o desenvolvimento das sociedades, forma de promover a participação deste património no falamos, bem entendido, da inovação social como forma processo global de desenvolvimento através da contribuide encontrar novos caminhos para o desenvolvimento. ção que pode fornecer para a resolução de múltiplos problemas sociais e culturais. Com frequência a história é considerada como coisa do passado, como o contrário de inovação, impedida de dar Não se trata de mitificar o património como forma essenrespostas aos problemas do passado, do presente e a nocial de compreender o presente (o que também é certo), vos futuros. mas de promover uma utilização racional da sua presença no presente, coerente e integrada no processo de transTrata-se de um preconceito, originado numa visão fixista formação, no desenvolvimento da sociedade em termos e nostálgica de história, que impede de a ver como subsde exploração de novos recursos. tância da inovação, quando entendida de forma dinâmica, capaz de fornecer material para a inovação social a par.Esquecer o património, ou pior ainda, desvalorizá-lo e tir do seu conhecimento e interpretação. A história como rejeitá-lo por preconceito e por ser “coisa velha” (patriproduto cultural capaz de formar capacidade crítica no mónio são cacos, calhaus, ruínas, coisas enferrujadas) é presente e de participar como objecto no processo de tão prejudicial como a atitude de quem tem apenas da inovação. história uma memória nostálgica, ambas cometem um erro crasso que a comunidade pagará bem caro. O rasto objectivo da história de uma comunidade é traduzido em termos concretos pelo património material e Tudo o que enunciamos é particularmente pertinente no imaterial que dela perdura. que se refere ao Concelho do Barreiro, dado possuirmos uma história riquíssima que atravessa vários séculos e nos Como elemento central do desenvolvimento de uma dada afirma como protagonistas fundamentais do desenvolvicomunidade, o processo de inovação não deve marginamento do País, nomeadamente, no Período da Expansão lizar o património, porque é coisa do passado que se vai Portuguesa, passando pela extraordinária indústria moaesvaindo da memória local, mas pelo contrário, deve congeira que nos leva à proto-industrialização, e também sidera-lo como um campo a explorar positivamente, que pelo Complexo Ferroviário que abre as portas à industriapode, quando devidamente equacionado, oferecer uma lização e nela participa, sendo o Barreiro, neste âmbito, FUNDiÇÃO 12


O Centro Histórico Ferroviário do Barreiro

Fotografia: IAN LEECH

durante o século XX, o polo mais importante do País. Esta história, e em particular a do caminho-de-ferro no Barreiro, que mais adiante abordaremos de forma mais pormenorizada, se bem que sintética, ainda hoje, se encontra plasmada em estruturas físicas, maquinaria e material circulante, tradições e memórias que, apesar de se irem degradando no primeiro caso e desvanecendo no segundo, devem constituir material de que se deve servir a visão inovadora da evolução do Concelho, revalorizando o que existe e fazendo reviver o que ainda é possível recuperar e ou reutilizar.

o eixo do projecto os recursos patrimoniais materiais e imateriais ainda existentes e todos os que se delapidaram mas que se possam recuperar.

Os diferentes trabalhos de investigação indicam que os Parques Patrimoniais têm um futuro promissor enquanto instrumentos de projecto e gestão territorial, caldeados com princípios de um desenvolvimento sustentável e, são um conceito inovador na área da preservação cultural, encarando os valores patrimoniais como activos geradores de emprego, dinamizadores da economia, valorizadores da auto-estima das populações autóctones e da afirmação identitária do território. São, ainda, motores da economia Desta forma, o património não pode continuar a ser consi- à escala local e regional, através da criação de parcerias derado como coisa do passado, que já nada diz às pessoas, público-privadas e de ligações institucionais fortes. Estes e a que só uns intelectuais à “cata” de memórias perdidas Parques juntam às dimensões do recreio e do consumo a na bruma dos tempos, prestam atenção. Pelo contrário, do desenvolvimento da cidadania. este legado constitui um campo de utilização, simultaneamente, ao serviço da população e do desenvolvimento do Enquanto destino turístico, os Parques Patrimoniais aposconcelho. tam fortemente na imagem, no marketing e na internet como meios de posicionamento e inserem-se num segOs bens patrimoniais materiais e imateriais do Concelho mento de mercado em expansão. De uma forma geral, recomendam uma leitura territorial de paisagem cultural, requerem menos urbanização, menos edificado e menos que assinale as marcas da acção humana, sobretudo o infraestrutura viária, pressupondo menores impactos amque resulta de um trabalho e de uma produção especiali- bientais adversos, inserindo-se na lógica de turismo suszadas que atravessam séculos da nossa história. tentável. Os bens patrimoniais materiais e imateriais do Barreiro adequam-se ao conceito de Parque Patrimonial, onde se podem aliar estudos científicos com preservação natural e patrimonial e intuitos lúdicos, pedagógicos, sociais, científicos, culturais e turísticos. O território pode ser revalorizado e revitalizado como paisagem cultural urbana, sendo

Áreas de análise como: temas, públicos-alvo e comunidade; funções, modelos e impactos, localização e infraestruturas; modelo de gestão e dimensões imateriais, são parte integrante de um estudo a desenvolver, tendo em conta três dimensões- a preservação dos recursos, o desenvolvimento local e a ética no que se refere ao retorno e à FUNDiÇÃO 13


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partilha.

tem vindo a colocar o problema da ocupação dos tempos livres de lazer e o aumento da mobilidade ligada ao Os Parques Patrimoniais são, ao nível da gestão das pai- turismo. sagens culturais, ou paisagens vivas e evolutivas, como as designa a UNESCO, o que de mais avançado se pode Por um lado, sector do turismo é um dos mais importanrealizar. tes da economia portuguesa, podendo contribuir para a correcção de desequilíbrios estruturais regionais, por Referimo-nos a Parques Patrimoniais e não os Parques Te- outro a evolução das necessidades, expectativas e commáticos, por razões bem concretas resultantes de vários portamentos dos indivíduos tem vindo, com as suas alteestudos que têm sido realizados, particularmente, na Eu- rações, a exigir a oferta de novos produtos turísticos, a ropa, espaço onde a revitalização económica de áreas em conjugação destas premissas leva-nos a afirmar a necessideclínio tem apostado neste último modelo. dade de apostar na inovação da oferta turística de âmbito cultural como estratégia de desenvolvimento local, regioEstudos que levantam algumas questões e não recomen- nal e nacional. dam os Parques Temáticos por que embora sejam locais de desenvolvimento urbano, ligados ao consumo, gera- O turismo cultural compreende eventos, actividades e exdores de emprego, contudo na maioria esse emprego é periências culturais e pressupõe o usufruto e interpretaprecário e sazonal; os bens consumíveis são na sua maio- ção de bens patrimoniais, testemunhos de uma história e ria importados e os lucros gerados são benefício exclusivo identidade com carácter singular, que o Barreiro possui e das grandes corporações, proprietárias dos parques, com tem urgência em salvaguardar. sedes em destinos bem distantes; a proposta consumista oferecida pelos parques temáticos é estereotipada e 2. O Caminho-de-ferro e o Barreiro Moderno massificadora; acarretam impactos ambientais adversos importantes, que têm início nos gigantes movimentos de O Caminho-de-ferro vem diversificar e reforçar as boas terras na sua construção e durante a sua exploração com acessibilidades fluviais, levando mais longe a nossa lia produção de resíduos e emissões de gases de efeito de gação a Sul do Tejo, conferindo ao Concelho uma maior estufa. centralidade no território que, hoje, designamos por Área Do nosso ponto de vista, as intervenções a realizar na área do Centro Histórico Ferroviário devem ter em conta este conceito de Parque Patrimonial, para que seja possível a sua integração, num futuro Parque Patrimonial do Concelho que, na nossa perspectiva deveria abarcar integralmente o espaço ribeirinho entre o Tejo e o Coina. À escala mundial, o desenvolvimento sócio-económico FUNDiÇÃO 14

Metropolitana de Lisboa.

Está, desta forma, aberto o caminho ao processo de industrialização e simultaneamente a um desenvolvimento vertiginoso do ponto de vista urbanístico e demográfico - as quintas dão lugar às fábricas e aos bairros. Três momentos marcam este processo: abertura da Linha do Sul e Sueste e Oficinas do Caminho-de-ferro, instalação da in-


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dústria corticeira e da Companhia União Fabril.

um importante património material: Oficinas Gerais e primeira Estação Ferroviária, Rotunda das Locomotivas, Estação Ferro-Fluvial, Armazém Regional, Armazém dos Despachos, Telheiros de Mercadorias e Caís da Cortiça, Ramal Industrial da CUF, Estação Barreiro-A, Estação e Conjunto Ferroviário do Lavradio, Armazém de Víveres, Ponte do Bairro das Palmeiras, Bairro Operário, Bairro da Linha do Seixal, Palácio Coimbra.

Durante muitos anos acorrem à vila, expressivamente denominada de “Brasil em miniatura”, pelo jornal “O Eco do Barreiro”, de 4 de Outubro de 1930, trabalhadores, famílias inteiras, vindos de todo o país em busca do pão e do sonho por uma vida melhor. Gente, na sua maioria, de língua igual e falas várias a que a vila se acostuma e aglutina, compondo um perfil de diversidade cultural e solidariedade quotidiana expressa na forte rede associativa. Um importante património ligado ao associativismo ferroviário: Associação Humanitária dos Bombeiros VolunDesta rede destacamos as associações de classe dos fer- tários do Sul e Sueste, Instituto dos Ferroviários do Sul e roviários, uma notável rede de associações humanitárias, Sueste e material circulante, maquinaria oficinal e ferranas quais os ferroviários são verdadeiros precursores: os mentas, um importante guindaste… Bombeiros Voluntários do Sul e Sueste (1894), o “Armazém de Consumo” da Caixa de Socorros Mútuos do Cami- E, também, nos resta um património imaterial plasmado nho de Ferro (1896), a “Cooperativa de Consumo” (1913), nas vivências de muitos barreirenses e particularmente a Casa do Ferroviário (1922), o Instituto dos Ferroviários de ferroviários que nos podem ajudar a reconstituir os (1927). processos técnicos, a sua aprendizagem, o valor económico do trabalho produzido, as socializações nos espaços de Há 150 anos o comboio representou a modernidade, re- lazer, solidariedade, família, trabalho e luta. volucionou os transportes e as mentalidades, criou uma classe de ferroviários, hierarquizada, distribuída por múl- 3.Barreiro Cidade do Comboio tiplas profissões novas, com um saber-fazer novo transmitido de geração em geração, muitas vezes dentro do Como verificamos, o transporte ferroviário e o complemesmo grupo familiar. xo oficinal que constituem o Centro Histórico Ferroviário do Barreiro foram motores do desenvolvimento industrial Uma classe consciente do seu progresso pessoal e social, desde meados do século XIX, até ao final do século XX. consciente dos seus direitos e deveres e do contributo Sem o caminho-de-ferro o Barreiro não teria sido um dos dado ao desenvolvimento da terra, que já era sua. mais importantes polos da industrialização da Península Ibérica. O Caminho-de-ferro é motor do Barreiro Contemporâneo e, durante mais de 100 anos, tem sido uma das bases do O Complexo Industrial Ferroviário dinamizou a vida social, seu desenvolvimento. cultural e económica do Barreiro, sendo, no período entre Deste Complexo Industrial Ferroviário, ainda, nos resta 1950 e 2000, uma referência a nível Europeu, sobretudo FUNDiÇÃO 15


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na área da tração diesel. A sua Escola de Aprendizes for- ma para a afirmação e o desenvolvimento do Concelho e mou durante décadas uma mão-de-obra altamente capa- respondendo ao conceito “Barreiro Cidade do Comboio”. citada e desenvolveu e aperfeiçoou uma cultura tecnológica reconhecida nacional e internacionalmente. 4. Vectores de Transformação e DesenvolviA história do Barreiro está intimamente ligada ao património edificado e ao material circulante ferroviário. Do Barreiro partiram os primeiros comboios que chegaram ao Alentejo profundo e ao Algarve. O Barreiro encabeçava todas as linhas e ramais a Sul do Tejo e foi, desde cedo, o principal depósito de todas as locomotivas que, nestas linhas, circulavam.

mento e Objectivos da Acção a Desenvolver

De seguida explicitamos os vectores que consideramos essenciais, como contributo do Centro Ferroviário do Barreiro, para transformação e desenvolvimento do Concelho:

A concepção de tourings culturais e paisagísticos a partir do Barreiro em articulação com outras regiões, nomeadamente o Alentejo, no quadro da valorização local e regioAqui se assiste ao culminar da era do vapor com a presennal, e dentro do complexo ferroviário. ça das mais potentes máquinas de ferro que circulavam no Sul e Sueste. A preservação do património material e imaterial através de áreas museológicas vivas e dinâmicas com actividades No início dos anos 60 chega o diesel e, até ao presente, complementares de carácter físico, pedagógico, cultural esta é a sua casa. Nas oficinas deste Complexo Industrial nos vários domínios artísticos, bem como a criação de bolFerroviário foram realizadas as reparações de todo este sas de investigação histórica. tipo de material existente no País. A criação de cursos de formação de reparação e restauAinda hoje, Barreiro é considerado, no meio ferroviário, ro do material circulante, apoiado nas actuais oficinas, e como a “Catedral do Diesel” de cursos superiores, mestrados, doutoramentos e investigação ligados aos transportes, através da criação, no O Barreiro dispõe de um activo, com valor patrimonial Concelho, de um Polo Universitário ligado ao transporte material e imaterial que responde às necessidades de afirferroviário, entre outros, e às suas possíveis evoluções no mação cultural, social das gentes do Barreiro e responde, competitivo mercado dos transportes, mantendo a iminequivocamente à estratégia de desenvolvimento Barreiportância e a centralidade do Barreiro nesta área. ro 2030. Definimos como objectivos para a acção que propomos A finalidade é a de preservar, valorizar, e dinamizar o que seja desenvolvida, e para a qual nos disponibilizamos Complexo Ferroviário do Barreiro, transformando-o numa com o nosso conhecimento e os estudos que fomos realireferência museológica, científica, cultural e turística inozando, fruto do nosso empenho nesta área e da convicção vadora a nível nacional e europeu, contribuindo desta forFUNDiÇÃO 16


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da importância nacional e internacional da nossa história e património e, principalmente, do papel decisivo que esta história e património têm para o progresso do nosso Concelho, os seguintes: Divulgar o Património Nacional Ferroviário existente a nível local e nacional.

significativo, e de forma faseada - Oficinas Gerais e primeira Estação Ferroviária, Rotunda das Locomotivas, Estação Ferro-Fluvial, Armazém Regional, Armazém dos Despachos, Telheiros de Mercadorias e Caís da Cortiça, Ramal Industrial da CUF, Estação Barreiro-A, Estação e Conjunto Ferroviário do Lavradio, Armazém de Víveres, Ponte do Bairro das Palmeiras, Bairro Operário, Bairro da Linha do . Criar produtos inovadores na área do turismo cultural, Seixal, Palácio Coimbra. designadamente o touring. .Criação de um Centro Técnico de Conhecimento e Apren. Dinamizar o Concelho do Barreiro, contribuindo para o dizagem capaz de realizar operações de restauro e preserseu desenvolvimento e afirmação cultural e científica, e vação do material circulante, ministrar cursos nesta área, para a criação de emprego, através do turismo sustentá- bem como alargar a sua formação e realizar manutenção vel. nos comboios elétricos, antevendo a sua utilização museológica futura e, por conseguinte, as necessidades de . Criar e afirmar a Marca Barreiro Cidade do Comboio. manutenção, resposta que pode estender-se ao nível nacional.

5. Propostas de Acções Concretas

. Cativação de espaços a preservar para actividades diTodas as acções devem de ser devidamente ponderadas versas ligadas ao turismo cultural e actividades culturais, tendo em conta três dimensões: a preservação dos recur- científicas e pedagógicas. sos materiais, imateriais e naturais, o desenvolvimento local, o respeito pela paisagem cultural, ou paisagem viva .Incorporação de uma coleção de material circulante, apto e evolutiva, e uma gestão democrática e participada em a circular na Rede Ferroviária Nacional, ligada ao diesel, na Rotunda das Máquinas. todas as suas fases. . Criação de uma Rede de Parcerias que garantam o concurso dos vários organismos governativos a nível local, regional, nacional e europeu, da indústria turística, de empresas privadas e públicas, de universidades, de associações e outras organizações.

.Criação de um pequeno circuito entre as extremidades do Complexo, servido por uma automotora de baixo custo.

. Criação de Tourings Culturais e Paisagísticos, em articulação com outras Regiões do País, designadamente o Alentejo e criação do Touring experimental “Do Tejo ao Sado”, . Realização de estudo global do projecto, a sua viabilidade entre Barreiro e Alcácer do Sal, passeio ribeirinho. económica e as necessidades de marketing. Recuperação e valorização do património material mais . Concepção de um centro interpretativo que descrevenFUNDiÇÃO 17


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do a história do Caminho-de-Ferro no Barreiro, a contex- actividades, na duração temporal e na época do ano, que tualize na história do Barreiro e na dos Rios Tejo e Coina, permitem experiências adaptadas. para funcionar na Estação Ferro-Fluvial. A nossa proposta pretende contribuir para a criação de um produto que ancorado numa visão estratégica de tu. Cativação de um caís de embarque para passeios turísti- rismo a partir de um património de grande interesse local, cos e ambientais que se articulem com os tourings e pos- nacional e internacional e podendo, ainda, criar sinergias sibilitem que o Barreiro desempenhe a função de centro com outros locais e explorar na vertente do turismo paiorganizador do conhecimento tutístico do Sul de Portugal, sagístico através do Touring, permita o desenvolvimento através do comboio. integral do Concelho reafirmando o Barreiro como Cidade do Comboio no presente e no futuro, nos domínios . Integração de um hotel que tenha a valência de centro da cultura, da ciência, do turismo cultural e da criação de de congressos. emprego. . Localização de um posto de turismo.

Tudo isto realizado a partir da adequação entre preservação patrimonial, desenvolvimento e turismo cultural, liga. Instalação de um centro internacional de convívio ferro- do ao conceito de Turismo Sustentável, surgido em 1992, viário, com valências de recuperação, convívio, exposição, na Cimeira da Terra do Rio de Janeiro, e que se traduz venda e troca de colecções, no Armazém de Víveres. como turismo ecológico, ético e socialmente equitativo para as comunidades locais, exigindo integração no meio . Instalação, num dos edifícios, de um núcleo sobre o Bar- ambiente natural, cultural e humano. reiro Contemporâneo: memórias de trabalho, solidariedade e resistência. A criação de Rotas Ferroviárias Turísticas enquadra-se nesta perspectiva de turismo sustentável, é inovadora turisticamente, responde a necessidades de desenvolvimento e 6. Conclusão afirmação, permite a criação de postos de trabalho. Desde 1841 que o comboio integra a actividade turística moderna, com a excursão organizada por Thomas Cook, No seu todo o projecto dá resposta a carências de ordem social, de inovação cultural e científica a nível nacional e (primeiro agente de viagens) destinada a congressistas. como tal deve ser defendido e submetido ao concurso a Fundos Comunitários. O Caminho-de-ferro como produto turístico permite a contemplação de todos os seus bens patrimoniais, com ofertas muito diversificadas e diferenciadas, destinadas a uma procura actual variada nos temas de interesse, nas

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Carla Marina Santos José Encarnação


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Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho

é uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, como este ribeiro manso em serenos sobressaltos, como estes pinheiros altos que em verde e oiro se agitam, como estas aves que gritam em bebedeiras de azul. eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma, é fermento, bichinho álacre e sedento, de focinho pontiagudo, que fossa através de tudo num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel, base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral, pináculo de catedral, contraponto, sinfonia, máscara grega, magia, que é retorta de alquimista, mapa do mundo distante, rosa-dos-ventos, Infante, caravela quinhentista, que é cabo da Boa Esperança, ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor, passo de dança, Colombina e Arlequim, passarola voadora, pára-raios, locomotiva, barco de proa festiva, alto-forno, geradora, cisão do átomo, radar, ultra-som, televisão, desembarque em foguetão na superfície lunar. Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança

como bola colorida entre as mãos de uma criança. In Movimento Perpétuo, 1956 António Gedeão

A nossa cidade do Barreiro em tempos foi um importante e reconhecido pólo moageiro, industrial e corticeiro no país. Chegou o desenvolvimento, as crises, a revolução, e a cidade assim como as pessoas alteraram-se e adaptaram-se às novas realidades que foram trazidas pelos ventos de mudança. Os moinhos deixaram de funcionar, com as várias alterações de politicas e de hábitos que se foram instalando na nossa sociedade. A indústria saiu da cidade, alguma dela para paragens bem distantes, deixando os filhos da terra ao abandono, outras desaparecem por não se conseguir acompanhar o rápido desenvolvimento da sociedade. A cortiça que vinha do sul do país, romou a outras paragens, voltou as costas à cidade que a inicialmente acolheu. Ficámos assim, durante muitos anos, com uma cidade que deixou de ter ligações diretas de comboio ao sul e acabou por ficar entregue a uma morte suave e lenta. Hoje em dia a forma de pensar a cidade alterou-se. Começamos a ver o que temos de bom e de potencial que podemos desenvolver e envolver a comunidade para criar essa mais valia. Já temos roteiros turísticos com bastante interesse, que são de um potencial imenso num futuro não muito distante, podem alavancar o Barreiro para o desenvolvimento novamente, preparando-o para abraçar o futuro de uma forma sustentável, dinâmica e trazendo e dando a conhecer as suas glórias do passado. Susana Gomes Nené

Fotografias: Arq, CMB, CML e Augusto Cabrita

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Barreiro Turismo e Cultural

Lições de Mestre: Coleção colectiva

Há uns tempos atrás, aquando de uma visita ao Espaço L comprei um bilhete postal com a foto de uma locomotiva.

de um livro, um bilhete postal ou um bloco filatélico, os quais, em seu agradável arranjo, em sua estrutura é variedade, nos falam de beleza, encanto, e cada objecto que tanto desejamos é, de facto um atributo daquilo que desejamos.

Em casa, para o guardar, procurei um livro, que em tempos me ofereceram, sobre "A história dos camiEntão, se desejamos, porque não juntar, guardar, ornhos de ferro portugueses". ganizar, selecionar, mesmo trocar e também mostrar, Dentro do livro tinha colocado um bloco filatélico de expor. Isto é colecionar. Moçambique alusivo aos comboios, que em destaÉ muito vasto o mundo do colecionismo . que, para além de um comboio, tinha um leão.

Oferta, concerteza de um dos meus, pois digo sem- Mas "colecionar não é juntar um monte de coisas". "A colecção precisa ter um recorte temático" pre ser um dedicado adepto leonino. "Quanto menos coisas iguais, melhor", dizem. Coincidência foi o caso de um mesmo tema - com- E é assim porquê?

boios - dar a hipótese de juntar três objectos difeOs colecionadores, alguns claro, tem uma comporentes. nente obsessiva, querem tudo é só para eles.

Gosto de colecionar, melhor juntar, guardar, algumas coisas, sobretudo tudo o que se relaciona com o Bar- Há dias um periglicofilo dizia-me que já tinha vinte reiro, minha terra natal, mas os comboios ainda não mil pacotes de açúcar, mas que havia no Barreiro me tinham chamado a atenção. Hoje tenho dezenas quem tivesse muitos mais. de selos com este item. Um colecionador é um apaixonado, não pode ser um Um mundo diferente, significativo, ordenado, pode- obsessivo.

-nos falar a partir de coisas humildes, como no caso, FUNDiÇÃO 20


Barreiro Turismo e Cultural

O Espaço L, por ser um espaço ferroviário, era uma antiga estação no Lavradio, tem, naturalmente, mui- É um espaço participativo, veja-se o exemplo, o estos objectos relacionados com os comboios. forço e dedicação de muitos associativos que lá vão, veja-se a participação de tantos voluntários no Dia B, Aqui a coleção, se assim se pode chamar, toma um veja-se a doação de ferroviários dos objectos que lá outro aspecto. Poder-se-á dizer que é uma coleção estão. colectiva, no sentido que é de todos e está exposta Terá que ser um espaço educativo, aberto às escolas, para que todos usufruam dela. aberto á população. Um outro aspecto para mim importante. O Espaço Este património tem de ser preservado. L deve ser um espaço de cultura, como já o é, participativo, visitável, sobretudo por crianças em idade Noutros artigos que escrevi procurei que outros fosescolar.. sem os Mestres. Recordo com saudade, Patacas e Quaresma, ilustres barreirenses, José Saramago, ilusCom os objectos lá existentes, devidamente classi- tre escritor português, que provocou ondas de culficados e ordenados, não em modo de museu, mas tura no Barreiro, ou a ilustre desconhecida que viade coleção colectiva, as crianças poderiam aprender, jou comigo na Linha do Sado, ou ainda Ionescu que não só a colecionar, mas consequentemente a apren- escreveu a peça de teatro "lição de mestre" que me der a separar por item, a classificar, a ordenar, a guar- inspirou estes artigos. dar coisas do seu interesse. Parece que hoje quis ser eu o mestre. Os pais e os professores têm aqui um papel muito importante. É apenas uma ilusão, não o que desejei. Também o Espaço L com as associações barreirenses lá sediadas, tem inúmeros ensinamentos a dar.

Nuno Soares

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Crónicas de uma Breve Viagem ao Barreiro

Crónicas de uma Breve Viagem ao Barreiro Terceira Etapa: Coina Colocámos na nossa conversa anterior um conjunto de interrogações que, pela sua importância, gostaríamos de retomar. Julgamos que temos todos de percorrer um longo caminho de aprendizagem sobre a nossa história e identidade, sobre as responsabilidades de cada organismo e instituição na salvaguarda dos nossos bens materiais e imateriais e ainda sobre os mecanismos de exercício dos nossos deveres e direitos de cidadãos e do nosso trabalho em comunidade. Conhecer parte significativa da nossa história é imprescindível para a compreensão do nosso presente e dos contornos da nossa identidade. A nossa memória colectiva é instrumento fundamental do nosso desenvolvimento integral. Saberá calcetar melhor quem aprendeu a arte de calcetar. A participação não é um acto cego, implica trabalho prévio sobre o assunto ou assuntos sobre os quais queremos fazer ouvir a nossa voz, dar o nosso contributo. Também não é um acto de individualismo, embora neste se afirme a cidadania. É um acto complexo porque implica ouvir e compreender os outros e os seus diferentes pontos de vista, harmonizar vontades, encontrar os caminhos mais significativos e de maior afirmação da comunidade. É por isso também um acto de cedência, mas terá de ser sempre de cedência esclarecida. Sem mais delongas, comecemos a terceira etapa dedicada a Coina. Em 1516, D. Manuel I, através do foral novo de Coina, vem clarificar os poderes dados ao Mosteiro de Todos os Santos, relativamente à administração deste espaço, revalidando o compromisso firmado em 1346.Coina e o Barreiro são as únicas freguesias que pertencem hoje ao Concelho a receberem foral, o que mostra a sua importância. Em 1328, sinal da intensidade do tráfego fluvial, entre Coina e Lisboa, há notícia da existência de um porto das barcas do Coina, na Ribeira Lisboeta. FUNDiÇÃO 22


Crónicas de uma Breve Viagem ao Barreiro

O Sapal do rio Coina: É um dos ecosistemas mais produtivos. Terra alagadiça, à beira rio, que dá casa e alimento a uma grande variedade de espécies. A título de exemplo, e só no que diz respeito às aves, entre outras, podemos ver habitualmente flamingos, garças reais e boeiras, gaivotas, corvos marinhos, patos reais..

A Quinta de São Vicente ou do Manique: Foi adquirida por Manuel Martins Gomes Júnior, nascido em

Stº António (1860), filho de gente humilde. Republicano convicto, acérrimo defensor da instrução pública. Desenvolveu actividades ligadas à agricultura na Quinta do Manique, onde começa a construção da famosa Torre. Fundou a Companhia da Agricultura de Portugal e foi criador de gado. Ficou conhecido como Martins de Coina, Martins das Carnes e “Rei do Lixo” - por causa da indústria de adubo animal que instalou em Coina com os lixos recolhidos na Capital. FUNDiÇÃO 23


Proxima edição: O Património Moageiro


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