Revista agir 8

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DOSSIÊ © Ricardo Silva

AI – Após estas experiências in loco, que retrato faz dos direitos humanos em Portugal? SS – Tal como está a acontecer em outros países europeus, Portugal vive o problema de muitos dos avanços que se fizeram nos direitos humanos nas últimas cinco décadas estarem em retrocesso. Por exemplo, os ativistas da Amnistia Portugal envolvidos no programa das Escolas Amigas dos Direitos Humanos [EADH], que está a funcionar em cinco escolas em Portugal, contaram-me que encontram muitos estudantes que são favoráveis à pena de morte – não esperava que isso acontecesse agora na Europa. Num outro aspeto, na reunião com o Governo, a secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade [Teresa Morais] disse-me que 24% das mulheres em Portugal passam pela experiência de violência doméstica ou violência perpetrada por um homem pelo menos uma vez na vida, sendo aliás de um terço a média europeia.

AI – Algo o surpreendeu, quer positivamente ou negativamente nestes dois dias? SS – Creio que de certa forma fiquei surpreso com o nível de revolta que as medidas de austeridade estão a causar. Sabia que havia descontentamento, mas é mais forte do que eu pensava. Claro que não sei se a amostra [encontro com membros e ativistas] representa com exatidão o sentimento geral no país, pois apenas estive com um número limitado de pessoas e apenas ouvi algumas vozes. Fiquei também agradavelmente impressionado com a conferência de que a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa foi anfitriã e muito feliz por me ter encontrado com Mário Soares, “prisioneiro do ano” da Amnistia Internacional em 1968 e há muito considerado prisioneiro político pela organização, e que é um dos nomes de referência entre os defensores de direitos humanos na Europa além de, tendo estado no Governo, conhecer bem como o sistema funciona. É sempre agradável estar com pessoas pelas quais a Amnistia trabalhou e ele falou de forma muito simpática sobre o que a organização fez por ele. É bom encontrar as pessoas em cujas vidas a Amnistia Internacional fez a diferença, dá-nos um sentido real e tangível do impacto que temos.

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Estes indicadores são chocantes e fazem-nos sentir quase como tendo de voltar ao início, até na Europa, a ter de começar de novo em tudo aquilo que a Amnistia Internacional e muitos movimentos sociais alcançaram nos últimos 50 anos. Parece que temos de voltar às bases e isso é chocante. Não foi a primeira vez que me deparei com isto na Europa, mas recordou-me de que esta é a realidade.

AI – Mencionou já o programa das EADH: o que pensa deste projeto da Amnistia? SS – Eu adoro essas escolas! Visito-as em muitos países e é sempre algo que me faz muito feliz. Não sou das pessoas que veem o projeto como algo sobre a geração futura. Acho que eles são a geração de agora e o facto de estarem a ser mobilizados para o ativismo é muito bom. Gosto do facto de os jovens serem impacientes, pois quando começamos a ficar um pouco mais velhos tendemos a tornar-nos demasiado pacientes. E nós precisamos de muita impaciência nos direitos humanos. A revolta e a impaciência que recebemos dos jovens são muito importantes. Os jovens aqui em Portugal estão cheios de energia e de esperança e de raiva, e nós precisamos disso tudo. A revolta é importante e a raiva e a impaciência são importantes e o que é crucial é canalizá-las. Conseguimos grandes resultados quando canalizamos esse descontentamento com as situações sociais nas EADH e na mobilização de estudantes e dos jovens.


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