

mundo mundo



e Ficha
Índice e Ficha Técnica
“Mediatização de Assuntos Internacionais e Grandes Potências: o Caso de Taiwan” by Carolina Duarte
“A Ridícula Carta de Amor de um Poeta que Não o Conhece” by Rodrigo Rossa
“A Dolly Parton Tinha Razão: 0 9-5 Tornou-se, Finalmente, Obsoleto ” by Selena Pereira
“O Solarpunk como Antídoto ao Pessimismo Ambiental” by Catarina Mendonça
“A Influência da Cultura Anglo-Saxónica na Depreciação da Cultura Portuguesa ” by Filipa Martins
“Arte Participativa – Onde o Social é Arte, e a Arte é Política… Ou não?” by Andreia Martins
“OE 2025- Um Sinal de Maturidade Democrática” by André Vigário
“Entre a Teatralidade Política e a Ausência de Futuro ” by Rodrigo Sousa

FICHA TÉCNICA
Direção Editorial
Ana Bernardes e João Valor Design Gráfico e Paginação
Matilde Figueiredo, Beatriz Montez, Alice Bosca, Beatriz Silva, Maria Pires e Nicole Silva
Redação
Filipa Martins, Andreia Martins, André Vigário, Carolina Duarte, Catarina Mendonça, Rodrigo Rossa , Rodrigo Sousa e Selena Pereira Revisão
Gabriela Figueiredo, Rogério Costa, Ana Baeta, Ana Helena Torino, Isabela Bento, Laura Neves, Maria João Saraiva e Mariana Henriques
NOTA DOS EDITORES
Ana Bernardes João Valor e

À data de saída desta terceira edição, muitos de nós, a caminho de casa e ainda com a barriga às voltas do Halloween (claramente por causa dos açúcares ingeridos), procuramos algo de diferente para o fim de semana. Algo mais calmo, mais educativo talvez; o Volta ao Mundo é a resposta.
Os fins de semana são sempre aqueles momentos mais calmos em que nos podemos dedicar a explorar outros horizontes que não os da azáfama do quotidiano. Não são dias “úteis”, mas certamente servem para muito. Afinal, quem não gosta de se sentar em frente ao sofá, tapado por uma manta e com uma chávena de chá bem quentinha a ler mais uma edição do nosso jornal?
O jornalismo representa isso mesmo, um último reduto de romantismo nestas sociedades industriais atuais, onde o tempo, tão valioso como o euro ou o dólar, passa ao lado dos mercados como se de nada se tratasse. Por isso é que deve ser preservado, como garante de um modo de vida mais reservado, mas mais emancipado; mais tranquilo, mas também mais atento. No fundo, é este o objetivo do nosso jornal.
Deixamo-vos com mais uma edição, onde voltamos a dar a volta ao que se passa neste nosso mundo, e onde terminamos com mais um debate, celebrando a pluralidade e o debate de ideias.

Mediatização de assuntos internacionais e grandes potências: o caso de Taiwan CarolinaDuarte
O palco internacional tem por hábito limitar a mediatização de certos conflitos internacionais para se focar noutros. É certo que há conflitos em que se torna impossível evitar a mediatização, e outros em que proclamar a escalada de tensões a nível internacional não daria o melhor resultado A verdade é que podemos comparar a política internacional à gestão de uma cidade muito grande, tal como os próprios termos exigem. Política vem do grego polítea, derivado de polis, ou seja, tudo que tenha que ver com a cidade Juntando o termo internacional, ficamos com um conceito que descreve tudo que envolva a ‘cidade internacional’.
‘O sistema internacional é inegavelmente anárquico, no entanto, existem potências que têm claramente mais poder que as restantes. Podemos assim dizer que o palco internacional se assemelha à tal cidade: pessoas (estados) mais ricas que influenciam mais as decisões da cidade, e pessoas mais pobres que não têm o poder de se defender Assim, estes países com mais poder escolhem quais os conflitos que terão ênfase Como têm mais poder, detêm mais responsabilidade sobre a paz e segurança internacional, logo, esses países não podem escolher quais os conflitos que vão gerar pânico na população. Quanto mais pânico, menos segurança, tanto a nível nacional, como a nível internacional Apesar da presença das organizações internacionais onde os estados têm tendências neoliberais, quando estes se sentem ameaçados, o lado realista tende a surgir: acumular poder de forma a garantir a sua defesa. Por outro lado, as próprias tensões entre os vários estados influenciam muito a presença dos conflitos relacionados nos media. O que está a acontecer em Taiwan pode ser considerado uma mistura dos dois.
Desde 2023, a China tem lançado sobrevoos militares sobre Taiwan, território que considera ‘strayed colony’, ou seja, território que um dia será seu outra vez. As tensões entre a China e Taiwan, nomeadamente entre China, Taiwan e os Estados Unidos, não são recentes, remontando o último passo de tensão ao século passado.
Taiwan existiu, até ao século XVII, como um estado soberano, sem ser colónia. No entanto, neste século, tornou-se colónia dos Países Baixos, que mais tarde voltariam a perder o controlo sobre Taiwan. Este não foi o fim dos colonialismos para estas ilhas, estando debaixo do regime chinês durante vários séculos. Em 1895, a China cede soberania de Taiwan ao Japão, que teria Taiwan sobre o seu controlo até 1945 Dois anos antes da independência de Taiwan, este é declarado como parte da China na Declaração de Cairo pelos Estados Unidos, Reino-Unidos e pela República da China. Entre 1947 e 1949, as tensões entre os dois grupos políticos da China, a República da China (RoC) (liderado pelos Kuomintang) e o PCC (Partido Comunista da China), escalam de tal forma que desenvolvem a guerra civil que já se vinha a avizinhar. Quando em 1949 o PCC ganha, a RoC refugia-se em Taiwan com mais de um milhão de chineses atrás. Como era a República da China a ser reconhecida a nível internacional, entre 1949 e 1971 Taiwan era a China, chegando mesmo a assinar o tratado da ONU como China. No entanto, em 1971, no meio da Guerra Fria, a ONU reconhece a China continental como a ‘única legítima representação da China’, obrigando Taiwan a retirar-se desta organização Desta forma, Taiwan deixa de ser reconhecido a nível internacional.
Mediatização de assuntos internacionais e grandes potências: o caso
de Taiwan
Em questões de reconhecimento, atualmente, Taiwan cumpre 7 dos 8 requisitos para ser reconhecido como estado a nível internacional. O único requisito em falta é o reconhecimento de vários estados. Ou seja, para fazer parte da ONU, Taiwan tem de ser reconhecido por 2/3 dos estados presentes na assembleia, tal como pelos 5 estados com poder de veto no Conselho de Segurança (CS) e por 4 dos 10 estados que acompanham os 5 permanentes do CS. O problema é que a China nunca reconhecerá Taiwan como território independente, uma vez que considera já ter esse território de volta Enquanto membro permanente do Conselho de Segurança, a China impede Taiwan de fazer parte desta organização, impedindo assim o seu reconhecimento a nível internacional. Neste momento, apenas 13 países reconhecem Taiwan como um país independente, apesar de alguns, nomeadamente os Estados Unidos, manterem relações amigáveis com este território, principalmente devido à sua localização geográfica e aos seus componentes de exportação.
A nível internacional, não é muito vantajoso reconhecer Taiwan como parte da China, pois Taiwan controla uma parte do mar da China, o que significa que, fazendo parte do Estado chinês, este controlaria praticamente todo esse mar, bem como todas as rotas que por aí passam. Por sua vez, tal significaria que a China teria controlo sobre o mercado de semicondutores. Nem uma proposição nem outra agrada aos Estados Unidos dado que, com a situação descrita, perderiam imensa força nas duas áreas No entanto, também não é vantajoso reconhecer Taiwan como estado independente, de modo a evitar causar ira à China.

CarolinaDuarte
Encontrando-se Taiwan neste papel tão precário, torna-se indesejável para praticamente todos os países manter relações mais que neutras com Taiwan, mesmo que estes o façam secretamente. Sendo tanto a China como os Estados Unidos grandes potências mundiais, verbalizar de forma potente as simulações de ataques que a China tem andado a fazer a Taiwan acaba por se tornar imprudente. Taiwan é apenas um palco para as tensões pré-existentes China-USA, duas potências que não devem ser provocadas neste momento, dado o aumento da crise a nível mundial. Assim, por mais que estes ‘sobrevoos’ aparentemente inofensivos não tenham sido tão mediatizados quanto isso, todas as razões subjacentes não o permitem.
As relações Taiwan-China, e as relações ChinaTaiwan-EUA, são tensas desde o início, devido principalmente à posição geográfica, exportações e também ao modelo político de Taiwan. No entanto, e a menos que estejamos a par do assunto, é raro ouvirmos menção de tal nas notícias, principalmente devido a políticas e jogos de poder que obrigam os estados a tomarem a decisão de ‘não se intrometer’ em muitos assuntos. Como tal, as potências mundiais acabam por deter também quase um monopólio dos media que relatam situações internacionais, seja para o bem, seja para o mal Será a falta de mediatização dos assuntos internacionais a nível das ex-colónias um problema futuro para as potências internacionais? Isso deixo ao critério do leitor.
Bibliografia: https://www.taiwan.gov.tw/content 3.php https://worldpopulationreview com/countryrankings/countries-that-recognize-taiwan https://www.bbc.com/news/world-asia-34729538

MOR DE UM HECE RodrigoRossa
a, tão reles quanto as outras, tão o, o amor revelou-se ser, sempre, não se alcança nem por gestos, rituais. Nem, tampouco, por rezas mente invisível, uma bússola sem ncionalização desolante. O amor e traduzida, seria uma desfeita; é ão; é um desejo, pelo outro, não ferida que ele, de modo algoz e suporta deveras a custo O amor, s, empático, como um reflexo de z, na sua presunção de esquivo e o teu, que também é um entre a realidade entre muitas outras É finitude, mas não é limite Ou ada que não se vê, não se toca e modo, um amor já só um desejo; r-se.
compósita irrealidade, tornou-se autoimposta, quis ele olhar-se ao ão d’uma coisa impossivelmente era o amor.E o amor, note-se, é ínico sorriso na cara. Ou, pelo
eantes de sangue pelos meandros es dois corpos distintos, um, por utro, quiçá amável, locupleto de s, em ilhas semotas, na penumbra o, na trepidez d’uma direção que conhecessem, a contragosto, um lsa mútua, quase em forma de um mundo populoso, constituído e viram durante um tempo quase não é quantidade. Não soube o para, de súbito, ter assolado o a nevosa e revolta intempérie.

MOR DE UM HECE
RodrigoRossa
gas ignotas, ora por necessidade, de sédula e obstinada busca, nefável Os corpos, a braços com seram aquecer-se a todo o custo. s, desossados por uma sensaçãoo-real de trepidez extenuativa, é a espera da união consumada. nte, o composto cárneo que os tos o mais importante do nosso lhe confere substancialidade Os onjura e da colacia sem calor,
de dentro, e já não os pregressos s veredas de um desconhecido ogo aurifúlgido, lograram, enfim, e. Não se fez luz, mas fez-se um na sua inteireza muscular, pôde, rmonizar-se num só.
ífico luciferino, uma tempestade, bosos, de pluviosidade cortante, vido e malévolo, partiu-se Faltava nhado de confusão, escrever um

MOR DE UM HECE
RodrigoRossa
do algures
sico
sferas outras, a musa, vivemos aqui, no local entoso o

MOR DE UM HECE
RodrigoRossa

MOR DE UM HECE RodrigoRossa
mo
m dois, desacompanhados de sim não se evade do cárcere ue se fizesse algo mais. Não misférios desse coração uno, deixar um espírito, pois que ve, não porque é inefável, mas entre os muitos que também o. O fantasma percorrerá um mundo, de um compromisso nfim, ‘inda agora encetou. O de, dele diferente, mas que o uma ideia, uma consumação. ma experiência que talvez vá o amor, se é que ele existe
SelenaPereira
Em breve licenciada pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), resolvi dedicar metade do meu ano de finalista a molhar figurativamente o meu pezinho tamanho convencional 38 no mundo do trabalho, em contexto de estágio curricular Aquiestoueu,deposturacorcundainclinada para a frente, numa cadeira que aparenta ser high-tech masqueé,naverdade,mediocrementeconfortável,em frenteaumasecretáriademasiadoespaçosaparaomeu portátil,telemóvel,eumcopodeáguavazio(amáquina da água está no primeiro andar e requer que eu desça trêslancesdeescadas).Sento-meaquidesdeasnoveda manhã e cá estarei sentada até às cinco da tarde Não tereieumaisquefazer,paraalémdeescreverumartigo para um jornal académico em horário de trabalho?, perguntam-me. Sim, tenho. Mas tenho também oito horasdiáriasparariscartrêsouquatrotarefasdaminha to-dolist-doisoutrêsemailsporenviar,umachamada telefónicadesagradávelalevaracabo,duaslinhasdeum Microsoft Excel a preencher. Se me perguntarem, direi que estou a exercer ao máximo a minha janela de produtividade:emhoráriodetrabalho,consigoescrever umartigoparaumjornalacadémicoquenadainteressa aos meus supervisores, dou umas pinceladas num ficheiro Canva que comecei como passatempo, e aproveito ainda para dar a minha review no Letterboxd do filme que vi ontem à noite. Se fizerem a mesma perguntaàminhachefe,aopiniãopoderáserdiferente
Porque teima tanto o mundo em fechar-nos em cubículos incolores, com a promessa de uma hora de liberdade ao almoço? Porquê matar o nosso potencial máximodeprodutividade,mantendo-nosrefénsdeum horáriodetrabalhoinflexívelemonótono,cujoobjetivo nãoéafinalizaçãoeficazdetarefasdiárias,massimuma prisãodiurnaquenosconstringeedeprime?
Uma semana a provar o chamado sistema laboral 9-5 bastou para me sentir um vegetal - desmotivada, sem criatividade, a ver as horas passar e a ouvir a voz da Dolly Parton na minha cabeça: “Working 9-5, what a way to make a living ” A quem o dizes, Dolly, a quem o dizes
A transição da era agrícola e industrial para a atual era digital pode ter parecido harmónica: a comunicação entre agentes económicos foi facilitada; é possível fazer videoconferências em salas grandes com parceiros comerciais na China; e, de formag generalizada, faz-se muito mais em muito menos tempo As necessidades económicas da população também sofreram um shift e, de muitas formas, o mercado adaptou-se. A mecanização de funções industriais e manuais deixou de ser a norma, permitindo um maior processo criativo em contexto de trabalho Em termos de resultados, certamente parece que o mundo evoluiu. Porém, se colocarmos uma lupa por cima de qualquer edifício estilo-skyscrapercomercial, notamos que o bem-estar do empregado comum é profusamente ignorado e a sua eficiência acaba por ser também prejudicada Numa era e que a produção de informação e ideias como bem económico é não só altamente procura como inerentemente valiosa, onde estão os espaços criativos que permitem a sua produção otimizada? Como é que esperamos eurekas e breakthroughs no escritório, quando obrigamos os seus criadores a ficar incubados o dia todo, com intervalos mínimos, pausas de almoço pouco inspirativas e conversas de café na copa da equipa?



SelenaPereira
O sistema de trabalho 9-5 obriga quase semanticamente à monitorização constante dos seus trabalhadores. É um sistema que privilegia a contagem de horas fixas (oito por dia, que se amontoama40porsemana)aoinvésdeumdiade trabalho contabilizado por tarefas realizadas, ou o chamado goal-setting, um método cada vez mais apelativo ao mundo laboral. Se um trabalhador for recompensado pela quantidade de deveres que foremriscadosdalistadeafazeres,emvezdepelas horas que passa sentado numa secretária, o quão substancial será o incremento não só na produtividadedecadaempregadoindividualmente, mas também na produtividade geral desse mesmo localdetrabalho?
A realidade está de facto a mudar Surgem novas propostas que prometem renovar o mercado de trabalhocomooconhecemos.Asemanade4dias, por exemplo, tem revelado resultados ótimos em sítiosondejáfoitotalmentepostoemprática,como naNovaZelândiaenoJapão
Também a modalidade de regime híbrido parece começaraganharforçajuntoacertassedes-éocasoda ComissãoparaaCidadaniaeIgualdadedeGénero(CIG).
No trabalho remoto muitos começam a ver a flexibilidadedashorasdetrabalhocomomaisdoqueum confortolaboral,agoratambémumanecessidade.
Com reformas sociais a acontecerem constantemente emtodoolado,comoaumentoglobaldorespeitopelos direitos humanos e com a priorização da saúde mental individual, a conciliação da vida profissional com a vida pessoal deve tornar-se (e, felizmente, tem-se tornado) o foco. Não é ilógico afirmar que a valorização da saúde mentalebem-estardeumprofissionalirápositivamente transbordar para o seu trabalho. E, se a prioridade das entidades capitalistas para as quais trabalhamos continuaraserosaumentosnosníveisdeprodutividade, declaro então, finalmente, o sistema de trabalho 9-5 inevitavelmenteobsoleto.



O Solarpunk como Antídoto ao Pessimismo Ambiental
CatarinaMendonça
A crise ambiental e as desigualdades sociais que marcam o nosso tempo exigem uma reimaginação radical do futuro, e é neste contexto que o movimento solarpunk emerge como uma resposta criativa e otimista, propondo uma visão de mundo que integra a justiça social e a sustentabilidade ecológica. Criado em 2008, contrariamente às narrativas distópicas que frequentemente dominam os discursos sobre o futuro, o solarpunk não se limita a criticar os sistemas existentes. Este apresenta soluções concretas, inspirando a construção de comunidades resilientes e interconectadas, onde a natureza e a tecnologia coexistem em harmonia.
O artigo “A Solarpunk Manifesto: Turning Imaginary into Reality”, de William Joseph Gillam, explora os pressupostos teóricos que guiam esta forma de imaginar o futuro, argumentando que a visão solarpunk não se limita a uma utopia distante, mas que serve como um guia prático para a construção de um mundo mais justo e sustentável
Mais do que qualquer outra coisa, a visão solarpunk é antitética ao capitalismo. Os seus valores rejeitam a dominação da classe trabalhadora pela classe capitalista, e apoiam a abolição da propriedade privada como condição necessária para o projeto da pósescassez, onde todos os meios produzidos e consumidos visam assegurar o bem-estar de toda a população, desviando o foco na aquisição de luxos. O trabalho é limitado apenas às necessidades que não conseguem ser atendidas pela automatização - um processo que resulta da fusão de novas tecnologias com um projeto humanizado da produção, libertando tempo e energia para que cada membro da sociedade possa se expressar artística e criativamente O capitalismo e a visão solarpunk não conseguem, de maneira alguma, coexistir no mesmo tempo e espaço.
Para os teóricos desta utopia, isto não é viável sem a abolição das estruturas verticais que compõem a hierarquia capitalista e, logo, do Estado Por isso, numa perspectiva anárquica, sugerem o estabelecimento de comunidades descentralizadas e de assembleias democráticas e participativas responsáveis por decidir as políticas, sendo que o poder deve ser distribuído de forma horizontal
A visão solarpunk do futuro preconiza a reintegração da sociedade com a natureza, “(...) reconectando a humanidade às suas raízes, sendo o sol a fonte primária de energia” O foco deixa de estar exclusivamente no ser humano e passa a incluir os ecossistemas e animais, que devem viver desvinculados da dominação humana. A natureza e os animais têm valor intrínseco e “[a] governação deve mudar de uma perspectiva antropocêntrica para ecocêntrica, considerando as necessidades da biosfera em detrimento das necessidades da humanidade.” (Gillam, 2023). Da mesma forma, propõe-se a eliminação dos combustíveis fósseis em favor da utilização de energias renováveis, como a eólica e a solar
Esta utopia imagina ainda uma integração harmoniosa entre a produção agrícola e os ecossistemas naturais, através de práticas que não só respeitam mas também imitam estes ecossistemas.

O Solarpunk como Antídoto ao
Pessimismo
Ambiental
CatarinaMendonça
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O Solarpunk como Antídoto ao
Pessimismo
Ambiental
CatarinaMendonça
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A influência cultural anglo-saxónica na depreciação da cultura portuguesa FilipaMartins
“A cultura assume diversas formas ao longo do tempo e do espaço Esta diversidade está inscrita no carácter único e na pluralidade das identidades dos grupos e das sociedades que formam a Humanidade ” (UNESCO, 2002, 62). Inicio este artigo com um excerto retirado da Declaração Universal para a Diversidade Cultural publicado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em 2002, órgão universal utilizado como referência para a difusão da paz através da cultura, entre outros elementos. Ora, que melhor agência pode ser utilizada para evidenciar a riqueza e singularidade cultural do que a própria UNESCO, cuja relevância pode ser elemento definidor e valorativo de uma sociedade?
Ao falar de uma “invasão” anglo-saxónica no hodierno, em nada esta se relaciona com uma invasão literal, de cariz militar. É antes um termo empregado metaforicamente para se referir à influência predominante da cultura, língua e produtos culturais de países de língua inglesa, como o Reino Unido e os Estados Unidos, sobre Portugal; uma tendência gradual cada vez mais acentuada num contexto de pós-globalização
Olho para o caso português com uma pontada de angústia, perante uma realidade em que a cultura é ainda subvalorizada, em prol do consumo de bens culturais estrangeiros, essencialmente anglo-saxónicos. Ao olhar para este loop, apercebo-me de que sou simultaneamente vítima e culpada da perpetuação deste sistema Não é fácil abordar este tema quando parte das minhas preferências cinematográficas, literárias ou musicais recaem precisamente sobre autores estrangeiros.
À medida que vou crescendo e desenvolvendo as minhas preferências, procuro desesperadamente mergulhar na cultura do meu país, consciente da sua vastidão e do tempo que despendi sem a explorar devidamente.
A questão da valorização cultural pode ser analisada através de várias perspectivas. A riqueza cultural portuguesa não está em causa: somos portadores de uma vasta herança cultural em áreas como a literatura, a música, a gastronomia ou a arquitetura. Ainda assim, é por demais evidente que essa cultura não é valorizada em alguns contextos, tanto a nível interno como externo É possível encontrar alguns fatores explicativos como o facto de Portugal ser um país pequeno em termos populacionais e de dimensão geográfica, o que influencia a sua projeção internacional, que se revela mais discreta. Apesar de haver uma crescente visibilidade de elementos culturais portugueses, muitos deles ainda não chegam a ser amplamente divulgados e reconhecidos fora do país. Fernando Pessoa pode até ser um ícone nacional, mas o seu impacto internacional é muito reduzido quando comparado com escritores anglo-saxónicos.
Considero que a apreciação cultural deve iniciar-se de dentro para fora. A própria perceção dos portugueses em relação à sua cultura tende a ser autocrítica. Por vezes, prevalece uma sensação de nostalgia ou até de subvalorização do que é nacional em detrimento do que é estrangeiro, gerando a tendência de dar mais valor ao que vem de fora e menosprezar o que é produzido localmente.

A influência cultural anglo-saxónica na depreciação da cultura portuguesa FilipaMartins
Está claro que a indústria cultural portuguesa, embora vibrante, não tem o mesmo peso económico que grandes mercados como o norte americano ou o britânico. Isso reflete-se na distribuição do cinema, da música e da literatura. Muitos artistas portugueses só conseguem atingir notoriedade internacional após alcançarem sucesso em outros mercados ou migrando para países onde o mercado cultural é mais robusto. Naturalmente, a globalização e os padrões de consumo cultural são frequentemente dominados pela cultura em massa dos EUA, que exporta filmes, séries e música em grande escala. Isso cria uma competição desigual para países menores como Portugal, que enfrentam dificuldades em projetar as suas próprias expressões culturais num mercado global saturado.
A Declaração da UNESCO mencionada inicialmente apresenta uma secção dedicada à “Diversidade Cultural e Criatividade”, que pretende contribuir para a proteção de todas as formas de património e bens culturais, reconhecendo, particularmente, que os bens e serviços culturais são únicos, “vetores de identidade, valores e significado que não devem ser tratados como meras mercadorias ou bens de consumo” (UNESCO 2002, 63) As políticas culturais devem, portanto, proteger a circulação e a divulgação de ideias e trabalhos, procurando promover a diversidade. Contudo, nas últimas décadas, tem-se vindo a verificar que as forças de mercado por si só não podem garantir a preservação e promoção da diversidade cultural.
Os governos têm vindo a empregar estratégias para proteger a diversidade cultural, mas nem sempre com o resultado desejado. Um exemplo dessas estratégias é a Lei da Rádio, aprovada no ano passado Esta tem como objetivo regular o acesso à atividade de radiodifusão sonora e o seu exercício no território nacional, fixando uma percentagem mensal obrigatória de 30% como quota mínima de música portuguesa na rádio Apesar de bem intencionada e de efetivamente estar a ser cumprida, a lei não se revela incrivelmente eficaz, uma vez que a música portuguesa difundida limita-se a uma sonoridade de mainstream, a típica música comercial, deixando inexploradas inúmeras outras áreas musicais, tão ricas e merecedoras de destaque.
De facto, o papel do Estado na promoção da cultura deveria ser mais profundo, porém, analisando a tendência dos últimos anos, e a negligência com que o setor cultural foi brindado aquando da pandemia da COVID-19, não considero que a mesma seja uma prioridade central para o governo português, deixando ao deus-dará milhares de profissionais cujos trabalhos não são reconhecidos, e abrindo espaço para que a tendência de consumo internacional continue a reproduzir-se
A influência cultural anglo-saxónica na depreciação da cultura portuguesa FilipaMartins
Ao elaborar este artigo, procurei explorar o depoimento de algumas personalidades submersas na conjuntura cultural portuguesa, desde a língua até à literatura, que nos oferecem a sua perspetiva sobre esta temática Entre elas, Maria Manuel Baptista, professora catedrática da Universidade de Aveiro e diretora do programa doutoral em Estudos Culturais, declarou à Renascença que não considera a inserção de palavras de origem anglófona, por si só, uma ameaça à língua portuguesa O que a coloca em causa “[…] é acharmos que ela é incapaz, inferior, desadequada para o que queremos expressar, seja a nível tecnológico, de ciência e no dia a dia.” (Renascença, 2019).
Quanto à difusão da cultura portuguesa no exterior, Hélder Macedo, poeta e investigador literário português, realça a pouca abertura dos países de língua inglesa a obras estrangeiras: “[…] os ingleses leem muito pouco autores de outras línguas Eles publicam nigerianos, paquistaneses, americanos… tudo em inglês. Traduz-se muito pouco para inglês [ ] Alguns autores, sim, como Fernando Pessoa – muito – mas há uma pequena, muito pequena, penetração.” (Sibila, 2014).

Numa nota final, vale a pena realçar que esta “invasão” cultural restringe também a exposição dos cidadãos portugueses a uma variedade mais ampla de culturas e línguas, promovendo uma visão mais limitada do multiculturalismo. A relevância da língua inglesa é inegável para a nossa sociedade, mas tende a adquirir um certo tom limitador, como se a aprendizagem da mesma fosse mais do que suficiente para termos acesso a quase todas as culturas. Assim, sigo inquieta e com um desejo urgente de conectar-me com a cultura do meu país, procurando reconhecer tudo aquilo que permanece inexplorado, igualmente merecedor de aclamação e enorme reconhecimento
Referências Bibliográficas:
Expresso,https://expresso.pt/blitz/2023-12-15Aprovada-quota-minima-de-30-de-musicaportuguesa-na-radio-293013ad
Renascença, https://rr.sapo.pt/especial/pais/2019/08/14/e-seuma-lei-acabasse-com-os-estrangeirismos-emportugal/161007/
Sibila, https://sibila.com.br/mapa-da-lingua/alingua-portuguesa-e-o-dominio-das-culturasanglo-saxonicas/11144
UNESCO Universal Declaration on Cultural Diversity, 2002
Arte Participativa:
Onde o Social é Arte, e a Arte é Política... Ou não?
AndreiaMartins
Escreve Claire Bishop, na sua monografia Artificial Hells, publicada em 2012 pela Verso Books: Creativity and Cultural Practice
(…) In the UK, New Labour (1997-2010) deployed the rhetoric almost identical to that of the practitioners of socially engaged art in order to justify public spending on the arts Anxious for accountability, the question is asked in office in 1997 was: what can the arts do for society? The answers included increasing employability, minimising crime, fostering aspiration – anything but artistic experimentation and research as values in and of themselves. (…) The key phrase deployed by New Labour was ‘social exclusion’: if people become disconnected from schooling and education, and subsequently the labour market, they are more likely to pose problems for welfare systems and society as a whole. (…) for New Labour, it effectively referred to the elimination of disruptive individuals. To be included and participate in society means to conform to full employment, have a disposable income, and be self-sufficient. (…) In this logic,l participation in society is merely participation in the task of being individually responsible for what, in the past, was the collective concern of the state
Ao longo de 363 páginas de interpretação histórica e teórica, na qual encontramos esta citação, Bishop explora o trajeto da arte participativa ao longo do século XX, enfatizando e desconstruindo o papel da politização da arte na sua evolução, com ênfase sobre o papel da prática utilitarista (e quase engenheira) social da arte.
Entenda-se primeiro qual o objeto da crítica de Bishop, definindo arte participativa.
O caráter controverso e ambíguo da temática parece estender-se desde aqui: embora consiga estipular-se sucintamente que comporta uma pluralidade de sinónimos, é difícil determinar o que delimita a arte participativa. Por entre a multiplicidade de abordagens, Bishop vê em Debord e The Society Of Spectacle, bem como em Bourriaud e Relational Aesthetics, uma interpretação da sua génese:

Arte Participativa:
Onde o Social é Arte, e a Arte é Política... Ou não?
AndreiaMartins
“‘In a World all but totally subjugated by the commodity form and the spectacle it generates, the only remaining theatre of action is direct engagement with the forces of production. Even the curator Nicholas Bourriaud, describing relational art of the 1990s, turns to spectacle as his central point of reference: ‘Today, we are in the further stage of spectacular development: the individual has shifted from a passive and purely repetitive status to the minimum activity dictated to him by market forces Here we are summoned to turn into extras of the spectacle.”
É possível, então, que a arte participativa se resuma à capitalização, à tangibilização da participação individual na arte? Vemos agora mais nítidos os contornos maleáveis e voláteis que levantam as questões posadas por Bishop. Será a arte participativa somente a concretização do ser humano como bem social utilitário, desta vez utilizado como um instrumento na compreensão e difusão social de “arte”, um meio para a disseminação do perfil de “cidadão ideal”?
Bishop diverge deste ponto, mas não o abandona – é certo que existe, sem dúvida, arte produzida unicamente com o propósito de obter resultados tangíveis para um projeto artístico em concreto, de demonstrar produtos palpáveis de práticas cujas repercussões são frequentemente imateriais. É a arte utilitarista, patrocinada por governos com políticas de Welfare State, como é o caso do Reino Unido entre 1997 e 2010. No entanto, a concetualização deste formato como padrão normativo do movimento é para Bishop uma conjetura errónea. Jeremy Deller e o seu Battle of Orgreave, bem como o complementar filme homónimo dirigido por Mike Figgis, convidam à comparação entre narrativas geralmente opostas no espetro cultural (a recriação histórica e performance artística), e a um diálogo entre a história da arte e a história social britânicas num espaço compreensivo das circunstâncias sociais envolventes. É neste valor transversal e comunicativo que reside o valor artístico da recriação de um dos mais demarcados confrontos de classe britânicos do século XX que opôs, na década de 80, a comunidade mineira britânica e a autoridade do governo de Thatcher, após um ataque da primeira-ministra ao setor, que veio a debilitar o movimento sindical britânico e a incentivar a agenda conservadora e a implementação de programas de mercado-livre; A difusão de compreensão para com a comunidade mineira de Orgreave, que foi vítima de uma falta de compreensão social, baseada no conflito policial retratado, foi crucial para a sensibilização social britânica.

Arte Participativa:
Onde o Social é Arte, e a Arte é Política... Ou não?
AndreiaMartins
Os participantes associados a grupos de recriação histórica, que temiam o seu encontro com a comunidade mineira na recriação de um evento histórico violento e sensível, alteraram drasticamente a sua perceção pessoal da narrativa do confronto, quando puderam melhor compreender o comportamento social da comunidade e as suas motivações, numa relação empática propiciada pelo contexto da recriação. De uma forma similar, Oda Projesi, um grupo de três artistas, procurou, entre 1997 e 2005, estimular o convívio entre várias comunidades do distrito de Galata, em Istambul, através de uma instalação artística num apartamento de três quartos, onde trabalharam diretamente com a vizinhança na organização de workshops e eventos; Ou ainda Superflex e Charles Esche, que concretizaram Tenantspin, uma estação televisiva online-based sobre um complexo predial em Liverpool, que procurava construir uma maior sensação de comunidade no prédio.
Podemos, à partida, denotar uma ponte entre estes projetos – é arte participativa toda a que procura oferecer ao observador uma experiência em que ele próprio se insira diretamente e que seja capaz de proporcionar um contacto e apreensão individuais, imprimindo uma sensação ou reação sobre um contexto social específico, sem a formulação, sugestão, ou implicação de uma expectativa quanto a essa experiência.
O valor da “verdadeira” arte participativa é frequentemente apresentado numa dicotomia entre si e o valor da arte comercial que procura assegurar a sensação imediata de satisfação, de utilidade perante a obra; como é característico da lente capitalista de materialismo e empirismo supremos. Compara-se o retorno emocional imediato de, por exemplo, participar num workshop descontextualizado e sem propósito social conciso, com a retribuição sob a forma de consciência coletiva (como em The Battle of Orgreave, que serviu um propósito de disseminação de informação e sensibilização da população britânica para com a luta de classe do setor mineiro).
Claire enfatiza ainda o papel da arte participativa na sensibilização do observador, na consciencialização e na mudança social – realçando a relevância da mudança que a arte deve provocar, ao invés de apenas relatá-la, outro ponto em que diverge da arte “comercial”. Opondo-se a Kester e a sua visão ética ortodoxa que rejeita o valor de choque na arte como método de sensibilização, Bishop defende ao invés o papel extremamente político da obra artística e o papel crucial desta na moldagem de circunstâncias sociais, para além da sensibilização da população para as mesmas.
Surge aqui a pergunta protagonista desta análise: como interagimos com a arte que nos rodeia? Como nos impacta ela, social e individualmente? E, por fim, como nos comportamos quando dela somos privados?

Arte Participativa:
Onde o Social é Arte, e a Arte é Política... Ou não?
AndreiaMartins
Decerto a abordagem atual defenderia que a arte, participativa ou não, deveria isentar-se de um propósito determinado que não o de ser arte, e provocar, como tal, uma reação sensorial no “participante”. À falta de um consenso terminológico, é simples compreender a subjetividade da noção de arte “participativa”, que por sua vez se converte num “despoliciamento” do que realmente integra o campo em debate Para Kester, a flexibilidade e pluralidade de sentidos que a área pode assumir numa sociedade capitalista, que demanda resultados empíricos para uma estipulação teórica, a forma de uma ausência de “controlo de qualidade” quanto à natureza dos projetos artísticos. Ora, se o utilitarismo de um projeto artístico resultar numa melhor demonstração direta da razão do investimento nele colocado (como os inúmeros benefícios apresentados pelo Welfare State), é imediato que a agenda capitalista o valorize acima de um outro projeto cujos resultados se produzam de forma imaterial ou intangível (como vemos em Oda Projesi e Battle of Orgreave). O permeio da arte que não procura transformar o mundo, e sim relatá-lo, é onde Bishop diverge da opinião de Kester Enquanto a arte verdadeiramente participativa convida o participante a não só constatar, mas criticar, a arte que performatiza a participação individual (ainda que monetariamente mais rentável), não procura realmente nela causar algo que não a contemplação. Este estado contemplativo artístico traduz-se, como procurámos demonstrar, num estado contemplativo social que, como frisa Bishop, desincentiva a participação social com a comunidade e o Estado, frequentemente fomentando o progresso da agenda individualista, conservadora e da direita económica
Nesta lógica, tomamos agora como previsível a ascensão de David Cameron e a implementação neoliberal do seu mandato, culminando no desincentivo do setor público e consequente promoção do setor privado, com iniciativas como o Big Society.
Mediante a redução do apoio à cultura pública, adjacente nomeadamente aos cortes de financiamento no setor cultural, universidades e ao drástico aumento do valor das propinas académicas anuais, implementados após esta curta campanha de “reabilitação artística”, foi previsível o impacto social do estancamento da sensibilização artística no Reino Unido. A inexistência de um formato artístico que permita ao indivíduo interpretar, criticar e transformar o meio à sua volta imobiliza quaisquer entraves individuais à agenda governamental quotidiana e à implementação do projeto capitalista adjacente, ao qual se adicionam as implicações estritas e diretas para os profissionais do meio que perdem uma substancial percentagem do seu rendimento (se não total) Isto não significa uma resposta passiva pessoal ao seu decurso (do qual são prova os protestos estudantis decorrentes do aumento do valor dos emolumentos universitários), mas uma impotência individual perante o estado enquanto figura institucional e de autoridade.

Arte Participativa:
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AndreiaMartins
Os efeitos sociais da negligência no investimento e no apoio à informação, à cultura e à arte públicas demonstram-se transversais aos regimes pautados por políticas neoliberais de mercado livre. A hipotética revogação dos direitos da RTP à emissão de segmentos publicitários televisivos, proposta este ano pela administração da Aliança Democrática, encabeçada por Luís Montenegro, denota este cariz. Perante a falta de investimento público no setor, é compreensível que a comunicação pública se veja significativamente dependente dos rendimentos gerados por estes intervalos comerciais, especialmente mediante a solicitação de até 250 despedimentos “voluntários”. De uma forma similar, a proposta para o aumento do valor das propinas universitárias, proposta também este ano pela mesma administração, não suscita uma receção calorosa por parte da comunidade académica.
Podem os cortes no financiamento público demonstrar um impacto social também em Portugal? O Reino Unido é agora testemunho de um pesado legado conservador; Thatcher e o lema “there is no such thing as society” arrastam-se até Cameron e a sua Big Society (que desincentivou o contacto entre indivíduos e figuras do Estado para a resolução de problemas, e promoveu a resolução autónoma desses problemas com a “ajuda” do estado).
A prática da arte num modelo neoliberal, em que a arte “que toda a gente pode fazer” substitui o lugar da arte participativa, crucialmente crítica e disruptiva, não é senão um exercício experimental das políticas individualistas e reformadoras da realidade social. A contenção da radicalização à direita e do crescimento conservador, efeitos tipicamente atribuídos à disseminação da arte participativa, tradicionalmente associada a uma ideologia humanitária e de esquerda, é ausente. Parecendo uma medida de cariz elementar é, na realidade, uma fase importante da dessensibilização e da desconstrução do vínculo do contrato social – não só na relação entre o indivíduo e o Estado, mas com o social. A falta de coesão reforça o sentimento de isolamento e ausência de unidade social – que embora exista ainda, é enfraquecida pelo governo que a debilita e que discreta e lentamente desarma o coletivo social dos direitos assegurados pelas prévias noções de contrato social (empreitada por si só de cariz inofensivo mas que assume esta tonalidade quando considerado o viés político governamental, assumidamente adepto do investimento económico e pouco amigável para com a força coletiva ou sindical, ou sequer o reclamar individual e coletivo da soberania popular).

Arte Participativa:
Onde o Social é Arte, e a Arte é Política... Ou não?
AndreiaMartins
A análise de Bishop estende-se ainda a outros períodos e projetos artísticos, procurando demonstrar esta relação incontornável entre a arte participativa e o meio social – que não iremos abordar, mas cujo conteúdo enfatiza esta problemática num número de diferentes contextos. Após a vitória eleitoral de uma administração neoliberal, seguida de repetidas ameaças ao setor público, sublinha-se a crescente seriedade que esta questão assume em Portugal. Numa população em si amplamente deseducada para as noções de coletividade e sociedade, que se reflete numa significativa percentagem da representação parlamentar ocupada pela extrema-direita, o desinvestimento no público não é senão um reforçar da ameaça: a deseducação e o extermínio das artes não incentivam senão a mesma dissolução do contrato social que, há não tanto tempo, subjugou o Reino Unido.
Assim, é importante a consciência e a preservação das noções de obrigações irrevogáveis do Estado, das noções de coletivo e de social – e do papel que a arte neles desempenha. Um Portugal sem arte, cultura e sociedade é um Portugal para o qual o único futuro possível é o do fosso social, industrial e económico, patrocinado pela agenda liberal.
Bibliografia:
https://www.standard.co.uk/hp/front/culture-cuts-would-cause-irreparable-damage-say-arts-chiefs6492298 html
https://www.local.gov.uk/sites/default/files/documents/download-big-society-look-97a.pdf https://thenewdawnliberia.com/david-camerons-culture-war/

OrçamentodeEstado
Dossier








Um sinal de maturidade democrática
OE 2025: AndréVigário
Muito se tem dito sobre aquele que deve ser o Orçamento do Estado para o ano de 2025 Da esquerda à direita, de progressistas a conservadores, parece não ser possível um consenso As notícias sobre o possível chumbo do documento (e subsequente crise política) têm vindo a ser debatidas desde o rescaldo das eleições. Horas e horas de comentário político sobre o processo de negociação, os avanços, os recuos, as medidas, as alianças, os mecanismos causando um desgaste natural na opinião pública sobre este tema.
No entanto, os sucessivos orçamentos constituem uma parcela significativa dos instrumentos basilares para avaliar tanto o desempenho dos governos no geral, como também as prioridades setoriais de cada executivo. Convém, então, perceber que verbas e políticas o governo de Luís Montenegro pretende aplicar a cada área da sociedade. Para tal, selecionei dois campos de atuação que, na minha ótica, foram descurados pelos executivos anteriores, que serão as áreas da saúde e habitação.
Começando pela área da saúde, destacam-se duas linhas de ação Primeiramente, há que realçar o aumento de 9% no seu orçamento, a maior alocação de recursos dos últimos 5 anos, superior à destinada ao setor durante a pandemia (ano de 2022, por exemplo). Em segundo lugar, o Orçamento prevê um reforço da autonomia das instituições e descentralizações nos órgãos administrativos. Estas medidas permitirão a cada polo de cuidados de saúde, cientes das necessidades específicas de cada localidade, adotar políticas mais eficazes e apropriadas a cada realidade.
Destaco também o investimento em infraestruturas que inclui a construção de 4 novos hospitais (Hospital de Todos os Santos, em Lisboa; Novo Hospital de Barcelos; Novo Hospital do Oeste e o novo Hospital Central do Algarve), a reabilitação/requalificação de 2 (Hospital de S. Teotónio em Viseu; Hospital Joaquim Fernandes em Beja), para além da criação de um novo centro oncológico nesta região, bem como de cinco Unidades de Saúde Familiar (USF, vulgo centros de saúde) O documento aponta também para um reforço dos cuidados pré-hospitalares, como o reforço das linhas «Oncostop» e «SNS 24 Grávidas» (respetivamente, como os nomes indicam, para doentes oncológicos e mulheres grávidas) Estas são, entre muitas outras, medidas para recuperar a saúde em Portugal, que muito tem preocupado as famílias portuguesas.
Prosseguindo para outra área de atuação, gostaria de dissecar melhor as propostas para o campo da habitação. Por intermédio do programa “Reconstruir Portugal”, o executivo de Montenegro planeia, através de uma estrita colaboração entre os setores público, privado, social e cooperativo, atenuar a subida vertiginosa do preço da habitação Para tal, elenca algumas medidas - promover a habitação pública, fomentar a habitação jovem, assegurar a acessibilidade à habitação e simplificar os processos burocráticos inerentes ao processo da compra e venda de casas. Estima-se que, através do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR, a famosa «bazuca europeia), em consonância com o financiamento mediante verbas consignadas no Orçamento do Estado, o governo consiga inscrever no parque público cerca de 60 mil (novas) casas.

Um sinal de maturidade democrática
OE 2025: AndréVigário
Para o leitor possuir termo de comparação, de acordo com o INE, em 2023 foram licenciados para construção pouco menos de 23.500 edifícios, aproveitando toda a capacidade instalada no mercado Assim sendo, apenas a habitação financiada pelo Estado traduz-se num aumento de mais de 150% da construção licenciada. Cumprindo-se os desígnios estampados no documento, a estes valores acrescentar-se-ão as iniciativas de construção de índole social, cooperativa e privada, facilitadas pela desburocratização do processo de licenciamento.
Feita uma análise mais cuidada a dois campos da vida em sociedade altamente causadores de preocupação, não se deve descurar as outras valências do documento apresentado a 10 de outubro. Da juventude aos mais idosos, parece-me, caro leitor, uma proposta equilibrada, capaz de condizer com os setores mais desprovidos de fortuna Muito provavelmente, num exercício hipotético-dedutivo, não será o orçamento ideal para fazer jus ao programa de governo apresentado pelo executivo. Resultou de um esforço de aproximação à esquerda moderada, em parte sem o mesmo empenho por um consenso do outro lado Um dos intervenientes, Pedro Nuno Santos, incorreu em variadas contradições ao longo destes quase 8 meses de legislatura. Primeiro, nos dias subsequentes à eleição, seria «praticamente impossível» o orçamento ser viabilizado Posteriormente, já constituía um exercício de responsabilidade e moderação a aprovação do documento Mais recentemente, por (alegadamente) uma descida de 1 ponto percentual no IRC, o PS não teria chegado a acordo com o governo. Na última declaração, antes da data de fecho de edição deste artigo, depois de um discurso inconsistente com a decisão final, foi anunciada a viabilização do Orçamento do Estado para 2025.
Torna-se intolerável, num país convicto da primazia de um estado de direito democrático, a forma como o líder de um partido do denominado «arco da governação» e principal opositor ao governo se comportou.
Antes de terminar, estimado leitor, gostaria de voltar a centrar-me no mais importante. Apesar de todo este «teatro negocial», o Orçamento proposto pelo governo da coligação Aliança Democrática é fundamentalmente construído pelo melhor interesse do país. Afirma-se como o resultado de um exercício democrático maduro, em que os líderes dos maiores partidos nacionais conseguiram alcançar (até ver) uma base de diálogo estável.
Não consigo, infelizmente, produzir um exercício de «futurologia». No momento de lançamento desta terceira edição do Volta ao Mundo faltam ainda vários dias para a votação final global do documento. Porém, estou convicto de que deverá ser viabilizado, tendo em conta os dados disponíveis por hora do fecho de edição. A meu ver, Portugal sairia extremamente beneficiado, acima de tudo, por abrir a possibilidade de entendimentos do género no futuro. Neste ano, em que celebramos 50 anos de Liberdade, seria imperativo que os sucessores daqueles homens e mulheres que batalharam por um Portugal democrático, produzissem um sinal da maturidade e capacidade de diálogo do nosso regime.
Referências Bibliográficas
Direção-Geral do Orçamento. (2024). Relatório da proposta de orçamento do Estado 2025. Instituto Nacional de Estatística (2023) Estatísticas da construção e habitação. Lisboa: INE.
EntreaTeatralidadePolíticaeaAusênciadeFuturo
RodrigoSousa
Não será uma surpresa para quem me conhece (mesmo que minimamente) saber que antes mesmo de ser entregue este Orçamento do Estado não seria, de todo, o "meu" Orçamento do Estado. As opções deste governo,lideradoporLuísMontenegro,refletemumpaís entregue de bandeja seja aos grandes interesses económicos em matéria fiscal, seja em navios que carregam a nossa bandeira para sustentar a barbárie em Gaza
NãodemoroumuitoparaqueoGovernoabrisseferidas algumas previsíveis devido ao viés ideológico deste executivo, mas ainda assim repugnantes em temas críticos,comoadefesadoalojamentolocaledoturismo em detrimento do direito à habitação. A série de comunicações infelizes que seguiu pareceu uma sucessão de distrações escandalosas, onde, ao invés de enfrentarem os problemas estruturais do país, Luís Montenegro e a sua equipa preferiram o palco da teatralidadeàresponsabilidadepolítica
Desde o infame “auricular-gate” e a ameaça de privatização da RTP até à linguagem securitária sobre imigração, que ecoa discursos de extrema-direita, e ao impassedodescongelamentodaspropinas,cadasemana trouxe um novo “spin”, obscurecendo o debate crucial sobre a precariedade laboral, a crise habitacional e a degradaçãodosserviçospúblicos Tudoissoocorreuem plena preparação do debate do Orçamento do Estado, tornandooclimapolíticoaindamaistenso.
O resultado? Chegámos ao debate do Orçamento num cenárioemquemuitosdenóssódesejávamosumdiade descanso semumanovacontrovérsiaoucomunicação vergonhosa por parte deste Governo, para que pudéssemos definir as bases da lei orçamental que irá reger o nosso futuro comum. A calma, no entanto, não passoudeumdesejo,eabufonariatomoucontadodiaa dia.
Nadanospreparariaparaocircomediáticoemtornoda aprovaçãodesteOrçamento Assistimosaumadançade cadeiras entre o PSD e o Chega, com rumores de reuniões secretas, num enredo digno de uma comédia românticacujodesfechojáadivinhávamosnosprimeiros minutos. Este "não é não" do governo mostrou-se mais flexível do que nunca, enquanto tentavam navegar as linhasvermelhasdoPartidoSocialista,levando-nosaum abismo onde a não aprovação do documento parecia inevitável.

A falta de uma oposição incisiva do Partido Socialista apenas facilitou o avanço deste Orçamento falho. Afinal, uma abstenção “violenta” conquista-se com alguns pontos percentuais no IRS Jovem e no IRC? Desde quando o sistema fiscal é o cerne das nossas vidas? Alguém acredita que os jovens abandonam o país por questões fiscais, e não por baixos salários e dificuldades em construir um projeto de vida que corresponda às suas expectativas? Pela falta de respostas ao combate à precariedade laboral e à ausência de políticas de equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, como a semana dequatrodias?
EntreaTeatralidadePolíticaeaAusênciadeFuturo
RodrigoSousa
Nesse contexto, discutiu-se tudo menos o que importava aprovando-se um Orçamento pífio para a nossa realidade. Podíamos ter, neste debate, defendido a autodeterminação da Palestina; que os milhõesusadosnojackpotfiscaldoIRCparagrandes empresas fossem investidos em aumentos salariais; falado de um grande plano de habitação pública e acessível; do fim das propinas nas licenciaturas e um teto nas propinas de mestrado; que defendêssemos acerrimamente o SNS. Em vez disso, sobrou uma discussãovaziaesuperficial.
Falta no panorama político português uma discussão séria sobre o futuro e sobre o projeto de país que queremosconstruir.Afaltadereformismoeambição,
Porque, ao que parece, o que mais interessa ao país não são as creches sem vagas, os alunos sem professor ou qualquer outro aspeto fundamental da nossavida Importa,afinal,debaterumadisciplinaque ensina a constitucionalidade da não discriminação um programa criado, aliás, pelo governo de Passos Coelho
Tenho saudades de debatermos o nosso futuro enquanto país de forma séria e de sentir a possibilidade de progresso real. Isso parece perdido nopantanaldiárioquevivemos,mascabe-nosrecusar o imobilismo e exigir um futuro à altura das nossas ambições,ondeoprogressosejatangíveleconstruído comseriedade.Queanossageraçãoresgateoímpeto


