Só Mais Algumas Flores: contos e poemas ilustrados | BIPAC 2021

Page 1

Só mais algumas flores

Contos e poemas ilustrados

Giovana Lucas

Apoio cultural:

Índice

Prólogo

Seção 1 - Algumas flores de vaso (poemas)

Entre flores e sketches Momentinhos Minha vida, mais que jardim Lista de compras Quando a madrugada se faz manhã Sinopse de um amor sem verbos (conto) Petúnia

...................................................................................................................................... p. 05 .............................................................................. p. 06 ................................................................................... p. 07 ....................................................................................................... p. 08 ...................................................................... p. 09 ................................................................................................ p. 11 ...................................................... p. 13 ............................................................. p. 14 ...................................................................................................................... p. 15 ........................................................................... p. 34 ................................................................................................................................ p. 35

Seção 2 - Alguns canteiros de flor (poemas) Sol Garoa da tarde Sinfonia Sobre a seca em meu quintal Buraco

No jardim, a noite ser Noite confusa Só céu de noite escura

p. 36

p. 37 ..................................................................... p. 38 ....................................................................................................................... p. 40 ..................................................................................... p. 42

p. 44 .................................................................................... p. 45 ............................................... p. 47

Seção 3 - Algumas flores de um jardim aberto (poemas)

Café forte Mas que mania

p. 48

p. 49

......................................................................................................
....................................................................................................................
......................................................................................................
................................................................................................................
...................................................................................................

Chama Temporal Atemporal Florzinha de ipê

Seção 4 - O campo, o mundo e as flores de dentro (poemas)

Meu canto Sobre a liberdade que sou Pela rosa Na próxima florada Para acreditar Regresso (conto) Reflexo

Glossário de símbolos

Agradecimentos Sobre a autora e o incentivo

...................................................................................................................... p. 50 ................................................................................................................. p. 51 .............................................................................................................. p. 52 .................................................................................................. p. 53 ....................................... p. 54 .............................................................................................................. p. 55 ............................................................................ p. 56 .................................................................................................................. p. 57 .......................................................................................... p. 58 ...................................................................................................... p. 59 ........................................................................................................ p. 60 ...................................................................................................................... p. 61 .................................................................................................... p. 64 ................................................................................................................. p. 73 ....................................................................................... p. 74

Prólogo

Para cuidar da flor

E em meio ao pó do coração deserto: brota uma flor. Mesmo na enchente da mente inconstante: persiste a flor. Na agonia da alma em conflito: pende um botão. No desespero de pés fatigados: desabrochou.

Aos pés, à mente, coração e alma: cuidem da flor.

05

Algumas flores de vaso

Apenas algumas flores de um céu azul

Entre flores e sketches

Eu comecei a colecionar flores secas.

Não as flores grandes, mas aquelas minúsculas e que nascem so zinhas. As mesmas que eu sempre gostei de tentar achar na grama, nas árvores ou nos buracos dos tijolos.

Aquelas bem delicadinhas, que murcham extremamente rápido quando a gente arranca, mas que todo mundo fica feliz de receber. E isso que são realmente minúsculas. Acho que compensam por serem realmente delicadas.

Comecei a colecionar essas flores.

E tenho grudado dentro de um caderninho.

Aquele sketchbook que eu nunca cheguei a usar para desenhar, mas que talvez agora use.

É que eu queria que fosse um caderno de poesia. Mas fui regis trando no caderno aos poucos. E os poemas vieram aos montes. Acumulei bem mais textos do que páginas, então… é, talvez agora surjam alguns sketches.

Se bem que isso não deixa de ser poesia.

Os esboços. E as flores.

07

Momentinhos

Existem momentinhos mágicos na nossa vida. São pequenos instantes que quase se perdem no dia a dia.

Se bem que…

Seria impossível que aquela lua cheia se perdesse.

Ou o vento frio depois do dia quente. O pelo macio do cachorro.

E a florzinha linda encontrada no meio do mato.

Ou até, tentar cantar aquela canção que você ama e descobrir que… Sim! Você já sabe a letra toda!

É, não tinha como perder esses momentos.

08

Minha vida, mais que jardim

Eu te entreguei algumas flores. Nome, idade, telefone, essas coisas. Mas você não quer só as flores que eu já arranquei. Você quer ver meu jardim.

E, embora isso me faça sorrir, eu sou um pouco mais complexa do que um jardim. Mas tenho uma proposta.

Caminhe pelo meu quintal, mas não se assuste quando o bosque virar uma floresta. E eu te direi mais do que o meu nome. – Tenho tanta coisa a te dizer.

Explore essa floresta. Deite no chão para olhar o céu e suba na árvore mais alta para ver o chão. E eu te darei meu silêncio. – Tenho tanta coisa a não dizer.

Conquiste as primeiras montanhas, e aceite o desafio das cordilheiras. Não precisa chegar ao topo agora, basta querer subir. E eu vou te mostrar meus sonhos.

09

Mergulhe em meu abismo e desafie minhas trevas. Conheça meus mares gelados. E te revelarei meus medos. – São muitos e muito meus, mas se você se dispõe, eu me disponho.

Agora que conquistou minha luz e minha escuridão, Cultive em mim a sua flor favorita. E também a minha flor favorita.

Quem sabe as duas combinam? Por mais que não combinem, eu te darei um beijo.

Desconstrua o que eu geralmente chamo de sentido. Navegue no meu riachinho e salte sobre o meu oceano. Não tenha medo de cair e talvez eu te chame de minha vida.

10

Lista de compras

Se for possível, quando estiver voltando, passe no mercado.

Traga algumas coisinhas para a casa. E mais umas coisinhas para mim, e até algumas coisinhas para nós (se possível).

Nossa sala precisa de um pouco de cor, então traga um vaso de flor. Mas lembre: flor só é flor quando você entrega sorrindo. Traga um sorriso seu. Traga o sorriso seu.

A cozinha anda tão escura que pode ser uma boa trazer uma cortina de renda. Se bem que, também aqui, o seu sorriso pode iluminar. Talvez a renda nem seja prioridade, ao contrário do que possa parecer.

Mas, voltando à cozinha, vamos precisar de alguma mistura para o almoço de amanhã. Do que você tem vontade? Traga toda a vontade, que eu misturo.

Pensei também em fazer um bolo. Preciso que traga essência. Mas já enjoei de baunilha. Por favor, traga a sua essência. É, você por essência. Mas olha, eu quero aquela essência da embalagem transparente, versão integral e em dose concentrada.

Saímos da cozinha, e eu acho que essa sacada merece uma rede, você não concorda? Se você sentir o embalo, traga também os ganchos. É sempre bom quando você engancha em mim.

Quanto ao banheiro, sempre é interessante trazer um pouco de papel. É que nem tinta, nunca é demais. Inclusive, agora recordo que preciso de uns pincéis novos. Mas pode deixar, essa parte da lista eu guardo para quando for à papelaria.

Do mercado, traga um guardanapo, também é sempre útil. Engraçado como a gente sempre tem o que limpar.

Boa ideia, aliás: traga um pano de chão. Ou então aposente aquela camisa de flanela que você nem usa mais e que já está com uma cor tão

11

desbotada. E olha que eu sempre elogiei aquele tom de verde na sua pele, mas… é, tudo tem seu tempo.

Por fim, o quarto. Eu gostaria de pedir uma luminária, mas arrisco cair de novo na armadilha que é o seu sorriso iluminando tudo. Esqueça a luminária.

Mas essa cama precisa de um lençol novo. Podemos trocar ama nhã, porque já aviso: você vai me ajudar a estender os cobertores no sol. Principalmente esse edredom pesado, que eu nem consigo dobrar sozinha, quanto mais erguer até o varal.

Certo, traga um lençol e trocamos amanhã. Por hoje, a cama se contenta em ter você dormindo aqui. E eu também.

12

Quando a madrugada se faz manhã

Foi enquanto a madrugada ainda moldava a manhã.

Bem naquele momento que não deixa de ser real, mas que com certeza carrega muito de sonho, quando os passarinhos não só picotam o silêncio da noite, mas ainda montam um verdadeiro carnaval, quase como se atirassem numa festa discreta os confetes que arrancaram da cortina de silêncio e escuridão.

Foi naquele instante em que a escuridão picotada dava espaço à primeira penumbra – uma luz sorrateira, esquisita e linda, que se esparrama devagar, derrama só um tiquinho de cor e não esquenta nada –, ainda antes que surgissem os raios de sol.

Foi bem nesse momento, quando, a despeito do cansaço que se arrastava da noite insone, o tal carnaval no bosque me impelia a con tinuar acordada.

Ali eu pensei em você. E na gente. E no dia em que a madrugada vai virar manhã e você vai estar do meu lado.

13

Sinopse de um amor sem verbos

Eu, sentada de frente para o sol, com você ao meu lado. E você com esse sorriso lindo.

Eu, cansada do meu dia, mas relaxada por você aqui. Um sorriso em mim também.

O próprio sol, sorriso do céu, com ciúmes do seu olhar. E você com esse olhar em mim.

E, com o seu olhar e o seu sorriso, minha luz tal qual a luz do sol.

14

Petúnia

– Toc toc.

– Quem é?... Ah, oi!

– Oi.

– Oi… Nossa, desculpa, nem terminei de abrir a porta. Vem, entra!

– Por que esse sorrisinho bobo? – É que… você está aqui.

– Eu disse que vinha.

– Você disse. É, tem razão. Acho que me expressei mal, é que...

– Não, tudo bem. Para falar a verdade, eu também… também duvidei de que viria.

– Bom, nesse caso… fico feliz que tenha decidido vir.

– É, eu estou feliz por estar aqui.

– Você também está com um sorrisinho bobo agora.

– Ei!

– Relaxa, sorrisinho bobo fica bom em você. Vem, pode deixar suas coisas aqui.

– Nossa, sua sala está um brinco! Amei o tapete novo. E a petúnia vingou tão bem naquela janela. Aliás, parece que está mais claro mes mo aqui... Ué, por que está rindo?

– Eu nem sei, na verdade. De qualquer forma, eu e minha sala agra decemos o elogio.

– Que barulho é esse? Você deixou algo no fogo?

– Ah, é! Bem lembrado. Deixei água fervendo. Vou aproveitar e passar um café para a gente.

– Eu posso ajudar.

– Não, não, imagina. Não quer sentar? Fique à vontade.

– Ah, por favor! Não me trate como se eu fosse só uma visita.

– Tem razão. Certo… Então, você lembra onde eu guardo o coador?

15

– Estamos falando de utensílios para fazer café. Café! Não é o tipo de coisa que eu esqueceria. Prontinho, peguei.

– Ai ai, valeu.

– Eu senti falta da sua risada.

– E por que você demorou tanto?

– Eu não faço ideia.

– Guarda o pó ali embaixo, por favor?

– Claro. Acho que eu tive medo.

– Medo de quê?

– Nem sei. Posso ir esquentando o leite?

– Ah, é verdade. Sempre esqueço que você prefere com o leite quente. Pode sim, claro.

– É que… é estranho voltar. É estranho te encarar de frente. E de lon ge. Por mais que as coisas sejam as mesmas, muita coisa mudou. En tende?

– Entendo.

– E quanto mais eu demorava, pior ficava.

– Pera. Você está falando desde a última vez que a gente se viu, quan do eu te chamei para vir aqui, ou desde aquela outra última vez?

– Acho que vale para as duas.

– O café tá pronto.

– O leite tá quase.

– Só tem uma caneca na pia. Você pega outra no armário?

– Pego... Ai, você ainda tem essa de girafinha!

– Pode pegar ela, vai.

– Eu sei que já falei isso, mas eu senti saudade da sua risada.

– Tudo bem repetir. Eu também estava sentindo falta desses teus sorrisos.

– Até do sorrisinho bobo?

– Principalmente desse. Por quanto tempo você vai ficar?

– Achei melhor não vir com nada definido. Pensei em conversarmos

16

antes e tudo o mais.

– Entendi.

– Nossa, outra coisa que eu senti falta foi desse teu café.

– É que notei que você não trouxe muita bagagem.

– Eu nunca carrego muita coisa.

– Isso é verdade. E que bom que gostou do café.

– Você sempre acerta o ponto.

– Será que eu senti uma certa ambiguidade na sua afirmação?

– Só se eu tiver sentido uma certa ironia na sua pergunta.

– Hum, você está me olhando esquisito. O que foi agora?

– Ah, só estava pensando que o sorrisinho bobo fica infinitamente melhor no seu rosto do que no meu.

– Então quer dizer que eu estou com um sorrisinho bobo?

– Aham.

– De novo? Mas que coisa!

– Ué, agora você também toma amargo?

– É, eu acabei acostumando. Café doce agora parece xarope.

– Entendo.

– Por onde você andou?

– Ah, eu me perdi algumas vezes.

– Não sei se isso responde minha pergunta.

– É, acho que não. Sinto muito.

– Você costumava pedir perdão muitas vezes. Ainda não superou isso?

– Com toda a sinceridade, sinto que há vários perdões entalados na minha garganta.

– Então há mais perdões não ditos do que ditos?

– Com certeza, muito mais.

– Nossa, são mesmo muitos perdões.

– Isso para não falar dos perdões não totalmente formulados.

– Mas… para cada um desses perdões há mesmo um erro?

– É, eu me perdi algumas vezes.

17

– Eu duvido que tenham sido tantas. Você sempre se cobrou demais.

– Como assim?

– Se eu tivesse cometido esses mesmos erros, você me julgaria como julga a você?

– Já entendi.

– Responde em voz alta.

– Afe…

– Vai, é importante.

– Ok. Não, certamente não julgaria.

– Então?

– Bom, talvez…

– Talvez?

– Talvez eu tenha formulado mais de um perdão para cada erro.

– E assim cada erro parece ser vários.

– Exato.

– É, faz sentido. Você não vai experimentar o pão? Fui eu que fiz. Com aquela receita da minha madrinha.

– Aquela que sua madrinha aprendeu com o padrinho dela?

– Que aprendeu com a mãe dele.

– Que aprendeu com o avô dela.

– Essa mesma.

– Certo, não tenho como recusar. Esse pão é incrível.

– Bom mesmo. Vou cortar uma fatia para você.

– E você, por onde andou?

– Ah, eu não saí do lugar.

– Disso eu também duvido.

– E por quê?

– Porque, de todas as pessoas com quem eu já convivi, você é de lon ge a menos acomodada.

– E?

– E que você sempre acha uma nova meta, um projeto, uma causa. Resumindo: você nunca fica muito tempo no mesmo lugar.

– Tudo bem, acho que entendi aonde você quer chegar.

18

– E?

– E acho que a sua perspectiva é diferente da minha. Ok, eu não crio raízes, mas pular de galho em galho nunca ajudou ninguém a crescer.

– Tá, então... eu acho que não, você não entendeu aonde eu quis che gar. Quando foi que eu disse que você não cria raízes?

– Ué, quando disse que eu sou a pessoa menos acomodada que você conhece, e que eu sempre arranjo um projeto novo.

– Primeiramente: que eu conheço, não. Com quem eu convivi.

– Mas assim só diminui o crédito. É muito nichado.

– Não diminui nada. Conhecer não significa tanta coisa. Conviver é bem mais nichado, de fato, e por isso mesmo é bem mais preciso.

– Ok, você tem razão. Mas parece ter perdido o fio da meada. – Desculpa. Acho que estou com a cabeça no pão. Alcança mais uma fatia, por favor?

– Claro! Fico feliz que tenha gostado. – Não dá para não gostar desse pão. – E agora que você já tem condições de ficar de barriguinha cheia, poderia voltar ao assunto, por gentileza?

– Sim, perdão. – Acho que vou ter que estabelecer que você não pode mais pedir perdão.

– Foco, vai!

– Eu só ia dizer que não criar raízes também é um jeito de ser uma pessoa acomodada. E isso nunca foi você.

– Acho que me perdi no seu raciocínio. Como assim não?

– Em tudo o que você foi, você sempre se entregou com tudo o que você é. Não é que você não crie raízes, é que você tem muitas, muitas raízes. E sim, você está sempre crescendo. Era aqui que eu queria che

19

gar.

– Não vou dizer que concordo. Mas… é, também não vou negar que fez sentido. Só não sei quando foi que eu virei definitivamente uma árvore.

– E, além de raízes, sabe o que mais você tem?

– O quê?

– Um sorrisinho bobo.

– A gente não vai sair disso?

– Desculpa.

– Eu vou ignorar esse pedido de desculpas.

– Certo.

– Você quer mais pão?

– Não, valeu.

– Mais café?

– Não, não, estou bem.

– Bom, visto que você só não esquece os lugares dos utensílios de fazer café, prefiro não arriscar e, pelo bem do meu armário, acho que você deveria lavar e eu guardo. Pode ser?

– Pode sim.

– Perfeito.

– Vou fazer uma pergunta meio inusitada.

– Tudo bem.

– Você acredita em perfeição?

– Pelo contexto, até não foi tão inusitada. De um modo geral, acho que é uma pergunta um pouco esquisita mesmo.

– Desculpa.

– Eu acabei de me dar conta de que você não estava pedindo perdão o tempo todo antes de eu comentar que você pedia muito perdão.

– Nossa, verdade. Sinto muito.

– Ok, já chega. Isso tá ficando irritante.

– Eu sei.

– Então… por quê?

– Ah, não resisti. É que a sua carinha de saco cheio é quase tão boni

20

tinha quanto o seu sorrisinho bobo.

– Sério isso?

– É… Desculpa.

– Ai, Deus, não acredito. Caí de novo!

– Uau!

– O quê?

– Eu consegui um misto de sorrisinho bobo com carinha de saco cheio? Isso é tão… Ei!

– Ah, foi fraquinho.

– Foi fraquinho, mas o pano de prato não foi feito para bater nos outros.

– Talvez seja a hora de mudar a aplicação do pano de prato.

– Falando em prato, tem mais louça na mesa?

– Não.

– Por aqui também acabou.

– Quer ficar um pouco na sala?

– Pode ser.

– A gente pode abrir o sofá para ficar com mais espaço. Mas vou pre cisar de ajuda. Eu quase nunca abro esse sofá, porque…

– Precisa puxar dos dois lados ao mesmo tempo, senão emperra.

– É.

– Tudo bem, a gente abre junto.

– Você vai querer ligar a TV?

– Olha, por mim, até prefiro deixar desligada.

– Ai, ótimo, eu decididamente não estou a fim de barulho.

– Tá com dor de cabeça?

– Não, até que não.

– Mas você tem sentido dor?

– Ah, daquele jeito, volte meia dá.

– Enxaqueca é um saco.

– É sim. Você está bem assim? Posso pegar mais almofadas.

– Não, não, eu estou confortável.

21

– Ah, que bom.

– Você ainda tá me tratando igual visita.

– Acho que ainda não estou muito confortável. E suspeito que você também não esteja tanto quanto diz.

– É. As coisas parecem estar um tanto fora de ordem. Eu sinto muito.

– Até que já não está tão desorganizado assim.

– Também tenho essa impressão. E isso é bom.

– Aham.

– E olha, dessa vez meu sinto muito não foi para te provocar.

– Eu sei.

– Sabe?

– Sim, porque eu também sinto.

– É... faz sentido.

– Hum…

– O que foi?

– O seu sorriso mudou.

– Não é mais um sorrisinho bobo igual ao seu?

– Na verdade, tenho a impressão de que é um sorrisinho mais bobo ainda.

– Nossa, e isso é possível?

– Ao que tudo indica.

– Você ainda não respondeu.

– O quê?

– Você acredita em perfeição?

– Ai… Pois olha, naquela hora eu apenas comentei que não é uma pergunta tão inusitada assim. Mas agora que eu ouvi pela segunda vez, caiu a ficha de que a resposta não é nada simples.

– Não? Por quê?

– É que perfeição parece ser o conceito mais absoluto de todos. E, ao mesmo tempo, idealizar a perfeição é a prática mais subjetiva que existe, entende?

– Acho que sim.

– Eu diria até que uma coisa não anula a outra. Acho que sim, pode

22

ser absoluto e subjetivo, porque… Ok, se você esperava uma resposta curta, sinto muito, mas não consigo me restringir ao sim ou não. Acho que o nível mais sintético possível da minha resposta é dizer que eu acredito só em algumas perfeições.

– Você sabe bem que eu me interesso é pelas respostas longas. Con tinue o pensamento, por favor.

– Tem certeza? Posso acabar divagando demais.

– Sim, é certeza. Gosto quando divaga.

– Bom, eu acho que a perfeição pode ser absoluta e subjetiva, porque está muito relacionada com a plenitude e com a idealização. A perfeição com certeza existe enquanto prática dessa idealização. Tanto é que o meu conceito de perfeito provavelmente é diferente do seu. Agora, que essa idealização chegue a ocorrer, já é um ponto mais crítico... E, quanto à plenitude, é mais difícil ainda de delimitar. Porque algo que é pleno em tudo, na verdade é vago. Eu diria que acredito em uma perfeição para cada ocasião.

– Acho que entendi. E é engraçado, porque é como se você acreditasse em infinitas perfeições, ao mesmo tempo em que, justamente por isso, você desconstrói o significado de perfeição.

– Exatamente! Não posso dizer que acredito em perfeição, no sen tido de que eu não caio na ilusão de que algo vai ser realmente pleno sempre. Mas também não posso dizer que não acredito em perfei ção, porque acho que a idealização pode bater com a realidade de uma forma incrível em alguns momentos específicos. E eu provavelmente chamaria esses momentos de perfeitos.

– Então a palavra-chave é circunstância.

– Isso.

– Mas…

– O que foi?

– Você acredita em Deus, não acredita?

– Sim, acredito.

– E não é perfeito?

– Hum, entendi a dúvida.

– E?

– E eu diria que com Deus é outro tipo de perfeição.

23

– Como assim?

– Veja bem, um dia só é estritamente perfeito para mim se as coisas acontecem exatamente como eu idealizei. Uma pessoa só é perfeita para mim se ela age como eu gostaria que agisse. Uma comida só é perfeita se eu estiver com vontade de comer aquilo. Com Deus é dife rente. Ele sempre é perfeito. E o que ele quer é perfeito, mesmo que eu queira outra coisa. Faz sentido?

– Na verdade, não muito, mas gostaria de ouvir você falar mais sobre isso.

– As coisas perfeitas têm muito da idealização, mas só um tiquinho de plenitude. Deus tem muito de plenitude, mas não adianta ideali zar. Inclusive, as coisas perfeitas são aquelas que eu idealizo para que fiquem dentro do meu controle. Mas eu não controlo Deus, e muito menos idealizo para que ele seja controlável.

– Certo, agora fez sentido.

– E você?

– Eu?

– Acredita?

– Depende. Estamos falando de Deus ou de perfeição?

– Ah, comente de ambos.

– Certo. Então, a princípio para perfeição eu ficaria mesmo com a resposta simples: não. Mas admito que vi muita lógica na sua resposta completa.

– Mas qual seria a sua resposta completa?

– Ah, acho que eu acreditei por muito tempo que o mundo seria perfeito e que eu seria impecável, mas vi que a vida não é assim.

– E como é a vida?

– Perguntinha difícil, hein?

– Não nego, mas a sua também foi.

– Bom, acho que viver é tentar remendar os rasgos do mundo. Mas nesse processo a gente também rasga o mundo. A questão é que… Bom, pelo menos, é o que eu suponho...

– Sim?

– A questão é que viver bem é tentar sair disso com um saldo positivo.

24

– Nossa.

– O que foi?

– Não é uma perspectiva muito otimista, mas eu simpatizei com essa visão.

– Certo.

– Certo nada, você deixou parte da primeira pergunta sem resposta.

– Qual?

– Deus.

– Ah.

– E então?

– Acho que aqui entra a minha resposta longa.

– Tudo bem.

– Eu não me sinto à vontade para dizer que acredito, porque o meu sim não vem nem de longe tão imediato quanto o seu. Mas eu tam bém não consigo dizer não. Acho que mais duvido do que tenho fé, po rém frequentemente sinto. Ainda assim, não diria que o que eu sinto é Deus. Mas eu sinto algum tipo de gratidão, e sinto falta de ter para onde direcionar esse sentimento.

– Teve bastante sentir nessa frase.

– Teve.

– Mas não foi uma resposta tão longa.

– A pergunta também não era tão inusitada num primeiro momento. Talvez a resposta fique maior se você pensar demais.

– É, pode ser.

– Mas... fez sentido?

– Fez.

– Ok.

– O que foi?

– É que para mim não faz.

– Não tem problema. E olha, você não precisa comparar a sua relação com a minha. Não tem um cronômetro para medir os sins.

– Certo.

– Mesmo porque o sim mais importante é o sin de sinto.

25

– Isso foi meio brega.

– Foi mesmo. Olha, daqui a pouco vai anoitecer. Acho que você não chegou a ver o pôr do sol nessa janela depois que demoliram o prédio aqui da frente.

– Não, não cheguei. – Você vai gostar.

– Sei que vou... Ah, e então foi por isso que a petúnia floriu tão bem agora.

– É, ela não achava muito justo que o concreto rece besse sol e ela não.

– Não era justo mesmo.

– Ei, você tá me olhando esquisito de novo. O que foi dessa vez?

– To pensando que seria mais justo se você também respondesse.

– Mas eu já falei da perfeição. Falei primeiro, inclusive.

– Sim, e falou bem, inclusive. Mas... como é a vida?

– Ah, é verdade, faltou essa. E… é, você tem razão. Perguntinha difícil.

– Ah, mas mesmo achando difícil, eu respondi. Não quer dizer que está certo. E a sua resposta também não precisa estar certa, pode chu tar.

– Acho que a questão é justamente essa.

– Não entendi.

– Acho que a vida é uma daquelas questões que só dá para resolver por tentativa e erro. Mas também acho que existe mais do que uma resposta certa. Ou talvez não haja uma resposta certa, agora não sei. Mas uma coisa é certeza: a recompensa da pergunta é a própria chan-

26

ce de tentar responder.

– Um jeito mais requintado de dizer que o bom da vida é viver?

– Precisamente.

– Justo… Ué, o que era aquilo?

– Aquilo o quê?

– Acho que entrou alguma coisa pela janela. Quer dizer, algum bicho. Mas não deu tempo de identificar qual.

– Entrou voando?

– Sim.

– É provável que seja o beija-flor.

– Faz sentido, era bem rápido.

– Aham.

– Ele sempre entra?

– Não sempre, mas também não é raro. As petúnias gostam do sol, o beija-flor gosta das petúnias...

– Entendi.

– Geralmente ele sai sozinho, mas tem vez que eu preciso ajudar.

– Não tenho certeza se ele saiu.

– Só fazer um pouquinho de silêncio, se ainda estiver aqui a gente vai ouvir as asinhas.

– … É, ele tá aqui dentro.

– Sim, acho que atrás da TV. Você me ajuda a pegar?

– Ajudo.

– Só tem que ser de mansinho, para ele não se assustar.

– Aham.

– Olha, ele tá quietinho. Normalmente fica bem agitado.

– Não consigo segurar daqui, mas acho que consigo fazer ele ir até você.

– Boa ideia, eu seguro.

– Deu?

– Deu. Venha ver, vou soltar ali na janela.

– Ué, por que ele não voou?

– Ele fica em choque por uns segundos, tadinho. Quer segurar?

27

– Ah, eu quero.

– Aqui, segura com a mão aberta, e quando ele se sentir pronto, ele voa… Nossa, o coraçãozinho dele bate tão acelerado...

– Acho que eu entendo.

– Voou.

– Mas olha, ficou paradinho ali no galho da árvore!

– Talvez esteja agradecendo, porque a gente o libertou.

– Pode ser.

– Eu gosto do beija-flor.

– Dizem que quando um colibri entra pela janela, está anunciando a visita de uma pessoa amada.

– Sim, já ouvi falar nisso também. E gosto porque ele é pequeno, porém valente. – E é o único que pode voar para trás.

– É... acho que conseguir voltar é a melhor característica.

– Acabei de perceber que eu tam bém adoro o beija-flor.

– Agora ele saiu da árvore.

– Acho que a gente também pode sair da

– É, o sol já vai se pôr. A gente até poderia assistir daqui, mas eu gosto de como a luz se espalha pela sala toda. E acho que você

– Nem comentei nada, mas gostei das almofadas novas.

– Não são novas, na verdade. Eu só troquei as capas. E eu que pintei o tecido.

– Sério? Ficou muito bom.

– Fico feliz por isso.

– Eu também... Quer dizer, eu sempre gostei das suas pinturas. E fico

28

feliz por você estar praticando.

– É, acho que passei muito tempo evitando fazer o que eu gosto.

– Enxergando você como perda de tempo.

– Exato.

– Eu entendo.

– Você diria que está em paz com você?

– Eu diria que ainda estou tentando.

– É, acho que eu também ainda estou no caminho.

– Acho que tudo bem. Esse caminho nem sempre é plano.

– Suspeito até de que esse caminho nem sempre seja linear.

– Essa falta de sentido faz muito sentido.

– Faz, né?

– Ai, é muito ruim falar pela terceira vez que eu senti falta da sua risada?

– Não acho nem um pouco ruim. Senti falta de rir com você.

– É, isso é bom mesmo.

– Aham.

– Agora, quanto ao caminho… acho que andei muito em relação a onde estava quando fui embora.

– Acho que também cresci bastante nesse tempo.

– Olha só, você voltou a ser uma árvore.

– Talvez nunca tenha deixado de ser.

– E pra que lado você está crescendo?

– Ah, sempre em direção ao sol.

– Árvore esperta.

– Sou mesmo. E por falar em sol, ele já está se pondo.

– De fato, o céu está avermelhando.

– Aham. Mas você tem que ver a mágica que acontece aqui dentro, e vai começar já já.

– Como assim?

– Fique de olho naquele vaso de vidro.

– Aquele vazio, em cima do balcão?

– Esse.

29

– Não é aquele que você ganhou da sua avó?

– Caraca, você lembrou! Sim, é esse mesmo.

– Mas você costumava deixar guardado.

– Costumava. Admito que não via muita serventia.

– E agora você deixa ele vazio ali. O que mudou?

– Justamente: eu descobri o que ele faz quando a luz bate a essa hora. Mas, claro, só se ele estiver exatamente naquela posição… Aí, está co meçando.

– Uau! O vaso vira...

– Vira um prisma.

– Nossa, você tinha razão, a sala fica linda. Eu me sinto dentro do arco-íris.

– Exato! E a luz e as cores aqui de dentro vão oscilando aos pouqui nhos, conforme a luz lá fora vai diminuindo.

– É incrível.

– Viu, não quero ser inconveniente, mas…

– Você nunca vai ser inconveniente, relaxa. Pode falar.

– Seria muito ruim se eu encostasse com a cabeça no seu ombro?

– Não acho nem um pouco ruim.

– Valeuzinho.

– Até porque acho que daqui dá para enxergar melhor mesmo.

– Bom... pelo menos tenho a impressão de que sim.

– E como foi que você descobriu que o vaso virava um prisma?

– Foi meio acidental, na verdade. Eu estava fazendo uma limpa e o sol se pôs. E minha sala se iluminou.

– Isso depois que o prédio da frente foi demolido, né?

– Sim.

– Eu amei.

– Quando eu vi, achei mesmo que você ia gostar.

– Sério? Você pensou em mim?

– Penso em você com mais frequência do que você imagina.

– Na verdade, acho que imagino sim.

– Por quê?

30

– Também penso em você.

– É verdade... Acho que você não voltaria se não pensasse.

– Acho que não.

– Então preciso admitir: graças a Deus que você pensa em mim.

– Realmente, também preciso admitir que este é um daqueles momentos nos quais eu sinto a tal gratidão.

– Entendo.

– Agora o vaso está voltando a ser um vaso. E a sala não é mais um arco-íris.

– É que o céu está voltando a ser noite.

– Tá uma noite bonita.

– Tá mesmo.

– É…

– Hum, de novo você tá com um sorrisinho bobo que não é aquele mesmo sorrisinho bobo.

– É o sorrisinho mais bobo ainda?

– Aham. Você quer me falar alguma coisa?

– Acho que sim – Diga lá.

– Ah, não é nada. Só ia comentar que foi um pouco difícil voltar, mas fiquei muito contente quando você me chamou para vir aqui.

– Ai, eu confesso que na hora fiquei na maior apreensão. É um pouco estranho chamar para a minha casa alguém que já foi meu lar.

– Eu entendo. Também foi um pouco estranho voltar depois de me perder tantas vezes e perceber que meu lar continua sendo você.

– Ah, eu já falei que acho que você não se perdeu tantas vezes assim.

– Já falou mesmo.

– E é uma honra ser seu lar.

– Eu que agradeço, de verdade.

– Não tem que agradecer.

– Eu sei que nem faz muito sentido, mas a petúnia parece estar mais bonita ainda agora à noite.

– Também não vejo sentido. Porém também tenho essa impressão. E uma coisa engraçada é que ela até tava bonitinha, mas não tão vistosa.

31

Essa semana, todas as flores desabrocharam de uma vez. Parece até que estavam te esperando.

– Você tava me esperando?

– Uau.

– Ai, pergunta nada sutil, né? Desculpa.

– Até que você aguentou um bom tempo sem pedir desculpas.

– Você não precisa responder.

– Eu nem sabia disso, mas estou descobrindo que... sim, eu tava te esperando.

– Eu sinto que demorei demais para me dar conta de que tava faltan do você. E também por isso tive medo de voltar.

– Fico feliz que tenha decidido vir.

– É, eu estou feliz por estar aqui...

– Eita!

– Tá tudo bem?

– Sim, sim. É que… quando foi que a gente se abraçou?

– Nossa, também nem notei. Acho que parei na parte em que você pediu para se apoiar em mim.

– É, eu também. Mas sabe… tá bom assim. E eu estou confortável. Confortável de verdade.

– Confesso que fico realmente feliz com isso, porque, sinceramente, eu não planejo me soltar de você.

– Será que eu senti uma certa ambiguidade na sua afirmação?

– Ah, só se eu tiver sentido uma certa ironia na sua pergunta.

32
FIM

Petúnia - Epílogo

– Daqui a pouco a gente vai ter que sair desse sofá.

– Ah, por quê?

– Tem que fazer alguma coisa de janta. Não vai dar para ficar só no pãozinho, por melhor que seja a receita da minha madrinha.

– É verdade. Mas… ah, daqui a pouco é daqui a pouco. Fica mais aqui comigo.

– Ai, admito que também estou tentando prolongar esse momento.

– E, além de tudo, ainda fiquei com uma dúvida.

– Pode falar.

– Se eu te beijar, o teu sorrisinho bobo acende ou apaga?

– Puts, receio que esse seja o tipo de coisa que só dá para saber após testar.

– Isso foi um convite ou um desafio?

– Francamente, foi quase uma intimação. Beija logo, vai.

– Como quiser.

(...) – Hum.

– O que foi?

– Acabei de constatar: ele acende.

– Ai, e eu que esqueci de reparar no seu? Vou ter que te beijar de novo.

– Eu não vou reclamar.

– Perfeito, então.

33

Alguns canteiros de flor

Mais algumas flores e um céu que muda

Sol

Aqui, o sol nasce no mar. Vem urgente, como quem volta de um mergulho longo. Mas vem tranquilo como quem sabe nadar. O sol não tem medo do mar.

Aqui, o sol nasce no meio do bosque. Vem de mansinho, como quem não quer incomodar os pássaros. Mas vem como amigo, pois seus raios são a única coisa capaz de cortar os galhos sem ferir as árvores. O sol gosta de se infiltrar no bosque.

Aqui, o sol se põe na serra. Vai sereno, como quem acena um adeus sabendo que logo volta. E vai sorrindo, espalhando cor como quem dá um presente. O sol sabe que faz a montanha mais alta parecer pequena, sem deixar de ser linda.

Aqui, o sol se põe por cima das casas. Vai de um jeito tímido, como quem apresenta o primeiro recital. Mas vai sublime, como quem tem talento. A voz do sol é linda, e ele tem bom gosto para escolher canções.

35

Garoa da tarde

Parecia ser só uma tarde sem cor no meio de um dia cinzento. Mas quando fechei os olhos, percebi a algazarra dos passarinhos que celebravam a garoa.

36

Sinfonia

Entre solo, terra e chão, ando mais pra sinfonia. Passarinho, céu e som, sonho e orquestra em sintonia.

37

Sobre a seca em meu quintal

Eu passei um bom tempo cuidando do meu quintal. Foram anos.

E, de fato, eu consegui montar uma boa horta.

Mas aí eu me perdi.

A confusão dentro da minha casa era enorme, e a desordem do mundo era pior ainda.

Então, eu simplesmente empurrei tudo o que eu havia plantado de bom para dentro do meu coração. E minha mente ficou de tomar conta.

Mas o tempo andou tão seco ultimamente.

O sol da minha mente não dava trégua ao meu coração. E justa mente à noite, quando meu sol deveria descansar e permitir que meu quintal se refrescasse, aí é que minha cabeça parecia arder com mais intensidade.

E então eu cometi a burrice de sonhar com você.

Não, não, sonhar com você até poderia ser bom. Mas sonhei com você enquanto solução para o meu coração ressecado.

Idealizei a chuvinha mansa que me faria brotar novamente. (Eis o erro).

Você não demorou para chegar. Mas veio com uma rajada de granizo e logo foi embora. Previsível, chuva de granizo nunca dura muito.

Minhas folhinhas que estavam secas agora estão destruídas.

38

Ao menos, você largou o gelo aqui. E a minha mente escaldan te está fazendo um excelente trabalho para derreter esse monte de pedra. E o melhor: meu coração está aprendendo a armazenar essa umidade.

Eu estou reconstruindo meu quintal e equilibrando meu céu.

Quem sabe, quando você também regular sua tempestade e começar a tomar conta da sua horta… É, talvez aí a gente dê certo.

E não tem problema que essa chuva demore mais.

39

Buraco

Eu corri.

Não sei por quanto tempo. Não sei em qual direção.

Sei que corri mais do que aguentava.

Em determinado momento, ficou difícil de respirar e eu perdi a visão periférica. Continuei correndo. Mais um pouco e eu não enxergava absolutamente nada. Conseguia ouvir meu coração e sentia minhas pernas formigando. E continuei correndo.

Só parei quando caí.

Não foi um tombo pequeno. Eu virei o pé e rolei. Perdi o chão pela segunda vez no dia.

Agora que a minha visão voltou, percebi que estou dentro de um buraco. Dentro de um buraco!

Arranquei o tênis do pé esquerdo, que está inchando bastante, embora eu não sinta dor - ainda não, pelo menos. Estou encostada na terra, e até que não é tão ruim. É estranho, mas estar dentro de uma cova não me assusta.

Daqui eu consigo ver a lua, e ela está incrível hoje. É bem verdade que eu enxergo só a lua - concordo que é uma visão limitada, mas não deixa de ser linda.

Limitada ou limitante? Minha cabeça está latejando tão forte que já nem sei se a lua está em cima ou embaixo. Em cima, menina, é claro que é em cima. O que eu estou pensando? Por que estou diva gando desse jeito? Será que alguém vai me achar? Será que aqui é toca de algum bicho?

40

Acabei de me dar conta de que meu pé está latejando tanto quanto a cabeça. Isso me faz pensar que estar numa cova realmente deveria ser algo preocupante. E… no entanto, eu estou tranquila aqui. Confortável até.

É mais quente do que eu imaginei que seria, e tão silencioso… Não era exatamente o que eu queria?

Sim, é verdade! Eu corri em busca desse silêncio. Corri em busca de mim, e corri pra longe deles. Longe da minha primeira queda.

Então é isso, eu me sinto segura no buraco.

Volto à questão: limitada ou limitante?

41

No jardim, a noite ser

Anoiteceu.

Anoiteceu e os girassóis agora parecem perdidos. (Tenha dó dos girassóis!) Mas eu estou pior. Estou tão perdida que é até difícil dife renciar espinhos e flores. (Melhor sair de perto da rosa, mesmo sendo a rosa.)

As cores, os cheiros, texturas e formas… são tudo o mesmo. E mesmo tudo é nada. (Que nada.)

Anoiteceu e... sim, os girassóis e eu estamos perdidos. É difícil agora diferenciar espinhos e flores. (Porém…)

Mais difícil ainda é evitar tropeçar. Há sempre alguma raiz para engatar os pés. E eu caio. Desabo. Como a tarde, que findou. O sol que se jogou no horizonte. Como o dia que derreteu. Anoiteço. (Eu mereço?)

Anoiteceu. Girassóis perdidos. E eu... Anoitecendo.

42

Agora, coitadas das plantinhas rasteiras, acho que as esmaguei. Entre trevinhos, verbenas, tagetes e beijinhos, está escuro demais para saber em cima de quem eu caí.

E há ainda lobélias, onze-horas, perpétuas, margaridinhas e alguns amores perfeitos. (Tenha dó das florzinhas de chão!)

E tenha dó de mim, que já anoiteceu e é difícil diferenciar espinhos e flores. Devo ter segurado alguns espinhos ao tentar levantar. É o que explica esses cortes.

Também sobre cortes, os girassóis, por mais perdidos que estejam, parecem me olhar com certo deboche.

Mas eles não caíram, ficaram ali, sustentando o próprio sol. Não sabem anoitecer. Eu anoiteci.

43

Noite confusa

Eu estava tão confusa que a brisa quente me fez sentir frio.

Eu até tinha consciência de que a lua é que estava brilhando no céu.

Mas como eu poderia ter certeza de que no lugar dela não tinha uma estrela no reflexo do lago?

Bom, a água estava realmente turva.

44

céu de noite

escura

Só uma estrela no céu. E luz nenhuma aqui embaixo.

Não só noite tão escura, mas me sinto só no escuro. Tão só em tão escura noite, que o escuro em mim não tem dimensão.

E, entre escuro e escuridão, resta alguma certeza?

O que resta se estou só?

Bom, há no céu só uma estrela. Resta a estrela do céu, e talvez eu no escuro e só. Mas certeza nenhuma enquanto não há luz. E luz nenhuma se não vejo a lua.

A lua não vem para mim. A lua me deixa só com a estrela.

Certeza nenhuma só pra mim. Certeza nenhuma, só a estrela.

Só dimensiono se o céu deixar.

E agora…

Estrela nenhuma, escuro absoluto. E luz nenhuma, incerteza minha.

Aqui sem lua, sem mim. Tão sem luz, tão eu.

Não tem luar. Noite e eu. Tão só.

45

É...

É, porém não só, pois resta: e o céu?

Meu céu. Por certo. Pois seja. É só.

E só é, pois que nada absoluto.

46

Algumas flores de um jardim aberto

E algumas flores para quando a chuva voltar ao jardim

Café forte

Foi só o tempo de passar o café, e já surgiu mais uma rima. É uma rima fraca, mas o café ficou bem forte. Por falar em força, já posso ouvir os trovões ao longe. Entre outra rima fraca e mais um gole do café forte, sento para olhar o tempo.

Aqui na serra, é fácil e até divertido assistir enquanto a chuva chega. Só não é tão divertido esperar o temporal passar, porque o vento parece mais intenso e os raios caem mais perto.

Aqui, o tempo costuma assustar mais. Mas eu estou pronta para a tempestade. Tenho um café forte e algumas rimas fracas para passar o tempo.

48

Mas

que mania!

Tenho mania de falar sozinha. De fazer debate, E até encenação. (E você não?)

Tenho mania de fugir pra mim. Pra fugir de mim. E fugir sem mim. (Como é?)

Tenho mania de correr da chuva. De correr pra chuva. Concorrer com a chuva. (Viro vendaval).

Vai entender, é mania.

49

Chama

A chama da vela oscilava um monte.

Algo dentro de mim oscilava junto.

A chama da vela oscilava tanto que quando deitava eu chegava a crer que fosse se apagar. Mas quando se erguia, a intensidade era tanta que eu até acreditava que uma vela pudesse explodir.

Eu me sentia prestes a explodir, mas não conseguia me erguer. Faltava intensidade.

Lá fora, o céu estava desabando. Aqui dentro, um vendaval parecia tomar forma. Não uma forma como a minha, mas uma forma que oscilava como a chama de uma vela.

A chama da vela oscilava um monte.

E se ela caísse?

Minha cabeça se resumia a um presságio de incêndios. Meu peito se sintetizava no medo de um apagão. Um apagão pior do que este que me fez acender a vela.

A porta entreaberta permitia que o vendaval de dentro tivesse caminho para encontrar o céu que desabava. E a chama da vela os cilava um monte.

Minha cabeça em terror, meu peito em pânico, mas eu não me erguia para fechar a porta.

Eu não tirava o olho da chama da vela.

Ela oscilava um monte.

Algo dentro de mim oscilava junto.

50

Temporal

Tempestade ou temporal, sei que é meu e sei que é forte. É meu caos, receio e medo, é coragem e indecisão.

Primeiro reina à noite e se dissolve para o dia. Depois dissolve o dia e de novo reina à noite. Reina à noite e reina a noite.

Mas… Noite, escuro, sereno ou eclipse, nem faz diferença. Os pássaros da noite cantam sozinhos, só os da manhã fazem carnaval.

Madrugada é chuva de pedra, que abre um arco-íris de concreto dentro do meu próprio quarto, enquanto lá fora nem sei o que é penumbra e o que é breu.

Sei que é meu e sei que é forte. Sei que é caos, coragem e mais.

51

Atemporal

Faz algum tempo que não escrevo poesia. E há tanto tempo não penso em você.

Faz um bom tempo que não olho no espelho. E é tempo demais para voltar atrás.

Há um certo tempo eu não piso na grama, não danço sem música, nem canto sozinha.

Faz algum tempo que não olho pro céu. Mais tempo ainda que não tento rezar.

Já há um bom tempo eu me sinto perdida. E há algum tempo desisti de me achar.

52

Florzinha de ipê

Havia certa beleza na florzinha de ipê caída no chão do ônibus. E havia indiscutível beleza na dor que eu sentia cada vez que ela era quase pisada. É claro, havia beleza naquela gente que evitava pisar nela.

Quando o vento balançou a pétala finíssima daquela flor, prestes a murchar, quase esquecida no meio de uma multidão de pés, trouxe -me a certeza de que a beleza e a força vêm também dos que caíram.

53

O campo, o mundo e as flores de dentro

Algumas flores de depois da chuva

Meu canto

E eu, que já corri por tanto escuro, já me abaixei em tanta pedra, e até me ardi com tanto silêncio.

Com quanto?

Conquanto sorria ao pensar nisso, com o tanto que penso em mim.

Sim, eu, que já apertei tanto os olhos, e já quebrei tantos espelhos, e rasguei tantas cortinas que até engasguei.

Agora, deito para olhar o céu e nem me assusto se me vejo nele.

É, eu, que já gritei pra não me ouvir, que já chorei pra não cair, e já fugi pra não sentir. Agora eu me escuto. Eu descobri que eu canto, eu descobri que eu posso, eu descobri que eu sou. Agora, eu me enxergo, eu me sinto e me basto.

55

Sobre a liberdade que sou

Minha prisão sou eu, mas sou também a própria chave. E não só habito o mundo, como um mundo habita em mim.

O mundo é grande e isso assusta, mas eu quero um mundo cada vez maior.

Se à minha sombra sou pequena, ao meu sol sou infinita.

Mas… infinita?

Talvez infinito seja excesso e a eternidade é um exagero. Não infinita, mas imensa. Não eterna, mas real.

Eu sei, a incerteza é certa. Eu sei, a perfeição não é. Mas também sei, só o imperfeito é que é possível. E talvez nem seja ruim.

Eu existo, erro e caio. Mas só cai quem quer voar. E eu voo.

É difícil abrir a porta, mas dói mais se não tentar.

Faz sentido um mundo imenso, no qual posso me perder. Liberdade assombra e encanta, e eu quero me assombrar.

56

Foi pela rosa

Foi pela rosa.

Foi pela rosa, eu juro!

Bom, é só uma rosa, mas...

Não. Só pela rosa, jamais!

Não é só uma rosa. É minha rosa, e foi por ela.

Ah, minha rosa...

É a derradeira rosa. Inconfundível rosa.

É a rosa. É minha.

E foi por ela.

57

Na próxima florada

Se eu fosse uma árvore, gostaria de ser um ipê. Passaria a maior parte do ano bem quietinha, para na primavera cantar com cores tão berrantes que eu seria capaz de iluminar qualquer caminho.

Ainda é fase de galhos secos. Mas o tronco não está morto, não.

Descanso agora,cultivando em mim a seiva que será depois luz para todo mundo.

Realmente, não é fácil suportar essa estiagem. Mas logo o céu vai chorar vida sobre o bosque. Enquanto isso, sonho com a próxima florada.

Com que cor você vai soar na primavera?

58

Para acreditar

Sei que o escuro não é feito de nada, e existe muito no que não posso ver.

Entre crer ou não, há querer e sentir, e há mais: não poder explicar.

Sei que de fora não conheço muito, sei que de dentro não sei quase nada.

Perdida no mundo, na vida e em mim, defino a incerteza para acreditar.

59

Regresso

Já era tempo de voltar pra casa, De abrir bem janelas e contemplar o sol.

Já era tempo de sacudir lençol, Desempoeirar os móveis, afinar o piano.

Já era tempo de desentupir o cano, Consertar goteiras e repor o armário.

Já era tempo de libertar canário, De cuidar das flores, enfim arar a terra.

Já era tempo de findar a guerra, De matar a espera, completar o lar.

Já é mais que o tempo para regressar, Dentro de seus braços, descansar minh'asa.

60

Reflexo

Todos os dias ela sorria pra mim. Parece estranho, mas era o sor riso mais importante de todos os que eu poderia receber.

Às vezes ela falava comigo. Mas nem sempre.

O importante era que jamais, jamais, passava um dia sem que nos víssemos. Podia até ser por poucos segundos, enquanto eu esco vava os dentes, ou ela penteava os cabelos.

Mas eu sabia que ela sempre estaria ali. E quando eu erguesse os olhos, ela faria o mesmo. E se ela sorrisse, seria impossível para mim não sorrir também.

Aos poucos eu cresci. Amadureci. Acontece com todo mundo. Passei a enxergar o mundo de outra forma. E passei a enxergá-la de outra maneira.

Estávamos mais distantes. Eu via nela defeitos que antes nem pareciam existir, ou não faziam diferença.

Percebi com tristeza que estava me importando demais com o que os outros pensavam dela. O que eu sempre pensei não deveria ser suficiente? Se deveria, não parecia.

Comecei a olhar para ela e questioná-la sobre o futuro. O que ela poderia me oferecer? O que poderia oferecer aos outros? Ao mundo?

Eu sabia que era muita pressão. E quando vi seus olhos mareja rem, os meus também se encheram de lágrimas.

E no lugar de nossos costumeiros sorrisos, passamos a compartilhar preocupações.

Todas as manhãs, eu tentava, em vão, mascarar as suas olheiras, mas evitava olhar no fundo dos seus olhos.

Ela não era mais parte de mim, mas só um vulto. Um vulto que eu não poderia enxergar com nitidez, mas os outros com certeza o fariam, e a julgariam. Eu decididamente nunca deixaria que algo de mal acontecesse com ela. Mas não entrava na minha cabeça de forma alguma a ideia de deixar que ela fosse quem ela realmente queria ser.

61

Como se ao imitar o padrão ela pudesse ser alguém de verdade. Toli ce…

Eu sentia falta do seu sorriso. Sentia falta de poder me aprofundar no seu olhar. Sentia falta de me sentir bem em frente a ela. E sabia que ela sentia tudo isso na mesma intensidade. Já não dava para manter as coisas desse jeito.

Um dia ela parou de evitar o meu olhar e disse:

– Vem, você precisa me seguir.

– Para onde? – Eu estava confusa demais só por voltar a falar com ela.

– O que importa não é para onde vamos, mas que experiências vamos trazer de lá.

– Está certo – Eu a segui até o jardim.

Ela olhou para o céu, que irradiava um azul imaculado. De repen te algumas nuvens surgiram, mas passaram rapidamente.

Ela continuava olhando para o céu. Começou a dar um passo para a direita, outro para a esquerda.

Enquanto eu tentava imitá-la, sem entender nada, o céu atingiu um tom avermelhado de fim de tarde. Uma brisa quente amaciava o ar.

Ainda tentando imitar seus passos, afundei o pé numa poça de lama. Quando me dei conta, havia arrancado os sapatos e os atirado para longe. Estava dançando descalça na lama quente.

Ela olhou pra mim e me concedeu o sorriso mais verdadeiro dos últimos tempos. Foi uma dádiva. Arrancou os sapatos também. Come çamos a gargalhar.

Olhei novamente para o céu e não pude entender o que estava acontecendo. Eu via tudo, e tudo junto. Eu via o tempo.

A lua girava, de nova à cheia num ciclo incansável. Ao mesmo tempo, eu via o nascer e o pôr do sol, que davam ao céu uma coloração única. E no instante em que parei para admirar as estrelas, senti os

62

primeiros pingos de chuva.

A brisa se intercalava com um vento mais gelado, mas eu não sentia frio.

Rodopiava na grama e deslizava pelo barro. Caí mais de uma vez. Mas levantei em todas elas. Já estava coberta de lama, mas ria como há tempos não tinha oportunidade. Ou motivo. Talvez rir sem razão alguma seja ainda melhor.

Eu admirava o céu e tudo o que estava acontecendo nele naquele momento, mas ainda podia senti-la dançando perto de mim.

Percebi que aquelas mudanças poderiam representar todo o tempo que passamos juntas. Anos em que fomos as confidentes mais secretas, sem precisar falar nada para desabafar.

Olhei novamente para ela. O cabelo estava molhado e bagunçado, as roupas cobertas de lama, a maquiagem toda borrada. Mas o seu sorriso era tão autêntico que ela nunca estivera tão linda.

Finalmente concluí que o que realmente importava era isso, vê -la sorrir. E se o seu sorriso fosse genuíno, o meu também seria. Muito melhor do que obrigá-la a sorrir sem felicidade, enquanto eu disfarça va as minhas emoções.

Enquanto dançávamos e ríamos na chuva, descobri que sentia muito orgulho dela. E era o mesmo que sentir orgulho de mim. Eu a abracei, torcendo para as lágrimas estarem camufladas pelas gotas de chuva. Fechei os olhos.

Quando os abri, sorri mais uma vez por enfim termos consegui do fazer as pazes. Lavei o rosto, tirando os restos da maquiagem já manchada. Olhei mais uma vez para ela, e então me afastei do espelho, disposta a nunca mais afastar o sorriso do rosto.

FIM 63

Glossário de símbolos

Mais do que flores

AAmor-perfeito

(Viola tricolor)

O amor-perfeito costuma simbolizar o amor romântico e a ideia de fidelidade e eternidade. Entregar um amor-perfeito seria como prometer que o amor não será esquecido. Contudo, a flor também é associada à Trindade Divina, ao amor materno, ao trabalho e à estratégia, e ao próprio pensamento, ao ato de refletir.

BBeija-flor

(Trochilidae)

Além de anunciar a visita de alguém querido, o beija-flor simboliza a cura e o renascimento, a suavidade, a graça e a pureza. Também é rela cionado à ideia de entusiasmo e de clareza para contornar obstáculos. Indica o amor romântico e simboliza liberdade e paz.

65

BBeijinho

(Impatiens parviflora) Popularmente conhecida, entre tantos no mes, como beijinho, maria-sem-vergonha, não -me-toques ou beijo-turco, essa flor carrega a ideia de uma personalidade intensa. Simboliza o entusiasmo, a dinamicidade e capacidade de rápida recuperação. Por outro lado, é associada à impaciência e impetuosidade.

CChuva

Por se inserir entre o também simbólico céu e a terra que é cultivada, a chuva é colocada por diversas culturas como uma manifestação da fertilidade ou fecundidade. Também é vista como agente de purificação e renovação. Nesse sentido, representa força, cura e limpeza. Chuvas fortes, por outro lado, são associadas a maus presságios.

66

Girassol

(Helianthus annuus)

Por essência, a "flor do sol" simboliza a felicidade. É costumeiramente associada à ideia de calor, alegria, força, entusiasmo e vitalidade. Carrega ainda o conceito de conforto, harmo nia e lealdade. Todavia, o girassol também pode simbolizar a arrogância.

IIpê amarelo

(Handroanthus

albus - Tabebuia serratifolia)

O ipê amarelo é considerado árvore-símbolo do Brasil, pois está presente, de forma nativa, em todos os estados do país. É conhecido tam bém pela alta resistência da sua madeira. Sobre tudo, o ipê simboliza a chegada da primavera. Isto porque, após um longo tempo sem cor, suas flores desabrocham ainda nos dias de inverno. O amarelo vibrante ressalta essa ideia de renasci mento.

G
67

JardimJ

O jardim costuma ser associado ao conceito de paraíso, uma unidade cósmica perfeita. Assim, cultivar um jardim seria ter uma miniatu ra do equilíbrio do cosmos. Equilíbrio também é uma palavra-chave, pois os jardins simbolizam a harmonia. Relacionam-se ainda com a ideia de fertilidade, de beleza, desejo e até de riqueza.

LLobélia azul

(Lobelia erinus)

A lobélia azul simboliza a calma e o relaxa mento. Além disso, indica confiança, harmonia, fidelidade e afeição. Por outro lado, a lobélia pode ser associada à indiferença ou desatenção.

68

MMargaridinha

(Sanvitalia procumbens) Assim como a margarida (Leucanthemum vulgare), a margaridinha simboliza o amor puro, a inocência e a juventude, a imaginação, a arte e a criatividade, a sensibilidade, a pureza e a bondade.

NNoite

Na maior parte das culturas, a noite traz um significado que é complementar ao do dia. Se, por um lado contrapõe os sonhos à realidade, o fato de que carrega escuridão, e não luz, faz com que seja associada ao engano e às dúvidas, às an gústias e ao vazio, à solidão, à privação e à pró pria morte. Todavia, esse momento de privação costuma compor um processo simbólico maior de purificação. Assim, a noite seria uma etapa do equilíbrio das energias, personificando a gestação de um novo dia. Nesse sentido, associa-se ao tempo, ao conforto e à vida.

69

OOnze-horas

(Portulaca grandiflora)

A onze-horas representa muito bem o grupo dos cactos e das suculentas, plantas conhecidas pela resistência, força e capacidade de adaptação. As onze-horas são conhecidas pela floração em tons quentes, e se desenvolvem muito bem tanto em ambientes com forte sol quanto à meia -luz. Sua versatilidade se mostra ainda no fato de que a planta pode ser inserida em jardins de chão, canteiros planos e maciços, ou em vasos, jardineiras e até em cestas suspensas.

PPerpétua

(Gomphrena globosa)

Como o próprio nome indica, a perpétua traz a ideia de eternidade. Pela coloração arroxeada ou cor-de-rosa, costuma-se pensar especificamente em um amor imortal. Todavia, ela se diferencia de flores como amor-perfeito, que também simbolizam amor eterno, porque para a perpétua o amor carrega um forte apelo de devoção, de servidão.

70

Petúnia

R

(Petunia × hybrida)

A simbologia da petúnia está atrelada a transformação e sabedoria. Acredita-se que, além de propiciar força espiritual e clareza da mente, a petúnia possa estimular o que se encontra adormecido, harmonizar ambientes ou relaciona mentos e, ainda, despertar recomeços.

Rosa

(Rosaceae)

A rosa é considerada a flor de maior riqueza de simbolismos na cultura ocidental. É comum que cada cor indique um significado distinto, por exemplo: rosa branca simboliza pureza, rosa vermelha demonstra desejo. No entanto, o amor é um símbolo comum a todos os tipos de rosa. A roseira também envolve as ideias de mistério, vida e encantamento. É considerada ainda um símbolo de resistência, por vencer a força bruta com a delicadeza, uma vez que as flores desabro cham em meio aos espinhos.

P
71

Sol

O sol assume papel central na maior parte das culturas. A ele estão associados conceitos que vão desde vida até morte, mas sempre em ideia de constante atividade, em uma energia cíclica. Por conta dessa concepção de ciclo, é comum que o sol represente o renascimento. Simboliza ain da calor, vitalidade, luz, força e autenticidade, e também é associado à plenitude, à perfeição e à imortalidade. Representa o conhecimento, a juventude, a impetuosidade, a paixão, a individualidade e a força de vontade.

72
S

Agradecimentos

Gratidão a Deus, por me conceder a arte e a natureza como refúgio.

Gratidão à minha família, que me deu raízes e que continua me dando suporte.

À tia Rosinha, que me ensinou a maior parte dos nomes de planta que hoje eu sei e que reconhece um passarinho só de ouvir cantar.

À minha mãe, que me apresentou à poesia e me transmitiu o amor pela música.

Ao meu pai, que me passou o carinho pela terra e que ainda me dá dicas de desenho.

Ao meu irmão, que também passa dicas de ilustração e que me aju da a crescer.

Gratidão a Djenyfer Fernandes e Lucas Novak, que acompanharam este projeto desde que a ideia era uma sementinha.

Gratidão a Mariana Pauletti e Emili Caloi, que sempre regaram mi nha vontade de criar.

E gratidão à universidade pública, que, mais do que portas, me abriu caminhos. Muitos e tão floridos.

Caminhemos.

73

Sobre a autora

Giovana Lucas é de Curitiba, mas reside em Colombo. É apaixona da por Arte e realmente acredita que educação, informação e cultura são capazes de transformar o mundo. Toca piano e tem uma inevitável quedinha pela literatura e pela ilustração.

Em 2021, está se formando como bacharel em Jornalismo na Universidade Positivo (UP) e também cursa Licenciatura em Letras-Português na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Seu sonho é trabalhar com Jornalismo Cultural e e ela tem muito interesse pelos campos de estudo da Semiótica, da Linguística Aplicada, em especial com foco nos Multiletra mentos, e da Sociolinguística.

Sobre o incentivo

Este e-book foi desenvolvido durante a vigência do BIPAC, Progra ma de Bolsas de Incentivo à Produção Artística e Cultural, fomentado pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em ação da Diretoria de Extensão, da Pró-reitora de Relações Empresariais e Comunitárias e da Comissão Central de Cultura.

A bolsa tinha como objetivo auxiliar a criação artística na comu nidade da UTFPR durante a pandemia, e esteve vigor entre junho e agosto de 2021.

74

Depois da chuva, renasço jardim.

Um pouco de sol e floresço, por fim.

Contos, poemas e ilustrações de Giovana Lucas.

Apoio Cultural: Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Pró-reitora de Relações Empresariais e Comunitárias Diretoria de Extensão Comissão Central de Cultura Programa de Bolsas de Incentivo à Produção Artística e Cultural (BIPAC)

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.