PersonificAÇÃO: O Ato de Dar Vida a Universidade Tecnológica Federal do Paraná | BIPAC 2021

Maris Rubim Steyce Lopes

Ação

Personific

O ato de dar vida a Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Produto cultural

exclusivo

Ação

Personific

Escrita

Steyce Lopes

Ilustração e organização

Maris Rubim

Apoio Cultural:

UTFPR

Pró-reitora de Relações Empresariais e Comunitárias

Diretoria de Extensão

Comissão Central de Cultura

Programa de Bolsas de Incentivo à Produção Artística e Cultural (BIPAC).

Em agradecimento a Giulia Goldoni,

a Tatiana e a todos que nos auxiliaram.

Sumário Prefácio ................................................................................................. 7

Capítulo 1 .............................................................................................. 8

Conto Quem é o Cefet?,11

Conto Já fomos um hospital?, 13

Capítulo 2 .............................................................................................. 16

Conto Por que no bloco E há tantas rampas?, 19

Conto E agora?, 21

Capítulo 3 .............................................................................................. 24

Conto A viagem aos cursos da UTFPR, 27

Conto O caso do ônibus, 29

Capítulo 4 .............................................................................................. 34

Conto Vivacidade e Felicidade, 37

Conto Siglas e mais siglas, 39

Capítulo 5 .............................................................................................. 42

Conto Aquário sem peixe?,45

Conto Sala GECEL, 47

Capítulo 6 .............................................................................................. 52

Conto QUEIJOS, 55

Conto RU e as abelhas, 59

Prefácio Caro leitor,

Como está? Por meio desta carta-prefácio venho conversar sobre a feitura deste livro e a intenção dele.

De

acordo

com

as

belas

palavras

de

Steyce,

"O

Projeto

PersonificAÇÃO: O ato de dar vida a Universidade Tecnológica Federal do Paraná por meio de um livro de contos é pautado em transformar a cultura e cotidiano do ambiente universitário em histórias.

Deste

modo,

almeja-se

construir

um

ambiente

literário propício para a identificação dos estudantes com as histórias

e

também

espera-se

criar

um

sentimento

de

pertencimento com a UTFPR.” A escrita dela me encanta, não é por acaso que todos os contos foram escritos pelas mãos da Steyce.

Portanto, buscamos fazer com que você se veja na Tê, na Gabi, no Pedro ou em outro personagem que teremos durante todo

o

livro.

diversos

Quem

sabe

momentos,

um

pouquinho

em

eu

desenhava

enquanto

lia

ou

cada

um?

Em

alguma

ilustração para o livro me sentia mais próxima da Universidade, mesmo estando tão longe.

Entramos no curso no primeiro período de 2020, vivemos 2 semanas ativas na sede do Centro e logo tivemos que lidar com a pandemia que nos afronta. A Steyce já morava em Curitiba, enquanto eu sou do interior de São Paulo, tive que voltar e vi a UTFPR ficar cada vez mais longe de mim.

Mas

não

permitimos

que

a

distância

nos

separasse

da

organização que chamamos de Universidade, a ideia de dar vida a

tudo

aquilo

que

gostaríamos

de

viver

e

histórias

que

já

ouvimos falar se concretizou, finalmente. Nossas dúvidas de calouras

e

anseios

de

-agora-

veteranas

com

certeza

nos

ajudou a tornar isto possível.

Sendo

assim,

gostaríamos

de

agradecer

a

todos

que

contaram histórias reais vividas pelos cantos da UTFPR-CT e a todos os memoriais que mostram um pouco da realidade dos alunos.

Agradecemos

também

a

Professora

Anuschka

e

principalmente a Comissão Central de Cultura da Universidade que incentivou a produção do projeto.

7

capítulo 1

A

curiosidade ajudou

o gato 8

9

10

Quem é o CEFET?

Tê estava escutando “Solitary Hill” de Brian Crain enquanto estudava algumas questões teóricas referentes às poesias. A música parecia um fundo perfeito para o conteúdo: tudo ficava leve e ela sentia como se estivesse sendo abraçada pela melodia. No xerox do material que estava manuseando, Tê notou algo estranho no canto inferior esquerdo: um brasão com a palavra “CEFET-PR” estampado. Ela continuou a ler, no entanto, ficou extremamente curiosa com aquele vocábulo até então desconhecido. Mal conseguia se concentrar, então resolveu pesquisar na internet do que se tratava. A primeira resposta do navegador indicou o site da UTFPR… Seria a mesma coisa? Era um segundo nome da instituição? Isso ela não conseguiu responder de imediato pois sua aula começaria em 5 minutos. Correndo, Tê foi para o bloco A rumo a aula de Linguística Geral.

Passaram-se 2 horas até que ela pudesse sair para o intervalo. Tê, como sempre, foi para o RU comer um lanche.

Quando chegou lá, viu que alguns de seus veteranos, aos quais ela havia conversado brevemente na recepção de calouros, estavam lá. Logo que eles a viram, chamaram-na para que se sentasse junto ao grupo. Conversa vai, conversa vem e Tê se lembrou daquele brasão “CEFET-PR” e resolveu perguntar ao pessoal mais experiente do curso do que se tratava. Bruno, um dos mais velhos do grupo, se prontificou a respondê-la. Ele disse que iria fazer uma linha do tempo para que ela entendesse, e Tê mal piscava, em busca da tão almejada resposta.

“No início do século XX houve um movimento de criação de Escolas de Aprendizes Artífices nas capitais brasileiras. Em Curitiba, essa escola foi criada em 1990 no centro da cidade. O foco desses institutos era ensinar alguns saberes das profissões mais comuns da época, como alfaiataria, sapataria, marcenaria e serralheria. Aos poucos, a instituição foi englobando mais alunos, e, com uma necessidade de uma infraestrutura melhor, a Escola foi transferida para a Rua Sete 11

de Setembro. Gradativamente a Escola foi aprimorando os seus saberes, e, assim, passou a ministrar o ensino do 1° grau. Com isso,

a

terminologia

Industrial

do

da

Paraná”,

Escola

está

foi

alterada

acompanhando,

para

Tê?”.

“Liceu

A

garota

respondeu que sim, sem titubear, ela mal lembrava do espaço ao

redor,

estava

mencionou

seu

tão

focada

nome

foi

na

como

história

se

que

tivesse

a

quando

Bruno

acordado

de

um

sonho.

“Tudo

bem,

beirando

a

nacional

de

vamos

continuar

metade

do

mão

obra

de

século

então”,

XX

havia

qualificada.

disse uma

Sendo

Bruno.

“Já

necessidade

assim,

o

Liceu

passou a ofertar alguns cursos técnicos, alterando novamente a

nomenclatura

do

Instituto,

que

agora

se

chamava

Escola

Técnica Federal do Paraná. Dando um salto no tempo, em 1974 houve a inserção de 2 cursos de curta duração, sendo estes vinculados

a

Engenharia

de

Operação

(Construção

Civil

e

Elétrica). Foi percebida uma necessidade de amplificar esses cursos, e, deste modo, a instituição passou a ofertar cursos de graduação

plena.

Novamente,

houve

a

mudança

do

nome

da

Escola, que passou a ser conhecida como CEFET-PR, ou seja, Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Entendeu agora o que o nome significa, Tê?” A garota respondeu que sim, e Bruno perguntou se ela gostaria de saber o “fim” da história, a resposta foi, obviamente, sim.

“Agora você sabe que estamos falando aqui, desse lugar em que estamos, né? Eu gosto muito de saber as histórias das coisas, e uma das primeiras pesquisas que fiz quando entrei aqui foi para descobrir como a UTFPR havia surgido, e, bem, foi basicamente assim, após o CEFET: Nos anos 90 houve muitas reformulações foram

revistas,

no que enfim,

diz

respeito

muita

coisa

à

educação.

mesmo.

Legislações

Sendo

assim,

o

CEFET precisou rever algumas questões, dentre essas a oferta de cursos técnicos. Basicamente, reformularam muitas coisas até

que

a

instituição

pudesse

ofertar

graduações,

para

que,

por fim, virasse o que conhecemos como UTFPR. Inclusive, você sabia que a UTF é a única Universidade Tecnológica do país?”.

Tê respondeu que não sabia, e

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percebeu

que

estava fascinada

pela história contada por Bruno. Como ela não havia pesquisado isso antes? Em um movimento involuntário ela olhou para o relógio: Tê já estava 20 minutos atrasada para sua aula. Ela agradeceu Bruno, e pediu o pedaço de papel ao qual ele estava anotando para levar embora. Todos do grupo deram tchau e ela foi para sua última aula, com aprendizados que ela nem sabia que iria adquirir durante aquele dia.

Lendas urbanas da UTFPR Curitiba: já fomos um hospital?

Às vezes nos deparamos com conversas nostálgicas que, imediatamente, nos remetem a história que estava no fundo de nossas mentes. Um desses diálogos aconteceu com Tê em uma quarta-feira chuvosa, em meio ao RU. Mel e Gabi estavam comendo um lanche com a garota, quando uma delas tocou no assunto de programas de TV antigos. Elas foram mapeando alguns, como por exemplo Casseta e Planeta, Casos & Acasos, O melhor do Brasil e Ídolos. Por fim, Mel lembrou das lendas urbanas do Gugu, que a deixava aterrorizada quando pequena.

Gabi disse que até hoje tinha medo de ir a banheiros escuros por causa da tão temerosa loira do banheiro. Já Tê relembrou a lenda urbana “flor do cemitério”, que mostrava a história de uma garota que havia achado, em meio ao cemitério, uma flor muito bonita, e, sendo assim, levou-a embora. No entanto, mais tarde, um espírito deu por falta deste objeto, atormentando-a por um bom tempo. Com isso, Tê disse que nunca mais pegou coisas do chão sem saber de quem de quem era: ela tinha medo que o mesmo que aconteceu na lenda se repetisse com ela.

As garotas conversam por vários minutos sobre essas histórias, e, em certo ponto, Mel perguntou se não haveria len-

13

14

das urbanas sobre a UTFPR. Em um primeiro momento, as garotas não deram muita bola, tendo em vista que já estavam ficando com medo do decorrer daquela conversa. No entanto, Mel era muito curiosa e, ao avistar Bruno no RU, não perdeu tempo: foi imediatamente consultá-lo sobre as lendas urbanas da Universidade. Bruno acompanhou a garota e sentou-se junto com elas. Mesmo com medo, elas estavam curiosas, e, por isso, foram perguntando várias coisas para Bruno “você sabe de alguma coisa?” “Há alguma história macabra para nos contar?”.

Bruno deu risada, e disse que havia sim algumas lendas, mas que talvez não fossem tão macabras assim: eram apenas boatos repassados entre os alunos por vários e vários anos e que atualmente ainda eram contadas, mesmo sem qualquer indício de veracidade.

“Bem, vamos lá”, iniciou Bruno. “Quando eu entrei na universidade, uma das primeiras histórias que ouvi é que a UTFPR era um hospital antes de virar universidade. Eu acho que essa é a lenda mais difundida por aqui, pelo menos nesse Campus. As pessoas até explicam a arquitetura e organização dos prédios por meio dessa lenda. Inclusive, falam, por exemplo, que as rampas só existem porque antes era necessário que existisse essa infraestrutura para que as macas pudessem ser levadas para cima e para baixo. Há boatos também que os blocos são organizados dessa forma por causa dessa história de hospital. Bem, eu sei que isso é uma falácia, porque isso não faz sentido e não tem nada documentado sobre. Mas é legal ter essas histórias para passar o tempo às vezes”. As meninas estavam acompanhando a linha de raciocínio tão atentamente que até se esqueceram de piscar. Quando Bruno finalizou, Mel perguntou se ele tinha certeza de que aquilo era mentira, porque ela tinha um pouco de medo. O garoto respondeu que sim, tinha certeza e ela pareceu um pouco mais tranquila.

As garotas foram para a aula, mas Mel seguia com um pouco de receio. Neste dia, sua aula era em um bloco um pouco mais afastado, o que a deixou ainda mais temerosa. Antes de entrar na sala, ela resolveu ir ao banheiro. “Que ideia ótima”, aa

ironizou ela. Mel deixou sua bolsa do lado de fora da porta da cabine do banheiro, e as luzes começaram a piscar. Ela deu até uma risada pensando “não é possível”. Ela prontamente saiu, lavou as mãos e foi para a aula. No caminho, ela encontrou um caderno sem pautas jogado no chão: parecia que alguém apressado havia deixado cair. A menina pegou o caderno para ver se havia algum nome, ou algo do gênero, porém, ela só encontrou alguns desenhos feitos com lápis, com traços bem marcados e um tanto quanto grotescos. Ela guardou e foi correndo para a sala, pois a aula já havia começado. 3 horas depois, Mel foi embora, e levou consigo o caderninho encontrado. Já em casa, a garota estava com uma sensação estranha, como se algo estivesse apertando seus ombros. Ao deitar, esse sentimento ficou ainda mais forte, e ela ficou com muito, muito medo. Ela então lembrou da lenda urbana da flor: será que o mesmo havia acontecido com ela? Sentiu, então, um frio na espinha, como se algo estivesse tocando seu osso.

Triiiiiiiiiiiiim, tocou seu despertador. Era tudo um sonho, ou melhor, pesadelo. Aquelas histórias tinham ficado na cabeça dela, e, por fim, ela soube que nada era verdade.

Mel levou o caderninho para a universidade, a fim de encontrar seu dono. Levou o objeto para uma sala em que os itens perdidos da UTFPR ficavam. Lá, encontrou uma garota de cabelos lisos, curtos e com um sorriso encantador. Ela usava uma camiseta com a estampa da série American Horror Story que dizia “All monsters are human”, que traduzindo, significa “Todos os monstros são humanos”. Quando a garota de cabelos lisos viu o caderninho que Mel estava nas mãos, imediatamente foi ao seu encontro e disse, com muito alívio, que estava em busca do seu Moleskine de traços. A garota disse que estava fazendo u ma oficina de arte, e, com isso, estava testando novos estilos naquele caderno. Mel o devolveu, aliviada e também com um sorriso no rosto, afinal, as coisas não acontecem por acaso.

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capítulo 2

16

Nem Sócrates refletiu tanto:

17

18

Por que no bloco E há tantas rampas?

Muitas pessoas se sentem pequenas ao se depararem com elementos de grande magnitude, como montanhas, arranha-céus ou prédios com incontáveis andares. Tê se sente pequena perante as rampas do bloco E da UTFPR. Para ela, a rampa parece ter uma inclinação que a levará para os céus.

Aliás, será que ela já subiu todas as rampas existentes por ali?

Essa é uma pergunta que ela não consegue responder de imediato. Quem será que projetou essa Universidade? Por que tantas rampas? Blimmmm, ela escuta o alarme do seu celular indicando que a aula de Linguística Geral vai começar.

A professora explica o conteúdo, e Tê, com um lápis na boca, fica vagando em seus pensamentos sobre as rampas.

“Por que estou pensando tanto nisso?”, questiona a garota. A aula acaba, e, novamente, ela se depara com aquilo que a fez ficar flutuando o dia todo...Tê chama sua colega, que também está indo embora e pergunta se ela já pensou sobre as rampas.

Marcielli, a garota que recebe o questionamento, diz que sim, que seus veteranos falaram que as rampas existem porque antes a UTFPR era um hospital, e, sendo assim, havia a necessidade de uma infraestrutura cabível. Tê sente um deboche por parte da sua colega, e a ignora, seguindo quieta e em passos largos rumo ao tubo de ônibus.

Tê, em mais um dia de sua rotina, sobe as rampas, mas, dessa vez, elas parecem não ter fim. Ela realmente está angustiada com seus passos que, um em seguida do outro, parecem não dar em nenhum lugar. Ela começa a segurar a respiração, muito tensa com a situação, afinal, onde está a sala em que ela terá aula? Blimmmm, o despertador toca e percebe que estava sonhando. Ela não entende o porquê de estar assim.

Sua estratégia agora é fingir que nada aconteceu, e ela segue sua rotina, tomando café e indo em rumo ao seu curso de escrita criativa.

Depois do curso, ela sabe que sua aula é na sala E-301.

Antes de subir as rampas, ela resolve ir ao RU encontrar algumas amigas.

19

Quase todas as mesas estão lotadas e ela tem dificuldade de achá-las. Logo ela avista uma mão acenando e vai ao encontro delas. Ao chegar lá, suas amigas estão comentando sobre a aula que em breve começará. Gabriely, amiga de Tê a longa data, percebe o quanto ela está apreensiva, parece uma espécie de filósofo estruturando uma nova teoria. Gabi, apelido carinhoso ao qual é nomeada, pergunta o que está acontecendo, e Tê rememora seu último dia, explicando que não sabe o porquê de estar tão pensativa em relação às rampas do Bloco E. Gabi escuta a amiga, e, de pronto, já tem uma resposta: não era você que tinha medo de altura? Só pode ser por isso! Tê não entende de primeira, porque as rampas em si não expressam grande perigo ou algo do gênero.

É verdade, resmunga ela… Pode ser isso mesmo! Depois dessa conversa, as amigas sobem as rampas e Tê avista uma aluna de comunicação organizacional, subindo as rampas no seu próprio tempo, segurando no corrimão. Outra menina está à beira da rampa, folheando “Laços de Família”, da Clarice Lispector. No andar de cima há um casal encostado no corrimão, de mãos dadas. Então, ela entende tudo! Por que ficar apreensiva com tantas histórias sendo contadas naquele ambiente de rampas? Tê, por um momento, se sentiu espectadora do mundo, observando todos aqueles que passavam na rampa. Ela tentou imaginar a história de cada um e o que eles pensavam sobre as rampas. Bem, agora ela pensava que aquele local era um multiplicador de poesias, histórias e vidas.

Blimmm, toca seu telefone indicando que a aula começou.

20

E agora?

Há coisas, lugares e pessoas que são condicionais: é preciso ter algo para que elas existam. Por exemplo: as bibliotecas só existem porque há quem queira ler os livros que nela existem. Lápis só existem porque há pessoas com vontade de escrever, desenhar e rabiscar. Tê só existia porque…. Bem, essa pergunta ela não sabia, de fato responder. Afinal, por que existimos? Por uma vontade dos nossos pais? Por uma vontade do universo? Por uma questão biológica? Talvez todos esses motivos fossem plausíveis. Mas, afinal, o que nos fazia continuar vivos? Tê sabia que sem as poesias, livros e arte sua vida seria um tanto quanto aborrecida. Ou então sem Gabi… É, isso realmente seria triste. Talvez nossas vidas fossem tecidas por várias condicionais que trazem, a cada momento, uma nova razão de ser e estar.

Na disciplina que Tê cursava nas quartas-feiras, o conteúdo se dava em torno da escola literária modernista. A professora solicitou a leitura do poema “E agora, José” do Carlos Drummond de Andrade. Tê saiu da aula e já enviou o documento para impressão, para que pudesse ir lendo ao longo da sua viagem de ônibus para casa. Com os papéis na mão, ela correu para o tubo, aguardando o transporte chegar. Por sorte, ela conseguiu um lugar para sentar no último assento. Sendo assim, ela logo abriu a mochila, pegou um marca texto e passou a folhear o poema. Os primeiros versos já pareceram um soco no estômago da garota.

“E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, você?

você que é sem nome,

que zomba dos outros,

você que faz versos,

que ama, protesta?

e agora, José?”

21

Tê continuou a leitura, sabendo que ela não seria a mesma após a leitura daquelas palavras articuladas por Drummond. Em meio a narrativa construída, Tê imaginava a realidade de José, um homem com uma sina, que parecia encurralado em seu próprio destino. Mas nós todos estamos, não? Ou podemos lutar contra isso? As últimas palavras do poema pareciam mãos por baixo da costela de Tê, ela sentia cada sílaba inundar seu corpo por meio de reflexões tão cirúrgicas.

“Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha, José!

José, para onde?”

Para onde marchamos, afinal? Por meio das hipóteses colocadas por Drummond, Tê se viu em meio a um questionamento enorme sobre tudo e todos. Aquelas condicionais, pensadas anteriormente, ora faziam sentido, ora não. “Próxima parada, estação Wenceslau Braz”. Era hora de descer.

No banho, Tê continuava pensando em José. Deveria ter pena dele? Aquele era um destino justo? Bem, como não o conhecia, e nem iria conhecer, havia apenas suposições a se fazer. Tê olhou a água amarela dos seus cabelos escorrendo e voltou para si. Se trocou, e foi dormir, visto que no dia seguinte as aulas a aguardavam.

O dia era de chuva, daqueles que não nos cativam a sair de casa. Tê pegou sua botina, guarda-chuva, capa e foi para a Universidade. Devido ao tempo, ela sentou-se no início de uma das rampas do bloco E, observando suas anotações por cima do poema lido no dia anterior. Logo, lhe veio outra condicional existencial: a Universidade só existe porque há alunos nela.

Parece bobo, não é? Mas, e se não houvesse estudantes? Se não existisse todos esses espaços? Os queijos? RU? Bem, isso era bo22

bagem, de fato. Já pensou, a Universidade vazia...sem pessoas...

Será que em algum lugar essa realidade existiria? Em meio aos rabiscos,

Tê

tentou

expor

sagacidade de Drummond.

esse

pensamento

por

meio

da

“E agora?

Os alunos, onde estão?

O giz apagou

O povo sumiu

O burburinho cessou

E agora?

E agora?

As chamadas não tem mais nome

As carteiras estão vazias

Os corredores escuros

E agora?”

Somos

nós

que

fazemos

a

existência,

repetia

Tê

enquanto

caminhava para a sala.

23

Capítulo 3

24

Você Aceita EMBARCAR comigo?

25

26

A viagem aos cursos da UTFPR

Sempre há coisas às quais temos uma visão um tanto quanto errônea. Tê quando era pequena, por exemplo, achava que todos que comiam legumes eram alienígenas que não sentiam o gosto das coisas. Bem, agora ela sabe que isso não é verdade e reconhece o papel fundamental dos legumes...Mesmo que, em sua visão, eles não sejam tão apetitosos assim. Quando crescemos, essas suposições se transformam no que chamam de estereótipo. Como podemos colocar algo ou alguém em caixinhas sem sequer conhecer do que estamos falando? Tê sempre se pergunta sobre isso. Na verdade, uma das coisas que Tê mais faz é refletir sobre as pequenas coisas do seu cotidiano. Por vezes, ela passa dias pensando e se debruçando sobre coisas que não fazem muito sentido para ela…

Imagine uma cena clássica: almoço em família. Era neste cenário que Tê estava imersa em um domingo nublado. É claro que sua escolha de curso foi mais uma das pautas da discussão deles. Seu pai não consegue entender sua determinação em fazer letras português. Ele sempre zomba dizendo que até o nome do curso é esquisito, afinal, matemática não é conhecida como a faculdade dos “números”. Bem, Tê não liga para isso. Ela adora tudo em seu curso, mesmo que esteja no primeiro período ainda. Estudar Teoria Da Poesia ou Fundamentos E Crítica Da Literatura a deixa encantada. Para ela, as palavras sempre tiveram muito poder, e, quanto mais ela conhece a língua, mais fascinada fica. Ela sempre tenta imaginar o mundo sem poesia ou contos, e é uma tarefa bem difícil. As palavras, para Tê, são como abraços em dias em que estamos tristes. Na verdade, ela considera que as palavras são suas amigas, e, de fato são. Em momentos tristes são elas que a consolam. Em momentos felizes elas a fazem expelir toda a sua felícia. Mas, nem todos esses nobres motivos fazem com que seu pai entenda sua escolha. Na realidade, muitos não entendem, não só seu pai.

“Você quer dar aula? Nossa, mas quem quer ser professor?”, “Vocês estudam o alfabeto?”, “Vocês passam 4

27

anos aprendendo a fazer textos?”. Esses e muitos outros questionamentos comumente aparecem quando ela menciona o curso que faz na UTFPR. Na segunda-feira, um dia após o almoço em família, Tê foi para a Universidade. Ela estava distraída na Rua Sete de Setembro, já em frente ao prédio da Universidade, quando avistou sua amiga Gabi parada a uns 6 passos dela. É claro que ela foi encontrar a amiga, e já verificou o semblante triste da amiga. “O que aconteceu?” Tê perguntou. Gabi começou a contar que estava muito triste pois dentro do ônibus um homem a questionou sobre seu curso, que estava estampado na mochila que carregava, dizendo que engenharia não era uma área destinada às mulheres, e que com certeza ela estava com outros objetivos dentro deste meio.

Tê ficou sem reação... Não tinha nem palavras, as quais ela tanto estuda e tem apreço, para exprimir sua revolta e indignação. Quem este sujeito pensava que era para falar assim com sua amiga? Ou melhor, quem ele achava que era para fazer essa colocação? Às vezes as palavras podem ser dolorosas.

Elas são poesia e abraços em dias tristes, mas também podem ser como socos no estômago, tudo depende de como vamos usá-las. Por isso, ela apenas abraçou sua amiga, consolando-a e tentando dissolver o que ela não conseguia expressar. Logo depois Tê comprou uma pipoca do Didi, um clássico da UTFPR que talvez ajudasse sua amiga a ficar um pouco melhor. Depois disso, Tê a levou para sua aula de Geometria Analítica e Álgebra Linear. Lá, uma das professoras havia chegado um pouco antes do horário convencional. Ao olhá-la, Gabi sentiu um certo apreço e reconforto, afinal, ter aula com uma professora depois do que havia acontecido deveria ser um sinal, ou ao menos ajudava-a a seguir até o fim do dia.

Tê foi para sua aula, no entanto, estava difícil de se concentrar pensando no que a amiga havia passado. Ela começou a pensar em outras visões que não faziam nenhum sentido, como por exemplo achar que matemática só estudava números ou que não era preciso fazer faculdade de comunicação. pois todos já possuíam essa destreza. Tê pensou em cada curso da UTFPR e viu uma beleza enorme em cada um, 28

desde os arquitetos até os engenheiros, dos educadores físicos até os comunicólogos organizacionais. Ela quis, por um instante, transitar por todas as áreas, comprovando, por fim, que as perspectivas reducionistas de fato são equivocadas. Quando a aula acabou, ela olhou cada um dos estudantes que estava indo embora pensando no quão nobre cada curso era.

Sabendo que sua amiga Gabi demoraria mais meia hora para ir embora, ela começou a vasculhar a internet em busca das matrizes curriculares dos cursos da universidade. Ela ficou extremamente fascinada, adorou ver a complexidade de cada área, imaginou como seriam as aulas de Neuranatomia na Educação Física, ou então de Psicologia Aplicada Ao Trabalho na Engenharia Ambiental e Sanitária. “Oi?” disse sua amiga, acordando-a da viagem pelos cursos da UTFPR. As duas seguiram rumo ao Shopping Estação para comer o lanche favorito de Gabi. Elas ficaram quietas no caminho, porque Tê sabia

que

momento.

não Ela

era sabia

necessário que

elas

usar iriam

as

palavras

surgir

no

naquele momento

adequado, então ela contaria toda a sua viagem pelos cursos da UTFPR.

O caso do ônibus

Sabe quando ficamos de prontidão, prestes a executar alguma coisa? O corpo já está posto para aquela ação, falta apenas o ímpeto, o sinal para executá-la. O dia era assim em 2 momentos na UTFPR: nas saídas das aulas e no almoço. Os estudantes, já 10 minutos antes da aula encerrar, tinham seus corpos em prontidão. Nada mais importava além do movimento do ponteiro. O foco, normalmente, eram 2: sair rápido para a fila do RU ou para o ônibus. Principalmente quem estuda a noite tem o ônibus como foco, pois, perdendo um, a situação pode ficar

complicada.

Os

professores

se

mostravam

bem

compreensíveis, em sua maioria, em relação a isso. Ou libera29

vam os alunos antes, ou se compadeciam de casos específicos.

Em Curitiba, sabe-se que os ônibus são um marco. Para os calouros vindos de outros lugares é difícil até de se achar no início. Tê, nas primeiras semanas, não sabia muito bem como ir e voltar, pelo menos. Mas os veteranos a ajudaram e, no fim, deu tudo certo. Agora ela já sabia andar pelo centro de olhos fechados. Já não pensava no lado em que deveria pegar o ônibus. E olha que ela já era daqui de Curitiba…

Todos os dias era a mesma coisa: os tubos de ônibus lotados com estudantes da Universidade, era um corre corre danado. Tê já chegou a conhecer algumas pessoas nessas enormes filas e Karen era uma delas. Ela pegava o mesmo ônibus que Tê, e, às vezes, elas trocavam algumas conversas. Karen estudava design, tinha o cabelo repicado e roxo. Usava delineadores bem marcados também. O que Tê mais gostava eram as camisetas dela: sempre muito coloridas, com frases e estampas sempre marcantes. Na verdade, Karen no geral era uma pessoa marcante. Havia dias que ela estava com um livro, e, em outros, ficava focada em suas músicas altas que Tê conseguia ouvir, mesmo que ela estivesse de fone. Os assuntos entre elas giravam ao redor de coisas cotidianas, que havia acontecido na universidade, como por exemplo o cardápio do RU, ou então sobre algo em específico do ônibus, que estava muito lotado, ou que estava muito quente. Talvez elas não fossem amigas, mas sim colegas de ônibus, se é que isso existe.

Ela estava olhando para a janela quando, em meio ao seu campo de visão, observou que um homem estava demasiadamente próximo de Karen. Mesmo com o ônibus lotado, ela viu que aquela aproximação era esquisita. Não era um contato imposto, era algo planejado. Era nojento, repugnante e, por isso, Tê não pensou duas vezes antes de empurrar todos à sua volta para ir ao encontro da “colega de ônibus”. Karen não havia percebido todo o contexto em volta, mas a sua colega sim, e, por isso, Tê chegou perto dela e disse “vamos ali na sanfona, acho que está mais agradável e fresco”. Sem esperar a resposta, Tê foi empurrando a garota para longe daquele homem, que passou a encará-la, pois, pelo visto, apenas ela havia percebido 30

suas intenções. Já na sanfona, Tê falou para Karen o que estava acontecendo, e a garota começou a chorar, e, o homem vendo a situação, acabou por descer no próximo tubo. A camiseta colorida do dia começou a ficar respingada com as lágrimas da garota e, vendo a situação, restava apenas um acalento: um abraço. Um abraço que poderia falar mais do que Tê conseguiria expressar. Era um “estou aqui” mais singelo, sutil, e que tinha grande valor. Logo as meninas chegaram no terminal e, finalmente, puderam conversar. Tê começou dizendo “Sinto muito, de verdade. Não sabia ao certo o que fazer, mas a primeira coisa que pensei foi em te tirar daquela situação. Não sei se foi a melhor alternativa, mas foi o que pensei… Como você está? Quer conversar?”. “Não sei se tenho palavras”, respondeu a garota. “Eu me senti um nada, estou me sentindo culpada por não ter percebido ou feito alguma coisa. Às vezes eu só travo, sabe? Não consigo reagir de imediato, meu corpo congela. Por que eu sou assim, Tê? Queria não ser, queria só parar de existir, pelo menos por agora”.

As palavras foram dolorosas, era difícil de lidar com elas: qual a melhor para usar naquele momento? O que ela poderia responder? Tê começou dizendo: “Eu sinto muito, mesmo, mesmo.

Só quero que você não se sinta culpada por algo que não tem culpa alguma. Você foi a vítima disso tudo, então, por favor, não carregue esse peso consigo. Não é você que deveria ter agido diferente. O problema não é você”. Mais lágrimas e, agora, o silêncio se mostrava mais válido. Era melhor parar e digerir tudo aquilo, para ambas. Tê, porque estava tentando pensar em uma alternativa para acalentar a colega e Karen, que ainda se culpava por algo do qual ela fora a vítima. Momentaneamente, a melhor opção seria que Karen fosse para casa, e, para isso, Tê se voluntariou para levá-la. Logo chamou um carro de aplicativo e acompanhou a colega, a fim de ela chegasse bem ao seu destino. Tê colocou a primeira parada para a casa da menina e, depois, para a dela. Assim, ambas chegariam seguras daquele dia tão ruim.

Depois de se certificar que Karen havia entrado em casa em segurança, Tê entrou no carro novamente e foi rumo a sua casa.

31

Ao chegar, ela tomou um banho ainda com o pensamento constante sobre o que fazer, como não se sentir impotente diante daquela situação tão horrorosa. Foi então que ela lembrou de uma das entidades apresentadas em sua primeira semana de aula, ou, bem, de caloura. O coletivo feminista Anália da UTFPR trouxe uma pauta sobre assédio em uma das gincanas que estavam ocorrendo, e, por isso, Tê pensou em falar com eles para ver se haveria algum direcionamento para essa questão. Ela, ansiosa e com o anseio de ajudar a colega, enviou uma mensagem pelas redes sociais, a fim de conseguir um retorno mais rápido. Depois de 34 minutos, foi respondida e elas mostraram muita solidariedade com o ocorrido, pedindo para que, caso fosse possível, ambas comparecessem na sala do coletivo no dia seguinte. Tê logo enviou uma mensagem para Karen perguntando sobre o seu bem estar e sobre a proposta de irem conversar com as garotas. Sua resposta foi que elas poderiam ir, só que Karen estava um pouco com medo de se expor,visto que ainda não havia conseguido digerir a situação.

No dia seguinte, as colegas de ônibus não mais se encontraram neste ambiente. Agora, ambas estavam na escada do bloco A, conversando e verificando se iriam na sala do coletivo. Tê em um gesto imediato levantou e ofereceu sua mão para que Karen segurasse, pensando que, com isso, um sentimento de segurança poderia ser repassado pelo toque. As meninas foram, de mãos dadas, para o coletivo. Lá encontraram cerca de 5 garotas que estavam confeccionando alguns cartazes com frases incentivando a luta feminista. Quando o grupo de garotas viu as duas, imediatamente sabiam de quem se tratava, e, então, surgiu um espaço de comoção, abraços e gestos que perpassavam a palavra verbalizada. Depois dessa recepção, o Coletivo conversou com Tê e Karen, a fim de entender melhor a situação e, com isso, elas puderam trazer as palavras bem articuladas a fim de acalentar o coração das meninas. Com isso, foram feitas algumas conversas sobre culpa e assédio. Após 2 horas, Karen e Tê puderam entender melhor como lidar com a situação, e, assim, também se livraram um pouco da culpa que estavam carregando.

32

Por fim, elas foram embora juntas. Mas, agora, eram mais do que colegas de ônibus: eram colegas de luta.

33

capítulo 4

34

P.s.:

Nunca

esqueça

disso

35

36

Vivacidade e Felicidade

Sabe aqueles lugares que emanam vida? Onde há pessoas felizes, que estão, de fato, vivendo? É como se até o ar fosse contagiado

pela

vivacidade.

É

como

se

aquele

local

fosse

emoldurado por um ânimo inexplicável. Quando você o olha, como espectador, tem a impressão de estar sendo privilegiado com o espetáculo que a vida proporciona. Provavelmente, como observador de momentos assim, você repense várias questões, reflita sobre outras, em um ensejo filosófico. Era exatamente assim que Tê se sentia ao estudar perto das quadras da UTFPR. Muitas vezes, havia pessoas treinando, bateria, danças. O local era ocupado comumente pelas atléticas, que proporcionavam, mesmo sem querer, uma atração para ela. O som do futebol, o vôlei, a dança era como se fosse uma melodia de fundo para Tê, que estudava por ali sabendo que ao seu redor as pessoas estavam correndo atrás de uma bola freneticamente, ou então ensaiando coreografias que eram repetidas inúmeras vezes.

Em

mais

arquibancada

de da

dos

seus

quadra

dias

aberta,

de

estudo,

com

as

Tê

pernas

estava

na

dobradas,

debruçada sobre um livro de linguística. “A língua é repleta de…..”, afirmava o livro quando Tê levou uma bolada. Ela se assustou, era como se as letras da frase que ela estava lendo estivessem pairando

sobre sua cabeça. À sua frente estava

uma menina com os cabelos curtos pretos e ondulados. Seu olho era cor de mel, e sua pele era extremamente clara. A garota perguntou se Tê estava bem, se ela havia se machucado.

Ela afirmou que estava tudo bem, que tinha levado só um susto.

De modo muito gentil, a menina se apresentou: "Prazer, meu nome é Mel...Ops, melhor dizendo, Melissa. Mel é meu apelido”.

Tê também se apresentou, e, depois disso, Mel a convidou para jogar uma partida com as meninas que estavam na quadra. Ela aceitou, mesmo não possuindo grandes habilidades no esporte.

Agora,

Tê

passava

de

uma

espectadora

para

uma

das

protagonistas de um espaço de vida. Junto com as garotas, ela ficou empolgada enquanto tentava alcançar a bola. Ela jogou uma partida e teve que sair, pois sua aula começaria em breve.

37

Na outra semana, como um ritual, Tê continuava ali, a estudar freneticamente. Os estudos a faziam feliz. Ela era transportada para reflexões que a faziam repensar tudo que ela já havia vivido. Estudar, para ela, era fundamental.

Novamente, ela avistou Mel jogando vôlei. Ela era uma ótima esportista: seguia arduamente para pegar a bola.

Arremessava-a com muita precisão. Parecia que cada passo dela era calculado a fim de vencer o jogo. Quando Mel a viu, chamou-a para completar o time, Tê aceitou, pois, da última vez, havia gostado muito de participar das jogadas. Na última partida, Mel arremessou a bola de modo tão calculado que, quando Tê tentou rebater, acabou quebrando seu dedo mindinho. Imediatamente todo o time se mobilizou para socorrer a garota, que estava gemendo de dor. Levaram-na para a enfermaria, a fim de imobilizar seu pequeno dedo fraturado. Depois disso, Mel se voluntariou para levá-la ao hospital mais próximo, a fim de verificar se haveria a necessidade de algum procedimento mais intenso.

Já no hospital, Mel fez o check-in e ficou, junto com Tê, aguardando o atendimento. Passados 7 minutos, uma médica muito simpática chamada Louize chamou as garotas para o consultório. O procedimento foi rápido: a médica verificou cuidadosamente a mão de Tê e verificou que um enfaixamento e um remédio para dor já estavam suficientes neste caso. Mel perguntou se Tê gostaria de voltar para a Universidade, e ela afirmou que não, visto que estava com um pouco de dor. Mel se desculpou, novamente, lembrando que em nenhum momento aquela havia sido sua intenção. Sem ressentimentos, a garota disse que não havia motivos para pedir perdão: situações como essa se repetiam continuamente, e não necessariamente havia um culpado por elas. No jogo, há a possibilidade de casos assim acontecerem. Em casa, Tê ficou pensando em todo o jogo, estudos e observações que precederam a bolada no dedo. Com a mão direita, a qual não estava fraturada, ela começou a fazer uma poesia concreta com a imagem da quadra, que guardava com tanto carinho na memória. Nas cestas de basquete, ela escrevia “CESTA, FESTA, CESTA, FESTA”.

38

As palavras repetidas preenchiam cada linha da imagem.

No desenho do piso da quadra, Tê escreveu “VIVACIDADE, ESPORTE, FELICIDADE”. E assim Tê foi completando a imagem: com palavras que evidenciavam seu amor por aquele local tão animado, alegre e feliz. O que era um dedo quebrado perto de todos os momentos que as quadras havia lhe proporcionado?

Tê pegou no sono, e sonhou com o jogo, ansiosa para que o dia seguinte chegasse, uma vez que ela seria, novamente, a espectadora daquele atração que ocorria todos os dias na quadra.

Siglas e mais siglas: o desespero dos calouros!

Gabi, a amiga de Tê, havia passado na terceira chamada do seu curso. Por isso, ela acabou sem uma introdução sobre algumas questões da Universidade. Não que seus colegas, centro acadêmico e demais entidades não tivessem prestado suporte: longe disso! Eles a auxiliaram muito, desde o processo de integração até os próprios conteúdos que ela estava estudando. No entanto, ela teve menos tempo para memorizar as tão temerosas siglas da Universidade. Em uma conversa com Tê, ela lembra de ter mencionado seu desespero com tantas siglas “DADIN, DALIC, DALEM, COECI, DIEEM, DEPEX, COUNI… Tê, eu já não sei mais nada. Toda vez que pergunto sobre algum lugar me respondem em sigla, eu realmente fico perdida”.

De certa forma, Gabi e Tê estavam no mesmo barco, uma vez que ambas haviam ingressado na universidade juntas. Tê, como amava escrever, já tinha feito um "minidicionário de siglas” em seu caderno. Toda vez que alguém mencionava algo que ela ainda não conhecia, imediatamente a garota anotava com uma caneta colorida. Inclusive, para ajudar a amiga, Tê mandou uma foto do que havia anotado até então.

39

Gabi agradeceu o gesto, e, a partir de então, passou a entender um pouco melhor os e-mails que lhe eram enviados pela Universidade. Agora ela também havia descoberto alguns departamentos e funções que não sabia que faziam parte da Universidade. Ficou fascinada com o NUAPE (Núcleo Acompanhamento Psicopedagógico e Assistência Estudantil), pois ela percebia que, de fato, essa função dentro de uma universidade era muitíssimo importante. Uma das siglas que ela mais gostava era a NUENS (Núcleo de Ensino), isso porque ela sempre imaginava nuvens quando lia a palavra.

Uma semana depois do envio do “mini dicionário”, Gabi chegou eufórica para falar com sua amiga Tê. Ela disse que havia descoberto algo muito interessante e que precisava contá-la. Então, as meninas foram nos queijos para conversar.

Gabi mandou um link para Tê e, quando ela abriu, parecia estar abrindo um mundo novo. A amiga de Tê havia enviado uma lista de siglas que tinha achado no site da UTFPR.* Gabi sabia que a amiga era curiosa e que adoraria complementar seu "minidicionário", que agora seria um "master dicionário". Tê parecia fascinada em descobrir novas siglas, e a amiga ficou sorrindo ao olhar a amiga tão empolgada.

Ao longo dos dias, as meninas passaram a se comunicar com um vocabulário repleto de siglas da UTFPR, afinal, elas estavam tentando decorá-las juntas, de um modo mais lúdico.

No meio disso, elas passaram a criar suas próprias siglas, como por exemplo:

-BSNP- Boa sorte na prova

-VNRU- Vamos no Restaurante Universitário?

-TBA- Tchau, boa aula!

-QINQJ- Quer ir nos queijos?

Essas e muitas outras siglas foram sendo decoradas pelas amigas. Ninguém ao redor entendia nada, e pareciam, inclusive, estar julgando as meninas. Mas elas nem percebiam, pois muito empolgadas com esse jeito único de falar e lidar com as situações. Elas já tinham 2 dicionários: um voltado para as siglas da UTFPR e outro para os vocabulários que elas próprias haviam inventado.

40

Tê, em um dia de prova, estava um pouco apreensiva. A amiga, como de costume, a deixou em sua sala se despedindo com um “BSNP”. Tê continuava nervosa, mas sabia que precisava fazer aquela prova, então, fez aqueles procedimentos “padrão” antes de algum exame: abriu a mochila, pegou seu caderno, penal e seu bloco de anotações. Abriu o penal e viu um bilhete escrito em um post-it que dizia “NEOQEAV”. Ela não sabia o que significava, então, primeiramente, recorreu ao seu dicionário de siglas, mas não encontrou nada. O próximo passo foi pesquisar no seu navegador de internet. Ela começou a ler a resposta que o site “significados” trazia:

“NEOQEAV é a sigla para "Nunca Esqueça O Quanto Eu Amo Você". A sigla surge na história de amor de um casal que estava junto há mais de cinquenta anos e brincavam com o uso da sigla desde que tinham começado a namorar.

A regra do jogo era que cada um tinha que escrever a sigla NEOQEAV num lugar inesperado para depois o outro encontrar.

E assim eles iam se revezando, escrevendo por toda a casa e nos lugares mais inesperados: na janela embaçada, dentro do açucareiro, no pote de farinha, na última folha do papel higiênico, dentro dos sapatos ou debaixo dos travesseiros.

Porém, os problemas começaram quando a mulher teve câncer de mama e acabou falecendo. A partir daquele momento, nada mais teve graça.

A união e paixão do casal de idosos é emocionante e tem sido muito difundida na internet, onde há pequenos filmes, a partir de slides, que relatam a linda história de amor.”

Tê se emocionou e soube que a amiga havia lhe escrito aquilo. Ela quis mostrar outras histórias que também estavam sendo contadas por meio de siglas. Isso a acalmou, e ela fez a prova tranquilamente lembrando, a todo instante, do carinho e amor de Gabi.

Link mencionado:

“https://cloud.utfpr.edu.br/index.php/s/FsIi5WK7Gd1l4lW”

41

capítulo 5

Só

tem na

UTFPR

curitiba 42

43

44

Aquário sem peixe?

Fotografias, banners, informativos, bandeiras, banquinhas...O aquário da UTFPR não tem peixes, mas porta um dos espaços com maior circulação de pessoas de toda a Universidade. Isso porque ele se localiza ao lado do RU (Restaurante Universitário), e, sendo assim, após os almoços e jantares, o pessoal aproveita para apreciar os itens à mostra.

Não era um aquário, de fato, mas era quase que como uma vitrine das produções de todo o corpo acadêmico. Quando Tê foi tirar sua foto para a carteirinha, havia uma exposição de relatos de mulheres sobre como é ocupar espaços majoritariamente dominados por homens. Havia engenheiras, matemáticas, físicas e até uma astronauta. Eram histórias que inspiravam. Tê pensou nos nomes reconhecidos da literatura do século XVIII, por exemplo. Ela não se lembrou de ter estudado nenhum nome feminino em meio a tantos homens. Enfim, fato é que o espaço de exposições, também conhecido como aquário, reunia inúmeras informações interessantíssimas que sempre traziam uma forma diferente de olhar o mundo. Era como se seu cérebro expandisse a cada novo projeto que aparecia por ali.

Mentalmente, Tê foi mapeando as mudanças que ocorriam, semana a semana, naquele ambiente. Depois da exposição das mulheres, houve outra que trazia inúmeras reflexões sobre o design: havia questionamentos sobre a finalidade desta área, bem como para quem ela servia. Ela conheceu, dentro disso, o conceito de design livre. Na outra semana, os centros acadêmicos estavam vendendo suas canecas, tirantes, mochilas e bottons. Tê comprou alguns itens do seu curso, e, agora, tinha uma mochila que estampava o nome do seu curso.

Na terceira semana do mês foi a vez das Empresas Juniores exporem: havia fotos de eventos, flyers, e banners explicando sobre o Movimento Empresa Júnior. Tê não conhecia isso, e ficou encantada com esse novo mundo.

Era quarta-feira, 18:30H, quando Gabi e Tê terminaram o jantar. Depois disso, como elas tinham uma aula vaga, foram ver mais uma das exposições do aquário. Dessa vez, o Núcleo 45

de

Fotografia

é

quem

estava

fazendo

a

mostra

nomeada

de

“onomatopéia”. Eram fotos que representavam momentos, que normalmente palavrinhas

nos

HQs

“POW”

eram

“CRACK”

mostrados “SNIF”.

com

Esses

as

famosas

balões

com

as

expressões estavam incorporados às fotografias, o que trazia uma

percepção

diferente

ao

interlocutor

que

visualizava

as

imagens. Havia também uma parte interativa da exposição, em que as pessoas podiam tirar fotos em cenários repletos das mais variadas onomatopeias. As garotas resolveram utilizar do espaço

para

interpretar “snif”,

elas

tombo.

Em

tirar

cada

inúmeras

frase

fizeram um

caras

gesto

fotos:

disposta

elas

no

tristes,

involuntário,

riam

e

cenário.

com Tê

“paf”,

olhou

iam

Com

tentando

a

palavra

simularam

para

o

um

relógio

e

percebeu que elas estavam atrasadas para a aula que já havia começado há 25 minutos. As meninas saíram correndo: Gabi foi rumo ao bloco A e Tê foi até o bloco E.

Tê estava na aula em que o professor estava falando sobre poesia

concreta.

Foram

mostrados

inúmeros

exemplos,

e,

mesmo que a garota já conhecesse esse estilo de escrita, ficou encantada. Não era lindo construir uma imagem ou repassar uma

mensagem

de

forma

tão

diferente?

Ao

fim

da

aula,

o

professor passou um exercício: construir uma poesia concreta sobre algum lugar da UTFPR. Após a aula, Tê foi correndo pegar seu ônibus, e ficou pensando em como realizaria a atividade, e, junto disso, ela foi repensando todo o seu dia. Logo lembrou do aquário

e

baseada usada

pensou

neste

que

“é

isso

espaço

tinha

em

da

sua

mesmo!!!”,

a

atividade

universidade. bolsa,

Tê

Com

passou

dela

uma a

seria

caderneta

rabiscar

uma

amostra do que seria seu exercício avaliativo. Primeiramente, ela

fez

um

aquário,

nos

moldes

tradicionais

aos

quais

ele

é

reconhecido. Dentro do aquário, ela não colocou um peixe, mas sim palavras que remetiam àquele local da universidade: arte, cultura,

reflexão,

conhecimento, parecia

uma

projetos

sopa

de

pensamentos, e

percepção.

letrinhas,

mas

exposição, A

princípio,

Tê

iria

alegria,

tudo

aquilo

organizar

seus

pensamentos assim que chegasse em casa.

Tê fez um lanche, tomou banho

46

e voltou

para sua missão de

construir uma poesia concreta que remetesse ao espaço da universidade. Ela teve uma ideia mirabolante, mas que talvez funcionasse: normalmente, quando pensamos em aquário lembramos do seu habitante, ou seja, o peixe. Mas… e se o peixe fosse o espectador do aquário da UTFPR? Uau, pensou ela. É isso mesmo! Com as palavras selecionadas, ela construiu uma textura dentro do aquário que remetia a água. Agora, com mais organização, era perceptível que não se tratava de uma sopa de letrinhas. Em seguida, Tê desenhou um peixe de nadadeiras cruzadas observando o aquário. Ao fim, ela gostou muito do resultado e riu pensando: só na UTFPR há um aquário sem peixe...

Sala GECEL

Em sua primeira semana de aula, Tê foi guiada em um tour pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná: ela conheceu todos os blocos, salas importantes e espaços mais utilizados pelos universitários. Ela lembra de ficar muito surpresa com as piscinas e com os laboratórios, mas de longe o espaço que a deixou mais curiosa foi a sala do GECEL (Grêmio Estudantil César Lattes). Ela ficava próxima ao RU, em um lugar bem escondido e pequeno. Nessa sala, havia sofás, jogos, placas decorativas, quadros de mensagens e alguns móveis. O ambiente era meio escuro, o que trazia uma sensação de mistério, pelo menos para Tê. O artefato que deixou a garota mais curiosa foi uma placa de ônibus, mais especificamente da linha “Capão Raso- Caiuá”, que estava pendurada do lado direito da sala, em uma das paredes. Quem teria trazido aquele objeto para lá? Isso pareceu extremamente curioso e um tanto quanto engraçado: afinal, quem pegaria uma placa, e, provavelmente, levaria na bolsa para a Universidade? Tê lembra disso e dá risada toda vez.

47

Em uma terça-feira, Tê estava tomando sol nos queijos, enquanto lia “O mundo de Sofia” de Jostein Gaarder. Ela estava na parte em que o livro mencionava Platão. Já era a segunda vez que a garota lia o livro, mas, dessa vez, ela estava notando detalhes que não havia reparado antes. Nessa leitura, ela conseguiu entender um pouco melhor a identidade de cada filósofo abordado no livro, ela achava incrível a forma a qual Gaarder se dispôs a explicar a filosofia: um modo tão lúdico e encantador….No meio da explicação do mundo das ideias, Tê observou algo estranho: um garoto com uma ecobag enorme indo em direção a salinha do GECEL. Em um ímpeto filosófico, Tê quis investigar aquilo, e, sorrateiramente, foi atrás do menino.

Seria ele o “contrabandeador” de placas de ônibus? Ela riu só de pensar nessa possibilidade. Devagar, ela atravessou o RU, virou à esquerda, depois à esquerda de novo, desceu as escadas e tentou olhar pelo buraco da maçaneta se o garoto estava lá, e, surpreendentemente, ele estava.

Tê ficou boquiaberta quando viu, que de fato, ele era o garoto das placas. Dessa vez, ele estava colocando a placa da linha “Banestado/Califórnia”, Tê não conseguia aguentar, e ficou rindo ali do outro lado da porta. Em um gesto ligeiro e inesperado, o garoto abriu a porta, e a menina ficou sem reação: seu riso cessou e ela estava um pouco receosa quanto ao desenrolar dessa história: será que ele ficaria bravo por ela estar espionando? Será que tentaria fazer algo com ela? Mas não foi bem assim: o garoto a chamou para entrar na sala, e, ainda sem reação, ela entrou. Viu que ele tinha trazido um prego, um objeto que parecia que seria utilizado para martelar o prego e, por fim, a placa. Ela olhou para aqueles objetos, e, depois, para a cara dele. Era uma situação cômica, e Tê voltou a rir. Já o garoto parecia não entender o porquê disso, e, após uns 2 minutos, perguntou o que estava havendo. Tê respondeu com o mesmo questionamento. “Tudo bem então...Acho que para explicar as coisas, em primeiro lugar tenho que dizer meu nome...Prazer, sou o Pedro. Faço o curso de física aqui, e você?”. “Eu sou a Tê… Faço Letras aqui também. Sabe, eu sempre quis te conhecer. Quer dizer, antes de eu saber que vo48

cê era você… Sempre fiquei curiosa em relação a placa”, disse Tê apontando para o objeto. “Como você conseguiu isso? E por que resolveu trazê-las aqui? Parece um tanto quanto estranho, ou cômico, ou… sei lá”

Agora era a vez do garoto dar risada. Ele achou engraçado a curiosidade dela, bem como sua vontade de conhecê-lo, mesmo sem o conhecer, de fato. Para responder às perguntas da Tê, ele começou dizendo: “Vamos por partes. Sim, talvez seja estranho mesmo trazer uma placa aleatória para essa sala escondida. Sem uma contextualização tudo fica sem cabimento mesmo. Sabe, meu pai trabalha como motorista de ônibus. Não de nenhuma dessas linhas que estão aí, mas enfim, ele trabalha lá. Às vezes, acontece alguma coisa: um ônibus bate, ou vai ser trocado e essas placas ficam por aí. Na verdade, elas iriam para o lixo, bem dizer. Um dia ele me contou sobre isso, e eu perguntei se ele poderia me trazer uma, e ele trouxe. Eu comecei a fazer uma “coleção”... É bem peculiar, eu sei, mas eu comecei. Tenho uma parede de placas assim, com linhas bem diferentes. Eu gosto até de pesquisar os bairros por onde esses ônibus passam, parece que dá uma visão diferente pra uma simples placa, tipo...Ela já passou por tantos lugares, sabe?

Mas enfim, voltando para suas respostas: eu trouxe essa primeira, do Capão Raso Caiuá porque eu estava com uma “repetida”, assim dizendo. Mas, para além disso, eu trouxe porque quando comecei a frequentar essa salinha e até mesmo apresentá-la para os calouros, percebi que muita gente não era de Curitiba, ou nem sabia como funcionavam as coisas por aqui. Nunca tinham andado de ônibus e tal. Por isso, para apresentá-los a esse “aspecto” da cidade - os ônibus- eu trouxe a placa também. Tem gente que fica rindo, igual você. Tem gente que fica olhando porque é o ônibus que pega no dia a dia, enfim, vários casos. Eu acho engraçado também. Particularmente, a placa me lembra de explicar para os calouros como andar de ônibus. Eu olho para ela e não esqueço, sabe? Acho que é uma decoração maneira também. É algo bem “único”, assim dizendo.

Está satisfeita com as respostas, senhorita?”.

Tê estava prestando atenção em tudo que ele falava, imagi49

nando seu pai e até mesmo seu quarto. Como será que era aquela parede que ele havia mencionado? Enfim, não importava.

Depois da explicação, Tê respondeu-o. “Sim, satisfeita. Queria pedir desculpas por ter te seguido, e te interrogado… Talvez não tenha sido a melhor abordagem de todas, não foi, na verdade… Eu imaginei uma história bem diferente dessa, com mais aventura. Pensei que alguém havia roubado a placa, subido no ônibus, algo assim. Por isso, quando te vi, a curiosidade foi muito grande para saber de tudo. Agora, pelo menos sei o que aconteceu. Obrigada por contar, Pedro. E desculpas de novo pela maneira a qual te abordei”. Os dois riram, meio envergonhados. Pedro disse que não tinha problema, e que inclusive achou legal contar as história daquele objeto inusitado para ela.

Quando ele falou “inusitado”, os dois olharam para o canto esquerdo da sala. Um cone. Um cone de trânsito brilhoso… Ele não estava lá antes… Qual seria a história daquele objeto mais inusitado que as placas? Como ninguém havia visto aquilo?

Assim como Tê, teremos que imaginar possíveis desfechos para esse mistério, pois, até o momento, o dono do cone ainda não foi localizado.

Ainda.

50

51

capítulo 6

52

Não

são

de

comer

53

54

QUEIJOS Em seu primeiro dia de aula, Tê lembra de ter escutado muitas vezes a palavra queijo por parte dos veteranos. Como é comum de se imaginar, ela havia pensado que a expressão dizia respeito a algum salgado do RU ou algo vinculado a comida, e, no entanto, ela estava equivocada. “Queijos” é um lugar localizado próximo ao aquário e ao RU da UTFPR CT. Ele tem esse nome pois as mesas e bancos são amarelos. O local é um espaço aberto, repleto de árvores, flores e passarinhos. Em cada mesa, há um jogo de xadrez colocado, o que faz com que alguns estudantes se reuniam ali para poderem jogar uma partida. Muitos alunos também utilizam o espaço para ficar “lagarteando” - Tê aprendeu essa expressão que se refere ao momento em que as pessoas ficam tomando sol. Quem é da UTFPR CT certamente já ouviu falar ou já se sentou em algum desses locais amarelos.

Era comum que, após o almoço ou jantar, Gabi e Tê fossem se sentar nos queijos. Elas, inclusive, já haviam conhecido algumas pessoas por lá, então, era sempre legal esperar o que os queijos tinham para mostrar. Um dia, as meninas viram um beija-flor. Em outro, uma professora do curso de comunicação organizacional estava ali, fotografando a área. Mas, talvez o dia mais marcante foi quando elas encontraram o livro “o queijo e os vermes” em cima de uma das mesas dos queijos. Essa era uma metalinguagem engraçada, afinal, nenhum dos objetos era, de fato, um queijo. As meninas olharam para ver se havia alguém ao redor. Procuraram também algum nome na contracapa, mas não havia. Existia apenas um bilhete azul na página 56 que dizia “Assim como a língua, a cultura oferece ao indivíduo um horizonte de possibilidades latentes – uma jaula flexível e invisível dentro da qual se exercita a liberdade condicionada de cada um”. Era uma letra muito bonita, parecia que tinha sido retirada de uma carta do século XIX. Aquilo seria um enigma? Alguém estava esperando que elas encontrassem aquele objeto? Ou, talvez, não seriam elas, mas quem, primeiramente, tivesse avistado o livro.

55

Quando elas pensaram em levar o livro para a sala de achados e perdidos, viram que havia outro bilhete caído no chão que dizia “Eu não estou perdido”. Aquilo era, de fato, muito bizarro. Elas olharam ao redor para ver se alguém estava pregando uma peça, porém, não encontraram ninguém. As meninas decidiram então levar o livro embora, afinal, ele não estava perdido, bem como o bilhete enfatizava. Tê disse que gostaria de ler o objeto encontrado e que, depois disso, poderia emprestar para Gabi fazer o mesmo.

No outro dia, no entanto, as meninas foram novamente nos queijos e avistaram mais um bilhete azul, bem como o achado no dia anterior. Porém, esse era maior e continha mais frases.

Nele, dizia:

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,

Assim calmo, assim triste, assim magro,

Nem estes olhos tão vazios,

Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas e frias e mortas;

Eu não tinha este coração

Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,

Tão simples, tão certa, tão fácil:

— Em que espelho ficou perdida

a minha face?

-Cecília Meireles

“Isso é muito esquisito, mas eu até que estou gostando desse jogo. Parece que estamos em busca de algo, mas não sabemos ainda do que, então… Parece um mistério super misterioso porque não sabemos nem o que estamos buscando.

Será que tem alguém que quer que nós duas participemos de tudo isso? Ou então outras pessoas já encontraram bilhetes assim? Eu tenho gostado das frases e poesias dos bilhetessoas já encontraram bilhetes assim? Eu tenho gostado das frases e poesias dos bilhetes. O livro também me parece interessante, mas… A troco de que alguém faria isso?”, disse Tê espantada 56

com o novo objeto encontrado. Gabi concordou com a amiga, dizendo “Sim, é estranho, mas um estranho bom. Não é aquele tipo de situação em que ficamos com medo. Eu, pelo menos, estou com vontade de encontrar um bilhete ou livro desses todos os dias. É curioso que o significado dessas palavras entra em outro contexto quando nós as encontramos por aí, em cima dos queijos… É legal. Espero que amanhã tenha outro, e, assim quem sabe, poderemos descobrir quem tem feito isso”.

Já era sexta-feira, porém, neste dia, a chuva tomou conta da cidade. Ventos fortes e um céu preto: assim estava Curitiba.

As meninas ficaram frustradas, pois, com o tempo assim, não poderiam procurar mais um bilhete do admirador de poemas secreto. Mas, ao passarem por perto do aquário, elas viram um post-it colado na parede com a seguinte mensagem:

“Tranque as suas bibliotecas, se quiser; mas não há nenhuma porta, nenhum cadeado, nenhum ferrolho que você pode colocar sobre a liberdade da minha mente” - Virginia Woolf

Depois da leitura em voz alta, as meninas se olharam e automaticamente souberam que estavam pensando a mesma coisa: aquilo era uma pista! Rapidamente elas subiram as escadas rumo a biblioteca, esperando que as suas respostas estivessem por lá. Isso seria, inclusive, a situação mais cabível, uma vez que aqueles poemas e o livro só poderiam ter surgido de alguém que frequentava continuamente a biblioteca. Quando chegaram lá, havia outro bilhete:

Comunidades, mais que indivíduos, tornam possível o fazer; alguém faz com mais alguém, não em isolamento individualista. - María Lugones

A letra C da frase estava destacada, então, as meninas foram imediatamente para a prateleira que continha a letra C. Lá, estava uma mulher de cabelos cor de mel ondulado. Ela estava usando uma saia preta e uma camiseta branca.

Essa

mulher estava esperando as meninas, e isso era nítido. Era ela!

Mas, afinal, quem era ela? “Oi… você é a pessoa dos bilhetes… dos livros e dos poemas?”, disse Tê. “Sim, sou eu. Pode me chamar de Vanessa. E vocês, quem são?”. “Eu achei que você soubesse. Parecia que todos aqueles bilhetes eram para serem encontrados por nós”. “Na realidade, não. Os bilhetes e o livro sequer estavam perdidos para serem encontrados. Vamos di57

zer

que

vocês

propriamente

os

dito.

decifraram,

Para

se

mas

encontrar

não é

encontraram

preciso

perder

primeiro”. “Pode me chamar de Tê”. “E eu sou a Gabi”.

Olá, Tê e Gabi. Estou felicíssima de ver vocês por aqui.

Consigo ver a interrogação estampada na cara de vocês então, por isso, comecarei a me explicar. Eu sou professora do curso de

Letras

inglês.

Recentemente,

li

alguns

livros

que

me

chamaram a atenção e eu não sabia ao certo como colocá-los para o mundo. Talvez o mais clichê fosse fazer algum cartaz ou grupo de discussão. Mas, eu não quis fazer isso. Pensei que por meio de um bilhete ou de um livro aparentemente esquecido, eu poderia trazer esse tema aos poucos. Mesmo sem querer, vocês acabaram sendo “recrutadas”, assim dizendo. Com o bilhete e com o livro, eu poderia trazer exatamente as pessoas que tivessem, de fato, se interessado por aquilo que eu tinha para apresentar. No dia do livro, vi vocês, e, então, percebi que ficaram curiosas e quis dar seguimento a essa “ação”. Percebi que um tanto de mistério pode mover montanhas! Vejam só vocês! Decifraram aquele bilhete, e vieram rapidamente até aqui…. Agora, bem… O que eu quero daqui para frente? Gostaria de fazer um convite para vocês: eu estava pensando em fazer um clube de leitura que não seria bem um clube de leitura nos moldes convencionais. O propósito seria deixar mais pessoas, assim como vocês, curiosas pela leitura. Curiosas pelo saber.

Isso se daria, a princípio, por meio de mais bilhetes como esses que vocês leram. Talvez algum livro também… Tudo depende de vocês. Eu acredito muito que o pessoal vá, aos poucos, querer “encontrar” esses objetos. E se em algum momento eu fizer uma pessoa se interessar pelo projeto, então tudo valerá a pena. O que vocês me dizem?”

As meninas, novamente, se olharam. Era perceptível o brilho no olhar de Tê, que tinha tanto apreço pelas palavras e pelo poder que elas tinham. Gabi, mesmo sendo de outra área e consolidando outra relação com os escritos, também estava empolgada. Ambas, de pronto, toparam e já estavam ansiosas para começar os trabalhos. Cada uma delas pegou um papel de bilhete. Tê iniciou escrevendo:

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“O livro é um amigo; nele temos exemplos e conselhos, nele um espelho onde tanto as nossas virtudes como os nossos erros refletem. Repudiá-lo seria loucura; escolhê-lo é sensato” - Júlia Lopes de Almeida

Já Gabi escreveu:

“Nunca permita que a imaginação limitada dos outros limite você” Mae Jemison

Quem seria o próximo a ser atingido por esse mistério?

RU e as abelhas

Mesmo sem entrar na UTFPR, Tê já tinha curiosidade para conhecer o RU - Restaurante Universitário. Pelo que parecia, ali era um espaço que estava além da comida: era o local em que as pessoas se conheciam, onde conversavam, e onde faziam o que gostavam, ou seja, comer. Por apenas R$ 03,50 Tê fazia suas refeições ali, ela gostava de ver o cardápio no aplicativo da universidade e às vezes até se assustava pelo fato de comer mais no RU do que na própria casa. Gabi e Tê gostavam do macarrão alho e óleo que aparecia de vez em quando nas refeições.

Certo dia, uma menina chamada Dianna começou a gritar em frente ao buffet do RU afirmando que havia uma mosca na comida. Os funcionários foram verificar e, na realidade, era uma abelha que estava sondando as sobremesas. Gabi, ao ver a situação, falou para Tê “Que engraçado ser uma abelha. Você sabia que ela é o símbolo da UTFPR? É o que eu ouvi, pelo menos. Dizem que as cores remetem a ela, ou algo do gênero”.

“Não sabia, mas até que faz sentido. Eu só havia visto alguns projetos de outros campus que prezavam pela vida das abelhas, mas não havia feito essa correlação”, afirmou Tê. Um menino que estava sentado perto começou a falar “Oi, gente.

Meu nome é Saulo. Essa história de abelha é verdade, viu? Acho que tem alguns eventos em que o pessoal até usa essa simbologia mesmo. Já vi algumas ligações. Enfim, desculpa me intrometer".

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Gabi e Tê se olharam e agradeceram a explicação de Saulo.

Juntas, elas se questionaram: será que para além das cores há alguma outra ligação com a UTFPR? Já era hora de voltar para a aula, porém, as meninas ficaram com essa pulga atrás da orelha, ou, melhor dizendo, abelha. Depois da aula, elas se encontraram para irem embora juntas, e, como era de praxe, correram para pegar o ônibus a tempo. Como em uma coincidência maluca do universo, Gabi foi picada por uma abelha quando colocou a mão em uma árvore próxima ao tubo de embarque. "Será que isso quer dizer alguma coisa? Não é possível, estávamos falando disso antes da aula", disse a garota com o dedo inchado. "Pode ser, não sei. Talvez devêssemos pesquisar mais sobre isso, algum significado a mais. Quem sabe até não deva ter um porquê maior na escolha dela como símbolo da Universidade".

No outro dia, as meninas se encontraram novamente no RU, já com o roteiro do que iria vir pela frente. Tê estava com seu caderno de anotações marcado com as canetas amarela e preta, então Gabi já sabia o que ela havia pesquisado. Tê começou dizendo “Gabi, ontem fiquei pesquisando um pouco mais sobre abelhas e descobri algumas coisas interessantes.

Você sabia, por exemplo, que há alguns estudos que apontam que esses pequenos insetos são considerados os seres vivos mais importantes do mundo? Além disso, ao longo da história a abelha foi tida de diferentes maneiras por diferentes povos. Os egípcios, por exemplo, acreditavam que as abelhas teriam se originado das lágrimas do deus-sol, também conhecido como Rá. Já os povos nórdicos acreditavam na simbologia da abelha como sendo vinculada à sabedoria. No geral, algumas palavras apareceram em vários sites que consultei para saber o significado da abelha, as mais recorrentes foram: cooperação, lealdade, alma, amor, vida, prosperidade e diligência. O que você acha de tudo isso? Para mim, ao menos, fez muito sentido”

“Sabe, Tê. Eu acredito fortemente que a abelha tenha um significado muito pertinente aqui na UTFPR. Afinal, nós somos uma espécie de “colmeia”. Cada curso ou departamento pode ser tido como uma parte deste todo. Cada abelhínha, com seu papel, faz toda a diferença. Além disso, há as flores, que podem ser comparadas com a sociedade, com a comunidade externa.

Através dela, conseguimos subsídios para poder sobreviver. A comunidade funciona como nosso pólen, afinal, somos uma en-

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tidade pública que sobrevive desse apoio, mesmo que “informal”. O mel pode ser comparado com as pesquisas e afins que desenvolvemos. É uma forma de retribuir a todos aqueles que auxiliaram de alguma forma na existência da colmeia.

Gosto de pensar assim, acredito que faz muito sentido. Eu, ao menos, fico feliz de me imaginar como uma abelha que colabora para que esse todo exista”, disse Gabi.

“Talvez, no lugar de um trabalho de formiguinha, estejamos fazendo um trabalho de abelhinha”, finalizou Tê.

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E

m uma Universidade diferenciada, com seu “T” no meio, muitas são as tradições compartilhadas pelos estudantes. Afinal, quem nunca se sentou nos queijos para pegar sol? Ou então ficou esperando as iscas de frango no R.U? E se você não esperou… Não se preocupe!

Nos contos deste livro serão apresentadas situações vivenciadas cotidianamente (antes da pandemia) pelos alunos. E, mesmo que você esteja entrando agora, vai poder se imaginar nos cenários e nas ocasiões, obtendo assim uma pequena amostra do que vivenciará daqui a um tempo. Aqui a UTFPR ganha vida e assim será possível rememorar e conhecer um pouquinho mais da Universidade que é sensação no Brasil todo.