O presente trabalho foi realizado com o apoio da Universidade Tecnológica Federal do Paraná UTFPR

O CORAÇÃO QUE COMPARTILHAMOS
UMA COLETÂNIA DE POEMAS SOBRE DISTÚRBIOS ALIMENTARES
Autora: Isadora F. Z. Schmidt
Co autora: Milena Kozima
Eu e ela compartilhamos um coração
Toda vez que ela se olha no espelho, eu passo fome. Quando nos conhecemos, mordi seu pulso
Me ajoelhei e implorei por perdão
Ela empurrou seu dedo em minha garganta pra me manter quieta.
Não fui alimentada por uma semana. Algumas de nós não nascem para serem mães
Eu não nasci para ser filha. Conto minhas costelas para pegar no sono.
Hoje me pesei cinco vezes.
A primeira por curiosidade
As outras quatro por impulso. Espero que um dia alguém me ame
Do mesmo jeito que amo minha fome.
Tenho vergonha estampada por todo o meu corpo. Ela foi passada de geração em geração.
A mão que me alimenta
Range os dentes e morde os dedos.
Um filho não irá odiar a mãe
Sem antes ela o odiar primeiro. Monstros existem em diferentes formas.
Eu conto calorias
Eu como pouco
Eu me desfaço do que comi. Você me implorou para morrer Eu tentei. Você cobre meu corpo com perfume caro e trança meu cabelo
Prometendo que algo moribundo pode parecer lindo Mas morte é morte Animais sentem o cheiro.
Ela nasceu com lâminas no lugar dos dentes Deixava contusões onde seus dedos tocavam
Os monstros de sua infância estão no reflexo do espelho
Eles não param de rosnar. Sua boca sangra quando tenta sorrir Seus ossos se quebram durante a noite
Todo objeto é aterrorizante para suas mãos trêmulas. Pouco a pouco, ela esquece o que é ser humana Pouco a pouco, ela desaparece.
Eu escrevo em vermelho com vergonha e culpa. Eu quero me sentir
Do jeito que eu me sinto quando estou dormindo. Sem vida Sem peso Invisível.
Eu e ela temos a mesma boca
Eu a alimento, escassamente
Só para mantê la um pouco mais quieta Um pouco menos selvagem. Nós entrelaçamos as mãos para dormir Ela me conforta.
O tamanho da minha fome me enoja.
As coisas que eu faria comigo mesma me dão pesadelos. Querer morrer de fome não é o mesmo que querer voltar pra casa. Toda vez que você comenta sobre meu corpo
Você me machuca.
Você insiste que eu deveria deixar o passado ir Onde eu coloco tudo o que ele me ensinou?
Você insiste que eu sou melhor que isso Eu estou na sua frente, nua. Você continua crescendo, florescendo
Eu quero correr, gritar
Em vez disso estou sentada, quieta.
Antes de ser mulher fui objeto Meus cabelos entopem o ralo Mal consigo levantar.
O deus da minha infância chora por mim Enquanto minha fé estremece.
Os dias passam cada vez mais rápido
Me sinto sozinha, ansiosa
Na minha casa, na minha pele. Mal consigo lembrar de ontem.
O peso da minha infância me paralisa
O sangue da minha inocência mancha a minha boca.
Eu meço meu valor pelas calorias
Considero a fome um conforto.