Angra dos Três Heroísmos - Histórias de Cidades

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HISTÓRIASDE CIDADES

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Linhas Aêreas Brasileiras Desde 1927


HISTÓRIAS DE CIDADES I

POROT'Ê

TERCEIRA?

Eu aprendi na instrução primária que a terceira ilha açoriana que os portugueses descobriram foi esta, e por isso lhe chamaram Terceira. É isso o que se continua a dizer, mas basta vir aqui para sentir que é uma explicação ilusória. Neste momento avisto na minha frente as ilhas de S. Jorge e do Pico. OuaIguer português gue aqui tivesse chegado não descobria uma ilha, mas pelo menos três. E em dias claros pode aüstar-se, desde S. Miguel todo o çtrupo central. Tem de haver pois uma outra explicação. E há. Diz o escritor Gaspar Frutuoso que as primeiras achadas foram as de Cabo Verde, as segundas Madeüa e Porto Santo, e estas as terceiras; e diz tambérn ç[ue, se esta não for razão bastante, folgará de ouvir quem melhor souber. Todas as ilhas (exceptuadas Flores e Corvo, descobertas mais tarde) eram Terceiras, e o Infante D. Henrique crismou-as com hagiotopónimos, isto é, com nomes de santos. A esta ilha em que êstamos coube o nome principal de Jesus a nossa frente está Angra do Heroísmo, capital da Terceira e antiga capital dos AÇores. E eis que em poucas palavras se levantam três problemas: porquê o estranho nome de Angra do Heroísmo, se Angra é termo de corografia, heroísmo é sentimento e alor? Porquê Terceira, numeral orYinaÌ, numa ilha que em tantos aspectos é primeira? Porquê Açores, espécie de aves de rapina que nunca aqui foi vista? Perguntas fáceis, respostas difíceis. A palavra Angra tem uma raiz Iatina idêntica à que encontrámos, por exemplo, em angina ou em angústia. A angina é um aperto no corpo, a angústia um aperto na aÌma, a angra um aperto do mar. Chama-se angra a uma enseada marítima profunda, que serve de abrigo aos navegantes. Do ponto onde estamos a angra é bem visÍvel, e compreende-se imediatamente que à volta desse abrigo natural tenha surgido uma povoação importante. Faziam aqui escala as armadas da Índia, e aqui renovavam as provisões de água e reparavam as avarias do mar. A cidade nascida à volta do porto chamou-se por isso Angra desde a primeira hora.

... (a qual pêlo tempo adiante veio a ser vila dêpois muitô lustÌosa cidade, como é no

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A expressão do Heroísmo foi acrescentada em 1832 e recorda o papel decisivo desempenhado por Angrra nas guerras liberais. Se não fosse a resistência de Angra, que nunca aceitou o restabelecimento do absolutismo em Portugal, a causa do liberalismo não teria uma base territorial e a expedição que em 1832 desembarcou no Mindelo não seria possível. Foi para recordar esses momentos que um decreto de D. Maria II mandou acrescentar ao topónimo geogáfico a referência histórica.

Cristo. Mas foi designação que não enraizou e a ilha continuou a ser apenas uma das terceiras, e por fim a única Terceira. Porquê? Não afirmo nada, mas arrisco uma hipótese: o trato das ilhas andava muito nas mãos dos mercadores. Ora os mercadores do século XV eram em grande par,te judeus, e os do século XVI eram cristãos novos. Para eles, Cristo era nome polémico, e a lembrança daeruz não era desejável suponho que. por iSso o nome baptismal de Terra .de Vera Cruz foi depressa 83

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HISTORIASDE CIDADES esquecido e substituído pela expressão negocial de Brasil, nome de mercadoria. Aqui limitaram-se a esquecer, e ficou o nome primitivo: Terceira. r

PROFECIA

CUMPRIDA

E Açores? Ouando os portugueses chegaram havia nesses rochedos muitos ninhos de milhafres. Eles confundiram, julgaram que eram Açores, e assim teria nascido o nome do arquipélago. Tenho a maior dificuldade ern acreditar em confusões desse g,énero. O século XV é tempo de caça de aÌtanaria. As aves de rapina são bem conhecidas, tratadas, minuciosamente descritas. É muito difíciÌ acreditar que uma geração completa tenha visto Açores no voo dos mÍlhafres, que são bem diferentes. Mas se essa explicação deve ser eliminada, outra existirá, e não sei qual seja. Pergunto de mim para mim se não haverá nenhuma ligação entre açor e a palavra italiana azzuro, que significa azul e exprime também uma ave de plumagem azulada que os etimologistas relacronam com o açor. Tudo são apenas congemihações. Mas milhafres não. Ainda os há. Já hoje vi um. A confusão não é possível. Conta o padre Frutuoso (um dos grandes escritores do quinhentismo português) que quando os primeiros mareantes levaram ao Infante notícias da terra, ele fez uma pergunta: E as árvores, como têm as raÍzes? São profundamente enterradas, ou vão à í1or da terra? A flor da úerra, responderam. EIe fez então uma estranha profecía: Então os primeiros povoadores terão muito que desbravar e romper. Os fìIhos deles já poderão semear e colher; os netos teÍão para vender. Mas os netos dos netos. esses teÍão que fugir. E foi como ele disse. A primeira geração de colonos trabalhou duramente. Os homens avançaram pelos vales das ribeiras, instalaram-se nas'zonas planas do alto dos montes, realizaram um trabalho duro de aproveitamento do solo. Tinham equipamentos primitivos e usavam arados de madeira que não seriam muito diferentes dos que ainda hoje se vêem. E entretanto a cidade nascia. Escreve Frutuoso: Começaram a fazer outra povoação de pobres casas de terÍa e barro, cobertas 'de uma erva chamada carrega, que nasce nas grotas e ribeiras, par então não haver paÌha, nem tfigo, nem 84

teLha, a qual pelo temPo adiante velo a seÍ vila e depois muìto lustrosa cidade, como é ao presente. r

ATERCEIRA,PRIMEIRAA SABER

A lustrosa cidade seria muito tempo a capital do Atlântico português e a testemunha privilegiada dos grandes acontecimentos da história nacional. Nos úItimos dias do mês de Agosto de L499 a cidade viu chegar um navio semidesmantelado, çnre andava no mar havia já mais de dois anos. O barco ancorou no meio da angra, arreeu o batel e os navegiantes aproximaram-se da réstea de areia. Vinha nele Vasco da Gama, e além dos remeiros só havia moribundos; um deles era o irmão do capitão da armada, Paulo da Gama. A Terceira foi assim a primeira a saber que os portugueses tinham enfim conseguido ligar a Europa ao velho mundo asiátrco. Vasco da Gama sabia bem que acabava de praticar um dos feitos mais gloriosos da história da sua época. Não era um acto isolado, mas a etapa final de um longio plano de muitos anos, pensado e amadurecido por muitas cabeças, tornado possível por muitos mártires" Ali estava a resposta para o longo contencioso com a Coroa de Castela. No momento em que Vasco da Gama chegava à Terceira, estava Colombo nas Antilhas e chamavaIhes a Índia. A evidência da verdade surgia agora; o Gama não vol-


HISTÓRIAS DE CIDADES tava com argumentos, mas com pimerÌta, canela e gengibre. Os historiadores de Colombo interrogram-se sobre as razóes misteriosas que levaram os reis católicos de a demitir o Grande Almirante todas as honrarias que lhe tinham sido concedidas por ter descoberto a Índia: ingratidão? Intrigas de invejosos? Desconhecimento da verdade? Uma hipótese que creio que ninguém se lembra de pôr é a de que o regresso de Vasco da Gama revelou indesmentivelmente de que lado estava a verdade. O facto que quero acentuar é bem outro: consciente da importância nacional do feito que tinha praticado. Vasco da Gama renuncia a ser ele o mensageiro que leva a notícia a Lisboa. ïncumbe Nicolau Coelho de levar a úotícia ao rei, e fica à cabeceira do irmão no hospitaì da Terceira. A vida do irmão valia para ele mais que ricas alvíssaras, os momentos de glória histórica reservados para o primeiro a chegar. Não salvou a vida de Paulo da Gama, que morreu no dia seguinte, mas tornou verdadeira a palavra bíblica: Quem disser que ama a Deus e não amar a seu irmão é mentiroso. E esse é um dos momentos mais belos da vida do grande navegador. I

AS CHAVES ATLÂNTICO

DO

Com a carreira das Índias os Açores ganham uma importância nova. Angra é a escala universal das navegações para o poente e para o Ievante: o poente do novo mundo, o nascente do mundo asiático. Dizse que na Angra chegavam a ver-se mais de cem navios ancorados. A cidade assume assim grande importância estratégica, e é isso que explica que se tenham travado aqui nos Açores, e não na metrópole, os episódios militares de maior relevo na luta de D. António, Prior do Crato, pela defesa do seu direito ao trono. Os aliados que o candidato nacional procurou na Europa ajudaram-no nos Açores, porque o objectivo que tinham era o de guardar para si as chaves do Atlântico. As batalhas travadas em S. Miguel e na Terceira são episódios da guerra entre as duas Europas: de um lado a Europa imperial, catóìica, que áspirava à unidade, e do outro a Europa marinheira e corsária, hugiuenote, protestante, mercantil. Memória dessa guerra é a fortaleza ern que nos encontramos. Os

casteÌhanos chamaram-na de S. FiIipe, em honra de FiÌipe II, os portugueses mudaram-Ihe o nome para S. João Baptista, em honra de D. João IV, após a Restauração. O poder militar da fortificação exprime a irnportância da ilha. Ouem a tivesse dominava a escala obrigatória da navegação para a India e para a América. Aqui tocavam os qaleões que voltavam carreqados de prata e as naus que vinham de Cochim com pimenta e canela. E aqui tinham porto os navios de guerra que tinham por missão manter a segurança do mar contra as surpresas dos corsários.

r CENTRALTZAçÃO POMBALINA O século XVIII é o século de Pombal, e dizer Pombal é dizer centraIização. Nos Açores, nenhum lugar nos fala tanto da centralização pombalina como este em que nos encomramos. É o antigo pátio do Colégio dos Jesuítas. Pombal mandou fechar todos os colégios da Companhia e aproveitou os grandes edifícios para outros fins; fábricas, hospitais. Neste caso instalou aqui o palácio dos capitães-generais, um cargo que ele próprio criou e que colocava as ilhas sob uma estreita dependência de Lisboa. A casa do colégio foi enobrecida como palácio, e no centro do pátio foi colocado um tanque monumental, para marcar os sinais dos novos tempos. E hoje o antigo casarão dos jesuÍtas é a sede do governo regional dos Açores, valor bem antípoda do regime administrativo simbolizado pelos capitães-generais de nomeação pombalina.

r OS SINOS DA VITÓRIA A ilha voltou a ter papel de proa no século XIX. Em 1820 Portugal conhecera a revolução liberal, mas Iogo em 1823 voltara o absolutismo frouxo de D. João VI e em 1826 chegara a Carta ConstitucionaÌ, arbitral e ambígua. Todo o país jurou cuúprir a CaÍta, e todo o país faltou ao juramento feito. Com uma só excepção: a cidade de Angra. Foi a Terceira a única parcela de território que não aclamou D. Miguel - Rei absoluto. A ilha ficou só,'isolada, bloqueada, separada do mundo. Mas aqui se foram reunindo os liberais persegruidos, os intelec' 85


ANGRA

(Sou eu ao vento e à chuva, sentado numa pedra de meÍróriaD (Vitorlno Nernésio)

tuais exilados, os políticos mais ousados. Foi aquí gue se formou o pequeno exército liberal que em 1832 desembarcou no Mindelo e, após dois anos de guerra, implantou efectivamente o liberalismo em PortugaI. Para cunhar moeda foram apeados os sinos. Estão junto de mim os sinos da lgreja da Praia da Vitória, colocados na torre em L847 e apeados por ocasião do sismo de 1980. E tenho nas mãos uma moeda de B0 reis, cunhada na Terceira no ano de 1829, com o bronze aproveitado dos sinos das igrejas. Entre as duas datas, um intervalo de dezoito anos. Durante esse período os templos da Terceira estiveram silenciosos. E esse foi só um dos muitos sacrifícios da llha para a vitória liberal. Boa parte do exército do Mindelo era juventude açorÍana. Foi desse modo que a cidade

mereceu apelido que a primeira rainha do liberalismo ìhe acrescentou ao nome original.

r TERREMOTO E RESSURGIMENTO Mas os sinos falam de uma outra vitória. Era o 1..ode Janeiro de 1980, com toda a gente a celebrar o ano novo. O dono desta casa jogava às cartas com três amigos quando começaram a ouvir-se rumores sombrios. As paredes abanaram e as vigas do tecto começaram a estalar sob a derrocada do telhado. Todos fugiram, mas o dono da casa ficou sob os escombros e foi arrastado para fora pelos vizinhos que acorÍeram. E em toda a ilha foi como nesta casa. A cidade de Ancrra vi:u 75o/o

dos seus edifícios destruídos ou em. tal estado que não puderam mais ser habitados. Em páginas que escrevi não há muito, chamei à cidade a Angra dos Dois Heroísmos. Porque este heroísmo do século XX é diferente, mas não é menor que o do século XÏX. Depois do terremoto a cidade renasceu sem lágrimas, sem queixas lamurientas. Após as catástrofes há sempre o voo dos abutres e dos oportunistas, dos que Íarejam a desgraça alheia para fazer fortuna. Isso não aconteceu aqui. Os angrenses, conscientes da sua identidade e da sua responsabilidade, tomaram nas mãos o seu destino e decidiram a maneira como deviam renascer. Preferiram a solução histórica de restaurar a cidade destruída e manter o semblante da Angra dos Descobrimentos, ancoradouro de navegantes, berço de pilotos, padrão dos descobrimentos.

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RECORDAçÃO POETA

DE UM

E vou terminar esta visita à IIha Terceira com a recordação de uma grande figura literária, que impressionou fortemente quantos o conheceram: o doutor Vitorino Nemés10. Nasceu aqui, na Praia da Vitória, nesta casa, por detrás daquela janela. Era portanto esta a minha casa: A minha casa é concha. Como os Ibichos segreguei-a de mim, com Ipacrencla; fachada de marés, a sonho e lixos, o horto e os muros só areia e Iausência. Minha casa sou eu e os meus Icaprichos, O orgulho carregado de inocência. Se às vezes dá numa varanda, . lvence-a O sal que os santos esborou nos Inichos. E telhados de vidro, e escadarias. Frágeis, cobertas de hera, Oh lbronze falso Lareira aberta ao vento, as salas Ifrias. A minha casa... Mas é outra Ihistória: Sou eu, ao vento e à chuva, aqui Idescalço Sentado numapedra de memória.


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